Palavras do autor.

"Ae galera, espero que tenham curtido a primeira parte do fic. A conclusão se fará nesta parteII. Acredito que deixei algumas dúvidas na cabeça dos leitores ao final da primeira parte, e a principal foi sobre a identidade da criatura que massacrou o Santuário. Claro que vou revelar quem foi. Mas para dar o clima correto da fic vá abaixando a barra de rolagem apenas à medida que você for lendo, pq senão sua atenção pode ser desviada à uma palavra destacada algumas linhas abaixo e quebrar a surpresa. Vai ser mais legal se a cada linha que você terminar de ler, você só desce mais uma linha ou algumas poucas. E não se esqueçam que Argol é árabe! Obrigado pela atenção e boa leitura... E deixe review!" Pingüim.Aquariano


Apocalipse

Parte II

Aquele sorriso sádico continuava à sua frente. Brilhando. Rindo. Divertindo-se.

Argol tentou enxergar seus olhos mas não havia sequer penumbra naquela sala. Ou estava iluminado ou estava nas trevas. O sorriso estava iluminado. A face na escuridão. A única penumbra pairava sobre Athena, desesperada agarrada à mão cheia de anéis. Uma mão masculina, pesada, de dedos grossos.

- Então... Eis tua recompensa Ra's Al Ghul. – reverberou a voz grave e imponente – Abandonaste teus medos e enfim a luz veio a ti.

Argol assustou-se. Há muitos anos alguém não o chamava pelo nome completo. Significava Cabeça do Demônio, o mesmo nome da estrela que representa os olhos da cabeça da medusa na constelação de Perseu.

Como ele sabe meu nome...? Ou melhor... nome que me foi dado por meus inimigos. Há anos ninguém me chama assim! – pensou Argol.

- Eu sei muito mais do que pensas Ra´s Al Ghul. Mas tu bem que gostas desse nome não é? Cada vez que o chamam de Argol, ou Algol, como pronunciam os gregos, tu te lembras do massacre que cometeu em Ramat. Lembra-te dos olhos temerosos de teus oponentes, implorando por perdão. Dos que corriam, fugindo da tua ira, gritando este nome. Ra´s Al Ghul... A cabeça do demônio...

O sorriso sádico do homem permanecia. A estupefação de Argol aumentava.

O que ele está fazendo? Está entrando em minha mente?

- Não preciso entrar aí Al Ghul... – disse o homem – Tu expões tua mente toda para mim. É como um livro aberto...

Argol sentiu como se um choque percorresse todo seu corpo. Imediatamente acordou do ar de desespero e aflição que mergulhara há pouco. De súbito suas energias voltaram ao corpo. Rapidamente ergueu seu escudo novamente e empunhou sua lança.

- Não se atreva a ler meus pensamentos! – gritou o cavaleiro de Perseu.

O homem deu uma curta risada.

- Alguém tão superior como eu enxerga teus pensamentos como se tua cabeça fosse transparente. Sabe o que de fato são os pensamentos?

- ...

- São reações químicas Al Ghul! Neste plano, usando este corpo, moldado por mim mesmo, diga-se de passagem, meus sentidos são infinitamente superiores ao de qualquer mortal. Consigo perceber cada um dos milhares de neurotransmissores reagindo em seu cérebro. Consigo perceber as interpretações simplórias que esta tua massa cefálica consegue fazer. Se soubesse o quanto deixa de aproveitar deste maravilhoso engenho... Sinto o cheiro do seu medo exalando pelos poros, e enxergo-os eliminando seu suor asqueroso. Ouço teu coração acelerado, teus músculos contraídos. Até mesmo ouço teu estômago, remoendo-se, querendo jogar todo o conteúdo para fora. Mas há um bom tempo tu não comes não é?

- Não enrole! Vim aqui para livrar Athena de seu domínio! Venha lutar.

O homem sentado no trono desatou a rir. Uma risada sádica, estrondosa, humilhante. Mas Argol não se abalou, nem por um instante. Permaneceu firme, empunhando sua lança e encarando a escuridão que ocultava os olhos do ser.

- Lutar? Se eu me levantar daqui e erguer minha mão contra ti, não haverá uma luta. Será uma execução. Não tens idéia de quem sou!

- Não passa de mais um deus achando que pode lidar com os humanos como se fôssemos bonecos.

- E não são?

- Não! Nos foi dado livre arbítrio. Podemos decidir sobre nosso futuro! E deus nenhum tem o direito de ditar nossas regras! Muitos de vocês já tentaram através dos séculos e todos sucumbiram ao poder de Athena e seus cavaleiros! Você terá o mesmo destino!

O misterioso homem puxou a mão que Athena beijava a apontou o dedo para Argol. Agora sua voz irrompia como se tratasse com um filho atrevido.

- Dois erros, Al Ghul! Primeiro, vós mortais só tendes o livre arbítrio por que adquiristes as ferramentas da ciência. E estas ferramentas foram roubadas dos deuses! Segundo, eu não sou como os outros deuses. Ares, Poseidon, Éris, Apollo, Ártemis ou mesmo Hades. Todos são miseráveis. Eu já consegui o que quero. Está escrito. Posso enxergar o futuro!

- Mentira! – gritou Argol atrevido. O homem inflamou-se com a audácia do cavaleiro, mas deixou-o falar. – Não se pode enxergar o futuro! Se ele ainda puder ser mudado, não pode ser visto.

O homem apenas sorriu com o canto da boca.

- E quem disse que ele ainda pode ser mudado?

- Eu estou dizendo! – gritou Argol, erguendo sua lança.

- Por que tu... Não tentas me atacar?

Argol não esperou duas vezes. Empunhou a lança e correu contra o trono. Mirava no peito do homem. Colocava em suas passadas vigorosas toda sua vontade, determinação. E revolta, raiva... E sede de sangue também. Correra muito. E continuava a correr. Mas a cada centena de passos o trono se aproxima uma ínfima distância. Acelerou ao máximo. Ouviu-se o estrondo de um trovão quando ultrapassou a barreira do som. E seguiu. Até cair exausto.

- Mas o que diabos... – seu fôlego se fora quase todo na corrida. Quando deu-se conta apenas dois metros o separavam do trono. A mesma distância de quando começou a correr.

O homem riu.

- O que foi? Pareceu muito grande esta distância?

- Maldição... O que você fez? Uma ilusão?

- Como as de Shaka? Aquele que enforquei nas árvores? Não, não... Isso foi real. O que fiz foi aumentar o espaço que nos separa. E também reduzi ao mínimo o tempo por alguns instantes. Mas me admirei contigo. Em condições normais tu terias percorrido muitas centenas de milhares de quilômetros. Um ótimo fôlego!

Argol estava agachado, ainda arfante. Seu olhar penetrava na escuridão que ocultava os olhos do homem.

- Está brincando comigo... Só pode. Controla o tempo e o espaço? Quem é você?

O homem então se levantou de seu trono. Com passos leves veio enfim à luz.

- Isso de nome... É muito relativo não? Que importância tem realmente um nome? Tu mesmo... Chama-te a ti mesmo de Ra´s AlGhul. Gostas deste nome. Mas quando nasceu teus pais te chamaram de Malek Al-Zaher.

Argol estarreceu. A criatura tinha passado dos limites, não podia adentrar em sua mente com tanta profundidade. Malek Al-Zaher. Um nome que há muitos anos não era pronunciado. Um nome que ele próprio jurou esquecer.

E o homem continuou a falar.

- Depois, na Áustria, não conseguindo pronunciar teu nome, te chamaram apenas de Malek. Quando retornaste a Ramat tuas vítimas o chamaram de Ra´s Al Ghul, cabeça do demônio. E então se popularizou e ficou conhecido como Al Ghul. Os gregos passaram a chamar-te de Algul, Algol, Argol... Como vê, nomes não importam.

Argol ainda estava atônito. Não sabia o que falar. O homem, agora à luz, debulhara sua mente. Desarmara-o.

Continuava a encarar a surpreendente figura que se mostrara. Um homem alto, ombros largos. Sua pele parecia queimada do sol, cabelos loiros, com aspecto molhados, penteados para trás. Sobrancelhas grossas sobre olhos bem negros e fulminantes. Lábios grossos bem delineados. Um rosto de traços firmes, rudes, másculos. A sobrancelha direita perfurada por um brinco de prata. Outros brincos de prata brilhavam da orelha esquerda, um deles descia uma pequena corrente da ponta até o lobo. Os dedos grossos estavam cheios de anéis. Vestia uma camisa branca, aberta no peito, coberta por um sobretudo preto, de mangas compridas, que se estendia em uma capa.

Saindo de suas costas havia um par de grandes e imponentes asas de penas pretas.

O homem estendeu sua mão direita para Argol enquanto caminhava em sua direção. Seu cosmo tornou-se tão gigantesco e poderoso que poderia ser maior que o infinito. Sua emanação parecia ultrapassar os limites do universo. E quando Athena sentiu o que iria acontecer enxugou suas lágrimas e gritou para Argol.

- Cavaleiro! Não dê ouvidos a ele! Não ouça as palavras dele! Acabe com sua vida agora! Será melhor, confie!

Argol não acreditou no que sua deusa lhe pedia. Tirar sua própria vida? Jamais cometeria tal ato. Até que então se lembrou das palavras apavoradas de Saga, ou Kanon, quem quer fosse:

- Quando encontrá-lo rasgue seus punhos! Não tente lutar! Não adianta! Está me ouvindo! Rasgue os punhos! Entendeu! Rasgue!

Levantou-se imediatamente e empunhou sua lança, apontando-a para o homem que se aproximava.

Ele então parou.

- Pare de tentar em vão, Malek Al-Zaher! – disse ele.

- Não me chame assim! Sou Ra´s Al Ghul, conhecido como o demônio de Ramat! – retrucou Argol, tomado de ira e medo.

- Contrastante, não? Malek significa "anjo". E tu pedes para ser chamado de demônio. Afinal, o que de fato és? Anjo ou demônio?

- Sou simplesmente Al Ghul de Perseu. Seu algoz, criatura maléfica! – e o cavaleiro apontou veemente a lança para o pescoço do homem.

Athena desesperou-se, e sem poder sair do lado do trono implorava.

- Acabe logo com tudo! Não sabe o quanto vai sofrer!

- Não vou me matar, garota estúpida! – berrou Argol, sua paciência se esgotara até mesmo com sua própria deusa – Vou rasgar a garganta desse cara!

Argol avançou com toda a força contra o homem, mas bastou que ele segurasse a lâmina para impedir o golpe.

- Maléfico, eu? – indagou o homem – Fiz o que deveria ser feito. Os humanos tornaram-se um câncer para o mundo. Vós não sois dignos do conhecimento científico. Devia ter vos tomado quando Prometeu entregou o fogo e o conhecimento. E eis aqui a conseqüência: Vós tereis que começar do zero.

- Mas... O quê? Vai eliminar toda a raça humana?

- Isso é óbvio. Por que outro motivo eu viria até esse mundo imundo invadir o Santuário?

- Maldito... Vou impedir!

O homem sorri. Argol tenta varar o pescoço dele com a lança, contrariando Athena, que ainda suplicava para que desistisse. Mas foi em vão o esforço, o homem apenas precisou abaixar a lança com um leve movimento. Em seguida apontou um dedo e fez explodir uma energia luminosa que arremessou Argol alguns metros para trás.

- Argh! Não vou morrer nas mãos de uma criatura que sequer tem nome! – disse Argol levantando-se e aproximando-se novamente.

- Tu de novo com isso de nome... Algo tão terreno como um nome não deveria ter tanta importância. Sou como tu, Malek. Tenho vários nomes...

- Pois me diga... – disse Argol por entre gemidos de dor – Quem sabe não te reconheço...

O homem achou graça. Mas enfim decidiu revelar-se.

- Me chamam como acham que sou. Atribuem a mim características distintas. Chamam-me de Jeová, Iavé, Adonai, Tupã. Tu mesmo já me chamaste de Alá. Mas prefiro como os gregos me tratavam. Eles me respeitavam e me temiam. Para eles eu sou Zeus, o deus de todos os deuses.

Argol estarreceu-se de vez. Empalideceu-se e deu três passos para trás. Sentiu um vazio tomar conta de seu peito, sugar-lhe as entranhas para as trevas. Houve um silêncio tão profundo que Argol pôde escutar seu coração acelerando em meio aos berros de desespero de sua alma desacreditada.

- Tu... – gaguejou Argol – És... Alá?

- Sim, meu filho. A religiões deram-me diversos nomes, fazendo parecer que sou vários, quando na verdade sou o único Todo-Poderoso.

O cavaleiro continua em estado de choque. Baixara sua lança.

- Agora pare de querer me enfrentar. Jamais conseguirá me tocar...

O deus de todos os deuses, enfim revelado, pousa suas mãos pesadas de forma delicada sobre o pescoço de Argol. E o ergueu no ar, inundando seu corpo com seu cosmo infinito.

Uma sensação irresistível de conforto, calor, segurança invadiu todo seu corpo. Não desejava mais lutar, realmente. Aos poucos sua vontade ia desaparecendo e tudo que queria era se entregar. Mas ainda se debatia. A lança ainda pendia de seus dedos.

- Desfaça-te de tuas esperanças agora mesmo... Abre mão deste desejo de lutar... Deixe seu medo para trás e venha a mim!

Athena chorava desesperada ao lado do trono.

A cada palavra de Zeus a alma de Argol elevava-se cada vez mais, quase se sublimando e deixando o mundo dos mortais. Deixou sua cabeça pender, levando-se pelo torpor.

- Malek, anjo... Entrega-te em meus braços e cuidarei de ti. Abandona teus desejos e sirva a mim. Venha e seja meu anjo... – a voz grave e reconfortante ressoava na mente de Argol.

Em um último esforço o cavaleiro ainda conseguiu dizer suas últimas palavras.

- Não posso ser teu anjo, Alá...

- Sim, tu podes, Malek.

- Não posso por que... Malek morreu há muito tempo...

Argol ergue a cabeça e encara Zeus com seus olhos negros e inflamados. Mudara completamente sua silhueta passiva. Sua face agora se assemelhava realmente à de um demônio.

- Há muito tempo sou demônio! Sou Ra´s AlGhul e jamais hei de perder minhas esperanças!

- Argh...!

Zeus sentiu algo que jamais sentira em um corpo mortal. Tentou aspirar o ar e não conseguiu. Sentiu seu pulmão se encher de um líquido quente. Seus músculos tremiam e suas entranhas pareciam se remoerem. Sentia dor, muita dor. Ao baixar o olhar pôde contemplar a façanha do cavaleiro.

Argol perfurara o corpo do deus dos deuses com sua lança.

Ele não perdera as esperanças.

Depois disso Argol voltou a sentir a leveza que sentiu quando tudo isso começou. Em sua mente uma profusão desconexa de lembranças, vozes, pessoas. Acontecimentos que não se encaixavam, flutuavam a procurar uma ordem.

Mas ele lembrou-se bem de Zeus. De sua face incrédula ao perceber que havia sido varado pela lança de um mortal. Sua expressão enraivecida e sua mão desferindo o raio fulminante. E foi tudo.

As memórias percorreram rapidamente sua mente enquanto seu corpo se desfazia mergulhado na energia luminosa desferida por Zeus.

Argol tinha certeza que morreria logo. Mas não morreria em vão, sabia o que tinha feito a Zeus. O raio foi, provavelmente, o último movimento desferido por ele. Argol teve certeza absoluta de ouvir e sentir no cabo da lança que atravessara o pulmão e o coração. Se aquele corpo ainda conseguiu desferir o raio, fora reflexo apenas. O corpo do deus dos deuses tombaria logo após o do cavaleiro.

Sua mente ainda permeou algumas boas lembranças do passado. Umas fundidas às outras. Mas de súbito todas elas se foram.

Fez-se a escuridão, o silêncio e o frio.

FIM...