Capítulo 2 – Da banheira aos jardins

Uma mão pousara gentilmente em seu ombro. Um toque doce, quase maternal.

"Desculpe, senhor Lupin, mas já é hora do almoço e o senhor não fez menção de se levantar. Não acho que deva faltar a refeição. É importante se alimentar no seu estado."

Era apenas madame Pince. Estava suado e arfando levemente. Acalmando-se e repetindo para se próprio que Sirius nunca se aproximara do seu cantinho, muito menos naquela hora, desceu para o almoço. Encontrou James levemente irado, apontando para o outro lado e fazendo comentários muito, muito maldosos; e Peter sentado ao seu lado, apenas concordando, sem coragem de falar mais, devido a raiva de Potter.

"Ei Pontas, dor de cotovelos?" zombou.

James virou-se completamente estarrecido, com cara de vítima.

"Olha o traidor!" apontou Sirius. "Só por causa de uma gozaçãozinha pela manhã senta na Sonserina. Isso que é ego do tamanho da Rosadinha" Rosadinha era como eles chamavam a Lula Gigante. Um tipo de sarro com o gosto estranho do amigo Hagrid por animais um tanto 'exóticos' e com nomes de bichinhos de estimação.

"Deixa ele em paz, se bem te conheço você mexeu onde mais doe, na masculinidade dele" e gargalhou baixinho.

"Mas dessa vez ele o acusou de tá gostando de você, e o 'Sissi' não fez cara tão feia" Peter se atreveu. Remus sempre o defendia, então não tinha problema.

Lupin sentiu uma pontada boa na parte inferior do estômago. Estava quase começando a entender o que se passava, mas em hipótese alguma ele aceitaria.

"Você tá bem?" zombou James, balançando a mão freneticamente na frente da vista do amigo. Sorriu maliciosamente. "Será que o Black é correspondido? Então ele pode parar com aquele teatrinho bobo!" riu apontando com o polegar Sirius beijando, melodramaticamente, a 'namorada'.

Remus corou completamente, levantou atrapalhado derramando suco em quem estava a vista e andou até o dormitório. Largou a mochila na cama e trancou-se no banheiro. Ligou a banheira e jogou-se dentro com roupa. Só então percebeu que estava trajado. Saiu completamente encharcado e tirou as vestes. Largou-se novamente na banheira.

Como? Até os amigos já sabiam. Impossível. Será que ele também percebera e arranjara uma namorada para Remus se tocar que ele não gostava de garotos. Não, impossível. Quer dizer, ele estava disfarçando, e só tivera certeza agora cedo após aquele sonho. Mas se, se houvesse uma única possibilidade. Mas ele não era homossexual. Sempre se sentira atraído por garotas. Bellatrix Black em especial. Difícil, mais nova, porém muito, muito bela. Tinha que vê-la, se certificar se era ou não um... um gay. Levantou no exato instante que Black entrara no banheiro, mas havia trancado a porta!

Os olhos se cruzaram, e muito corado ele jogou-se novamente na banheira.

Tinha um corpo perfeito, não, tinha que parar de pensar nessas coisas. Esses pensamentos imundos e insanos vinham atormentando-o. Olhou para os próprios pés por um instante. A idéia, maluca, de tirar a roupa e entrar naquela banheira passou pela sua cabeça. Ergueu os olhos.

"Os meninos falaram que você estava estranho, e eu vim ver se tava tudo bem" ainda não o encarava. "Não liga pras babaquices do Pontas, ele é muito criança ainda."

Remus apesar de constrangido, murmurou, completamente vermelho:

"Olha quem fala."

Aquela frase cortou o ar constrangido e tenso que havia se formado. Ambos riram gostosamente, Sirius parando primeiro, e por algum motivo, completamente fascinado pelo jeito acanhado do outro rir.

"Algum problema?" perguntou.

"Não" Sirius estava completamente louco, se aproximou suavemente da banheira.

Ajoelhou para ficar da altura de Remus e o beijou de maneira doce e muito rápida nos lábios. O toque macio de ambos os lábios fizeram seus donos corarem. Desviaram o olhar para as paredes opostas. Sirius levantou e saiu quase correndo dali. Quando Lupin se viu sozinho no banheiro, permitiu-se afundar na banheira, feliz. Uma vez, só essa se permitiria ficar feliz pelo que sentia por Sirius, mas só desta vez.

Sirius jogou-se na primeira cama que viu. Coincidentemente era a de Remus. A pesada mochila dele o espetou na coluna, largou-a no chão. Num acesso de loucura puxou as cobertas e largou-as no chão também, puxou o lençol que cobria o colchão até suas narinas e o cheirou inebriado. Só dessa vez não se torturaria, nem tentaria reprimir os seus sentimentos. Um sorriso formou-se debilmente em seus lábios. E os tocou com suavidade. Aquele momento fora mágico, não só isso, fora único na vida de ambos. Não era tão nojento como sempre pensara. Beijou suavemente os lençóis que ainda conservavam o cheiro de Remus e o imaginou dormindo naquela cama. Seu corpo, que há pouco vira, coberto essas mesmas cobertas que se encontrava agarrado. Uma imagem estupidamente ousada se formou na cabeça dele. Isso fora o suficiente para despertá-lo daquele sonho débil. Largou os lençóis e olhou-se enojado no espelho. Só faltava querer ter um relacionamento com o amigo. Saiu do dormitório, ia vaguear um pouco nos jardins.

No mesmo instante, Aluado sai do banheiro. Um pouco incontrolado e alegre demais. Percebeu sua cama desfeita e sua mochila ao chão. Seu sorriso dobrou de tamanho. Ainda estava completamente molhado. Trocou de roupa rapidamente. Quis descer, ir para seu canto devanear por sobre algum livro de um tema qualquer, passar suas páginas sem lê-las realmente. Desceu sem se enxugar direito. Chegou ao último degrau e uma garota muito chata que era completamente louca por ele, começou a suspirar, enquanto outras garotas também lhe faziam coro. Subiu corado. Olhou-se no espelho. Não tava tão bonito assim, ou estava. Prestou mais atenção. Seus olhos não estavam fundos e seu cabelo caia majestosamente sobre os olhos claros. Riu um pouco, era mais bonito do que sempre reparara. Mas seu olhar, acidentalmente, caiu na tabela lunar e seus olhos marejaram, que ia adiantar ficar bonito, se em breve estaria com olheiras, cheio de cicatrizes, dentre outras coisas que tirariam a vivacidade de sua pele, a juventude de sua face. Jogou-se em sua cama e lamentou sua vida.

Sirius rodava o jardim sem muito que olhar. Evitava pensar em Remus e no que fizeram. Na verdade, evitava pensar, já que tudo levava àquilo. Como pudera fazê-lo? Como não conseguira se conter? Como aquilo passara em sua cabeça? Como pudera imaginar? Sempre repugnara pessoas daquele jeito, e agora estava se tornando uma.

Jogou-se no chão. Não tinha mais como lutar contra a verdade. Amava Remus. Num deslize deixou que sua amizade se aprofundasse. Um doce casal de mãos dadas passou sorrindo, isso trouxe algo a sua memória, sua namorada. O quê fazer com ela? Contar a verdade não era uma hipótese. Não, nem de longe. Mas seus namoros de nem uma semana eram muito famosos. Esse só seria o mais rápido de sua lista, menos de vinte e quatro horas. Não, ele não podia. Não podia terminar com uma garota para ir namorar um cara, que ele chama de melhor amigo.

Mas e se Remus não lhe correspondesse? Não podia simplesmente chegar e contar, isso poderia afastar o amigo. Olhou para sua sombra muito irritado. Como podia ficar fazendo planos para falar para um garoto que o amava. Impossível, esse não era o Sirius Black de sempre. Tinha que evitar vê-lo, assim ele esqueceria dele sem mais delongas. Levantou resmungando e bateu sem querer no diretor.

"Caraminholas na cabeça, Sirius?"

"Ahn?"

"Nada demais, fiquei tempo demais trancado com um chapéu falante, mas responda, algo o perturba, Sirius?"

"S... Não" mentiu rapidamente. "Não há nada me perturbando. Talvez a permanência do Ranhoso nesse mundo, mas isso nem o senhor resolve" se havia algo em que Black era muito bom, era em mudança brusca de assunto.

Eles riram. Albus sentou fitando o lago sonhadoramente.

"Estamos em tempos difíceis, Sirius. Não podemos ficar desejando o mal para os outros agora. Eu sei que parece tolice de um velho caduco."

"Eu não..."

"Eu sou um velho caduco, não precisa negar. Mas é sério. Não falo apenas da influência de energias, mas de influência nas atitudes. Você deseja se livrar do Severus. Mas ele precisa de proteção, de atenção mais do que você pode imaginar. Trata-lo mal só pode causar problemas para ele, vingança não será um sentimento que você irá querer alimentar em alguém numa época com a de agora."

"Ora, Diretor. Eu sou bem mais forte que o Seboso."

"Mas esse Seboso pode se tornar mais ardiloso e te pegar numa emboscada. Você não devia alimentar mais inimigos que os que já possui."

"Fala da minha família?" perguntou abaixando a cabeça.

"Não só dela. Mas de si mesmo" Black fez uma cara desentendida. "Eu te conheço, sei de seus preconceitos. Sei de alguns de seus temores e o pior deles é o medo de si mesmo. De se entregar a sua vontade, teme se tornar como sua família, teme não se controlar e fazer uma besteira. Mas a sua família se tornou o que é por opção. Andrômeda não é igual a eles, irmã das senhoritas Narcisa e Bellatrix e tão completamente diferente."

"Mas eu posso vir a machucar alguém. Eu desejo a morte para determinadas pessoas, às vezes. Também machuco as pessoas em minha ira. Quebro coisas, chuto animais" e completou mentalmente 'beijo meu melhor amigo'.

"Mas isso existe devido a sua personalidade impulsiva" o velho riu-se. "Você devia se entregar um pouco mais aos sentimentos mais doces existentes dentro de si. Imagino que esteja apaixonado por alguém" Black notou que ele não falou 'uma garota'. "Você devia falar o que sente antes que perca essa pessoa especial. Agora com licença, garotos. Devo-me ir."

Garotos? Dumbledore pirou de vez? Só então percebeu Remus parado atrás de si. Os olhos marejados e um sorriso tímido. Droga, ele fica tão atraente assim.