CAPÍTULO 17

Destinos

Harry levantou a varinha, segurando os manuscritos do Manual Do Contra com a outra mão. Garganta continuava parado na entrada da caverna, com a varinha apontada para Harry e Spike.

-Finalmente... – falou Harry. – Finalmente nos encontramos novamente... Garganta e Harry Potter. Desta vez, sem disfarces. Sem máscaras.

-Ansiava por esse encontro, Potter? Está querendo vingar a filhinha? – ele deu um sorriso maquiavélico.

-Seu desgraçado – disse Harry, o ódio palpitando em cada veia e fluindo pela voz. – Desgraçado... Como pôde fazer algo tão maldoso com uma inocente garotinha? Por que atingi-la?

-Você tem que me entender, Potter – a voz de Garganta assumiu um tom cordial, com uma bondade fingida, zombeteira. – Eu precisava testar os novos feitiços... Precisava de uma cobaia...

-Cobaia? – perguntou Harry, furioso. – Eu vou te matar, seu... – Harry ia avançar, mas Spike o conteve com os braços.

-Calma, Harry – pediu o bruxo, esforçando-se para contê-lo.

-Olha, só, o traidor – falou Garganta, no mesmo tom de zombaria. – Cansou de ser ralé e acha que ajudando o Potter vai mudar a sua condição? Não, não vai... Você nasceu para ser somente porcaria, Spike. Você é uma porcaria. Vai ser assim para sempre... Fez uma péssima escolha saindo do meu lado e indo ajudar o Potter...

-Você é que pensa, Garganta – disse Spike. – Eu e o Potter temos um trato. Um trato, ouviu bem? Eu o ajudei, e agora ele vai me dar galeões e dirá para todos que morri... Terei vida nova... Vida boa, sem me sentir procurado pela justiça.

-Não, você não vai conseguir ter vida boa... Eu já disse, você é um animal, Spike. E um animal solto sem seu dono pra puxar a corrente, ah, se dá mal, muito mal...

-É o que veremos – desafiou Spike.

-Não será preciso muito tempo. Vou provar que você vai se dar mal, e vai ser aqui, agora, nessa montanha. Porque você vai morrer, Spike, vai morrer aqui, junto com... – os olhos dele focalizaram Harry. – Com seu novo amiguinho.

Ele deu um sorriso cínico. Harry não suportou; não tinha medo de Garganta, não tinha medo das ameaças pronunciadas por aquela voz rouca e agourenta. Tudo o que Harry sentia era ódio. Ódio misturado com um desejo de vingança incontrolável. Ódio daquele sorriso.

-Imagino que você saiba por que eu e Spike estamos aqui – perguntou Harry, fazendo questão de sorrir tão cinicamente quanto o brutamontes.

-Sei, sim. Você, Potter, muito tolo, deixou anotações num pedaço de papel, feitas, pela caligrafia, em momento de distração... Essas anotações não só me guiaram até aqui como me revelaram sobre outro manual...

-É. O Manual Do Contra... Um manual que traz todos os segredos para acabar com tudo o que o Manual das Trevas conseguiu te ensinar.

Garganta fechou a cara.

-Então é realmente... Como eu imaginei.

-Sim. É isso. A cura de todas as poções malignas, as reversões de todos os feitiços terríveis... Mas, acabei de colocar as mãos nele, sabe? E, como você também fez ao pegar o Manual das Trevas, eu preciso de cobaias... E acho que tenho uma cobaia muito especial no St. Mungus... Será um ótimo treinamento, não acha, Garganta?

A fúria tomava cada canto do rosto horrendo que a máscara negra conseguia revelar. Ter atingido a filha de Harry Potter tinha sido o fato consolador para Garganta ao perder os manuscritos do Manual das Trevas. Ver essa vitória se esvaindo, ver seu grande inimigo conseguir reverter a situação, irradiava a fúria dentro dele.

-Está todo feliz, não é, Harry Potter? – perguntou ele, balançando lentamente a cabeça. – Provocando-me, tentando me irritar... Mas, pois é, como você disse, você precisa de cobaias, e é verdade. Porém... Por que esperar tanto pela cobaia?

Harry mordeu o lábio... Onde aquele maluco estava querendo chegar?

-Por que esperar ir até o St Mungus para testar a funcionalidade do manual, quando se pode testar agora mesmo?

Num movimento ágil, no momento em que Harry compreendia onde ele queria chegar, Garganta apontou a varinha para Spike, enquanto bradava:

-Acides corporus!

O jato fez com que Spike cambaleasse ao atingi-lo. Harry, igualmente rápido, estuporou Garganta, que caiu no chão ao ser atingido pelo jato avermelhado. Ele nem parou para observar a queda do bruxo; imediatamente virou-se para Spike.

O bruxo começou a berrar. Uma névoa começou a envolvê-lo, a circundar o seu corpo de cima a baixo, uma névoa esverdeada. Harry, com as mãos trêmulas, abaixou-se, jogou os pergaminhos sobre o chão de pedra e começou a folheá-los.

-Droga, como achar? – murmurou para si mesmo, desesperado. Suas mãos tremiam, enquanto virava cada página do manual. Os gritos de dor de Spike ajudavam a completar seu desespero. Harry lançou um olhar de puro pânico para o bruxo.

Ele começava a se derreter.

Era uma bomba-relógio, prestes a se detonar. Uma contagem regressiva desesperadora, na qual ao três, dois, um se seguia o derretimento total do corpo, deixando como marca apenas um esqueleto. E, se essa bomba detonaria ou não, era imprevisível. Tudo dependia dele.

Harry tratou de folhear mais o Manual Do Contra. Onde estaria a reversão para o Acides Corporus?

Ao mesmo tempo em que virava as páginas e passava os olhos por cada tópico, Harry travava uma batalha interna consigo mesmo. Precisava parar de tremer... Parar de suar... O desespero era o seu pior inimigo, naquele momento, se pudesse se controlar mais...

-Ah, Potter, acho que não tem mais jeito...

E a voz rouca piorou tudo. Com um rápido olhar, ele viu Garganta se levantando.

Voltou a atenção aos pergaminhos...

-Ele já era, Potter... Vamos, se você fosse mais rápido...

Reversão da Poção da Loucura... Reversão do Feitiço da Surdez...

-Cadê a utilidade desse manual, Potter? Não brinca que você vai perder a sua primeira cobaia? Ah, acho que sim... Os membros já estão começando a se fundir, derretendo-se, unindo-se, tudinho, em pasta verde líquida...

Poção não, poção não...

-VAMOS, POTTER! – berrou Garganta, avançando, meio agachado para se desviar das estalactites. Harry estava indefeso, abaixado, o bandido podia dar o bote a qualquer momento, mas ele precisava continuar procurando... – ASSASSINO, VAI DEIXÁ-LO MORRER? ELE VAI MORRER, E É TUDO CULPA SUA...

Sim, ali, Poção do Ácido... Encantamento... Decorou rapidamente, precisava decorar, era urgente... Levantou a varinha e, antes que Garganta pudesse impedir, bradou o encantamento:

-Revite corporus!

O jato cor caramelo atingiu a massa esverdeada em que se transformava Spike, vivo apenas por poucos segundos. No momento em que a luz o atingiu, a cor caramelo passou de cima a baixo pela massa esverdeada. Com a cor caramelo, a massa começou a se juntar, a tornar-se sólida novamente, se recompondo ao esqueleto, lentamente...

Harry suspirou.

Em seu alívio, cometeu o erro de se esquecer de Garganta.

-Bu!

A voz soou colada ao seu ouvido, hálito fétido, quente que, ao contrário de esquentar, criou uma nova onda gelada em suas terminações nervosas.

Garganta estava bem ao seu lado. O bruxo levantou a varinha e, com a sua voz rouca, bradou contra Harry um encantamento desconhecido.

-Levite Railender!

Harry nem teve tempo de sentir medo do desconhecido, de mergulhar em pensamentos preocupados sobre o que aquele feitiço faria. Sentiu um pequeno choque quando o raio de luz encostou-se ao corpo dele, depois sentiu os pés saírem do chão. Seu corpo, envolvido por uma luz prateada, começou a levitar, ao mesmo tempo em que levava pequenos choques elétricos.

-Agora você está nas minhas mãos, Potter – divertiu-se Garganta. – Agora a eletricidade está em minhas mãos. Veja só o que posso fazer...

Harry viu os olhos do bruxo se estreitarem de concentração, enquanto saía da varinha um raio prateado. Quando o raio prateado se juntou a corrente elétrica que o envolvia, Harry sentiu um choque maior e muito mais doloroso sacudir o seu corpo.

-Pra que isso? – perguntou ele, com a voz fraca, após o choque terminar.

-Eu sempre disse que, antes de matá-lo, queria vê-lo sofrer... O sofrimento me dá prazer, Potter. Adoro ver o sofrimento. A angústia nos olhos da pessoa, o desespero, a dor, os gritos, implorando para que o sofrimento se encerre... É muito bom e tão interessante. Por isso, quero torturá-lo. A tortura me dá prazer, não o assassinato. Quero ouvi-lo gritando de DOR! – um novo jato, um novo choque. O corpo de Harry vibrou, enquanto ele berrava. Garganta abaixou e o choque terminou. – Quero vê-lo sofrer. E chegar a morte por meio do sofrimento.

Um novo jato. Harry sentiu a corrente elétrica sacudir cada canto do seu corpo. Trincou os dentes, esforçando-se para conter o novo grito de dor que teimava em se formar; não, não queria dar para Garganta o prazer de vê-lo sofrer...

Mas Garganta não baixou a varinha.

O choque continuou. Harry estava quase desfalecendo, entorpecido. Quase não sentia mais o seu corpo... Não conseguiu mais se controlar; soltou um lamento de dor.

Garganta baixou a varinha.

-É tão divertido – falou ele, examinando o rosto de Harry e os pequenos espasmos que o choque havia deixado. – Muito... Mas agora quero mais diversão! Que tal aumentar a potência do choque?

Harry fechou os olhos. Sentiu quando a luz prateada o atingiu novamente, fundindo-se com a luz que ainda o envolvia e produzindo uma nova descarga elétrica. Era impossível não sentir, era a dor mais terrível do mundo...

Protestou de dor, certo que, após ouvir seu lamento, Garganta pararia novamente. Mas não foi o que aconteceu. Harry começou a berrar, a se contorcer, mas a descarga elétrica continuou, sacudindo-o.

Ele sentia-se fraco... Não demoraria muito para o sonho de Garganta se concretizar. O sonho de matar Harry Potter através do sofrimento.

-Eu posso ver a morte chegando perto de você, Potter – disse a voz rouca, rindo. – Reconheço o corpo humano perdendo as forças, sucumbindo à dor...

-Solaris Railender!

No meio de seu desespero, Harry reconheceu a voz de Spike.

Sentiu um raio de luz atingi-lo. Um raio de luz quente, que dissipou a descarga elétrica e encerrou a levitação. Harry caiu com tudo no chão.

-Maldito – protestou Garganta. Harry levantou os olhos a tempo de ver Spike ser estuporado. – Interrompeu a diversão na melhor parte... – ele virou-se novamente para Harry. Harry estendeu a mão para varinha, mas sua ação foi interrompida pelo pé calçado de couro de Garganta, que pisoteou sua mão sem dó. – Nem pense nisso... A brincadeira – ele levantou a própria varinha. – Ainda não acabou. ESTUPEFAÇA!

O jato avermelhado o fez voar uma distância considerável e o fez parar num lugar perigosíssimo.

A entrada da caverna.

Harry olhou para baixo. Estavam no pico da montanha, numa altura absurdamente alta. E ele estava bem na beirada...

E lá vinha Garganta. Figura assustadora, gigantesca, com sua máscara maligna, suas botas com garras de metal, suas tatuagens, sua maldade.

-Alto, não é, Potter? Muito alto... Não poderei levá-lo a morte através do sofrimento, mas garanto a você que também será, para mim, uma experiência muito interessante ver um ser humano despencando de uma altura dessas... Uma experiência inédita. Mal posso esperar...

Harry sentiu um súbito vento gelado. Pensou que vinha do ar as suas costas, ou de cima... Mas não. Estranhamente, pensou ele, a corrente rápida tinha vindo de dentro da caverna.

-Será que a morte acontece durante a queda, Potter? – perguntou ele. Um sorriso cheio de maldade pontuava a sua boca. – Ou será que só quando o seu corpo magro e frágil bater contra o solo?

Harry viu algo deslizando pelo chão, discretamente, até chegar as suas mãos.

-Mas... Será que seu corpo ficará inteiro após o baque? Pode ocorrer uma explosão de ossos e membros... Explosão de sangue, de órgãos. Afinal, é muito alto... Bom, estou ansioso para conferir o que vai acontecer...

-Eu também – falou Harry, não segurando o sorriso.

Levantou a varinha, estuporando Garganta.

O bruxo voou longe, entrando na caverna com uma velocidade absurda. Harry levantou-se, reunindo as forças que faltavam, e correu para ver o que aconteceria.

Garganta caiu com forte baque sobre o chão de gelo, provocando rachaduras na superfície gelada, vibrando as paredes da caverna e...

As estalactites congeladas do teto.

No momento em que Garganta abria os olhos e começava a se recuperar, as estalactites não suportaram a vibração e despencaram, certeiras, brilhantes, afiadas, sobre o corpo do maldoso bruxo.


Harry abriu os olhos, reunindo a coragem necessária.

Três estalactites haviam atravessado Garganta. A neve ao redor estava vermelha, uma enorme mancha de sangue, que aumentava cada vez mais.

Olhou para Spike que, ao contrário de ter uma expressão de repulsa, sorria. Os dois estavam próximos a entrada, na única parte da caverna que não havia se congelado.

-Não acha que pegou um tanto pesado? – perguntou Harry.

-Não acredito que está me dizendo isso... Potter, era você ou ele. Ele ia te jogar daqui de cima. Precisei formular um plano rápido, e a coisa mais rápida que veio a minha mente foi que, no Manual Do Contra, devia constar a reversão para o Feitiço da Lava Ardente. Imaginei que a reversão seria algo para congelar lava, procurei nos pergaminhos e encontrei rapidamente. Brandi o encantamento, congelei tudo e enviei a varinha pra você. Sorte que você entendeu o recado... E saiba você que eu não lembrei que as estalactites iriam se congelar e poderiam cair...

-Sei... Então, por que não mandou apenas a minha varinha?

Spike suspirou.

-Tá, OK, confesso... Eu sabia que as estalactites iam congelar e cair. Por isso me protegi na área fora da camada de gelo... Mas foi melhor, não foi? Se não fizesse isso, ele ainda estaria aqui, tentando nos matar...

-É... Faz sentido – confessou Harry. – Vai saber quantas vidas Garganta não ia prejudicar se continuasse vivo... Quanta destruição não ia causar... Pelo menos, agora posso dizer, o pesadelo acabou.

Harry soltou um suspiro, enquanto Spike lhe passava os pergaminhos que compunham o Manual Do Contra.

-Onde fica o esconderijo de sua gangue? Não me contou ainda.

-Ah, claro.

Spike contou o endereço, que Harry decorou mentalmente.

-Nos separamos aqui, Potter – falou Spike. – E não se esqueça, claro, de que...

-Sim. Mais alguém morreu aqui em cima – disse Harry, sorrindo. – Spike já era. E os galeões de recompensa, não posso lhe pagar agora...

-Não precisa. Esqueça. Se não viesse com você, não teria o prazer de eliminar esse mal-caráter da face da Terra. Acabar com Garganta foi o melhor pagamento que você poderia me dar.

Harry colocou a mão sobre o ombro dele.

-Reconstrua a sua vida. Viva não somente com um novo rosto, mas com um novo caráter. Reformule sua mente. Esqueça os crimes, a maldade, isso não leva a nada. Isso só leva a destinos terríveis – Harry apontou para Garganta. – Continue na estrada do Bem. O final dela sempre é o melhor.

-Pode deixar. Nunca mais farei nada de ruim.

-É o que eu espero... E lembre-se: se cometer mais algum crime, esqueço a nossa amizade.

-Eu sei. Confie em mim, Potter. Você nunca mais ouvirá falar nem de Spike, nem de Jimmy.

Brandindo contra si próprio um Metamorfocorpo, Spike se transformou totalmente. Agora era um jovem moreno, de estatura baixa e óculos escuros.

-Boa sorte com sua filha.

Ele desapareceu num craque.

Harry ficou parado, no pico da montanha, olhando a paisagem, o céu azul. Ali em cima, acima de tudo, Harry apertou o Manual Do Contra. Ali estava a salvação de sua vida. A nuvem havia encoberto aquele sol de menina por muito tempo; era hora das nuvens serem dissipadas, e dos raios de sol as atravessarem.

Com aquela esperança dentro do coração, Harry desaparatou.


Gina já estava na casa de Rony e Hermione. Deprimida, subira direto ao quarto de visitas providenciado para ela desde que se deslocara para lá.

Envolta em cobertores, sentada sobre a cama, pensando nele. Sempre ele. O grande amor de sua vida. Aquele que a completava. Aquele que ela precisava para viver.

Harry.

Sentia-se sufocada. A saudade dilacerava seu peito, fera maldosa que causava lágrimas, lágrimas essas que aos poucos encharcavam os cobertores... Saudade impossível de se matar, pois ela sabia que o único antídoto era Harry. E Harry, talvez, nunca mais estaria ali.

A porta do quarto se abriu, lançando luz sobre o aposento escuro. Gina escondeu o rosto debaixo dos cobertores; devia ser Rony ou Hermione, e se a vissem assim, aos prantos, morreriam de preocupação e se acabariam em interrogações.

Resolveu ficar quietinha. Esperava dar a impressão de que não queria ser incomodada, mas o ruído dos passos entrando pelo dormitório demonstrou que o recado não fora recebido pela pessoa.

Os passos avançaram até a sua cama, e pararam bem ao lado de seu rosto.

A pessoa não dizia nada. Mas estava decidida a falar com ela. Soltando um longo suspiro, Gina se convenceu de que não havia alternativa. Enxugando rapidamente os olhos, ela os levantou.

Era um sonho...

Um delírio...

Uma loucura...

Iluminado pela luz do luar, pela claridade vinda do corredor, estava aquele rosto tão amado. Aquele rosto de tantos sonhos, de tantos suspiros, de tantos beijos, de tantos carinhos.

Aquele rosto que completava o dela.

O dono do coração que, junto com o seu, tornavam-se um só.

Seus olhos encheram-se de novas lágrimas enquanto ela se convencia de que aquilo não era um sonho... Não, pensou Gina, é um sonho. Mas um sonho real. O melhor dos sonhos. A coisa mais linda que acontece enquanto estamos de olhos abertos. A idealização do sonho. O sonho que pode ser tocado, amado.

Ela levantou uma mão trêmula.

-Harry... – murmurou. – Meu amor...

Harry se agachou ao lado da cama. Pela pouca claridade, Gina podia ver o risco brilhante no rosto dele, risco este que saía do olho e seguia sua trajetória pela face do seu amado.

A mão dela continuava suspensa no ar. Harry, lentamente, com o coração disparado, juntou sua mão com a de Gina. Palma contra palma. O reencontro dos corpos. Estavam se completando novamente.

-Harry... Senti tanto a sua falta – murmurou Gina. A face de Harry estava tão próxima da sua. Novas lágrimas desciam pelo rosto dele, saindo dos olhos verdes... Os olhos que, mesmo tão úmidos, deixavam transparecer o amor que Harry sentia por ela.

-Eu também – falou ele, apertando a mão dela com mais força. – Não sabe o quanto sofri... Ficar longe de você foi uma das coisas mais dolorosas que já passei... Porque me feriu, entende? Feriu-me tanto... Eu descobri que não existo mais sem você.

Gina sorriu.

-Minha vida torna-se um fardo, uma escuridão, se eu não posso tê-la comigo...

-A minha também, Harry. Não consigo mais viver sem você. Só rompi por causa...

-Sim, eu sei. Mas, Gina, olhe bem, nós não rompemos nada. Nada foi rompido. Alianças foram jogadas, mas nossos corações, entrelaçados pelo amor, não foram rompidos. Não podem ser rompidos. É um sentimento... Um sentimento...

-Inquebrável – sugeriu Gina. – Resistente à dor, à distância, a tudo. Passou e vai passar pelas turbulências, pelos obstáculos. Um sentimento tão forte que não pode ter descrito. Só pode ser vivido.

Harry também sorriu.

-Viu como nos completamos? – perguntou ele, aproximando os lábios.

Os dois se entregaram ao beijo saudoso, um beijo umedecido e levemente salgado pelas lágrimas que não paravam de cair. Ali estava a edificação do amor, naquele momento apaixonado, sedento, louco.

Quando o beijo terminou, Harry olhou fundo nos olhos de Gina.

-Nosso amor é inquebrável, mas não podemos negar que existe uma rachadura...

-Sim – ela baixou a cabeça. – Estelle... Aliás, juro que nunca pensei que você viria até aqui, atrás de mim, depois que a Poção da Vida foi retomada... O que você não queria.

-Não queria. Mas agora quero. Foi ótimo a manifestação ter dado certo...

Gina ergueu a sobrancelha.

-O que disse?

-Gina... Eu queria que a poção fosse cancelada porque julgava impossível trazer Estelle de volta. Para mim, aquilo não era vida. Para haver vida, a mente e a alma devem estar ligadas. Uma não funciona sem a outra. Estão ligadas. Por exemplo... Quando vi você, senti uma sensação tão boa por dentro, que desencadeou uma sucessão de batidas furiosas dentro do meu peito. O coração reagiu ao amor. Coração do corpo, amor da alma. Ligados. Vida é isso...

-Eu entendo – disse Gina, após um instante de reflexão. – Mas sou mãe, e é tão difícil...

-Eu sei. Não estou aqui pra discutir... Isso já foi, é um debate que deixamos para trás. Isso eu pensava quando Estelle não tinha mais solução. Mas a magia nos surpreende tanto... E eu... Encontrei a solução.

Gina sentiu o corpo estremecer.

-O que disse?

-Sim, eu encontrei a solução! – ele puxou os pergaminhos do Manual Do Contra e os pousou sobre o colo de Gina. – Aqui estão. Todas as reversões dos feitiços daquele bruxo maligno. A reversão para o Feitiço da Consciência Vazia.

Gina tocou os pergaminhos. Sentia uma nova onda de felicidade a envolvendo.

-Harry... Você encontrou a forma de trazer Estelle de volta?

-Sim. Percebe agora como nunca quis o mal da nossa filha? Essa solução surgiu, e eu lutei por ela, Gina. Lutei para salvar Estelle. Lutei para devolver a vida a ela.

Gina estava aos prantos. Estendeu as mãos e Harry a envolveu num abraço apertado. No ouvido dele, ela sussurrou:

-Eu te amo.

-Eu também te amo – sussurrou Harry de volta.

Quando o abraço terminou, Gina perguntou, ansiosa:

-Quando vamos reviver Estelle?

-Agora mesmo! Com nossa filha aqui, ao nosso lado, a rachadura vai desaparecer... Seremos uma família novamente. E nada, nem ninguém, será capaz de nos separar.

Os dois se abraçaram novamente, antes de desaparatarem, levando o Manual Do Contra para o St. Mungus.


Os dois abriram a porta da enfermaria.

George Bright não estava ali. Harry deu passagem para a esposa e entrou em seguida.

Lá estava Estelle, sobre a cama, coberta por um lençol branco. Os dois se aproximaram, levando entre eles o Manual Do Contra. Cada um segurava uma ponta do manual, a fonte da esperança.

Chegaram perto e viram o rosto lindo e delicado da filha. Os penetrantes olhos azuis estavam abertos, mas, como sempre, perdidos e vazios. A boneca das Esquisitonas repousava sobre uma cadeira ao lado. O silêncio era aterrador.

-Está na hora, Harry – falou Gina, olhando-o.

Com um suspiro, Harry pegou o Manual e começou a folheá-lo, até encontrar a reversão do Feitiço da Consciência Vazia...

-O Feitiço Retorno da Consciência... Encantamento...

Decorou as palavras mágicas. Muito simples.

Levou a mão ao bolso e puxou a varinha. Um gesto de tantos anos, mas agora tão especial... A ergueu, apontando para a cabeça da filha. Lançou um olhar para Gina.

-Boa sorte – desejou ela, com as mãos entrelaçadas sobre a boca.

Harry não respondeu. Virou novamente para a filha. Respirou fundo, buscando concentração e calma. Corpo e alma ligados, mas dessa vez devia se controlar.

Após se concentrar, brandiu o encantamento:

-Revitorn mentalidedes!

Um raio de luz vermelho claro atingiu a garota. Estelle estremeceu.

Harry guardou a varinha no bolso e se juntou a Gina num abraço. Ambos ficaram emudecidos, aguardando o resultado...

Até que...

Uma mãozinha se mexeu.

Uma mãozinha deslizou pelo lençol branco.

Um par de olhos azuis se moveram até encontrá-los. O par de olhos azuis se fixou neles, e estavam carregados de significado, carregados de vida.

Estelle se recostou no espaldar da cama, olhando confusa para os pais, que choravam, abraçados.

-O que estou fazendo aqui, mamãe? – perguntou, na sua mesma voz, voz que eles não ouviam mais. – Que lugar é esse, papai?

As palavras mamãe e papai saindo daquela menina que eles tanto amavam... Palavras que julgavam que nunca mais seriam ouvidas...

Emocionados, Harry e Gina foram até a filha e a envolveram num abraço. Passaram-se um minuto, dois, três... Mas o tempo não existia mais naquele momento. O que importava era tocar Estelle, ouvir as reclamações por causa do abraço... Aquilo era tudo para eles...

-Tudo bem, agora chega – falou a menina, nervosa. – Agora contem, quem me colocou nesse lugar aqui?

-Você se machucou, filha – respondeu Gina, enxugando as lágrimas. – Por isso está nesse lugar, o hospital. Mas você já vai sair, viu?

-Ainda bem – disse ela, enquanto pegava a boneca preferida, que estava sobre a cadeira, e começava a brincar com ela.

Com um sorriso, os dois acompanhavam as brincadeiras de Estelle. Em suas mãos a boneca das Esquisitonas dançava, cantava, se contorcia...

-Uma família... Novamente – falou Gina.

-Sim. Agora estamos verdadeiramente completos – disse Harry, beijando a esposa, ato que provocou uma crise de risos em Estelle.


UM MÊS DEPOIS...

Harry, Gina e Estelle estavam na Sala da Profecia, no Departamento de Mistérios. Aquele lugar causava uma sensação ruim em Harry; era carregado de lembranças desagradáveis, mas ele insistiu tanto que Gina acabou cedendo.

-Preciso de você e de Estelle lá, comigo – falou ele, para convencê-la. – As partes envolvidas nas conseqüências dessa profecia. E, além do mais, só você pode pegá-la. Ela foi destinada a você, esqueceu?

Os três foram guiados por um funcionário até chegarem à esfera desejada. Estava etiquetada assim:

S.P.T para G.W.P.

Estelle Weasley Potter

Gina pegou a esfera, libertando a figura de Sibila Trelawney. Estelle, sobressaltada, foi se esconder na barra da calça de Harry, enquanto a figura proclamava:

"Felicidade no enlace. O fruto vai amadurecer. Mas eis que quando está maduro cai do pé. E se despedaça. Metades, que vão dividir a árvore que deu o fruto. Metades diferentes, uma o oposto da outra, e apodrecem o solo da árvore. A árvore seca, o tronco quebra ao meio. O fruto quebrado fará mal à árvore... Mas eis que a árvore, sólida, se reconstrói. Um raio de sol surgirá e, se for alcançado, o raio trará nova seiva e o fruto se revigorará".

A figura desapareceu. Gina, boquiaberta, virou-se para Harry.

-Nossa... Querido, eu não ouvi isso... Essas palavras finais. Achei que terminava antes...

-Isso é normal, senhora – intrometeu-se o funcionário. – Muitas pessoas que vem até aqui dizem isso. Mas o curioso é que só descobrem depois que a profecia já foi cumprida.

-Coincidência? – sugeriu Harry.

-Não, senhor Potter... Destino.


Harry estava de folga, mas resolveu dar uma passada no Quartel-General dos Aurores. O Manual Do Contra estava de posse dos bruxos, para o caso de uma emergência inesperada. Na lista de óbitos dos criminosos procurados estava o nome de Spike. Motivo do óbito: assassinato por feitiço desconhecido; o bruxo virou pó... Harry se sentiu desconfortável ao passar pela lista, como sempre se sentia, mas continuou com passos firmes até encontrar Quim Schacklebolt.

-Não acredito que a princesinha está aqui! – exclamou Quim, abraçando Estelle, sempre um apaixonado pela garota.

-Como vão meus últimos capturados? – perguntou Harry, se referindo a Brad e Ted; os dois bandidos foram apanhados no esconderijo da gangue, que foi invadido por Harry e outros dois aurores.

-Vão bem para a população e mal para eles mesmos – brincou Quim, com Estelle no colo. – O julgamento dos dois aconteceu hoje pela manhã e, segundo o que me informaram, a dupla vai amargar prisão perpétua. Depois da morte dos outros dois, as conseqüências pelos feitios do grupo caíram nas costas deles. Todos os roubos, assassinatos... Era de se esperar uma condenação assim...

-É...

-Jimmy – murmurou Quim, balançando a cabeça.

Harry sentiu o coração sair pela boca. Quim havia dito Jimmy, o nome falso que Spike ia usar. Quim saberia o que Harry tinha feito? Ou "Jimmy" havia aprontado alguma?

-O que disse? – Harry resolveu perguntar.

-Não sabe ainda? Do novo bruxo justiceiro? Jimmy Galvin?

-Não – murmurou Harry.

-É um bruxo que anda mascarado por aí, capturando os bandidos de vários lugares, salvando a vida de muitas pessoas. Uma espécie de herói. Ninguém sabe quem ele é, mas supõe-se que seja um bandido foragido, pois se infiltra facilmente nas gangues e os desmascara.

-Que bom... – suspirou Harry. Spike estava fazendo o bem, compensando cada vida que havia tirado salvando outra.

-Que bom? – perguntou Quim.

-Ah... É... Que bom que ele está solto, não é? Senão não ia estar ajudando tanta gente... Bom, nós já vamos indo, Quim. Temos um show para assistir hoje.

-Magic Rock? Não acredito que conseguiram! Minha sobrinha estava doida para ir, mas não conseguiu ingressos, isso há duas semanas atrás... O que fizeram pra conseguir?

-Ah... Tratamento VIP – brincou Harry. – Amigos merecem lugares especiais.


O show estava realmente lotado. Peterson, Joey, F.J. e Ray tocaram num palco cheio de luzes e efeitos, com o logotipo do grupo brilhando magicamente ao fundo.

Harry, Gina e Estelle assistiram em lugares especiais, bem próximos do palco, acompanhados de George Bright – que estava igualmente feliz com a recuperacao de sua paciente. Assim que o show se encerrou, debaixo de uma multidão de aplausos e gritos histéricos, Bright foi para o hospital e os três foram encaminhados ao camarim, para reencontrarem Peterson.

O vocalista estava dando autógrafos para um grupo de pivetes vestidos com a camiseta da banda. Acenou para os três aguardarem e, assim que conseguiu se livrar dos fãs mirins, foi até eles.

-Harry! Gina! Há quanto tempo – apertou a mão dos dois. Baixando os olhos, encontrou Estelle. – E aí está a pequenina Estelle, minha fã número um.

-Vocês ouviram isso? – gritou Estelle para as outras crianças. – Eu sou a fã número 1!

-Estelle! – censurou-a Harry com um sorriso.

-Lamento mesmo ter desaparecido – falou Peterson. – Estamos sem tempo. Depois da turnê em Portugal, atravessamos vários países da Europa. Só paramos agora e, claro, não podia deixar de fazer um show por aqui. Mas já viajamos semana que vem! Os bruxos da América do Sul descobriram nosso som, estamos no topo das paradas bruxas do Brasil e do México. Nada mais justo do que fazer shows por lá.

-Fico feliz por você e pelos outros – falou Harry. – O ruim vai ser que você vai sumir cada vez mais.

Eles riram. Rony e Hermione chegaram ao camarim, Mione com sua barriga de grávida já saliente. Harry foi falar com os dois.

-Mione, não achou que foi loucura vir desse jeito pra um show de rock? Coitado do meu sobrinho!

Gina continuou no mesmo lugar, fitando Pet. Algo nele havia mudado, e ela não deixou de perceber. Por mais que ela o encarasse, Pet não baixava os olhos, nem ficava vermelho.

-E então, Pet? Já encontrou alguém que te faça feliz?

-Ainda não – ele sorriu. – Estou buscando a mulher ideal... Sabe, Gina, agora estou me esquecendo mais de você. Demorou muito, não vou negar. Um amor não acaba tão facilmente, nem tão rápido. Por isso mergulhei de cabeça nos shows, no grupo... Para esquecê-la. E por isso sumi tanto daqui...

-Mas não precisa sumir...

-Precisa sim. Todos os seus parentes souberam que eu gostava de você. Fica marcado na pele, como uma tatuagem. Para sempre. Sei que nunca será a mesma coisa, mesmo que eu case e tenha filhos... Eles sempre lembrarão...

-Espero que você encontre alguém, Pet, sinceramente...

-Eu vou encontrar. Mas, sabe o que é curioso? Eu acho que estou te procurando nas outras garotas. Estou procurando uma ruiva, que seja tão gentil e simpática quanto você. E é muito difícil encontrar alguém com as duas qualidades. Outra Gina... Se essa fosse uma simples história de ficção, provavelmente o apaixonado Peterson encontraria alguém que viria não sei de onde e esqueceria Gina rapidamente... Mas não. É vida real. E a vida as vezes é cruel. Alguém que amou tanto quanto eu amei você não é capaz de esquecer tão rapidamente. Não... Foi amor verdadeiro. E eu sei que vou procurá-la nas outras, até encontrar, mas, enquanto isso...

Uma ruiva de cabelos compridos passou por eles.

-Eu vou procurando e fazendo testes para ver se encontro – ele sorriu e saiu atrás da bela bruxa.

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