Entrei no quarto de minha mãe e fechei a porta atrás de mim. Ela indicou que eu sentasse na cama e eu o fiz encarando o ambiente. Olhei pra cama e percebi algumas coisas jogadas por cima dela. Na verdade eu já estava ficando impaciente com aquilo, eu já não estava gostando nem um pouco de tudo o que estava acontecendo e ainda mais com suspense, só fazia piorar as coisas.
- Enfim.. – comecei a falar – o que você quer me mostrar?
Hoje nem comer sorvete eu queria. Fui mais cedo pro quarto de meu pai e fiquei observando as coisas dele. Ele sempre foi tão lindinho. Corri pelo quarto e pulei na cama indo pra perto do telefone. Se eu pelo menos soubesse o numero da outra vovó...
- Eric? – eu vou ate a sala e vejo Lauren sentada no chão brincando. Pelo menos tinha alguém se divertido aqui. – Posso usar o telefone?
- Claro.. – ele indica para o aparelho. – vou terminar de preparar um lanche pra vocês que devem estar famintos..
Sentei no sofá pegando o telefone sem fio e comecei a discar o numero sem tirar os olhos de Lauren.
- Você vai até o cemitério?- ah, não! De novo fugindo do assunto? O que de tão misterioso poderia haver para ser entregue a mim?
- Não sei...depende da hora em que eu puder sair daqui- eu encarei a cômoda, fugindo do olhar dela.
- Nossa- ela tirou a cabeça de dentro do armário para me olhar- já ta querendo sair correndo?
- Eu deixei minha filha em Chicago, mãe- eu tentava não perder a paciência.- mesmo porque- ela finalmente volta a sentar na cama, do meu lado e traz consigo uma caixa preta, escrito "Abby" numa etiqueta velha- não tenho muito o que fazer aqui. Se eu tivesse de fazer algo, seria enquanto ele estivesse vivo ainda- eu olhei o chão. Não queria ver a reação dela.
- Ah, é?- aquele sorriso irônico que eu bem conhecia começou a ameaçar aparecer- ia tentar se redimir?
- Não começa, Maggie- ela estava provocando a mim ou é impressão? Eu só queria ir logo pra minha casa, com as minhas bebês e o meu marido e esquecer que um dia eu tive que fazer parte de toda essa confusão. Quando eu ia começar a falar, e talvez me exaltasse um pouco, falando algo que com certeza iria me arrepender depois, meu anjo da guarda chegou.
- Abby?- ele interrompe, vendo que era melhor prevenir do que remediar.
Depois que meu pai ligou dizendo que estava tudo bem, eu decidi aceitar comer algo na cozinha. Me deparei com um monte de guloseimas das quais eu pude comer sem limites.
- Posso guardar um pedaço de bolo pros meus pais? – perguntei já imaginando que a mamãe iria amar esse bolo de chocolate.
- Claro.. – o vovô respondeu tirando um pedaço – por favor.. – ele indicou a uma empregada – guarde esse pedaço de bolo para quando o meu filho voltar..
A empregada acenou e trouxe o pote colocando o pedaço de bolo dentro. Eu logo sai da cozinha com o vovô que foi me conduzindo pela sala.
- Amanha você tem aula? – ele segura minha mão e vamos subindo as escadas.
- Sim.. – eu sorrio de volta – e espero que meu pai volte amanha mesmo...
- O que foi John? – reparo o olhar de Abby e fico indeciso se devo ou não entrar. Maggie estava sentada na cama segurando uma caixa que provavelmente era pra Abby.
- Só vim dizer que esta tudo bem com Julie e que vou colocar Lauren pra dormir... – eu tratei de parar de interromper aquilo - você esta precisando de algo?- quer pergunta idiota. É claro que ela precisava, mas infelizmente, eu não podia dar no momento.
- Não- eu respondo e ele sorri a mim. Vai saindo do quarto e eu volto a olhar Maggie. Isso estava mais difícil do que eu imaginava que iria ser.
Vejo que estávamos sozinhas novamente e a tortura iria recomeçar.
- Tá aqui- ela finalmente me entrega a caixa. Seguro-a em meu colo e Maggie se levanta, indo para perto da janela. Seria aquilo uma bomba e ela estava se escondendo?
- Obrigada- eu abro a caixa, vendo um envelope branco também escrito "Dear Abby". Isso me soava familiar. Tinha até medo do que poderia acontecer agora.
Juntamente com o que parecia ser uma carta, outra caixinha, agora bem menor, de cor preta também. O mistério continuava.
- Boa noite- eu escuto vovó dizer, assim que me cobre na cama.
- Até amanhã vovó- ela me olha mais uma vez e eu fico esperando o beijo, que sempre ganhava do papai ou da mamãe. Nada veio. Ok, talvez fosse pedir demais dela.
Tomei um banho rápido com Lauren enquanto Abby não aparecia. Coloquei nela uma roupa mais confortável e a deixei na cama enquanto esperava pela mãe dela. Sentei ao seu lado, liguei a televisão e fiquei na minha, esperando qualquer sinal, um grito, um choro, uma alteração qualquer, vinda do quarto ao lado.
Maggie saiu do quarto e me deixou sozinha com aquilo tudo. Eu nem sabia por onde começar e se devia mesmo fazer isso. Então coloquei a caixa de lado, peguei a carta e fui abrindo o envelope tirando de dentro dela um papel que já estava amarelado.
"Querida Abby...
Quanto anos fazem.."
Passei minha vista por aquelas linhas e desviei o meu olhar. Eu não sabia se era certo ler aquilo, se eu estava mesmo preparada para ler o que tinha ali. Talvez não fosse nada demais, afinal eu não fui culpada de nada. Eu sempre estive ao seu lado e ele que nos abandonou me deixando com a responsabilidade de cuidar do meu irmãozinho e da minha mãe, que não sabia cuidar nem de si, quanto mais de duas crianças.
Me deito naquela cama, e sinto a dificuldade que seria dormir ali. A cama era mole demais...o quarto, frio demais. Eu queria a minha cama, o meu quarto e minha casa, com meus pais, de preferência. Remexo para lá e para cá até cair no sono. Não seria fácil dormir ali, mas espero, pelo menos, que valesse a pena o sacrifício.
Finalemente vejo Abby entrar no quarto de hóspedes, onde nós ficaríamos. Na bem da verdade, eu acho que aquele era o antigo quarto de Eric.
- E aí?- a cara dela não era das piores. Digamos que eu estava preparado para algo terrível, mas ela parecia reagir muito bem.
- Sem comentários - ela foi diretamente para o banheiro, tirou a blusa e se pos debaixo do chuveiro, sem nenhuma palavra. Tento facilitar as coisas, ponho Lory nos braços e começo a balançar, tentando fazê-la dormir antes que Abby saísse do banheiro. - Não adianta- eu ouço ela me dizer, saindo do banho, enrolada na toalha. O cabelo espalhando água por todo canto do quarto- deixa comigo...ela já comeu?
- Já - ele diz mas não me dá ela- se troca primeiro, tá frio...- até parece que algo como isso me importava agora.
-Dá ela aqui- eu estendo os braços e ele sem retrucar, me passa a menina que dorme pouco tempo depois de eu niná-la.
Coloco-a no bebe conforto que havíamos levado. Ate que aquilo quebrava um bom galho. Abri a mala e peguei uma roupa pra dormir. Percebo que ele estava mais calado que eu observando tudo o que eu estava fazendo.
- O que foi? – agora sou eu que pergunto já incomodada com aquele silencio.
- Nada... – ele puxa a coberta da cama e disfarça que não estava preocupado comigo. Ele acha bem que eu não o conheço direito.
Sonho por um longo tempo e me imagino com meus pais visitando a cidade que a mamãe nasceu. Eu nunca fui la. Qualquer dia eu peço a eles pra conhecer a casa da mamãe, quem sabe lá eu não encontre brinquedos de quando ela tinha a minha idade.
Eu estava receoso em perguntando o que havia rolado naquele quarto. Se ela quisesse me contar já o teria falado. Preferi ficar na minha calado, na hora que ela precisasse ela com certeza viria atrás de mim. Pelo menos eu espero que sim.
- Esta com fome? – perguntei lembrando que a horas ela não comia nada.
- Vou pegar uma coisa na geladeira.. – ela calça um chinelo e vai ate a porta – volto já...
Saio do quarto e vou a cozinha procurando qualquer coisinha pra comer. Abro a geladeira e vejo que tinha umas coisas que eu gostava de comer. É.. eu acho que pensaram um pouco em mim. peguei um iogurte, peguei umas torradas, passei geléia nelas e as coloquei num prato pra voltar ao quarto. Eu também tinha certeza de que ele não havia comido quase nada. Passando pelo corredor vejo a caixa que havia deixado ali pra pegar depois. Coloco-a embaixo do braço e entro no quarto me equilibrando com aquilo tudo.
- Deixa que eu te ajudo.. – ele foi se levantando da cama e pegou o prato e os iogurtes das minhas mãos.
Acordei no meio da noite e não mais consegui dormir. Será que eles estavam bem? E Lory, será que tinha conseguido dormir? Eles voltariam amanhã? Me sentei na cama e pensei em descer, mas quando lembrei que não estava em casa, mudei de idéia rapidinho. Eu tinha medo daquela casa, principalmente a noite.
Eu comi com ela ate me sentir satisfeito. Até aquele momento, nenhuma palavra sobre nada.
- Então?- eu sugeri um inicio de conversa, vendo ela por o prato no criado-mudo e encarar a minha expressão, esperando uma satisfação.
- Podemos falar disso amanhã?- ela olhou pra mim com "aquela carinha". Parecia uma menina ali do meu lado, pedindo um pouco de trégua.
- Claro- não tem como. Esse é o homem que eu pedi à Deus. Que fosse o homem da minha família.
Nem escovei meus dentes, não fiz nada alem de virar pro meu lado da cama, me cobrir e imaginar como minha filha estaria se mim. Tomara que ela consiga pegar no sono.. já eu.. bom, fecho meus olhos mas eu sei isso será em vão.
Tento não pensar no dia de hoje e sinto as mãos dele no meu corpo. Um pouco de proteção, é realmente disso que eu estou precisando.
- Julie? – eu abro meus olhos vendo alguém na porta do quarto. Ou eu estou delirando ou ouvi a voz da minha mãe. Levanto da cama rapidamente e me decepciono, era a minha avó.. acho que eu já to começando a não gostar dessa idéia de ficar longe deles por tanto tempo assim.
- Sim.. – eu vejo minha avó se aproximando de mim.
- Você tem que ir a escola.. – ela sentou na cama e me encarou – vou esperar a senhorita lá embaixo.. espero que não demore.. precisa de ajuda em algo?
- Não.. – precisar eu precisava, mas era melhor deixar as coisas como estavam – deixa que eu me arrumo sozinha.
A noite passou relativamente tranqüila. Dormimos sem incômodos, levando em consideração o qual cansados estávamos. Lory só chorou uma vez e eu vi que ela se levantou e a fez dormir novamente.
Acordei e vi que nem ela nem Lauren estavam mais no quarto. Será que eu dormi tanto assim?
Acordei mais cedo do que todos, dei uma trocada em Lory que estava com a fralda ensopada. Fui pra cozinha, escutando o silencio de uma casa morta. Vi que Eric dormia no sofá, afinal, nós estávamos ocupando o quarto dele.
Ainda com a neném no colo, fui fazer um leite pra mim. Esquentei e dei a mamadeira, voltando para o quarto logo em seguida, pra ver se John já tinha acordado.
Me arrumei rapidamente e sai do quarto olhando para aquele corredor imenso imaginando se eu saberia chegar direito a cozinha.
- Acho que é por aqui... – eu sigo pra esquerda de onde vinha um barulho.
Eu já havia me levantado da cama quando Abby entra no quarto com Lauren no colo.
- Dormiu bem? – pergunto vendo-a colocar Lory em cima da cama.
- Digamos que sim... – ela vai andando ate o banheiro.
Fiquei observando-a e imaginando se era hora ou não de perguntar alguma coisa sobre o que havia acontecido. De alguma forma ou outra ela teria que falar aquilo, pra não guardar tudo pra si e ficar se martirizando por algo.
- Vamos ao enterro de seu pai? – entrei no banheiro vendo-a terminar de escovar os dentes.
- Não sei...- ela me olhava pelo reflexo do espelho. Cuspiu a pasta na pia e enxugou a boca na toalha, dando uma olhada por trás de mim em Lory, que por descuido meu, havia sido deixada na cama sozinha.
- Ela vai cair- eu prevejo e ele corre lá para pegá-la. Volta e continua a me encarar. O que ele queria? Que eu tivesse todas as respostas? Que eu soubesse lidar com algo tão novo, com essa confusão?
- E então- ele volta a insistir- vamos ao cemitério?- ele parecia com mais vontade do que eu.
- Se houver tempo...quem sabe- eu despisto, indo para o quarto novamente.
- Tempo? É claro que há tempo- ele infatiza o "há".
- Bom dia- eu vejo que vovó chegava na sala de jantar, quando eu já tinha começa a comer.
- Bom.. – eu a encaro mas logo torno a olhar pra minha comida – meus pais ligaram?
- Não.. – vovó senta ao meu lado – talvez eles nem tenham acordado ainda...
- É... – eu afasto o copo e olho pra ela – talvez...
Eu que não ia forçar mais nada. Deixei-a com Lauren no quarto e sai pra cozinha pra comer alguma coisa. Chego lá e me deparo com Maggie bem sentada passando a margarina no pão.
- Senta aqui John.. – ela apontou pra uma cadeira – eu já preparei o café.. coma o que quiser...
- Obrigado.. – eu puxei uma cadeira e virei a xícara, colocando um pouco de leite nela.
- Como esta ela? – ela fala olhando pra porta. Talvez temendo que ela ouvisse alguma coisa.
- Tá ai uma coisa que eu queria saber- eu sorri a ela e a mim mesmo- tá fechada com sempre, não fala comigo...digamos...- eu olhei pr aonde ela olhava, pra me assegurar que poderia falar- meio jeito "Abby" de ser- Maggie sorriu a mim.
-Tenha paciência com ela, John- ela pegou na minha mão e quando eu me preparava para fazer algum comentário, vejo que Maggie olhava pra porta com os olhos arregalados. Não! Tudo menos...sim, sim...Abby ali, postada no batente da porta, olhando aquela cena. Eu poderia me considerar um homem com problemas.
Eu sabia que ela ia acabar fazendo isso. Enquanto a coisa ficava entre eu e ele, tudo caminhava bem, mas quando os outros começavam a se meter, de duas uma: ou ele estava fazendo drama demais, ou eu, exagerando demais. E cá entre nós, que no presente momento, eu ficava com a segunda opção.
- Então tchau.. - eu pego as minhas coisas e vou ate a porta da sala. Meus avós acenam da porta e seguro a mão do motorista que me ajeita no banco de tras do carro. - Vamos de que carro? - perguntei vendo a limusine.
- Qual você quer? - ele aponta para três carros.
- Bom.. - eu sempre tive vontade de andar nisso ai, e chegar na escola com um carro desses.. nossa.. minhas amigas vão morrer de inveja - de limusine..
Mas ao contrario de tudo o que eu imaginei, ela entrou na cozinha em silencio, sentou ao meu lado e ficou olhando pra Maggie, pensando o que eu não sei.
- Com fome Abby? – Maggie a encara e estende uma xícara. Eu olho pra Abby que desviava o olhar pra mim e eu continuava sem entender o que estava se passando na cabeça dela. Ela realmente ouviu o que eu disse?
- Não.. – eu percebo que John não sabia direito como agir comigo.
Inconscientemente ou conscientemente, eu nem sei mais, eu estava agindo da mesma forma que eu sempre fazia. Ele tinha razão. Como ela poderia me ajudar, me compreender se eu não consigo me abrir nem com a pessoa que eu sei que merece a maior confiança nesse mundo? Eu sei perfeitamente que ele vai me ouvir, me compreender e me fazer acreditar que tudo iria melhorar.
Torno a me levantar da mesa sem nenhuma palavra nem olhar a mais. Entro no quarto e sento na cama encarando a parede. O tempo passava e eu continuava a mesma. Será que eu nunca iria conseguir mostrar as minhas emoções sem medo das conseqüências? Nesse momento eu so queria um abraço.. mas quem diz que eu sei pedir isso a alguém?
