CAPÍTULO 15
Os cavaleiros Sentimento, Ética, Matrimônio e Vida
-–Que ótimo! – disse Gina, aborrecida, encaminhando-se para um canto e apoiando-se nos barris de cerveja. – Enjaulados e sem alternativa alguma de saída, como se fôssemos dois trouxas...
Peterson tentou forçar a porta novamente.
-–Não tem jeito – suspirou, ofegante, após um último esforço. – Ah se eu soubesse quem foi o palhaço QUE TRANCOU ESSA PORCARIA! – ele gritou para a porta fechada.
-–Calma, Pet... Relaxa – falou Gina, descontraída. – Aposto que isso é coisa do Fred e do Jorge, brincadeiras assim geralmente vêm da incrível mente criativa dos dois... Logo eles abrem essa porta e acabam com a palhaçada...
Mas, em seus pensamentos, Peterson não tinha certeza. Algo na forma como fora empurrado para dentro do porão o intrigava... Fora empurrado com violência, sem tempo de olhar para ver quem era, e a pessoa fizera tudo calada... Se fosse uma brincadeira de Fred e Jorge, eles provavelmente estariam rindo dos dois do outro lado...
E como podiam existir feitiços anti-aparatação ali embaixo, no corredor subterrâneo? Não via o porque do pai ter colocado feitiços ali, um lugar tão isolado da casa, dificilmente usado...
-–O engraçado é que nós dois estamos sem varinhas... – comentou Gina, ainda rindo. – Que coisa... Grande dia para os dois cabeças-duras esquecerem as varinhas... Uma grande coincidência...
-–Eu não esqueci a minha varinha.
-–Não? – ela franziu a testa.
-–Não... Certeza absoluta – Pet coçou a cabeça, relembrando. – É... Certeza mesmo... Ela estava comigo...
-–Então faz parte do jogo...
-–Que jogo?
-–O jogo do Fred e do Jorge! – explicou ela, com uma certa impaciência. – "Trancamos os dois lá e roubamos as suas varinhas para que fiquem presos de verdade". Em algum momento eles devem ter pegado e nós dois nem reparamos...
Peterson considerou a hipótese... Teriam os gêmeos se dedicado tanto para rirem dos dois?
-–O tombo machucou muito? – perguntou ele, sentando-se num barril ao lado dela, lembrando do motivo de estar ali.
-–Que tombo?
A expressão de Gina demonstrou que ela realmente não estava entendendo... A expressão de Pet denotava que ele estava entendendo tudo...
Era uma brincadeira de Joey.
-–O meu tombo – mentiu ele. – Não foi uma pergunta, não... Pareceu?... Não, não era pergunta, não mesmo, eu estava dizendo, dizendo, afirmando, que o meu tombo machucou muito, mas... Pra falar a verdade... Foi só um corte pequeno na mão, não é? Eu estou sendo muito infantil... – ele riu.
-–Deixe-me ver.
Gina estendeu sua delicada mão, pedindo a dele. A pele alva era visível na quase escuridão do porão... Ela pedia para ver a mão machucada dele... Ou melhor, queria tocar na mão dele...
Um calor começou a queimar o estômago, enquanto seu coração disparou...
Nervoso, ele estendeu a mão e a mostrou, tentando mantê-la longe das mãos de Gina.
-–Viu? Foi só um corte inofensivo...
Já ia recolhendo a mão quando Gina foi mais rápida e a segurou.
-–Não vi nada! Está muito escuro aqui... Deixe de ser bobo e me deixa dar uma olhada.
Pet se contorceu no canto, nervoso... A mão quente de Gina estava sobre a sua... Alisando, examinando... O calor que a mão dela emanava passava para a dele e, como um encanto, aquele calor parecia ir direto ao estômago...
-–É... – disse ela, sem notar nada. – Foi leve mesmo... Mas, mesmo assim – ela soltou a mão dele – vou ralhar com aqueles dois! Podia ter sido mais grave, não é?
-–Com certeza.
Ele riu, tentando mostrar descontração, como se estar num porão, a sós, com Gina Weasley, logo após ela ter tocado sua mão, logo após ter um contato corporal com ela, não fosse grande coisa...
-–Quanto tempo será que demorarão em perceberem que não estamos voltando? – perguntou Gina.
-–Não sei...
-–Espero que não demorem...
"Eu também", pensou Pet.
-–Eu ainda não descobri qual será o próximo passo, chefe – disse Ted, enquanto roia as unhas.
-–Eu também não – manifestou-se Spike, mordendo um sanduíche. – Primeiro, seqüestramos esse jovem imbecil – ele apontou para David, que ainda estava amarrado e jogado no chão –, depois você se passa por ele e dá um conselho para Gina Weasley, que o aceita, briga e rompe com o marido. Aí o tribunal decide que a poção será cancelada, você sai da enfermaria, deixando um recado para o Potter... E, agora, a Poção da Vida foi retomada... O que adiantou tudo isso?
-–O que adiantou? – perguntou Garganta, antes de iniciar um acesso de gargalhadas roucas. – Adiantou foi muito. Perguntem ao Potter... Quando ele descobriu que eu era o novo assistente daquele curandeiro, acabou sabendo que fui eu que aconselhei a gatona de cabelos cor de lava a se transformar num verdadeiro vulcão! Já deve saber que eu destruí o casamento dele. Primeiro, a filhinha; depois, a esposa... Ele está sozinho agora, desolado, sem ninguém...
-–Uma grande destruição – riu Brad.
-–Ele está sozinho... E agora? – insistiu Spike. – Qual o próximo passo? Eu, sinceramente, não vejo próximo passo algum...
Garganta avançou rapidamente, pegando-o de surpresa. O sanduíche voou da mão de Spike. Ele sentiu o corpo sair do chão. Garganta o estava levantando pela gola, sem o mínimo de esforço.
-–Você não vê o próximo passo porque não usa a cabeça... Não possui a inteligência necessária para ser um grande líder como eu... Seu cérebro não passa de um monte de bosta amontoado dentro dessa cabeça insignificante.
Spike tentou se soltar, mas era impossível. Era impossível lutar contra a força de Garganta.
-–Harry Potter está sozinho... Destruí toda a família dele. Ele não tem mais ninguém. Deve estar se sentindo um lixo agora. Eu bombardeei tudo o que ele tinha de bom na vida... O sofrimento em vida é pior do que a morte... Pra que mata-lo? Quero vê-lo sofrer... Agora, após esse sofrimento, virá a parte final, o próximo passo, como você diz... E esse próximo passo será, simplesmente...
Garganta pegou a varinha com a mão livre e a apontou para o pescoço de Spike.
-–Tortura-lo até a morte.
Garganta soltou Spike com violência.
-–O que eu mais queria, eu já consegui. Ele destruiu meus sonhos de obter o poder com a posse do Manual das Trevas. E eu destruí com tudo que trazia felicidade para ele... Poderia parar por aqui... Sim, poderia... Mas por que parar no meio do caminho? Eu quero vê-lo sofrer... E é por meio do sofrimento que vou leva-lo à morte.
Ele riu novamente. Fez um sinal para Ted, que apanhou um lenço úmido e, abaixando-se, começou a lustrar as garras metálicas da bota.
-–Como você vê, Spike... Garganta sempre tem um próximo passo.
Ele soltou uma gargalhada sinistra.
-–Você não passa de um bruxo insignificante... Uma escória, alguém que nasceu somente para obedecer, como um animal puxado pela coleira, cujo dono comanda a cada puxão de corrente... Você tem que ser domesticado no soco, no tapa, na violência... E mesmo assim ainda faz burrice... É... Escória mesmo... Pensando bem, até os animais são mais úteis do que você...
Ele riu exageradamente alto.
-–Ao contrário de você, Garganta é astuto, inteligente... Do tipo que nasce pra mandar na escória, pra comandar... Se prepare para ver o meu próximo passo... O ápice de minha maldade... Mais uma prova de como sou imbatível. No meu próximo passo, Harry Potter vai sofrer tanto que vai chegar a implorar pela própria morte...
A festa em comemoração à retomada da Poção da Vida continuava na maior animação. Levou um certo tempo para que Rony e Hermione percebessem que Gina havia misteriosamente desaparecido...
-–Muito estranho – disse Hermione ao marido, enquanto olhava ao redor. – Ela desceu para encher garrafas de cerveja amanteigada e não voltou mais...
-–Será que aconteceu alguma coisa? – perguntou Rony, coçando a cabeça.
-–Não é melhor ir até lá no porão e conferir?
-–É isso que eu estava pensando e vou fazer – falou ele.
Atravessou metade do salão, apressado. Quando estava no meio do percurso em direção ao corredor subterrâneo, Joey veio ao seu encontro, vindo das escadas que levavam ao corredor. Rony percebeu na hora a expressão horrorizada que pairava no rosto do bruxo.
-–Joey? O que houve, cara? – indagou, preocupado.
-–Eu é que pergunto – a voz de Joey estava trêmula. – Não estou entendendo... Eles estavam aqui!
-–Eles quem?
-–Peterson... Gina... Eu deixei-os enchendo as garrafas com cerveja, depois subi para apanhar mais garrafas e... Quando desço novamente... Puf! Eles sumiram... Não tem ninguém dentro do porão, brother.
-–Onde eles podem ter ido? – indagou Rony. – Deixe-me descer lá pra ver se os encontro...
-–NÃO! – retorquiu Joey, barrando-o com os braços. – Não, não... Eu já conferi... Não tem ninguém lá... Sabe o que eu acho? Bom, eu ouvi, assim, por cima, que eles estavam planejando passear por essas matas aqui por perto... Vai ver decidiram-se de repente...
-–Será?
-–Suponho que sim...
Para alívio de Joey, Rony virou as costas e voltou para onde Hermione se encontrava. O rapaz passou a informação para a esposa. Para surpresa de Rony, a reação de Hermione ante a informação foi a mais assustada possível.
-–Não... Não acredito! Gina está louca? O bruxo que atingiu Estelle é um doido desvairado que quer prejudicar Harry, e garanto que deve estar doido pra prejudica-la também! Foi total imprudência se meter no meio do mato, afastada de todos!
-–Por que ela foi sair com o Pet? – indagou Rony.
-–A questão do momento não é essa. Devemos encontra-los o quanto antes!
Hermione comunicou a sua opinião para a Sra Weasley... Eles foram passando a notícia para todos. Joey foi quem deu as coordenadas.
-–Acho que devemos nos separar em grupos para procura-los pela mata. De três em três, é melhor e mais seguro. Todos armados com as varinhas na mão e atentos ao menor ruído!
Houve um murmúrio de concordância. Eles saíram da propriedade dos Tribbes, já com as varinhas em punho. Ao chegarem em frente à entrada da mata densa, o mesmo Joey, muito interessado em ajudar, separou os grupos. Os outros concordavam.
-–Precisamos encontra-los! – disse, com a voz firme. – Eles podem estar correndo perigo... Todos os segundos são preciosos, por isso... Vamos! Agora!
Ele entrou na mata e seguiu pelo caminho da direita, acompanhado pelo Sr Weasley e por Jorge.
Mentalmente, Joey estava triunfante. Conseguira distrair todos da festa, fazer com que se embrenhassem dentro daquela mata, onde ficariam procurando Gina e Peterson por muito tempo...
Só o que faltava era a iniciativa de Peterson de se aproximar de Gina. No escurinho, com a mulher que amava, a sós... Joey tinha certeza de que o amigo não resistiria.
Peterson consultou o relógio de pulso. Já havia se passado uma hora dentro daquele porão.
-–Que brincadeira estúpida! – exclamou Gina, tomando um gole da cerveja amanteigada que tinha retirado do barril e colocado na garrafa. – Já estou cansada... Será que aqueles dois já não se cansaram também?
-–Vai ver se esqueceram da gente – sugeriu Peterson, com um sorriso falso.
-–Não, isso eu não posso aceitar! – brincou Gina. – Justo eu, o destaque da festa? Eu, a mais animada entre todos?
-–Realmente, é difícil de esquece-la...
-–E você também. O astro do rock! O astro que ajudou a iluminar a mente das pessoas, dando um brilho a mais na manifestação. Até tomando chuva, tudo por uma causa nobre que, não canso de me esquecer, você entrou voluntariamente...
-–Era mais do que minha obrigação...
-–Não, não era não. Não seja modesto. Você não precisava estar lá, mas você estava. Você criou tudo aquilo, você que idealizou. Por sua própria vontade...
Peterson deu um leve sorriso e baixou a cabeça, fitando os próprios pés. Ao seu lado, Gina dava outra golada na cerveja. E, de supetão, soltou a pergunta-bomba para Pet.
-–Como vai o coração, Pet?
Ele sentiu um frio subir pela espinha, mas procurou se controlar...
-–Ainda vazio – ele tentou rir.
-–Mas você saía com umas fãs, não? Porque... Nossa! Tantas garotas admiram o Magic Rock, garanto que muitas devem ser alucinadas por você.
-–Sim, saía com umas... Mas eram coisinhas bobas, só uns beijos e tchau – ele sorriu novamente, e se arrependeu por isso logo em seguida, quando Gina, com cara de pena, pegou em sua mão.
-–Que sorriso é esse? – perguntou ela com voz doce. – Achei-o meio deprimido...
-–Que isso... – uma sensação estranha rodopiava dentro do seu corpo. – É pura impressão sua.
-–Pet, não minta pra mim... Sabe o que eu acho? O que eu penso sobre esse sorriso "deprê"? Que seu coração – ela tocou o dedo no meio do peito dele. Uma nova reviravolta... Peterson teve a vontade louca de que o coração se localizasse numa área externa de seu corpo, pra que ela não tocasse nele, e no meio do desespero ele pôde visualizar uma figura bizarra dele com o coração na mão... – Seu coração não está tão vazio quanto você me contou...
-–Está sim...
-–Não precisa mentir pra mim. E agora nem adianta, porque eu tenho certeza de que você está deprimido sim. E posso saber quem é a responsável por esse sorriso amargurado?
Peterson levantou o rosto e fitou Gina.
-–Não...
-–Tá, OK – falou ela, largando a garrafa de cerveja amanteigada sobre um dos barris de madeira. – Se você não quer contar, não vou insistir, mesmo morrendo de curiosidade... Mas, me diga uma coisa... Você é muito apaixonado por ela?
-–Muito – respondeu ele, desviando novamente o olhar.
-–E você nunca conseguiu nada com ela? Nem uma saída como você disse que sai com as outras?
-–Nunca...
-–Minha nossa... Você já tentou e ela te deu um fora, foi isso?
-–Não.
-–Há quanto tempo você gosta dela?
-–Uns cinco anos.
-–Pet! Isso é tortura demais! – ela parecia horrorizada. – Como conseguiu ficar tanto tempo sem dizer a ela que a ama, ocultando esse sentimento?
Ele levou alguns segundos para responder. Ergueu a cabeça e encarou a parede em frente, enquanto respondia.
-–Acho que a gente acaba se acostumando – ele deu uma risadinha. – Tudo depois de um tempo vira hábito. Peguei o hábito de esconder o sentimento, peguei o hábito de disfarçar o meu nervosismo diante dela... A fuga do sentimento virou rotina... O esconde-esconde sem parar, esconde nervosismo, esconde o rubor, esconde o amor...
-–Você conseguiu se habituar a isso?
-–Consegui.
-–Mas não deve estar tão seguro assim... O seu sorriso deprimido denunciou que você ainda está chateado...
-–Sim, estou, mas... Pra mim isso também é normal...
-–Pra você sofrer é normal?
-–Não quis dizer isso... E também não disse a palavra "sofrer"... Sabe, esse sorriso, por exemplo... Não é produzido por sofrimento... É algo diferente de sofrimento...
-–Não estou te entendendo...
-–Quer ver só, deixe-me dar um exemplo... Ah! Quando você vê uma foto de alguém que já se foi...
-–Pet, que comparação...
-–Não, é sério. É pra definir essa sensação que não posso definir com palavras... Quando você vê uma foto de alguém que já se foi, você sente um aperto no peito, não é? Na foto eles estão se mexendo, dando tchau, sorrindo. Você se sente feliz em poder ver uma imagem daquela pessoa, mas ao mesmo tempo sente um nó doloroso no peito por saber que não pode trazer aquela pessoa para perto de si... Comigo e com essa mulher é bem parecido...
"Eu posso vê-la, posso me sentir feliz ao vê-la... Posso sentir um calor forte dentro de mim quando a vejo, ou quando ela me toca. Posso admirar o quanto ela fica mais bonita a cada dia que se passa, como se os ponteiros do tempo estivessem em rumo contrário para ela. Posso admirar os olhos dela, o corpo, tudo... Mas eu tenho que me controlar. Assim como na foto de uma pessoa querida que se foi, você quer ter aquela pessoa perto de si, mas não pode, não tem como arranca-la da fotografia. Com ela é a mesma coisa. Eu a quero perto de mim, mas tenho que me contentar em apenas admira-la, como uma foto, ou um belíssimo quadro, uma bela pintura...".
-–Sem nunca a ter para si – concluiu Gina.
-–Isso.
-–Mas... Você não pode apagar um sentimento tão facilmente... Você se pega pensando nela, não? Imagina como seria estar com ela?
-–Claro que sim. Eu imagino, sonho... Mas sei que tudo deve ficar assim, só na ilusão... Mas eu faço de tudo por ela, sabia? Eu vivo por ela, mas ela nem sabe disso...
Gina, mais uma vez, pegou sua mão.
-–Oh Pet, eu lamento muito...
-–Pois é... É um tanto complicado viver por essa pessoa e ela nem perceber... Ela é tudo pra mim. A coloco num pedestal, acima até do meu grupo...
Pet sentiu um forte desejo de começar a se aproximar mais de Gina... Estavam a sós, naquela quase total escuridão...
"Não! Pense em Harry... Seu amigo...".
-–Eu a venero... Ela tem algum tipo de magia que me chama, me atrai, me magnetiza...
Inconscientemente ele ajeitou o corpo para mais perto de Gina.
-–Que magia será essa que essa mulher possui? Eu sei que essa magia me deixa dopado, paralisa todos os sentidos, me deixa sem fôlego, confunde os sentidos...
Gina apenas o fitava. Peterson aproximou-se mais...
"Você não pode fazer isso! Isso é contra a ética... Um amigo não trai o outro".
-–Sim, confunde os sentidos, os altera... Dilacera meu olfato com seu perfume adocicado, me tapa a audição para qualquer som que esteja ao nosso redor, faz com que meu paladar fique doido de vontade e salive ouriçado para sentir o sabor de sua boca, faz com que meu tato queira toca-la, acaricia-la, e me obstrui a visão, me cega, me cega para qualquer "ética" que me impeça de ama-la...
"Por isso não posso ficar perto dela... Ela me alucina... Me faz derrubar os muros da ética e da consciência... Me faz atravessar as fronteiras do que era apenas ilusão... Me deixa...".
Ele inclinou o corpo sobre ela.
-–Louco...
Peterson aproximou os lábios da boca de Gina. Dopado pela paixão e pelo instinto, levou um susto ao sentir as mãos dela o empurrarem para longe, acompanhadas de uma palavra alta, pouco menos que um grito:
-–Não!
–-Onde está o chefe? – perguntou Spike, ao voltar para a cabana com uma sacola cheia de mantimentos.
-–Saiu – respondeu Ted, distraído, enquanto jogava xadrez de bruxo sozinho, movimento as peças de ambas as cores. – Foi dar um jeito no nosso refém...
-–Vai mata-lo?
-–É óbvio, não é? O que você acha? Acha que o nosso inteligente chefe iria largar o refém são e salvo, para ele ir correndo dedar onde é o nosso esconderijo?
-–Poderia sim. Era só apagar a memória dele...
-–Há maneiras mais interessantes de se "apagar" – Ted riu. Olhou desconfiado para Spike. – Aliás, você pensa do mesmo modo... Eu estou te estranhando...
-–Eu ainda penso – falou Spike, colocando a sacola sobre a mesa. – Mas... Nesse caso, acho que tortura em vida seria mais legal, não é?
-–Não... Logo teremos o Potter para torturar.
-–É mesmo – respondeu Spike, pensativo. Olhava para a porta da cabana. – Ted... – deu um tapa da testa. – Esqueci de comprar a manteiga de amendoim.
-–Ah é a preferida do chefe... Você ta ferrado se ele procurar e não encontrar...
-–Sim, vou comprar logo, agora mesmo... Somos assim, não? Submissos...
-–Eu não sei o que é esse "submisso", mas realmente acho melhor você se apressar...
-–Pois é, vou agora – atravessou a cabana em passos rápidos e, ao alcançar a porta, virou-se para Ted. – Quando o chefe chegar, diga para ele que o animal se soltou.
-–OK – respondeu Ted. – Pode deixar, mas... O que isso quer dizer? – olhou para o portal. Spike já tinha desaparecido.
Gina foi o mais longe possível de Pet. Estava ofegante e sua expressão era uma mistura de confusão e perplexidade. Pet permaneceu no mesmo lugar, estático, igualmente ofegante. Baixou a cabeça e levou as mãos aos olhos. Não podia acreditar que tinha feito aquilo...
-–Perdoe-me – falou. Sua voz saía com dificuldade e seu rosto ardia em brasa. – Por favor... Perdoe-me...
Ele levantou a cabeça. Gina estava oculta nas sombras, mas sua respiração acelerada não escondia o seu estado emocional.
-–Eu nunca devia ter feito isso – falou Pet, olhando para as sombras. – Desculpe, Gina...
-–Eu... Não consigo acreditar... – disse Gina entre as tomadas de ar. – Por que fez isso, Pet? POR QUE? – ela berrou.
-–Não tem porque... Pombas, eu sabia que isso poderia acontecer! A minha fuga... A minha fuga foi fracassada, eu amaldiçôo o momento em que fui empurrado pra dentro desse porão...
-–Fuga? – perguntou Gina com a voz um pouco mais branda. – Você estava falando sobre a mulher que você ama e de repente me atacou... Considerando tudo o que você falou, Peterson... Essa mulher... Sou eu?
Não havia mais o que esconder, não após ele ter se descontrolado...
-–É.
-–Não – ela murmurou baixinho. – Não pode ser...
-–É sim. Viu como eu consegui esconder bem? Viu como nem você percebeu? Isso é uma prova, Gina, que eu fiz de tudo para fugir de você, para escapar do sentimento, para que algo como o que acabou de acontecer nunca acontecesse...
Gina permaneceu calada.
-–Droga, droga, droga! Como pude fazer isso? Nunca poderia, martelava isso sempre dentro do meu peito... O que Harry vai pensar? Somos amigos e...
-–Amigos? – indagou Gina, horrorizada. – AMIGOS? Que tipo de amigo ataca a mulher do outro?
-–Gina, eu não...
-–Que tipo de amigo tenta roubar a mulher do outro?
-–Você não entende...
-–Que tipo de amigo tenta passar o outro para trás?
-–VOCÊ NÃO ESTÁ ENTENDENDO! – vociferou ele, e no mesmo instante Gina parou de falar. – Eu lutei muito pra fugir desse sentimento justamente por ser amigo de Harry. Porque sabia que uma pessoa não pode dar uma punhalada dessas pelas costas do amigo...
-–Não... Vejo que você não lutou muito para fugir do que sente...
-–Fugi sim. Você ouviu todo o meu desabafo sem saber que eu falava de você. Eu te amo faz tempo... Mas, sendo casada com o meu amigo, me contentei em apenas admira-la, sabendo que nunca a tocaria, vivendo com sonhos e devaneios a respeito do que poderia acontecer num mundo perfeito, num mundo em que você me encontraria antes de encontrar o Harry...
-–Num mundo em que você pudesse me agarrar e tudo fosse normal? – indagou Gina, com nervosismo e ironia.
-–Sim – Pet balançou a cabeça. – Por que não? Nesse mundo perfeito talvez se apaixonar pela esposa ou namorada do amigo não seria considerado um crime tão terrível quanto um assassinato...
-–Já está exagerando...
-–Não estou não. É a mais pura verdade. É só isso acontecer para que todos julguem o outro como traidor, como falso, como se ele fosse um criminoso! E o outro briga com ele, rompe a amizade, fala poucas e boas, diz que roubou a garota dele... Sim, Gina, todos julgam isso como o ato mais terrível, como traição... Julgam até se encontrarem nessa mesma situação, e somente quando param na cadeira dos réus, quando se vêem enlaçados pela garota do amigo, percebem o quanto isso é difícil! Como não se pode comandar os sentimentos...
-–Mas sentimentos podem ser dominados.
-–Eu sei. Foi o que fiz durante todos esses anos. Tentando evita-la. Mas você não tem idéia, Gina... Não tem. Só quem passa por uma situação semelhante pode lhe dizer o que é conviver com a idéia de que aquilo nunca se tornará realidade. É complicado, é o cavaleiro Sentimento travando batalha com o cavaleiro Ética... O cavaleiro Sentimento querendo ir em frente, mas quando quer avançar, o cavaleiro Ética o barra com um escudo. A espada do cavaleiro Sentimento bate no escudo e o faz recuar. E, sem parar, o cavaleiro Sentimento retorna novamente, para tentar vencer a batalha. Mas passar pelo cavaleiro Ética é impossível. O escudo dele sempre estará lá para barrar... E, abaixo da armadura do cavaleiro Ética está o seu amigo... No meu caso, o Harry. O cavaleiro Ética nunca deixa que a nossa mente se esqueça que está sendo desleal.
-–Mas você passou pela ética hoje...
-–Sim, passei... Porque o cavaleiro Sentimento, travesso, viu uma situação perigosa... Estava a sós com a donzela que os dois cavaleiros almejam. Não se pode controlar o Sentimento, Gina, não se pode controlar...
-–Então o domine! Coloque na cabeça que o cavaleiro Sentimento esconde uma fera maldosa, nociva, perigosa. Capaz de arranhar a donzela e o seu próprio amigo.
-–É o que estive fazendo! Droga – ele se impacientou. – Não me condene pelo que aconteceu. Se não estivesse dominando o sentimento algo assim já teria acontecido muito antes... Acha o que? Que não iria me dominar? Esqueceu-se que a minha situação barra com outro cavaleiro? O do Matrimonio? Você não é apenas a garota do meu amigo. Você também é a esposa dele. Uma família, com uma filhinha... Acha que eu daria em cima de você com tantos cavaleiros me brandindo espadas? Por mais ferido que estivesse, o cavaleiro Sentimento teve que se contentar. Ficar no seu canto. Ajudando a donzela a enfrentar os dragões da vida, quando ela se viu perdida na luta para salvar a filha. Lutei mesmo... Mas enfrentei os dragões apenas para vê-la feliz, não salvei a donzela como nos contos de fada em que se recebe um prêmio por enfrentar o perigo para ajuda-la. Não... Se pode se chamar de prêmio sua felicidade, seu bem-estar... Foi isso que recebi.
Gina ficou em silêncio, assim como Peterson. Finalmente, ela suspirou.
-–Sim, você me ajudou muito. E realmente... Nunca percebi nada... É o que você disse antes, que colocava a mulher num pedestal, que vivia por ela, mas só a admirava...
-–É. Eu desisti da turnê do Magic Rock por você, sabia? Por amor a você. Perdi milhões, para ajuda-la a passar pela grave situação de sua filha, que estava virando um circo de publicidade... Mas nunca quis algo em troca. Sua felicidade basta para mim.
Novamente o silêncio. Pet ouviu os passos de Gina se aproximando. Logo o rosto dela tornou-se visível.
-–Obrigado por tudo, Pet. E lamento mesmo decepcionar você, os seus sentimentos... Apesar de tudo o que está acontecendo, eu ainda amo o Harry. Amo-o com tanta intensidade... Mas o meu cavaleiro sentimento batalhava com o meu cavaleiro Vida... E por baixo da armadura do cavaleiro Vida estava Estelle. O cavaleiro Sentimento foi obrigado a recuar para o cavaleiro Vida ganhar espaço... Tive que romper com o meu príncipe encantado para salvar a minha princesinha.
Pet sorriu.
-–Se tudo fosse como contos de fada... Todas as nossas vidas seriam mais fáceis.
–-Eu acho que ainda posso tornar a minha vida um conto de fadas – falou Gina. – Com a retomada da poção em Estelle, se o meu príncipe me aceitar de volta, poderemos recomeçar o nosso casamento. Recomeçar mesmo. A partir do Era uma Vez..., Juntando-o com o "felizes para sempre"...
-–Fico feliz por você e por Harry – disse Peterson, com sinceridade.
-–Eu sei. Confio em você. Meu amigo.
Harry fitava o fogo que crepitava na lareira da sala, pensativo...
Felizmente, a poção fora retomada. Agora era isso que ele precisava, que ele queria, sabendo que existia uma reversão. Uma reversão num amontoado de pergaminhos antigos... No Manual Do Contra.
A poção sendo retomada garantia-lhe mais tempo para encontrar o Manual... Encontrar? Como poderia?
Enquanto via as chamas na lareira, pensava em formar uma expedição até Stipp Hills, as montanhas onde os manuais estavam escondidos. Vasculharia cada canto, escavaria o máximo que pudesse, passaria dias, semanas, meses, anos, mas encontraria aqueles valiosos pergaminhos, que continham a valiosa receita para reviver Estelle.
Pela vida de sua filha, ele padeceria nessa expedição, sofreria, passaria frio, sentiria fome.
Mas encontraria.
Ainda olhando para as grandes chamas, pensou em Gina. Como era difícil viver sem ela... Após o casamento, agora ele sabia, a vida não era a mesma sem Gina. Gina fazia parte da vida dele, ele não sabia viver sem ela. Recordou do elo que mencionou no dia em que eles romperam. Gina disse que quebrava o elo que formava o "nós" e o transformava em "eu". Achava que a aliança simbolizava o elo... Agora Harry sabia que não. Havia um elo muito mais forte entre os dois, não simbolizado pelas alianças nem por nada. Um elo de alma. Sem Gina, um vazio tomava seu peito. Era como se metade dele tivesse morrido...
Ao mesmo tempo que a preocupação o tomava, a solidão também o invadia. As noites sem Gina eram terríveis... Por que abandona-lo? Não foi infantilidade terminar o casamento? Ele fez tudo por ela, eram tão felizes...
A campainha da casa soou. Harry tirou os olhos das chamas.
Seria Gina? Teria percebido que não poderia viver sem ele? Que sem Harry não existia Gina, assim como sem Gina não existia Harry?
Levantou-se apressado da poltrona e atravessou a sala com o coração aos pulos.
Seria Gina, ali, parada na porta, pedindo um beijo, pronta para ama-lo?
Girou a chave na fechadura e abriu a porta...
Parado no portal estava um bruxo jovem, com vestes surradas. Harry levantou a varinha imediatamente. Porém, ao contrário do que ele esperava, o bruxo apenas sorriu.
-–Não precisa me atacar, Harry Potter. Não vim fazer mal. Apenas quero ter uma conversinha com você.
Harry, ainda desconfiado, abaixou a varinha um pouquinho.
-–Eu só quero ajuda-lo, juro para você. Mas se quer apresentações... Bom... Eu sou o Spike.
NA: O triangulo amoroso Harry, Gina e Peterson foi resolvido... O que indica que... O fim se aproxima! Aguardem.
