Andei pro meu quarto, vendo que Abby ainda fazia Lory dormir no berço. Tirei a roupa e a cama me fazia uma proposta tentadora. Mas eu seria muito nojento em dormir sem tomar banho depois do suador que Julie me deu. Então, parto logo pra uma ducha rápida antes que a madame entre no quarto e exija o banheiro.

Assim que eu saio com a toalha enrolada na cintura, vejo que ela entra no quarto.

- Nossa, essa demorou pra pegar no sono- ela foi tirando a parte de cima da roupa, enquanto eu procurava meu short de dormir.

- Ao contrário da outra...- eu sorri- depois de tudo aquilo, só poderia estar morta de sono mesmo.

- Melhor esquecermos desse assunto por um longo tempo... – desenrolo a toalha do meu corpo e começo a vestir meu short.

- Sim.. – ela entra no banheiro – mas convenhamos, foi ou não foi engraçado?

- Engraçado? – ele contestou entrando no banheiro – você acha realmente que isso foi engraçado!

- Ah.. – eu prendia o meu cabelo enquanto falava – imagine você descobrindo que nem todo mundo é igual a você.. e só de pensar que em alguns anos isso não vai ser um problema a eles.. e sim uma solução.

- Abby! – ele falou espantado – sua filha tem seis anos.. não acha mesmo que aquilo foi demais não!

- De verdade? – eu ligo o chuveiro – não mesmo, cedo ou tarde ia acontecer, pelo menos foi com um menino confiável..

- Confiável? – ele abriu o box do chuveiro – você esta louca! Isso foi um absurdo, eu que não deixo mais esses dois a sós.. depois ele vai querer fazer bobagem com ela.. não não..

- Será que eles já se beijaram? – vejo a sua cara mudar de expressão. Agora ele estava aterrorizado. – to brincando John.. você sabe o que sua filha acha dessa coisa de beijo..

- Espero que ela ainda pense assim...- ele parou um pouco e ficou se olhando no espelho- ela nunca mais reclamou dos nossos...- ele disse sério, encarando sua própria imagem.

Ele ficou calado um instante, ainda olhando pro maldito espelho. É, a idade vinha passando e acho que a cena que presenciamos hoje só fez com que ele percebesse que nós não tínhamos mais 30 e poucos anos.

Abro os olhos e a única coisa que me vem na cabeça é meu pai entrando naquele quarto. Na hora eu gelei, mas agora estava tudo bem. Agora sim eu sabia um pouco mais sobre aquele mistério e não tinha mais tantas duvidas.

- Mas ja foi.. – eu desperto do meu momento em "transe" e olho pro lado vendo-a desligar o chuveiro – acho que já to indo.. – apontei pro quarto e ela sorriu de volta.

Deitei na cama e ajeitei o alarme antes de qualquer coisa. Fechei meus olhos e instantes depois percebi que ela já estava entrando debaixo das cobertas.

- Boa Noite... – eu abro os olhos recebo seu beijo. Ela apaga todas as luzes e se ajeita em seu lado da cama. Eu sei, estava planejando uma noite mais animada, mas deixa isso pra depois..

Na manha seguinte daquela confusão, após um café da manha animado e depois de Julie ir a aula e John ao trabalho, fico com Lauren em casa, curtindo um pouco a minha filha mais nova. Começo a ajeitar uns retratos na parede me dou conta de como o tempo passou rápido. Quem diria eu ter duas filhas maravilhosas, lindas e ainda por cima saudáveis? Deixando de filosofar, me afasto dali quando o telefone começa a tocar. Penso em deixar a secretaria eletrônica atender, mas logo tiro-o do gancho.

- Alo? – atendo ajeitando Lauren em meus braços – quem é?

- Abby? – percebo que era a voz de Maggie do outro lado da linha. Há dias não falava com ela, será que tinha acontecido algo com Eric?

- Mãe? – aproveito e me sento em uma cadeira, sempre era melhor prevenir – aconteceu algo?

- Não..quer dizer...- ela parecia tão nervosa. Deus! Eric!- na verdade aconteceu.

Sono, sono e mais sono. Tudo nesse momento se resumia a sono. Ah, e mais uma coisinha, é claro: dor. Aquele bendito dente que não parava de doer, todas as crianças berrando no meu ouvido. Acho que aquele era o meu primeiro dia oficial de mau humor.

Fiquei quietinha no canto da sala e minha mão não saia da boca. Meu dente estava tão molinho, tão molinho. Eu poderia jurar que de hoje não passava. Fiz a lição e me debrucei na quarteira. Ninguém iria notar se eu tirasse um soninho.

É sempre no meio dos Traumas que as complicações aparecem.

- Dr. Carter...Abby pra você, linha dois- Frank veio avisar. Será que ele era cego ou o que? As coisas não estavam nada fáceis ali.

- Pergunte o que é, por favor- eu não podia deixar passar. Agora eu tinha duas filhas e nenhuma ligação da Abby poderia ser ignorada. Mas eu tinha um paciente quase morrendo na mesa e isso também não poderia ser ignorado.

- Ela disse que é meio urgente...- ele me responde, assim que pergunta a ela. Urgente para Abby? Era melhor eu sair daqui! Susan me olhou e logo gritou pra Luka, que passava pelo corredor. Logo ele assumiu meu lugar e eu pude tirar as luvas pra poder falar com ela.

- O que aconteceu? – tudo de ruim começou a passar na minha cabeça. Era Julie, Lauren, ela? Ai meu Deus!

- Primeiro lugar.. – ela me diz com uma voz de choro – não foi nada com nossas filhas.. não precisa se preocupar..

Graças a Deus. Respirei aliviado e voltei a me concentrar na conversa.

- Então.. – pergunto mais calmo – o que foi?

Abraçando forte a minha filha a voz tinha escapado de mim. Eu precisava dele agora mas sabia que ele não pode largar o plantão por motivo qualquer. Ele já estava enlouquecendo do outro lado da linha quando consegui respirar um pouco.

- Abby? – ele estava quase gritando pra que eu reagisse– o que foi que aconteceu? Você esta bem?

- Julie? – a professora estava me balançando quando eu acordei – porque a srta esta dormindo em sala de aula?

- Han? – me ajeito na cadeira. Ela estava brigando comigo ou é so impressão minha. Eu tinha que pensar rápido, vai que ela quer ligar pra minha mae. – Meu dente ta doendo..

- Doendo?- isso, consegui. Agora ela estava preocupada e não brava.

- É- eu choraminguei- voltei a mão a boca e ela constatou que ele estava para cair.

- Não mexa, ele vai cair sozinho- ela sorriu, voltou a dar aula. Pra ela era fácil falar, não era ela quem estava com dor, né?

- Seu pai?- as idéias correram soltas. O pai de Abby existia? Nunca ouvi falar dele, apenas que ela nem fazia idéia de onde ele estava. E agora, de repente, de uma hora pra outra, ela diz que ele morreu?- calma, Abby. Quem te disse isso?

- Maggie...- ela disse, com tremor na voz- John, eu preciso ir lá..

- Calma, eu tô- olhei pra Susan que acenou, me dando permissão pra sair, mesmo sem saber o que tinha acontecido- tô sainda daqui agora. Não faça nada antes de eu chegar!- eu sabia que ela estava abalada. Abalada como eu poucas vezes vi. Sabia também que todo cuidado era pouco quando ela estava nesse estado. A Abby forte que eu sempre conheci dava lugar a coisa mais frágil desse mundo nessas horas.

Eu desliguei o telefone e olhei pra Lory que parecia sorrir pra mim. Eu não sabia o que pensar, ou o que fazer. Tanto tempo...eu quase não lembrava dele. Uma pessoa que só fez mal a mim e a minha família, na maioria das vezes, mas que ainda assim, é quem me trouxe ao mundo. Eu não devia sentir o que estou sentindo agora. Eu não sentia falta dele. Mas agora...era estranho.

Um sentimento confuso passava por mim e eu só pensava que eu tinha que vê-lo, mesmo que agora, ele não me visse mais.

- Não vai comer Julie? – a professora sentou ao meu lado pegando meu sanduíche. – deve estar tão gostoso..

- Pode ficar.. – disse entregando a ela. – eu estou sem vontade de comer..

- Seu dente como esta? – ela foi levando sua mão a minha boca mais eu a fechei. Ela que não se atrevesse a fazer isso comigo.

- Abby? – entrei em casa correndo pra acha-la. Sabe lá Deus como ela estava. Eu nunca presenciei durante nosso relacionamento a perca de um parente e ainda mais um que de alguma forma, mesmo ausente, não era nada fácil de se aceitar. Andei pela sala e não a encontrei. Ela deve estar no quarto, claro. Subi as escadas e passei pelo corredor olhando se ela estava em algum lugar. Resolvi ir logo pro nosso quarto. Ela estava sentada na cama, com uma carinha..

- John? – ela mal esperou que eu entrasse no quarto e chamou meu nome. Me aproximei sentando na cama e ela se ajeitou na cama, tirando o travesseiro de seu colo.

- O que foi realmente que aconteceu? – eu me aproximei um pouco e coloquei a mão sobre sua perna, tentando passar, quem sabe, um pouco de confiança.

- Ele é seu pai, Abby...- tudo parecia tão simples vindo dele- não há complicação nisso.

- Eu sei...- eu voltei a ficar perto dele, vendo que Lory sorria, sem ao menos ter noção de tudo o que se passava ali.

- Vamos, eu vou ligar pra alguma lugar e nós vamos assim que arranjarmos algum lugar pra deixar as meninas...- ele disse, andando pra perto do telefone, ainda com o neném no colo.

- Deixar?- eu me surpreendi. Isso definitivamente não estava nos planos.

- Você não está realmente pensando em levar Julie pra ver alguém que ela não sabe nem que existe...e que, agora, não existe mais...está?- as palavras dele soaram frias pra mim.

- Eu queria a minha mãe...- eu fui choramingar de novo pra professora. A dor era muita e só mamãe podia fazer algo pra ela parar

- Já, já, Julie-ela olhou no relógio- só falta meia horinha- eu sorri a informação. Até que tinha passado rápido e a idéia de logo ver mamãe e ela fazer com que essa por parasse, só me fazia ficar mais ansiosa.

- Deixar as meninas? – ela me olhou com um desespero – mas com quem John? Eu não quero depender da Susan, já é abusar demais de boa vontade..

- Eu sei.. – comecei a discar um numero no telefone - justamente por isso que eu estava pensando nos meus pais.. quer queira, quer não, eles com certeza nos apoiariam e cuidariam bem delas..

- Seus pais? – ela se levantou da cama e ficou na minha frente.

- Abby – eu coloquei o telefone no gancho de volta – por acaso você tem uma idéia melhor!

Eu me recostei a parede e cruzei os braços imaginando mil possibilidades. Na verdade todas eram furadas. Minha família não tinha como, amigos eu não queria abusar e não confiava em todos. Só restava mesmo a mãe dele. Eu sei que ela não é má pessoa, que ama as netas, mas só de imaginar ficar dias longe das minhas pequenas me parte o coração.

- Esta certo.. – decidi ceder de vez – mas a Lauren vai com a gente..

Ele olhou não satisfeito por completo.

- Ei, ela não tem nem um ano! Você acha mesmo que eu vou deixá-la sozinha?- ele acenou, finalmente concordando comigo.

- Quanto falta agora?- o tal ponteiro do relógio parece que tinha emperrado.

- Vinte minutos, Julie- a mulher sorriu a mim- pare de perguntar de 5 em 5 segundos que passa mais rápido- hum, sem graça! Não gostei da piada. Fui direto ao armário onde ficava as minhas coisas. Ajeitar antes me faria perder menos tempo.

Pus tudo em cima da mesa, e mais uma vez me debrucei, tomando todo o cuidado para não dormir e levar outra bronca.

- Pronto...- eu disse assim que pus o telefone no gancho- tudo resolvido, não vai ter problema nenhum...

- O nosso maior problema esta para chegar...- ela disse, enquanto colocava alguma roupas minhas e dela numa mala pequena- o nosso vulcãozinho particular sai da escola em 10 minutos...- ela disse, logo depois de olhar no relógio.

- Falando nisso...- eu lembrei e peguei a chave do carro- eu vou pegá-la- me aproximei e dei um beijo no topo da cabeça dela- fiquei ai que eu já venho, hein?

Enquanto ele saia de casa, comecei a ajeitar direito a nossa mala. Estava pretendendo ficar lá no maximo de três dias para não ter problemas maiores com Julie e no hospital. E por falar em hospital, ainda tinha que falar com Susan pra conseguir liberar a mim e ao John. Eu só ia pedir uns dias de férias que há tempos estava merecendo tirar.

- Espero que sua irmã nos entenda bem.. – conversei com Lauren que estava tentando comer seu pé. Me aproximei pegando-a nos braços pra deixá-la no cercado com seus brinquedos. Ainda por cima ainda tinha todas as coisas dela pra ajeitar e fora a mala de Julie. Não era nada fácil ser mãe de família.

- Pai...! – eu sai correndo em sua direção pulando em seus braços – eu estava morrendo de saudades..

- Que você aprontou? – ele me deu um beijo, me colocando de volta no chão.

- Eu nada... – entreguei minha mochila a ele – mas meu dente ta enchendo o saco...

- Isso é jeito de falar, Julie- ele virou os olhos.

- Tá doendo taaaaaaaaanto!- exagerada ela? Imagina. Eu não queria nem ver. Se ela saudável já ia fazer o maior escândalo, imagine com dor. Entramos no carro e ela ligou o som, com um dos Cd´s da Abby.

Eu pensei no que deveria fazer agora. Abby não teria cabeça pra conversar com Julie nem lidar com todo o drama que nós sabíamos que ela faria.

- Precisamos conversar, princesa- ela me olhou com aquela carinha assustada.

- Ai ai ai ai ai- eu baixei o volume do rádio- que houve? Quando você me chama de princesa...- ela sorriu com aquela carinha de anjo que só ela tinha.

- Sua mãe eu..- ah! Fosse o que tivesse que ser- nós vamos ter que viajar por uns dias...

- Legal!- boa reação. Agora era só descobrir se ela queria se ver livre de nós, pensava que ia ficar com Susan ou achava que ia junto.

Eles estavam demorando. Será que ele já estava falando com ela? Se for eu acharia maravilhoso, iria tirar um peso enorme de cima dos meus ombros.

Desci, subi escadas, vi o que tinha que ser consumido de imediato na geladeira e liguei pra companhia área confirmando as passagens que tinha conseguido reservar.

- Eu vou ficar aqui! – olhei pra ele sem acreditar. Ele ia me abandonar nessa cidade, sozinha, sem pais e sem dente? Não podia ser!

- É complicado Julie.. – ele me encarava e a coisa parecia mesmo seria - eu peço que você nos entenda... alem disso, você esta em aulas, não pode faltar tantos dias de aula..

- Mas porque vocês vão logo agora? – será que eles não podiam esperar mais uns meses ate minhas férias?

- Sua mãe tem que ir vem um parente que morreu, não vamos demorar lá e não se preocupe minha linda.. – eu me aproximei pra lhe dar um beijo - você vai ficar com seus avós...

- A vovó Mag?- ela perguntou e eu gelei. Mal sabia ela...

- Claro que não, né, Jull?- eu sorri, amenizando aquela situação- com a vovó que mora aqui, né?- ela não parecia muito feliz com a idéia.

Lory começou a chorar e eu corri pra pegá-la no berço. Aproveitei e enquanto ela tomava a mamadeira que eu tinha esquentado antes, separei as roupas, fraldas, mamadeiras, chupetas e outras centenas de coisas que um bebê ainda precisa nessa idade.

- Colabora, bebê...- ela me olhava com uma carinha nada sorridente.

Até um bebezinho sentia toda essa tensão. Fechei a mala com um pouco de dificuldade e Lory terminou de comer. Peguei-a no colo e fui pro meu quarto, ver se não estava esquecendo nada. Sentei na cama, sentia todo aquele clima se refletir em dor. Dor de cabeça, nas costas, nos ombros, nos pescoço...e no coração. Eu não sabia o que pensar, não podia imaginar o que eu veria quando chegasse àquele lugar.