Eragon demorou alguns dias, mas a presença constante de Murtagh ao pé de si fê-lo recuperar muito melhor. Murtagh e ele eram agora inseparáveis e aquela cicatriz nas costas marcara-os como iguais. Pareciam irmãos, e confiavam plenamente um no outro.

Saphira também não saia da pequena porta do quarto de Eragon, e Arya visitava-o todos os dias.

Eragon não quis que ninguém soubesse para onde ele tencionava ir durante os primeiros dias. No dia anterior à sua "libertação", como Saphira lhe dizia, ele entrou no pensamento de Arya e disse-lhe o que tencionava fazer. Arya concordou em levá-lo à presença doTogira Ikonoka, na terra dos elfos.

Murtagh também soube para onde estes tencionavam ir, uma vez que Eragon já tinha experimentado e confirmado que nos pensamentos do amigo era praticamente impossível entrar.

Angela deixou-o sair no sexto dia e este, apesar de ninguém concordar, fez logo menção de montar Saphira.

Ela elevou-se no ar com uma velocidade tal que, pareceu ao rapaz, ter deixado no chão, lá longe… todos os seus problemas.

Sim… ele iria até Ellesméra, para junto dos elfos, ele iria seguir o seu destino, ele era um Cavaleiro do Dragão, ele era Argetlam.

"I can not find a way to describe it, it's there inside, all I do is hide"

(Eu não consigo encontrar uma maneira de o descrever, está lá dentro, no fundo, tudo o que eu faço é esconder-me)

Saphira desceu verticalmente, aguardava-os uma longa viagem, o melhor era reservar as suas forças.

Despediram-se daquilo que restava de Trojheim e tentando não chamar à atenção, saíram a pé.

Durante dias viajaram no meio dos montes, desta vez rumavam a ocidente… Seguiram o rio Dente de Urso até Headarth, e daí prosseguiram o rasto do rio Edda.

"I wish that it would just go away, what would you do if you know, what would you do?"

(Eu desejo que tudo apenas desapareça, o que é que tu farias se soubesses, o que farias?)

Pararam na margem do Eldor, para que Saphira que os seguia pelos céus pudesse confirmar que não eram seguidos. Carregaram de novo, todas as suas forças e assim, os humanos (e não só) puderam comer outro tipo de alimentos; alguns pedaços de carne capturados por Saphira nas florestas ali perto, em vez de pequenos lagartos, cobras e peixes de rio.

O lago era enorme, as águas calmas e brilhantes e o sol abrasador convidavam a entrar na água. Eragon mantinha-se sentado, isolado, a pensar. Ninguém o entendia. Por vezes, Saphira procurava falar com ele, mas Eragon desviava sempre a conversa, falando do quanto Saphira lhe fazia falta, uma vez que esta agora, conseguia transportar os três amigos ao mesmo tempo e acender uma fogueira, sem que o Cavaleiro tivesse de gastar energia. Por outro lado, Arya e Murtagh cada vez passavam mais tempo juntos, ou a treinar com as suas espadas, ou a contar e desvendar o nome das estrelas, ou a falar sobre magia, ou… Eragon não sabia… ele apenas se mantinha longe, não queria preocupá-los. Eragon sentia grande perigo, perto da entrada de Du Weldenvarden.

"All the pain I thought I knew, all my thoughts lead back to you, back to what was never said; back and forth inside my head; I can't handle this confusion, I'm unable, come and take me away"

(Toda a dor que eu pensava conhecer, todos os meus pensamentos ligados a ti, voltam para o que nunca foi dito; para trás e para a frente dentro da minha cabeça; não consigo lidar com esta confusão, sou incapaz, vem e leva-me daqui)

Quando já se via bem a densa floresta, Eragon decidiu falar com Saphira e contar-lhe o que o atormentava… Afinal, esconder-lhe os seus pensamentos e os seus sentimentos, para além de perigoso e de afastar a dragão, era muito difícil, pois os seus pensamentos estavam tão intensamente envolvidos que apenas um segundo de distracção e esta poderia saber exactamente o que ele estava a pensar.

-Saphira… eu… desculpa-me por não te ter dito nada antes e por me ter afastado de ti nestes últimos tempos…

- Meu pequeno… estava com medo de te perder… há muito tempo que não falavas comigo, quando o fazias, pouco ou nada dizias… – mesmo longe, Saphira mostrou a Eragon o seu alívio – diz-me… que te atormenta?

"I feel like I am all alone, all by myself. I need to get around it; my words are cold, I don't want them to hurt you, if I show you I don't think you will understand 'cause no one understands…"

(Eu sinto que estou completamente sozinho, apenas comigo mesmo. Preciso de ultrapassar isto; as minhas palavras são frias, não as quero para te magoar, se eu te mostrar acho que não vais entender porque ninguém entende)

-Olha com atenção à tua volta, não presentes perigo? – tanto que ele queria que ela respondesse que não, que era tudo apenas fruto da sua imaginação…

-Oh! Tu também sentiste? – Eragon pôde ver a sombra de Saphira a pairar por cima dele – Tenho impressão de que estamos a ser seguidos, ou que algo, nada bom, está no nosso caminho…

O rio Graena desaguava em Ardwen, um pequeno lago no meio dos bosques, mas nessa tarde, ainda nem tinham feito metade do caminho até ao lago. De noite, tiveram de dormir por turnos, Arya aconselhara-os a não dormirem ali, na floresta, corriam grande perigo caso o fizessem.

Arya ficou com o primeiro. Saphira deitou-se entre esta e Eragon, para que o rapaz se abrigasse debaixo da sua asa e para que a elfo pudesse ter um sitio quente onde se encostar. Murtagh ficou ao lado de Eragon, aproveitando também a protecção de Saphira.

Saphira mexeu-se repentinamente acordando os dois rapazes que dormiam profundamente debaixo da sua asa.

Arya desaparecera...

- Não, ela pressentiu algo de mal no nosso caminho. Ela disse que poderia ser, ou é um feiticeiro poderoso a convocar espíritos, ou é mesmo um espectro! – avisou a dragão.

- Onde é que ela está? – Eragon pusera-se de pé e desembainhara Zar'rociii.

- Ela foi por ali – respondeu, fazendo uma nuvem de fumo que se dirigiu a um círculo fechado de árvores altas e grossas – mas ela pediu para que não a seguissem… ela está no seu domínio… deixem-na tratar disto!

Tarde demais. Murtagh e Eragon entraram pela floresta adentro.

Saphira não conseguiria passar ali, as árvores eram grandes de mais, ela teria de ficar para trás.

Eragon corria a grande velocidade, sendo fielmente seguido por Murtagh, por entre ramos baixos e raízes elevadas, que o faziam tropeçar e baixar-se em fracções de segundo.

- Porque te tens afastado? – perguntou Murtagh ao da frente – Eu e Arya falámos várias vezes sobre isso… – baixou-se perante a aproximação de um grande ramo – que nos andas a esconder?

- Nada… – mentiu, saltando por cima de um pântano.

- Eragon…

- Deixa Murtagh… no seu devido tempo saberás.

"I'm not afraid of any thing, I just need to know that I can breathe, I don't need much of any thing but suddenly…"iv

(Não tenho medo de nada, apenas preciso de saber que posso respirar, eu não preciso muito de nada mas de repente…)v

Continuaram a correr durante muito tempo, Eragon já não sentia as pernas e já se baixava e saltava como se estivesse programado para isso. Ouvia, de vês em quando, Murtagh a arfar atrás de si, que, orgulhoso, recuperava o folgo e apanhava-o mais à frente.

Eragon parou… estava muito cansado e encontrava-se já demasiado longe de Saphira, deixara de conseguir contactá-la.

Murtagh embateu nele, devido à velocidade a que vinha. Caíram ambos ao chão, de tão forte que foi o embate, mas Eragon com os seus rápidos reflexos levantou-se como que instantaneamente.

"I'm small and the world is big, all around me it's fast moving, surrounded by so many things, suddenly, suddenly…"

(Sou pequeno e o mundo é grande, tudo à minha volta mexe-se muito rápido, rodeado de tantas coisas, de repente, de repente…)

Era estranho olhar para Eragon de novo. A lua incidia na sua cara e deixava ver todos os seus traços. O amigo, ainda no chão, lembrava-se de olhar para Eragon, há algumas semanas atrás, sem que se tivesse apercebido de que este tinha envelhecido.

O seu cabelo continuava igual e não se via uma única ruga, mas o seu olhar era de desconfiança.

- Que se passa contigo? Já não pareces o mesmo… – disse Murtagh sentando-se no chão – Arya pode esperar, ela sabe-se defender e, se estivesse realmente em perigo, já nos tinha contactado.

- Guardo comigo um segredo irmão – Murtagh sorriu, desde que saíram de Trojheim que Eragon não lhe voltara a chamar de irmão – o mundo já não parece tão simples, carrego sobre os meus ombros um grande peso e sinto perigo em toda a parte.

- Não te apoquentes, perigo sempre houve e sempre haverá. Não te preocupes com o teu carrego, um dia ser-te-à útil. Quanto ao segredo, deves ter as tuas razões para não o partilhares, mantêm-no assim, só é um segredo enquanto ninguém sabe.

Eragon estendeu-lhe a mão e este apertou-a com amizade. Eragon abraçou-o. Há muito tempo que sentia falta de algo tão caloroso. Saphira ajudava-o e era ela quem o confortava, mas não era a mesma coisa…

"How does it feel to be different from me? Are we the same? How does it feel to be, different from me? Are we the same? How does it feel?

(Como é ser diferente de mim? Somos iguais? Como é ser diferente de mim? Somos iguais? Como é que é?)

- Vamos – disse Murtagh depois do longo abraço – Arya não sabe de nós, e já estamos demasiado longe de Saphira para que a possas contactar, não?

- Sim, não sei onde estamos, mas já estamos bastante longe… Mas, nem sei se estamos a ir na direcção certa…

Recomeçaram a corrida, desta vez Murtagh ia na frente.

Correram durante muitas horas, o Sol já devia estar quase a nascer.

Saphira, já farta de esperar, elevou-se nos ares e começou à procurar de algum sinal da elfo ou dos rapazes. Nada! Nem um sinal… Por volta daquela hora, eles já deviam ter corrido bastante… Saphira tentou aproximar-se pelos ares, enquanto procurava falar com Eragon.

Estava quase a chegar a uma enorme clareira no meio da floresta, quando conseguiu sentir a presença de Eragon.

Mais abaixo, no meio das densas copas das árvores, Eragon também a sentira.

-Finalmente Saphira! – disse ele respirando de alívio mas sem abrandar o passo – Sabes de Arya? Sabes onde estamos? O sol está quase a nascer?

"I'm young and I am free, but I get tired and I get weak, I get lost and I can't sleep, but suddenly, suddenly..."

(Sou novo e sou livre, mas eu canso-me e fico franco, perco-me e não consigo dormir, mas de repente, de repente….)

- Calma meu pequeno… O sol já rompe o chão, lá longe… quanto ao sinal de Arya… nada…. Mas posso dizer-vos que já estão perto de uma grande clareira…

- E o rio?

- Do vosso lado direito… Espera… Enganei-me, é um grande lago e não uma clareira como pensei… Não estamos a mais de escassos metros dela….

- Saphira segue-nos pelos ares, ela diz que temos o rio à nossa direita e que não estamos a mais de escassos metros de um grande lago… – disse Eragon a Murtagh.

- Um lago? Só se… Como é possível? Já estamos a chegar a Ardwen?

- Hum… mas não faltava mais de metade do caminho? – Eragon abrandara o passo – e como terá Arya pressentindo tal perigo a tão grande distância?

- Nada nos garante que ela esteja na nossa frente… Mas, na margem desse lago há uma grande povoação! Sílhrim! Sim… é provável…

- O que? Explica-te!

- Dizem os contadores de histórias que Sílhrim é habitada por grandes feiticeiros que querem viver mais perto dos elfos… Se calhar, é mesmo isso… está algum feiticeiro a convocar espíritos! Temos de ajudar Arya! Comunica isto a Saphira, pede-lhe para que suba mais alto e que passe por cima do lago, sem que seja vista. Ela que tente falar com Arya, que nós estamos quase a chegar lá.

"Would you comfort me? Would you cry with me? I am small and the world is big, but I'm not afraid from anything!"

(Confortas-me? Choras comigo? Sou pequeno e o mundo é grande, mas eu não tenho medo de nada!)

-Saphira? Murtagh pediu que tu passasses pelo lago, mas para que tivesses cuidado para não seres vista, há uma população numa das margens! Fala com Arya e diz-lhe que nós estamos a caminho!

- Eu faço isso… Boa sorte!

Os dois rapazes continuaram a correr. A Eragon, parecia-lhe que Zar'roc pesava mais de vinte quilos e, a Murtagh parecia que, a cada passo que dava, o caminho se tornava mais comprido.

Já podiam ver a luz que passava por entre as copas das árvores, que, à medida que se iam aproximando do lago, se tornavam menos densas; já era de dia.

O rio já se fazia ouvir, vindo do lado direito e, a cada minuto que passava, era mais fácil ver por onde andavam.

Finalmente, muito cansados chegaram ao lago. Saphira lá estava, mais baixa do que haviam combinado, mas perplexa a olhar para a outra margem.

Arya também, uns metros mais a frente que os rapazes, olhava como que petrificada para algo, do outro lado do rio. Murtagh também olhou, e de lá não tirou os olhos. Eragon esforçou-se para ver e, aquilo que viu, fê-lo pensar se não estaria num pesadelo.

Do outro lado do lago, um feiticeiro tentava livrar-se de um espírito que ele próprio invocara, mas que se tornara demasiado poderoso para este controlar.

O espírito entrava dentro do pobre feiticeiro e fazia este esmurrar-se a si próprio, depois saia e queimava-lhe a pele, voltando em seguida a apoderar-se do corpo deste.

Então é assim, que um espírito se apodera de uma pessoa…ele mata tudo o que há de humano na pessoa e confunde a sua alma, levando-a à loucura…Que horror…Mas… e o que posso eu fazer para salva-lo? Não posso ficar aqui parado, se não o salvar também não iremos sair daqui com vida! … Um espírito num corpo novo deve ter o dobro do poder… não posso ficar aqui!

- Saphira? Consegues ouvir-me? – tentou perguntar este à Dragão.

Nada, Saphira não o ouvia… e Murtagh, por muito esforço que ele fizesse, parecia estar hipnotizado! Nem Arya se conseguira safar daquele feitiço… Era a sua vez de agir sozinho… mas como? Um Cavaleiro do Dragão estava sempre acompanhado do seu dragão, mas agora, nem isso ele tinha!

Estava farto daquele lugar, só queria que tudo desaparecesse, mas parecia impossível. Estava condenado a passar por aquilo…

"How does it feel? You are different from me, different"

(Como é? És diferente de mim, diferente)

De repente, como se todos os seus desejos se pudessem realizar, Togira Ikonoka apareceu na sua frente. Todo vestido de branco, com os velhos cabelos que lhe chegavam até à cintura e os olhos cansados de azul, Togira Ikonoka acalmou o Cavaleiro apenas com o seu olhar.

O ancião apercebeu-se do que se passava e, sem esperar mais um minuto, pegou em Zar'roc, que Eragon tinha à cintura e atirou-a para o outro lado do lago. Eragon não pode ver o que acontecera, alguma coisa ou alguém o agarrara por trás pegando-lhe pelas vestes e o obrigara a abandonar o lago. Não conseguia ver nada, parecia que se deslocava à velocidade da luz. Como tudo começou, tudo acabou. Eragon caiu por terra, num lugar diferente, distante, no qual já devia ser dia há várias horas.

- Estás em Ellesméra meu filho, e como podes ver Saphira, Arya e o teu amigo Murtagh também cá estão, por isso, não te apoquentes… A tua jornada está quase a começar.

"The worst is over now and we can breathe again, I wanna hold you high, you steal my pain away. There's so much left to learn, and no one left to fight. I wanna hold you high and steal your pain…"

(O pior já passou e podemos respirar de novo, quero elevar-te, roubas-me a minha dor. Há tanto para aprender, mas ninguém para lutar. Quero elevar-te e roubar a tua dor…)


As primeiras duas músicas são da autoria de Avril Lavigne, respectivamente Take me away e How does it feel e o último verso foi retirado da música Broken em que Amy Lee canta com os Seether, este verso é a parte a solo de Amy Lee.

As músicas foram anexadas à história por considerar que se enquadram no contexto.

A tradução é da responsabilidade da autora deste texto.

O Ancião é o título do próximo volume da série de Eragon do escritor Cristopher Paolini, livro no qual me inspirei.

Zar'roc é o nome da espada de Eragon dada por Brom, o contador de histórias.

Um espectro só morre caso seja trespassado pelo coração.