- Que diabos é.. – eu pego aquela monte de papelada que eu bem conhecia. Eu não poderia acreditar que ele estava pretendendo por mais uma vez atuar nessa porcaria de médicos sem fronteiras. Fecho o armário e vou atrás de atender meus pacientes. Hoje ele iria ouvir umas.. ah se não ia!
- Já saiu os resultados de exame que eu estou esperando a mais de uma hora? – depois de atender algumas pessoas, me aproximo da recepção procurando naquele monte de exame o que eu precisava. Hoje aqui as coisas andavam mais enroladas do que nunca. Parecia que todo mundo tinha decidido ficar lento e as coisas andavam devagar quase parando. E o meu humor estava péssimo, obrigada.
- Hoje ta ruim aqui hein? – Sarah, uma medica nova do hospital se aproxima procurando por mais um caso.
- Péssimo.. – sorrio tentando aliviar aquela tensão – ainda mais quando se pensa que é sábado e que poderia estar passeando com sua família.. mas não.. temos que ficar aqui aturando doentes e essa demora toda.
- Ser medico tem suas desvantagens... – ela finalmente pega uma ficha e vai andando para o corredor.
Fico ali parada olhando pelos cantos vendo quantas pessoas ainda esperavam pra ser atendida. Velhos, crianças, mulheres grávidas. Gente comum, só precisando de atenção, cuidado e carinho. Eles precisavam de mim tanto quanto eu precisava das minhas filhas e do meu marido. E assim como eu queria tê-los, me dedicaria aos meus pacientes.
Aquela conversa-mole iria durar até quando? A tal Rebecca ainda segurava Lory e eu já estava no terceiro pote de sorvete. A mulher soube bem onde atacar papai. Falar de Medicina, pessoas carentes..blá, blá e blá.
- Pai!- eu chamei mas ele não me escutou- pai!- eu gritei mais forte, e ele olhou pra mim, ainda sorrindo a mulher a sua frente.
- Sim- ele parecia um bobão e definitivamente eu não estava gostando nada disso.
- Quero ir pra casa.. – tentei mostrar a ele que o passeio era pra eu me divertir, e não pra ele ficar conversando com desconhecidas.
- Mas já? – ele olhou pro relógio – esta cedo.. nós não íamos ao shopping?
- Íamos.. – disse levantando da cadeira e indo ate a mulher pra pegar minha irmã – não vamos mais...
Eu olho pro Julie que tentava colocar Lauren no colo. Rebecca nos encarava ainda com um sorriso. Mas que gênio tinha essa menina..
- Bom.. – me levanto da cadeira ainda sob olhares de Julie – tenho que ir embora..
- Ah.. – Rebecca me encarou decepcionada – posso lhe dar meu telefone? Assim poderíamos conversar mais depois..
Como isso soaria aos ouvidos de Julie? Bom, fosse o que Deus quisesse. Eu não poderia negar a quem foi tão gentil comigo. Acenei e ela rapidamente tirou um cartão vermelho da carteira. Peguei das mãos dela sorrindo, passando os olhos por cima.
- Ah!- então era isso- então você também é médica?- eu sorri, ainda mais animado por ter feito uma nova amiga.
- Psicóloga- ela virou os olhos como Abby fazia. Feliz coincidência.
Eu sorri e ela se pôs a falar mais um pouco. Peguei Lory no colo, notando que Julie já estava cansada. Peguei a bolsa dela, afim de indicar a Rebecca que precisava mesmo ir.
- Bom..- eu disse, quando a conversa diminuiu de ritmo, afim de ela perceber que, apesar de a conversa estar boa, eu realmente precisava ir embora.
- É, vamos antes que Julie me mate- ela me entendeu, felizmente, sorrindo a Julie, que não tinha a mesma expressão no rosto.
Ela deu um passo a frente e beijou o rosto de Julie.
- Tchau, docinho. Até outro dia...
- Tchau - curta e grossa feito a mãe.
Ela puxou um pouquinho Lory, dando um beijo na testa dela também.
- Então tchau - o clima ficou estranho e eu não sabia o que fazer. Até que ela aproximou o rosto e me deu um beijo na face- me ligue ou apareça no meu consultório- ela me deu uma piscada e eu não sabia como entender aquilo. Ela era tão legal... Será que eu entendi errado e o assunto não era só amizade?
Eu sorrio e quando penso estar livre, ela se volta a mim novamente.
- Se importaria de me dar seu telefone?- bingo! Ótimo. Eu tinha dado trela pra mulher, com outras intenções. E agora?O que eu fazia? Olhei pra Julie numa última esperança. Podia me salvar de novo? Mas não. Agiu como se não fosse com ela. Olhando pra uma placa da sorveteria enquanto eu me via em apuros. Pense rápido John!
- Oh, me desculpe- acho que minha cara denunciava a minha situação- se achar que há algo de errado...- faça alguma coisa, Carter!
- Não, não - eu peguei uma caneta que estava perto do balcão e anotei em um guardanapo de papel que ali também estava.
O celular, é lógico, eu não era tão estúpido. Mas...e se não fosse nada demais? Ela poderia ME interpretar mal e os papéis se inverterem.
- Que foi agora? – Susan se aproxima de mim vendo a minha cara de poucos amigos. - a noite não foi boa?
- Não vem que não tem Susan... – apaguei um nome do quadro e me virei pra ir atrás do meu paciente que estava esperando que eu fosse lhe dar uma maravilhosa noticia: você esta com câncer.. – hoje não to pra piadas...
- Nossa.. – ela me acompanhou ate a porta do quarto – o que houve agora?
- Não houve nada.. – preferi não complicar tudo. Eu nem sabia direito ainda o que significava tudo aquilo – eu so levantei com o pé esquerdo hoje..
- Te conheço Abby.. – ela se apoiou a parede e eu empurrei a porta – mas se não quiser falar não tem problema.. mas qualquer coisa venha falar comigo, ok?
Eu aceno e entro na sala. Talvez aquilo não seja nada e eu esteja sofrendo de véspera. Melhor me concentrar de novo no meu trabalho..
Saímos daquela sorveteria e eu não me dei o trabalho de olhar pra cara do papai. Ai como ele ia ouvir quando chegássemos em casa. Eu não sabia se contava aquilo pra mamãe, ela precisava saber e eu tenho que preservar a minha família.
- Tem certeza de que não quer ir pra outro lugar? – ele insistia mas eu nem respondia. Era isso, era melhor dar um gelo nele ate ele aprender a não dar espaço pra essas enxeridas ficarem pensando que podem namorar meu pai. Ele é da minha mãe e de mais ninguém. Mais ninguém! – Julie! Estou falando com você mocinha!
- Hum- eu gemi alguma resposta antes que apanhasse por não responder a ele.
- Tem certeza de que não quer ir pra outro lugar? – ele insistiu.
- Não-ela falou meio seca. É, eu tinha arranjado DOIS problemas. Só eu pra ter uma filha igualzinha a mãe. Quando uma caia em cima de mim, a outra vinha junto.
- Não adianta ficar brava, Julie- eu precisava saber quão ferrado eu estava. Ela nem me respondeu novamente: péssimo sinal.
Chegamos em casa ainda em silêncio. Como eu queria adiar a chegada de Abby em casa. Não sei se ela ficaria mais brava pelo que Julie contaria ou pelo fato de eu ter dado sorvete a ela.
- Você ta sabendo dessa nova do John se afiliar de novo a esse medico sem fronteiras? – eu não me agüentei e fui atrás de Luka pra saber se ele estava por dentro de alguma coisa.
- Não.. – ele olhou me estranhando – porque? Ele esta pretendendo ir de novo?
- Parece que sim.. – cruzei meus braços e Luka ficou me encarando sem entender direito o que se passava.
- Esquece.. – tratei de sair de perto dele, voltei a SDM abri de novo o seu armário e fui dar uma conferida em qual destino que ele estava se concentrando agora.
Assim que chegamos em casa e eu subi direto pro meu quarto. Fechei a porta e me deitei na cama pensando no que eu deveria ou não contar a mamãe. Peguei a ultima boneca que eles haviam me dado e me sentei no canto do quarto esperando que o papai não entrasse ali. Eu precisava ficar um tempo sozinha.
Eu não podia colocá-lo na fogueira de novo. Meu maior medo era provocar uma briga como a de uns anos atrás. Aquilo mexeu com a nossa família de uma tal maneira que nós três fazíamos de tudo para mantermos uma relação semi-perfeita. É claro que brigas existiam, e como, mas nossa vida foi bem mais feliz a partir do momento que passamos a evitá-las.
Fico um pouco com Lory até perto da hora de Abby chegar. Preparei algo para comermos e até pus a mesa. Todo cuidado era pouco. Dei banho e troquei a neném e dei comida pra ela antes, pra que pudéssemos jantar em paz.
Tudo estava perfeitamente em ordem, levando em consideração também que Amy, a moça que nos ajudava, tinha dado uma geral na casa, que estava brilhando agora.
As meninas estavam na sala e eu terminava os últimos detalhes do jantar, quando escuto o som da chave dela na porta.
Me viro no sofá e vejo-a entrando com uma cara não muito boa. O que será que tinha acontecido?
- Boa Noite.. – falo sem me levantar do sofá so acompanhando-a com o olhar.
- Boa.. – ela larga uma pilha de papeis em cima da mesa da sala. – noite. As meninas já comeram?
- Lauren já.. Julie quis te esperar.. – fui me levantando do sofá e ela foi diretamente ver o que tinha pra comer. Vou seguindo-a e me aproximo falando perto de seu ouvido – quer tomar um banhozinho antes não?
- Não.. – ela é curta e grossa – quero comer logo..
Me sentei a mesa e fiquei observando-o pra ver se achava alguma atitude suspeita. Será que ele pretendia pelo menos me contar de seus planos?
- Mãe.. – Julie vem correndo e pula no meu colo me dando um beijo. Abraço-a forte e percebo algo estranho com ela.
-Como foi hoje Julie? – perguntei assim que ela sentou na cadeira
Ela encara Carter em dúvida, desviando o olhar do meu. O que havia de errado? Eu me concentrei em olhá-la para não haver escapatória, mas ela voltara ao normal...
- Ótimo!- ela sorri, voltando a me olhar. Só isso? "Ótimo"? Tinham abduzido minha filha. Julie falaria, contaria todos os detalhes...
- E o que vocês fizeram?- meu humor não estava bom. Ele que não tivesse aprontado nada... Hoje o pau ia comer.
- É..- percebi que mais uma vez ela olhava John num movimento suspeito. O que estava havendo?
- Fala, Julie! Não precisa olhar pro seu pai..- eu já estava era perdendo a paciência com tudo isso.
- Tomar sorvete!- eu digo antes que mamãe perceba que há algo errado.
- Ah- ela continua séria. Não, definitivamente eu não poderia entregar papai. Ele me olhava com uma carinha... E afinal de contas, ele não tinha feito nada demais, por mais que eu não tivesse gostado - quantas vezes eu já pedi pra não dar sorvete pra ela?- ela foi se levantando e deixando o prato em cima da pia- principalmente nesse tempo, né, Carter?
- Mas eu...- papai tentava começar a argumentar, mas mamãe não deu chance.
- Eu preciso conversar com você- eu gelei no momento que ela disse aquilo. Será que ela tinha visto algo? Eu não tinha feito nada! Será que falaram algo? Será que Julie teria ligado pra ela enquanto eu estava no banho? Ou seria "intuição feminina"?
Olhei pra Julie que incrivelmente parecia ter entendido o recado da mãe.
- Vou pro meu quarto brincar um pouco.. – ela se levanta da mesa e vai subindo as escadas. Tornei a olhar pra Abby que me olhava com uma cara nada boa. o que será que estava acontecendo?
- Você ia ou não me contar? – ela mal esperou Julie subir e tratou de começar o que queria falar.
- Contar o que? – ela tinha descoberto! Eu estava perdido.. mas eu não fiz nada de errado!
- Oras o que? – ela se levanta da mesa e vai ate perto da pia colocando uma mão na cintura esperando que eu começasse a me redimir. Fiquei mudo, não expressei nada. Eu não sabia direito ao que ela se referia. Continuei sentado e permaneci encarando-a esperando que ela me falasse mais alguma coisa. – Hein Carter? Você ia me contar ou não?
