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PRÓLOGO
Quem espera que a vida
Seja feita de ilusão
Pode até ficar maluco, ou morrer na solidão
É preciso ter cuidado, pra mais tarde não sofrer
É preciso saber viver.
Abraçado com uma bonequinha – uma miniatura toda colorida da vocalista do grupo As Esquisitonas – Harry chora. As lágrimas rolam do seu rosto para o rosto da bonequinha, como se esta também tivesse, por baixo do corpo de plástico, sentimentos. Harry aperta os cabelos do brinquedo, tentando se libertar da carga de dor e angústia.
Observa a boneca. As marcas da filha estão ali. Aquele era o brinquedo favorito dela.
Um risco vermelho de tinta – que, pela irregularidade do traço, ele tem certeza que foi arte dela. O desenho de uma vassoura decora uma das pernas. E, na outra perna, ele vê a marca.
A marca daquele dia. Uma das marcas daquele dia. Daquele terrível dia.
Uma bola escura de tinta preta. A marca que o tinteiro jorrou. O tinteiro, o tinteiro que voou da mão dela quando...
Não, ele não queria lembrar. Tão delicada e tão infantil e tão meiga e tão doce e tão criançaNão, ela não merecia...
Aquela marca de tinta explodiu o tinteiro de lembranças que ele queria esquecer, mas que estavam lá dentro de sua mente, cruéis, medonhas.
O fruto amadurece e se despedaça... Era isso que Trelawney queria dizer, Harry... Nossa filha! Nossa pequenina!
O tinteiro de lembranças que liberta o conteúdo – lágrimas salgadas, gosto tão comum depois daquele dia.
Daquele terrível dia.
Olha para a cama do hospital. Lá está ela. Os olhos azuis fitando a janela. Olhos tão lindos, antes tão vivos, mas agora tão vazios.
Olha para aquela boneca em forma de menina, e recorda do começo da vida a dois. Do começo da vida com Gina. Tanta felicidade, tanto amor...
Olhando para a filha, ele lembra-se de tudo, dos momentos de felicidade. Do dia em que as alianças foram trocadas e ele e Gina tornaram-se marido e mulher. Foi ali que tudo começou. Transbordando felicidade. Transbordando amor.