Quando Lory começa a resmungar, eu me prontifico a colocá-la no colo para Abby não se desconcentrar no que estava fazendo.
- Achei!- ela fala alto, tirando uma foto pequena, com a ponta dobrada, que parecia ser bem antiga. Sorri e me aproximei mais dela, vendo que era uma foto de quando, provavelmente, ele e Maggie ainda namoravam.
- Sua mãe era lindona, hein?- eu quebro o gelo- você teve mesmo a quem puxar- ela me joga o sorriso, fazendo valer a pena todo o meu esforço- qual era o nome dele?- eu tenho a curiosidade de perguntar.
- George.. – ela continua encarando a foto. – pra dizer a verdade.. eu até que me lembro quando ele morava com a gente.. foram bons momentos.. apesar de tudo..
Ele me abraça mais forte e eu começo a me lembrar de algumas coisas. Sorri as recordações e olho pra John que olhava pras minhas mãos encarando a foto.
- Teve um dia.. – eu me prendi a uma boa recordação e vi que talvez era hora dele saber um pouco mais da minha infância. – Maggie tava em crise e eu tava embaixo da cama com medo que ela viesse atrás de mim... ele se abaixou, sentou no chão e segurou minha mão.. era noite.. – aquele dia começou a passar na minha mente e eu já podia reviver tudo aquilo - estava tudo escuro... ele me puxou e me levou pra rua.. onde passamos a noite inteira brincando no parquinho perto de casa... nesse dia ele disse que não ia a lugar nenhum.. – John olhou pra mim e engoliu o seco – mas ele foi.. – a tristeza tornou a tomar conta de mim – dois dias depois ele saiu de casa e me deixou cuidado de minha mãe e de um irmao pequeno.. enquanto minhas amigas todas pensavam em brincar de boneca, eu tinha que viver a realidade e me tornar dona de casa quando eu ainda mal sabia escrever...
- Julie? – a professora sentou ao meu lado e eu me virei para ver o que era – o que houve?
Eu mexo os ombros e ela continua ali ao meu lado.
- Você esteve hoje tão calada.. aconteceu alguma coisa?
-Nada, tia- sorri, tentando disfarçar. Não agüentava mais aquele povo falando a mesma coisa. Eu só queria ir pra casa...era tão difícil assim?
Voltei a assistir a aula e rezei para que o tempo passasse rápido.
- Você vai comigo até lá?- perai. Ela estava falando comigo? E a caixa?
- Eu?- ela sorri pra mim, elevando as sobrancelhas- é, é lógico. Tem mais alguém aqui?- ela solta um risinho. Ufa, tudo estava melhorando.
- Lory?- eu a pego no colo, mostrando-a também.
- Ela também...Mas você vai?- ela insiste e fica séria agora.
- Onde? -ela queria ir onde eu estava pensando e eu tinha sugerido anteriormente?
- No cemitério, John...- eu digo, e vejo Maggie entrar no quarto na mesma hora.
- Vocês vão ao cemitério?- ela entra toda afobada. Providencial.
- Sim.. – respondi tentando não transpor muita "emoção".
- Que bom.. – ela continuou a porta do quarto e se eu não me engano ela estava sorrindo. – Vou dar andamento ao almoço.. assim quando vocês voltarem vai estar tudo pronto...
- Deixa que nós comeremos fora mesmo... – eu olhei pra John pra ver se ela concordava. – a gente promete que janta por aqui...
A aula mal tinha acabado e eu sai correndo pra ir ao carro. Quanto mais cedo eu chegasse em casa, mais cedo eu poderia falar com a mamãe e pedir pra ela voltar logo. Entrei no carro e me sentei no canto, bem caladinha só observando o transito das ruas.
Rapidamente tudo estava pronto para que fossemos ao cemitério. Abby pegou algumas coisas e colocou dentro de sua bolsa antes de sairmos da casa.
- Eu dirijo ou você? – pergunto segurando as chaves do carro.
- Você.. – ela sorri abrindo a porta – deixa que eu te guio..
Dirigi por um longo tempo e parecia mais que estávamos perdidos. Mas logo avistamos o cemitério e eu estacionei o carro, pegando Lauren no colo e segurando a mão de Abby.
Fazia muito, muito, muito tempo que eu não punha os pés nesse lugar. A última vez que estive aqui, provavelmente, foi no enterro de um primo distante, que morreu de não seu o que. Eu devia ter menos do que 20 anos.
Andamos pelas "ruas" tentando achar o local correto. O cemitério não era muito grande, e os túmulos "novos" estavam juntos, então foi fácil localizar. Logo eu vi "George Wyckezinsk". O responsável por eu ter um sobrenome tão difícil de pronunciar e muito mais de escrever.
Chegamos em casa e a mesa estava colocada par ao almoço. Pra variar, vovô não estava em casa. Almocei sozinha, porque vovó estava muito ocupada preparando um recepção para quando tia Barbie chegasse com o namorado.
- Tem sorvete?- eu pergunto, quando tiram o meu prato.
Tina sorri acenando. Logo ela volta com um pote, com 3 bolas, só pra mim.
- Você e essa obsessão por sorvete, hein, Julienne?- vovó loga se aproxima pra atazanar a minha vida.
Pensei em ficar por perto do tumulo, mas ela segurava minha mão com tanta força que fiquei calado, segurando Lauren enquanto ela, a meio metro do tumulo, criava coragem para dar um passo a frente.
- Você quer ir mais perto? – olho pra ela que estava completamente sem emoção. Eu não poderia dizer o que ela estava sentindo. A cara sem expressão, encarando a placa de bronze. Apertei sua mão esperando uma reação mas nada veio. Dei um passo a frente para ver se ela me acompanhava e ela o fez.
- Aqui estamos.. – eu finalmente falei olhando pro nome de meu pai. Desci a bolsa de meu ombro e fui me aproximando lentamente, sem soltar da mão de John. Perto da placa olhei pra ele que sorria me incentivando a fazer o que eu tinha de fazer.
- Quer que eu va comprar uma água pra você? – ele perguntou tentando me dar privacidade. Eu não sei se queria aquilo.. mas talvez estava na hora de encarara as coisas um pouco sozinha. Sinalizei a ele que se aproximou de mim me dando um beijo e deu meia volta atrás da "água" .
Depois do almoço e da sobremesa, a única coisa que me restava era descansar um pouco, para aí então, ir fazer meu dever. Fui para o quarto do papai, tirei os sapatos e liguei a tv, vendo que algum desenho iria começar ali, agora mesmo.
Acabei por pegar no sono e sabe-se lá quando iria acordar.
Vejo Lory sorrindo todo o trajeto. Acho que estávamos indo bem. Cumprindo com o nosso dever. Ela com o de filha, e eu com o de marido. Compro a água a aproveito pra por um pouco na mamadeira de Lory que também devia estar sedenta, graças ao calor que fazia ali.
No caminho de volta, mesmo longe, percebo Abby na mesma posição. Não a julgo nem cobro. Eu sei mais do que ninguém o jeito dela e talvez essa seja a única pessoa que entenda e saiba lidar com tudo isso. Ela era assim e mais que se esforçasse para mudar, pouco conseguia. Mas foi assim que eu me apaixonei por ela, e sem esperar mudanças, eu quis que ela se tornasse minha mulher, mãe dos meus filhos e com que eu iria viver feliz até o resto dos meus dias.
Eu não tinha muito o que fazer e sem sabia lidar com isso. Apesar de não ser totalmente católica ou coisa que o valha, rezei por ele. Rezei não só por dever ou responsabilidade, mas porque aquilo fez com que eu me sentisse bem. Quis dizer a ele que eu o perdoava por qualquer que fosse a causa que o tivesse levado a agir como agiu.
Não cabia a mim julgar ninguém e eu não tinha esse direito, muito menos se tratando do meu próprio pai, que por pior que tenha sido tempos depois, teve a missão de me fazer feliz no tempo que esteve presente. E isso ele fez muito bem.
Olhei pro lado antes de dar um passo a frente. Não sei bem porque eu tinha a sensação de estar fazendo algo "errado", mesmo sabendo que não se tratava nada disso. Deixei minha bolsa cair no chão e quando fui pega-la, senti uma necessidade enorme de sentar ali. Agora, sem medo, sentei na frente do tumulo e cenas da minha infância ficaram passando na minha mente como um filme.
- Oi.. – falei sem saber ao certo se deveria ou não fazer aquilo. Passei meus dedos pelo seu nome e senti meus olhos se encherem d´água. Virei o rosto abrindo a minha bolsa e abri minha carteira pegando uma foto. – você ia gostar de conhecer minhas filhas.. – eu sorri olhando pra foto – e elas iam gostar de te-lo conhecido...
Ouço batidas na porta do quarto e abro meus olhos tentando enxergar quem me perturbava. Me levanto e vou andando ate a porta abrindo-a e enfiando minha cabeça pro corredor.
- Julie? – eu olho pra cima e vejo nada mais, nada menos que a tia Bárbara com os braços abertos pra mim. Eu sorrio e logo pulo no seu colo lhe dando um abração.
- Ué- eu estranho a presença dela- você não chegava amanhã? Ou depois?- ela pega na mão e vamos entrando no quarto, até nos sentarmos na cama.
- Resolvi antecipar um pouquinho- ela sorri, me abraçando forte- tenho muitas coisas a resolver por aqui.
- Ah, é?- e a minha curiosidade, fica onde?- o que por exemplo?- ela sorri a minha pergunta.
- Você vai saber em breve, garotinha- "garotinha" é como ela me chamava. Nessa família, cana um tinha um apelido especial pra mim.
- Veio sozinha?- eu deito na cama e ela fica passando a mão na minha perna.
- Na verdade não...- opa, aí tinha coisa.
Vejo-a sentada ali e confesso que isso me espanta um pouco. Acabo de pensar um coisa e ela faz outra para "calar a minha boca". Assisto-a mexendo na bolsa e quem sabe até "falando" com o pai. Isso seria muito bom pra ela, ela nem imaginava o quanto.
Vou me aproximando devagar para não assustar nem inibi-la de continuar fazendo aquilo. Vejo que ela falava das meninas e quem sabe até de mim. Quando menos espero, vejo que ela nota a minha presença e sorri, olhando pra mim. Percebo os olhos lacrimejando e, por mais estranho que possa parecer, aquilo me dá um alivio, por ver que, pelo menos um pouquinho, em um dia, ao menos, ela conseguiu vencer a barreira contra si mesma.
Vejo ele chegando e trato de terminar com tudo aquilo. Me levanto, pegando a água que ele me estende. Vi que Lauren também estava tomando na mamadeira própria pra isso e a sensação de dever cumprido é a que toma conta de mim.
- E a Julie? – de repente olhando pra Lauren eu me lembrei que não tinha falado com minha pequena desde que eu viajei e a deixei sozinha.
- Quer ligar pra ela agora? – ele falou tirando o celular do bolso.
Peguei-o em minhas mãos e fomos andando ate um banco onde nos sentamos. Procurei na memória o numero da mansão e disquei esperando ouvir do outro lado da linha a voz da minha lindinha.
