CAPÍTULO 3

O fruto cai

Harry, Gina e Estelle acordaram cedo para irem passear na cachoeira. Não sabiam o caminho direito, mas perguntaram para um bruxo velhinho bem simpático. Ele deu as coordenadas, dizendo que trilha deveriam seguir, e completou dizendo que o caminho era simples.

A trilha realmente era muito simples de ser seguida. Serpentearam por entre árvores e arbustos, ouvindo o canto dos pássaros, um diferente do outro. Estelle se divertia, e apontava aqui e ali quando avistava um deles.

De repente, entre o ruído dos pássaros e dos passos deles, ouviram um som diferente. O som forte de água jorrando. Estelle se assustou.

– O que é isso, papai? Mamãe?

– Nada. Você nem devia estar com medo – respondeu Harry, sorrindo. – Devia estar feliz. Afinal, esse é o barulho da cachoeira.

Só foi dizer isso e Estelle disparou na frente dos dois, que correram, com medo de que alguma coisa de ruim acontecesse com a pequenina. Ela parou em certo ponto, dando palmas entusiasmadas. Quando eles chegaram, deram de cara com a cachoeira.

Era realmente linda. Pedras a cercavam pelos lados. A trilha saíra num pedaço de terra. Eles seguiram pelo caminho e pararam num lugar que ficava bem em frente da queda d'água.

Gina colocou uma toalha sobre o gramado e depois a cesta com guloseimas que haviam trazido. A mochila cor-de-rosa de Estelle, que estava nas costas de Harry, foi colocada ao lado. Eles deixaram tudo de jeito, e depois se voltaram para a cachoeira.

– Que tal um mergulho? – perguntou Harry para a filha.

– Isso, papai! Quero nadar!

Gina colocou uma roupa de banho na filha e depois tomou a boneca das mãos dela – uma conquista só alcançada quando ela convenceu Estelle de que a boneca não podia ir nadar com eles. Gina ajeitou-se, assim como Harry, e os três, juntos, pularam na água.

A diversão foi grande. Gina jogou água em Harry, que depois a perseguiu, imitando um "monstro do mar", para deleite da filha, que ria enquanto a mãe nadava, gritando e fugindo do pai. Harry fazia uma expressão feroz e ruídos grotescos como um monstro.

– Cuidado mamãe! Cuidado!

Harry alcançou Gina e começou a cutuca-la. Ela gargalhava, até que o "monstro" lhe deu um beijo. Gina fingiu um desmaio nos braços do marido, enquanto Estelle ria.

Brincaram na água e depois foram comer alguma coisa. Estelle pediu uma bomba de chocolate. Foi comer em cima de uma pedra, levando numa mão o doce e na outra a boneca. Harry e Gina comeram um pedaço de torta de caramelo.

– Não é perigoso lá em cima? – perguntou Harry a esposa.

– Imagine. Ela tem cinco anos, já sabe o que é perigoso.


– Isso é um assalto! – bradou Spike, lançando um raio de luz vermelha contra o bruxo vendedor.

O vendedor voou de encontro a uma prateleira, derrubando todos os cachecóis que estavam sobre ela. Um manequim próximo despencou. Spike aproximou-se do homem caído no chão, e apontou a varinha para ele. Era desnecessário, pois ele estava desacordado. Ele pegou o bruxo caído com violência, apontando, em seguida, a varinha para a cabeça do bruxo.

A caixa registradora abriu-se com um som metálico, e todo o ouro começou a levitar, saindo com rapidez. Brad estava com a varinha apontada para a caixa registradora, enquanto Garganta e Fred seguravam dois sacos que recebiam o ouro. As moedinhas voavam com uma velocidade absurda, tilintando uma após a outra em menos de um segundo. Spike voltou sua atenção para as vendedoras da loja e para os dois clientes.

– Quietos! Sem reação! Ou esse infeliz vai pelos ares!

O "infeliz" tremia muito e sua testa já estava molhada de suor. Olhava fixamente para o bruxo enorme que estava do lado de fora da loja.

Parecia um monstro. Com aquele olhar maligno. Um sorriso de dentes podres. Um G feito por brasa num braço e uma tatuagem horrível no outro. Ele nem queria imaginar do que aquela coisa seria capaz.

Todo o ouro foi retirado da caixa registradora com rapidez. Assim que a última moeda levitou para fora, Spike jogou o rapaz para frente, pulou o balcão, e praticamente voou para fora, junto com Brad. Ele e o amigo dispararam pela rua, vendo as figuras de Ted e Garganta mais à frente. Ted levitava seu saco de ouro, pois este devia estar muito pesado, mas Garganta, por mais que o saco aparentasse ter até mais conteúdo do que o do amigo, carregava o dele na mão, sem esforço algum.

Os dois sumiram numa entrada, mas Brad e Spike já sabiam o caminho. Entraram pela mata que saía numa trilha, sem ouvir sinal algum de aurores os perseguindo. Felizes, deram um aperto de mão animado.


– Mamãe, trouxe minhas tintas? – perguntou Estelle, se aproximando do casal.

– Claro, querida – respondeu Gina, abrindo a mochila que havia trazido e retirando de dentro os tinteiros de diversas cores da filha e passando para ela.

Estelle, com as mãos cheias, voltou para cima da pedra, onde a boneca das Esquisitonas estava sentada, como se estivesse olhando para a bela paisagem natural. Harry observou a filha se sentando no rochedo, alarmada. Mas Estelle tomou cuidado, sentando-se ao lado da bonequinha com as pernas cruzadas.

– Deixe de ser paranóico – falou Gina, dando um beijo no marido. – Vamos aproveitar.

Harry a beijou, agarrando-a pelo pescoço. Ele apanhou uma flor amarela e colocou ao lado da orelha de Gina. Ela retribuiu o sorriso de Harry e os dois se beijaram novamente.


– Estamos sendo seguidos? – perguntou Garganta para Ted.

– Acho que não. Quero dizer, somente pelo Brad e pelo Spike...

– Isso eu sei, inútil – vociferou Garganta. – Eu queria saber sobre os aurores... Escute só o som de água! Estamos chegando na cachoeira.

– Ainda bem... Já estava cansado...


Harry acariciava o rosto levemente queimado pelo sol de Gina quando ouviu a mistura dos passos fortes dos brutamontes, que acabavam de surgir, com o dos arbustos se mexendo.

Harry olhou na direção do barulho, e seus olhos se encontraram com os dois bandidos. Garganta e Ted pararam, estupefatos, com os sacos de dinheiro. O olhar de Garganta subiu diretamente para a testa de Harry.

Harry olhou-os com furor. Os dois estavam encapuzados, com os rostos ocultos, mas os sacos de dinheiro já os denunciavam ao auror. O olhar de Harry fixou-se no maior.

Era um homem muito alto e musculoso, com uma veste cortada em forma de camiseta regata, muito suja e desbotada, assim como as jeans que usava. Usava botas pretas nos pés enormes, sujas de poeira e barro, cujas laterais possuíam uma espécie de garra metálica. Uma máscara negra cobria parcialmente seu rosto, deixando de fora a boca e o queixo, revelando uma barba por fazer. Em um de seus braços, destacava-se um enorme G.

Os dois encararam-se por um momento. E depois, conscientes um da posição do outro, agiram.

Garganta olhou para o rochedo próximo e viu a garotinha sentada nele, indiferente aos fatos, molhando uma pena num tinteiro e segurando uma boneca. Correu para cima. Ted seguiu-o. Harry pegou a varinha do bolso e gritou:

– Parados! Eu sou um auror! Parados!

– Harry! Estelle! – gritou Gina, levando as mãos à boca.

Harry começou a subir atrás, com a varinha à frente. Bradou um Feitiço de Estuporamento, atingindo Ted, que caiu no chão. Mas Garganta continuou, com seu corpanzil gigantesco chacoalhando. Ele estava muito próximo de Estelle. Harry viu a filha levantando os olhos azuis para o brutamontes e fazendo uma expressão de dúvida.

Não, ele não iria deixar aquele monstro chegar perto da filha. Reunindo todo seu ódio, bradou outro estuporamento. O raio de luz vermelha voou com tudo, acertando as costas do grandalhão.

Harry sentiu-se vitorioso e aliviado ao mesmo tempo, vendo o homem fazendo sua trajetória de encontro ao solo. Mas aquela sensação durou pouco tempo. Ele viu que o brutamontes levantava a varinha que tinha nas mãos e a apontava para Estelle.

Rapidamente, enquanto caía, ele falou palavras de um feitiço que Harry nunca ouvira antes. Em nenhum dos treinamentos como auror...

-Vazious mentalidedes.

A varinha irradiou uma luz azul turquesa. Estelle olhou tudo boquiaberta, com a pena dentro do tinteiro em uma das mãos e a boneca na outra. Harry berrou, acompanhado por Gina.

Estelle sorriu para o raio, até que ele a atingiu com ímpeto. O tinteiro voou da mão dela, e a boneca da outra. O corpinho da menina foi arremessado para fora do rochedo. Os cabelos vermelhos voaram acompanhando a força do movimento. Parecia uma boneca sendo jogada por uma criança travessa. Fez a trajetória macabra até bater com tudo numa das pedras do outro lado da margem, causando, com o impacto, um estrondo.

E ela assemelhou-se ainda mais com uma boneca. Os braços ficaram largados, uma das pernas meio torta, os cabelos esparramados...

Mas não era uma boneca. Era uma garota de cinco anos.

– NÃO! – berrou Gina, correndo até a pedra onde o corpo de Estelle estava.

Harry não conseguia acreditar. Seus lábios tremiam, o coração parecia que iria saltar de dentro de seu peito, suas mãos formigavam, geladas. Estava tão entorpecido que se esqueceu de Ted e Garganta.

Ted estava com a cabeça para dentro da mata. Viu quando Brad e Spike chegaram, e levou a mão aos lábios pedindo silêncio. Depois, levantou o indicador para trás. Brad piscou em resposta, dizendo que havia entendido.

Brad puxou uma folha para o lado e espiou. Viu Harry de costas para ele. Levantou a varinha na direção do auror. Ia dizer as palavras mágicas, quando viu o corpanzil do chefe surgir, também com a varinha apontada para Harry.

Brad abaixou a varinha dele e espiou mais uma ação do chefe. Garganta ia lentamente, e o bruxo na beira do rochedo parecia nem perceber, pois continuava com o olhar fixo para baixo, para o outro lado. A atmosfera ali estava muito estranha... Como se algo tivesse acontecido. O bruxo distraído devia estar vendo algo muito importante para nem notar a presença gigantesca de Garganta às suas costas.

Garganta fez um movimento ágil com a varinha e se preparou para lançar a Maldição da Morte em Harry Potter.

– HARRY! – berrou Gina, apontando para cima.

Harry virou para trás, no momento em que as primeiras palavras começavam a surgir da boca do brutamontes. Palavras roucas.

-Avada...

Mas o treinado auror foi mais rápido. Harry socou a barriga de Garganta, que vacilou, deixando a varinha cair no chão. Harry, agilmente, apanhou a própria e berrou as palavras de estuporamento, com um ódio descomunal. O ódio pareceu passar para o feitiço como uma corrente elétrica, saindo dos nervos de Harry, percorrendo o cabo da varinha, e saindo nos raios de luz com descarga total, pois Garganta voou de tal forma que Harry nunca havia conseguido em suas sessões de treinamento.

Ele bateu com tudo na cachoeira, respingando uma grande quantidade de água e seu corpo escorregou, sendo levado, imóvel, pela correnteza. O braço gigante ficou para fora, e Harry pôde visualizar uma terrível tatuagem: uma língua com uma varinha perfurando-a. A varinha transformava-se em faca em um lado. O corpo foi deslizando pela água, deixando uma trilha vermelha para trás, até sumir correnteza abaixo...

Harry virou-se, atento. Precisava encontrar o amigo do bandido.

Com a varinha apontada, ele entrou na mata. Nada. A relva onde o outro havia caído estava mexida, mas vazia. Com rápidos movimentos, ele verificou todos os lugares, mexendo em arbustos, afastando folhas... Ninguém.

Ele concluiu que de nada adiantava procurar o outro. Ele devia ter visto o que ocorrera com o colega, se apavorara e resolvera ir embora... A sensação de ódio foi substituída pela de vazio, aquela que o deixara oco, desde que vira a filha sendo atingida por aquele feitiço desconhecido e ser arremessada de encontro àquela pedra.

Pelo menos eliminara aquele que provocara o acidente, pensou, enquanto descia de encontro à esposa e a filha. Pelo menos aquele bruxo estava morto... Pelo menos? De que adiantou aquilo? Aquilo não podia reverter o que acontecera... Nada podia reverter...

Com a sensação aguda dentro do peito, ele chegou perto da esposa. Gina enlaçava a cabecinha de Estelle, chorando.

Ele não conseguia verter lágrimas... Seu peito doía, sua boca estava seca, o suor frio parecia sair de cada poro de seu corpo, mas, não, ele não conseguia... Estava muito vazio...

Ele pegou a mão da filha e a beijou. Abriu a boca para tomar mais ar, pois seus pulmões pareciam ter se fechado. Um silêncio inquietante. Até a água da cachoeira pareceu querer silenciar, passando para um som leve. Só havia os soluços de choro de Gina.

Harry, ainda sem ar, acariciou a testa da filha. Sentiu a mão umedecer ao acariciar os cabelos dela, e, quando olhou, viu que sua mão estava suja de sangue.

Aquilo provocou uma nova onda de torpor gelado por toda a sua espinha. Abaixou a mão para o rosto da filha, debaixo do nariz. Aquela era a última esperança... Sentiu um fiapo de respiração ir de encontro aos seus dedos. Um pequeno movimento de ar, que naquele momento significou muito.

Estelle ainda respirava. Estelle ainda estava viva.

Harry suspirou aliviado, e olhou para Gina, que não parava de chorar. Tentou falar, mas nada saiu; tomou uma nova golfada de ar puro, engoliu em seco e finalmente desprendeu as cordas vocais, que estavam amarradas pelo nó da angústia:

– Ela ainda está viva – falou, num sussurro. – Temos que leva-la... hospital. Ainda existe... esperança!

Gina levantou-se no mesmo instante, com a filha enlaçada nos braços, ignorando o sangue que respingava da garotinha. Unidos naquele forte propósito, Harry e Gina avançaram com decisão. Só pararam por um instante no rochedo, para apanhar a boneca da filha, que agora tinha uma marca de tinta preta.

Atravessaram a trilha com a mesma decisão, afastando ramos, pulando os galhos que estavam no caminho. Somente olhando para frente. Saíram da trilha, logo alcançaram o centro do povoado, e entraram na primeira loja que encontraram.

– Preciso usar sua lareira – falou Harry para a vendedora.

– Mas...

– Eu preciso. É uma questão de vida ou morte! Existe uma criança sofrendo aqui – ele apontou para Estelle. Os olhos da bruxa se arregalaram ao ver a menina ensangüentada. – E, para completar, eu sou um auror, Harry Potter.

Aquilo bastou para que a vendedora apanhasse Pó de Flú e lançasse sobre Gina e Estelle. Logo as duas desapareceram. Harry aparatou no Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos.

Olhou pelo saguão, encontrando Gina em frente ao balcão de Informações, ainda segurando a filha desacordada nos braços, com um desespero tremendo, gritando com a recepcionista:

– EU PRECISO QUE ALGUÉM A EXAMINE AGORA!

Harry correu até lá. A recepcionista tentava acalmar Gina.

– Senhora, por favor, acalme-se. Qual é o caso? Se for acidente, pelo sangue que eu estou vendo, seria melhor ter ido para...

– Sim, isso foi conseqüência – falou ela, engasgando-se, apertando mais a menina. – Mas ela foi atingida por um feitiço... Um feitiço estranho...

– Por que não disse logo? Quarto andar, primeira porta à esquerda, Enfermaria Poythro Mjaety.

Gina disparou escada acima e Harry a seguiu de perto. Não viam o cansaço, nada era empecilho para a batalha pela vida da filha. Cada minuto, cada segundo era precioso, em qualquer momento ela podia... Morrer...

Entraram no corredor do quarto andar, rapidamente encontrando o letreiro: Enfermaria Poythro Mjaety para Feitiços Irreversíveis: Danos Internos. No cartão em moldura de latão estava escrito: Curandeiro Responsável: George Bright, Curandeiro Estagiário: Lolita Spencer.

Foram entrando pela enfermaria. O tal curandeiro estava em frente a uma mesa, comendo Feijõezinhos de Todos os Sabores distraidamente. O pacote voou de sua mão, quando ele levou o susto de ver a menina cheia de sangue no colo da mãe. Ele limpou a mão nas vestes, e estendeu-a ao pai da criança, que ele imediatamente reconheceu como sendo Harry Potter.

– O que aconteceu, Sr Potter? – perguntou ele. – Eu sou o Curandeiro George Bright.

Ele não era muito alto, meio calvo, com óculos quadrados que aumentavam consideravelmente os olhos negros e os cabelos grisalhos que ainda resistiam demonstravam que ele deveria ter pelo menos uns quarenta anos.

Gina colocou a filha sobre a primeira cama que viu, enquanto Harry explicava rapidamente o que acontecera.

– Uns marginais... Bruxos das Trevas... Um deles apontou a varinha para ela e bradou um feitiço... Palavras mágicas desconhecidas...

– Palavras mágicas desconhecidas?

– Isso... Nunca ouvi. Nem nos meus treinamentos como auror... Deve ser algum tipo de magia antiga...

– Quais foram as palavras mágicas? Pense rápido, Sr Potter, preciso saber para encontrar a reversão do feitiço e trazer de volta a saúde de sua filha.

– Não dá pra lembrar – falou Harry, desesperado. – Você lembra, Gina?

– Não – sussurrou ela, que estava agachada ao lado da cama onde colocara a filha.

– Qual a cor que o feitiço disparou? – perguntou o Curandeiro Bright.

– Isso eu lembro. Era azul turquesa.

Os olhos do curandeiro se arregalaram por trás das lentes quadradas. Foram transformados em enormes círculos pretos, e se estenderam de tal forma que Harry pensou que logo sairiam da cabeça e cairiam rolando pelo chão. A cor do rosto dele, que era morena, transformou-se em branca, numa quase palidez impressionante...

Ele suspirou e foi até Estelle. Harry sentiu o abismo dentro do peito crescer, enquanto via o curandeiro dando instruções para uma enfermeira que tinha chegado – o curandeiro estagiário da placa. Aquela reação dele, quando Harry havia dito a cor do feitiço, incomodava o auror... Por que aquele pânico? Que feitiço terrível seria esse?

Gina aproximou-se de Harry e abraçou-o, pousando a cabeça no peito do marido. Harry enlaçou a cabeça dela com as mãos, deixando a esposa chorar.

A enfermeira fez um curativo na cabeça de Estelle, enquanto o curandeiro remexia num armário trancado a chave. Harry o observava por sobre a cabeça de Gina, e viu ele retirando um enorme livro lá de dentro. Harry vislumbrou a capa e o título prateado: Guia bruxo de reversões de feitiços.

O curandeiro depositou o volume sobre a mesa e correu o dedo por uma página, que Harry supôs que seria o índice. Pareceu decepcionado, e deixou o livro de lado, enfiando a cabeça novamente dentro do armário. De lá, tirou outro livro, tão grosso quanto o outro, porém muito mais antigo. A capa já estava rasgando em algumas partes, mas o título era o mesmo. Uma antiga edição.

Ele deslizou o dedo novamente por uma das páginas, mas dessa vez pareceu satisfeito. Folheou o restante do livro, parando numa página. Colocou uma das mãos sobre o queixo e franziu uma das sobrancelhas, enquanto os olhos negros percorriam o texto.

Harry não gostou nada da expressão do Curandeiro Bright quando ele terminou a leitura. O bruxo fechou o livro, colocou-o sobre o outro e dirigiu-se para a prateleira de vidros de poções. Harry sentiu o vazio abrir espaço para a esperança. Então, havia forma de trazer a filha de volta!

Gina levantou a cabeça, também observando o curandeiro. Ele apanhou um vidro com uma poção roxa, etiquetada Poção da Vida. Harry suspirou, olhando para a esposa. Seus olhos encontraram-se com os dela. Harry sorriu. Eles teriam Estelle de volta...

Os dois voltaram a observar o tratamento do curandeiro, atentos. Ele sentou-se na borda da cama de Estelle, abriu a tampa do vidro, pediu à enfermeira para abrir a boca da menina, e depois, lentamente, foi virando o vidro, até despejar um pouco do conteúdo na boca de Estelle.

Harry apertou a mão de Gina com força. Eles observavam a filha. Os olhinhos continuavam fechados. Mas uma hora abririam, eles acreditavam nisso, logo surgiriam aqueles olhos cor do céu, e olharia na direção deles, sem compreender porque eles estavam tão nervosos...

O Curandeiro Bright aproximou-se de Harry, pousando a mão no ombro do auror.

– Sr Potter, eu preciso...

– Agora não, Sr Bright. Por favor, deixe eu e Gina vermos nossa princesa acordando... Despertando para nós...

– É justamente sobre isso...

– Olhe, Harry! Ela... – falou Gina, apontando para a filha, tão sufocada pela emoção que não pôde completar a frase.

Harry olhou, sentindo o vazio acabar-se. Os olhos de Estelle abriram-se, azuis, muito azuis. Ele foi até a menina, juntamente com a esposa. Eles esperaram a garota falar alguma coisa, dizer um nervoso "O que estou fazendo aqui?", mas... Nada.

Os olhos de Estelle estavam abertos, mas ela olhava para o teto, indiferente aos pais. Sua boca se mexia, mas não era para reclamar... Eram movimentos estranhos, sem propósito algum.

Harry sentiu um embrulho no estômago. Inconformado, virou-se para o curandeiro:

– Essa é uma reação natural? É normal isso? Por que minha filha não olha pra mim? Nem pra mãe dela? Por que o rosto dela está desse jeito?

– Calma, Sr Potter...

– O que está acontecendo com ela? – perguntou ele, agarrando os braços do curandeiro e balançando-o, furioso.

– É o que eu estou tentando dizer...

– Você deu a poção para ela! Por que ela continua ruim?

– Acalme-se – pediu o curandeiro. Harry baixou as mãos, encarando-o. – Eu não tenho culpa... Desde que você me disse a cor do feitiço, imaginei do que se tratava. Mas não quis acreditar, é um feitiço antigo, perdido no tempo, poucos o conhecem...

– Que feitiço é esse?

– O Feitiço da Consciência Vazia.

Dessa vez foi Harry quem arregalou os olhos.

– As palavras mágicas Vazious mentalidedes. Foi isso que ele disse, não foi?

– Sim – respondeu Harry, com a garganta seca. – Consciência Vazia... O que isso quer dizer?

– Quer dizer que sua filha continua respirando, com funções vitais normais, mas não tem consciência. A área do cérebro responsável pela consciência está morta. Ela está viva, mas não tem consciência de nada, nem de quem é o senhor, nem do que acontece ao redor...

– E a poção? É capaz de cura-la? – perguntou Gina, mordendo as unhas.

– Tive que procurar no livro mais antigo para confirmar minha terrível suposição...

Os olhos do curandeiro estavam penalizados, olhando tristemente para o casal à sua frente. Ele nunca pensou que precisaria dar uma notícia tão terrível, mais terrível do que anunciar a morte...

– A poção é a única forma de mantê-la viva – disse de uma só vez.

Gina recomeçou a chorar, em profundo desespero. Harry continuou a encarar o bruxo.

– Então ela está condenada a viver sempre aqui nesse hospital?

– Sim. Só a poção manterá as funções vitais do corpo dela. E, segundo a lei bruxa, uma lei muito antiga, afinal, ocorrências desses casos nunca mais foram encontradas, cabe aos responsáveis pelo acidentado, tanto cônjuge como pais, nesse caso, pais, a decisão.

– A decisão? – perguntou Gina.

– Sim. A sua filha não tem consciência, não percebe nada ao redor. Mas está respirando, com o coração batendo. Cabe a vocês a decisão se cancelam a poção e deixam as coisas acontecerem naturalmente, ou se continuam com a poção, mantendo sua filha parcialmente viva.