PARTE VI - CONHECENDO OS KENT

Minutos depois, Clark e Diana estavam no Rancho Kent. Enquanto Martha Kent servia Diana com um pouco de chá quente e alguns biscoitos, Clark contava a Jonathan, na cozinha, o que havia acontecido naquela noite.

"Tem certeza disso tudo, filho?", perguntou ele, referindo-se à estranha que salvou Clark na ponte, não sem antes dar uma observada nela, que estava sentada ao sofá da sala, junto com Martha.

"Pai", disse Clark, fazendo uma pausa, "ela salvou minha vida".

"De onde eles tiraram aquela kryptonita toda?", perguntou Jonathan, pensativo.

"Da LuthorCorp não pode ter sido, porque desde o incidente com Eric Marsh, e o roubo da carga de kryptonita, Lionel parou de guardá-las na fábrica".

"E se Eric fez um reservatório particular em algum outro lugar?", sugeriu Jonathan.

"Então ele nãoteria precisado roubar todos aqueles carregamentos e se deixar ser capturado naquela vez", deduziu Clark.

"Tem razão...", concordou Jonathan.

"O pior é que Chloe e Lana estão em perigo com esses caras", disse Clark. "E eu nem faço idéia de como começar a procurá-las!"

"As mulheres do seu mundo sofreram muito ao longo dos anos", disse Diana à Martha, enquanto tomava um pouco do chá que esta lhe havia servido. Martha já sabia da estória de Diana, mas ainda não conseguia entender. Era inacreditável demais estar diante de uma garota que vivia num mundo formado só por mulheres. "Tenho estudado sobre vocês durante muito tempo".

"Bom, muitas das mulheres do nosso mundo também fizeram grandes conquistas", disse Martha, tentando ser gentil.

"Cite uma, por exemplo", pediu Diana, sabendo que Martha não conseguiria pensar num nome naquele exato momento, com rapidez.

Martha ficou pensativa por um tempo, e Diana disse:

"Está vendo? Os homens do seu mundo não têm dado o devido valor às suas mulheres".

"Bom, no meu mundo, homens e mulheres trabalham juntos pelo bem de todos. Em alguns momentos, os homens se sobressaem em relação às mulheres, e em outros, as mulheres se sobressaem em relação aos homens, mas, em geral, estão todos trabalhando pelo bem comum, e não importa quem esteja com a razão, ou quem esteja em evidência, se os homens ou as mulheres", explicou Martha.

Diana sorriu com o canto dos lábios.

"Desculpa, Sra. Kent", disse ela. "Ainda estou tentando entender isso, e é por esse motivo que estou no seu mundo".

Martha sorriu.

"Então estou certa que você está no caminho certo, pois será convivendo com as pessoas desse mundo que irá descobrir o quanto são importantes tanto os homens quanto as mulheres, e que todos terão muito mais sucesso nas suas conquistas se trabalharem juntos", disse ela.

Diana sorriu. Ainda duvidava daquele conceito.

De repente, o telefone na casa Kent tocou. Todos olharam para o aparelho sobre o balcão, entre a cozinha e a sala de estar. Clark correu para atender, acreditando que se tratava de Hector Marsh. E era:

"Desta vez você se deu bem, garoto", disse ele. "Mas suas amigas vão sofrer, e muito, se não fizer o que eu mandar!"

"O quê você quer?", perguntou Clark, preocupado.

Jonathan e Martha foram para o lado do filho, para apoiá-lo. Diana apenas os observava. Entendia perfeitamente a situação, e sabia do risco que as duas garotas podiam estar correndo, mas mais do que isso, ela estava diante de uma cena que jamais viu antes, estava diante de uma família: pai, mãe e filho, que se apoiávam mutuamente para ajudar duas pessoas. Desde que chegara à Terra, Diana jamais imaginou descobrir algo como aquilo que vivia naquele momento.

"Encontre-me, sozinho, na mansão Luthor".

"Na mansão Luthor?", indagou Clark, surpreso.

"Isso mesmo...", disse ele, sarcástico, falando do aparelho no escritório de Lex Luthor, olhando para seus reféns sentados e amarrados ao chão da sala, cercados por seus capangas, os Demônios da Noite, que riam com seu líder. "Vou acabar com todos aqueles que destruíram os sonhos do meu irmão Eric!"

"Não machuque-os!", gritou Clark, ao telefone. Mas era inútil. Ele já havia desligado.

"O quê ele disse, filho?", perguntou Martha, aflita.

"Eles estão na mansão do Lex", respondeu Clark. "Ele quer se vingar de todos os responsáveis pela prisão do Eric".

Clark olhou para Diana:

"Preciso da sua ajuda", perguntou-lhe.

"Pode contar comigo", respondeu ela, pronta para partir.

"Não, esperem!", exclamou Jonathan. "É perigoso, filho", disse ele, apoiando a mão no ombro dele. "Eles têm kryptonita e você pode se machucar!"

"Eu vou estar lá para ajudá-lo, Sr. Kent", interrompeu Diana.

Jonathan ficou em silêncio por um instante, e depois disse, olhando para ela:

"Desculpe, Diana, mas não confio em você".

"Pai!", exclamou Clark.

"Filho, não sabemos de onde ela é", disse Jonathan, tentando explicar seu raciocínio. "Essa estória toda, sobre Amazonia, um mundo só de mulheres, é difícil demais de acreditar. Ela pode muito bem ser uma vítima daquela chuva de meteoros..."

"Sabe, Sr. Kent", disse ela, aproximando-se dele. Martha ficou apreensiva, começando a acreditar que o marido podia estar certo. "Você devia acreditar, principalmente porque eu sou uma mulher. Em Amazonia, por muitos anos observamos as mulheres da Terra, e quando eu era pequena, minha mãe me contou a estória de uma, em especial".

"Não temos tempo para isso", disse Clark, tentando apressá-la.

"Espere, Clark", disse ela. "Seu pai precisa acreditar".

Jonathan a escutava com atenção:

"Essa mulher em especial de quem falo, certa vez, ao ver o filho ardendo em febre, passou a noite toda ao seu lado, enquanto via-o delirar. O pai dele havia saído para trazer um médico, que estava numa outra cidade. Minha mãe aprendeu com ela uma canção, sobre uma aranha que tecia sua teia que foi levada pelo vento..."

Jonathan, que até então não acredita numa única palavra dita por Diana, começou a dedicar-lhe atenção plena, e era como se ela pudesse mostrar-lhe aquela cena, num projetor de slides, dentro de sua cabeça. Jonathan podia ver e reviver todos os detalhes daquele momento de sua vida. Ela falava de sua mãe, e de quando ele, aos oito anos de idade, quase morreu.

"A mãe desse menino", disse Diana, continuando a narrar a estória que ouviu com tanto amor na sua infância: "segurava sua mão, e orava pela sua recuperação. Em suas preces, ela pediu ajuda de diversas divindades, na esperança de que alguma delas atendesse seu apelo. Pediu ajuda, inclusive, à protetora das mulheres, sem ao menos saber que havia uma. No fundo, porém, ela sabia. E a protetora das mulheres é Afrodite, que se comoveu com as lagrimas daquela mãe que temia perder seu filho, e a ajudou. Minha mãe, a Rainha Hipollyte, viu aquela cena, no espelho d'água do jardim no Palácio das Amazonas, e me contou que foi por causa daquela mãe que ela decidiu pedir à Deusa Afrodite, a dádiva de um dia também poder ser mãe".

Jonathan, forte como só ele, conseguiu segurar as lágrimas, enquanto Martha o abraçava. Ela também sabia daquela estória. Jonathan dizia que havia sido um milagre, que ele sentia, mesmo sendo um garoto de apenas oito anos, que ia morrer de tanta febre. Lembrava das preces que sua mãe fazia ajoelhada ao seu lado da cama, e principalmente, das canções, em especial, a da aranha Charlotte.

"Sr. Kent, se eu estou aqui, é porque eu precisava conhecer pessoas como vocês, como a sua mãe, pessoas que me façam pensar o contrário do que as mulheres em Amazonia pensam: que os homens do seu mundo só fazem desgraças uns contra os outros", conclui ela.

Clark, comovido, apoiou a mão no ombro do pai, e disse:

"Precisamos ir agora, pai".

"Tudo bem, filho", disse ele, recompondo-se, "mas sejam rápidos, pois vou ligar para a xerife estar lá dentro de instantes".

Enquanto Clark e Diana saíam pela porta dos fundos, Jonathan chamou:

"Diana!", ela se virou, e ele disse: "Obrigado pela lembrança".