Sinto a dor nas costas começar a me provocar. Eu não via a hora de chegar em casa e dormir até o seguinte. E só de saber que teria que trabalhar no outro dia, não me animava nada. Chegamos em casa sem demora e eu tirei as malas do carro. Abby foi abrindo o casa logo porque Julie queria fazer xixi.

- Vou colocar Lory no berço...- ouço ela dizer e em seguida subir. Me sento no sofá, ligando a tv e me esforço para não cair no solo ali mesmo. Sinto alguém voltar, mas não sabia se era a minha menina pequenininha ou a menor ainda.

- Amor?- eu ouço. Ué, que será que deu na baixinha hoje?

- Hum- eu remungo e vejo ela se sentar do meu lado.

- Que houve? – ela se aproximou colando o seu corpo no meu.

- Nada demais.. – eu desliguei a tv e olhei pra ela. Televisão em certos momentos era totalmente desnecessária e inútil.

- São as costas? – ele achava que eu não sabia que quando ele se socava nesse sofá não tinha como: ou era dor nas costas ou apenas sono.. mas eu sempre desconfiava da primeira opção. – Vai falar não? – eu vi sua demora em responder e ele mexeu os ombros. Definitivamente era isso.. de vez em quando ele tinha suas crises.. tomara que Julie não inventasse de pedir colo a ele.. ou ele inventasse de ser cabeça dura, como sempre fazia – Quer que eu veja ou quer algum remédio?

- To bem.. – ele me deu um beijo e logo se separou – se precisar eu sou o primeiro a pedir..

- Urgh... – eu estava descendo quando vi aquela beijação começar – Ei! – gritei quando cheguei no fim da escada – e os presentes hein? Eu não esqueci não!

- Nem a gente Julie.. – papai respondeu e eu ia pular no seu colo quando eu vi mamãe balançar a cabeça. Eu acho que já sabia o que ele tinha..

- Que foi pai! – sentei no colo da mamãe e passei a mão em seu rosto – a cicatriz ta doendo!

- Um pouquinho-eu pisquei pra ela- deve ser o frio.

- Quer uma massagem?- ela disse na santa inocência. Ela nem deveria mais se lembrar do "acontecido massagem", mas Abby não deixou de rir, tendo boas recordações daquele momento.

- Mamãe vai fazer em mim depois...- eu aproveito pra me garantir com Abby- não vai mamãe?- eu sorri malicioso mas ela permanece séria.

- Nem pensar!

- Como não?- ops! Eu acho que esqueci de levar "massagem" ao pé da letra pelo menos da frente de Julie- se ela não fizer, eu faço pai- ela vai toda solidária pra perto dele, sem tocar muito. Morria de medo quando ele estava "dodói" como ela dizia.

Liguei a tv de novo e lá nós ficamos curtindo um programinha a três. Ia levar alguns dias até isso acontecer de novo, então era bom aproveitar.

Quando percebi, já tinha anoitecido. Julie dormia num canto do sofá e John do outro.

Me levanto e trato de ver algo para comermos.

Escuto um movimento e abro os olhos, vendo mamãe se levantar. Levanto também e saio devagarinho do sofá, pra não acordar papai.

- Que vamos comer?- eu sussurro e mamãe me dá os ombros, indecisa- que tal pizza?

- É uma boa ne? – ela fecha o armário e pega o telefone. – De que você quer?

- A de sempre... – eu subi na cadeira e fiquei ao seu lado - de frangoo.. pode ne?

- Pode.. – ela discava o numero e eu sai da cozinha andando ate a sala, onde tinha uma mala ainda.

De tão cansado ou la sei o que cochilei ali no sofá mesmo. Acordei com a campainha. Quem seria uma hora dessas? Se bem que.. eu olho pro relógio e já era perto de sete horas.. acho que dormi um pouquinho "demais". Olho pro outro lavo e vejo que a mala estava aberta com os presentes de Julie ainda embrulhados em cima dela. Abby não deve ter deixado ela abrir.. tadinha.. deve estar se mordendo pra não abrir isso.

- Quem é? – eu vou andando ate Abby que fechava a porta carregando uma caixa de pizza. – Entendi... – eu a acompanho ate a cozinha e vejo as meninas cada uma em sua cadeira, a mesa ajeitada so esperando por mim mesmo e pela pizza, é claro.

- E o refrigerante mãe? – Julie fica de joelhos na cadeira enquanto eu ainda cortava a pizza.

Servi o copo dela com Coca-Cola. Começamos a comer. Carter estava visivelmente mal. Teria uma noite "daquelas" e eu, consequentemente, também.

- Que achou da novidade da sua irmã?- eu não poderia deixar de comentar isso.

- Ah, até que legal- ele não parecia lá muito empolgado- minha mãe é que não deve ter gostado nada disso- ele sorri, e Julie, por incrível que pareça, não faz nenhuma pergunta. A pizza deveria estar muito boa mesmo.

- O que a sua mãe NÃO acha ruim?- eu falei, mas depois fiquei com receio. Dois contra mim não era legal - ah, vá. Você tá se mordendo de ciúmes, não tá não?

- Pelo menos ela escolheu alguém com o meu nome- ele sorriu- posso considerar isso uma homenagem...- ele colocou o último pedaço de pizza na boca e cruzou os talheres.

- Depende do ponto de vista- eu tinha escolhido esse assunto para acabar com a vida de todo mundo- pode considerar um desacato também...- ele ficou sério e achei melhor parar de brincar. Nunca se sabe, né? Ciúme de irmão é coisa de louco. Não aparente, mas sempre presente.

Ajudei mamãe com a louça enquanto papai foi tomar banho. Faria tudo sem reclamar se meu presente fosse logo entregue a mim.

Quando eu pensei que tinha finalmente chego a hora, escuto aquele choro bem alto.

- Ah não- resmungo pra mim mesma. Não é possivel!

- Já venho...- mamãe corre lá pra cima e me deixa ali sozinha, com toda a minha vontade de saber o que tinha dentro daquele pacote.

Terminei meu banho, me arrumei e vi que Abby estava no quarto de Lauren trocando sua fralda.

- Cadê Julie? – eu olho pro lado e não vejo nenhum sinal dela.

- Deve ta em cima da mala babando no presente – ela coloca a roupa em Lauren e a senta no berço – ou quem sabe esta tentando desenvolver uma visão de raio x pra ver algo.. ou alguma coisa parecida..

- Acho que vou descendo.. – eu olhei pra porta e Abby logo concordou comigo e pegou Lauren no braço.

Fui na frente e Julie estava sentada no chão, ao lado da mala. Tadinha, devia estar ai a longos minutos mas não abriu nada.

- Vamos abrir os presentes? – vi John abraçar Julie que sorria de orelha a orelha.

- Vamos! – ela ficou de joelhos perto da mala e John sentou em uma cadeira que estava perto. Pelo menos ele estava se prevenindo. – Qual eu abro primeiro?

- Qualquer um.. – eu sentei ao chão para ajuda-la.

- Hum.. – eu olhei pra Lauren que estava no colo da mamãe – Lauren.. qual você escolher primeiro?

Como eu esperava, ela nada falou, afinal, ela ainda não falava. Começou a gargalhar e apontar pra mamãe.

- Ok, já que você não escolhe, escolho eu- eu fui direto na caixa maior, abrindo o embrulho, vendo a maior boneca que eu já tinha visto- que linda!- rasguei a caixa imediatamente, tirando-a de lá.

- Que bom que você gostou- papai disse, sentando no chão com a gente- sua mãe disse que era muito grande- eu sorri e fui abrindo mais um pacote.

Presentes abertos, papel cumprido. Julie feliz, Lory pegando no sono. Quem sabe nós teríamos uma "noite feliz".

Vou até o quintal dar uma olhada em Carby e ele começa a latir, fazendo com que Lauren se despertasse.

- Droga!- penso comigo, vendo que o bendito cão poderia atrapalhar aquele que poderia ser uma noite boa pra mim.

Volto a sala, vendo Abby tentar ninar a pequena. Julie, como sempre, via tv na sala. Me juntei a ela, esperando que as coisas melhorassem por ali.

- Quanto tempo vai demorar pra eu ter o primo, pai?- ouço Julie lá na sala começar a interrogar John. Esse assunto de novo, não.

- Uns sete meses, Jull...por que?- Carter responde, e eu me aproximo dali para poder ouvir melhor e rir da cara dele, obviamente.

- Demora, né?- ela faz aquela carinha de pensadora- devia vir pronto já...- eu não posso deixar de sorrir com a imaginação dela. Aos poucos, vejo Lory tomando o rumo do sono.

- Um pouco.. - ele realmente parecia não querer estender aquele assunto. Eu sento ao seu lado e apoio Lauren em meu ombro.

- Porque demora mae? - quem sabe se a mamãe sabia mais que o papai.. afinal, é a mulher que carrega o bebê...

- Até que o bebê se forme todo demora cerca de nove meses... - ela ajeita Lauren melhor e continua a falar - um dia você vai entender isso melhor.. - ela vai se levantando do sofa enquanto falava - vou colocar sua irma no berço.. volto já...

Julie ficou em silêncio. Graças a Deus ela não estendeu aquele assunto e parecia que tambem ia dormir. Mas não aqui, Abby não podia com ela e hoje nem em sonho que eu iria coloca-la nos braços.

- Julie.. - eu toquei seu braço e ela piscou forte - vamos pra cama? Papai não pode fazer esforço hoje..

Por incrivel que pareça, ela se levanta sem falar nada e vai subindo as escadas. Eu aproveito para desligar tudo e subir tambem, essas viagens sempre me deixavam quebrado. Passo pelo quarto de Julie e ela estava escovando os dentes, saio dali e vou ate o quarto de Lauren onde Abby recostava a porta.

- Ja dormiu? - eu me impressionei com a rapidez.

- Acho que hoje esta tudo a favor para que eu possa descansar... e Julie? - pergunto vendo as luzes do andar debaixo apagadas.

- Se preparando para também dormir- sorrio, achando melhor conferir de perto. Ele entra pro nosso quarto e eu entro no de Julie, vendo que ela, já de pijama, se preparava pra deitar.

- Boa noite, cinderela- eu dou um beijo no rosto dela enquanto ela se deita na cama.

- Boa noite- ela sorri, virando de lado. Quando eu já ia saindo, ela me chama. Típico- mãe, a tia Barbie vai ter um bebê menina ou bebê menino?

- Não sei- agora ela tinha me pego desprevenida- depende, Julie. Logo, logo vamos saber.

- Tomara que seja um menininho- ela ri e volta sorrindo pra posição inicial.

Ela sai do quarto e eu fico pensando em toda a informação que me foi dada hoje. Primo, 9 meses, menina e menino, formação completa. Era preciso ter muita memória pra armazenar tudo isso. Imagina os adultos! Alguém já parou pra pensar quantas coisas a gente sabe de cabeça?

- Prontinho...- ela entra no quarto quando eu já estou pronto pra dormir. A demora era sempre a mesma.

- Nossa, demorou- eu sorri, vendo ela se encaminhar pro banheiro.

- Fui pro paredão com a Julie de novo- ela senta no vaso ainda olhando pra mim- menina ou menino, sabe?- eu já tinha captado.

- E só de pensar que ainda teremos que passar por tudo isso de novo quando Lory crescer- a cara dele era hilária. Fui escovar os dentes, ainda pensando sobre o assunto.

- Nada nem ninguém será pior do que a pestinha da Julie- eu pisquei, indo para a pia. Fiquei um tempo pensando em como tudo estava relacionado a uma só coisa- o mundo tá conspirando para que eu tenha outro filho- eu olhei de lado só para ver a reação dele que digamos, foi mais do que inesperada.

Tenho a impressão de ter ouvido Lauren chorar no outro quarto. Me levanto com cuidado e abro a porta do quarto pra confirmar se eu estava ou não ouvindo certo.

- Será que mamãe ouviu? – eu vou andando ate o seu quarto vendo que ela estava sentada no berço olhando pra porta, mas não estava chorando. – Já acordou? – eu me aproximei do berço e coloquei minha mão entre o gradeado. – Dorme logo bebê.. eles também precisam dormir...

- Filho? – eu olhei pra ela incrédulo. – Você tem certeza disso?

- Que eu saiba você nunca foi contra a nós termos um outro filho.. – ela saiu do banheiro e veio pra perto da cama – se arrependeu de alguma coisa?.

- Claro que não! – eu fico imaginando o que Maggie havia me falado. Talvez ela estivesse certa quanto a ser arriscado ter outro filho, talvez seja melhor pararmos por aqui. Temos duas filhas lindas, saudáveis e Deus me livre de que aconteça algo a Abby... era melhor preservar sua saúde assim. Mas por outro lado.. os tempos são outros, e digamos que o risco de qualquer coisa acontecer é mínimo... Agora eu que estou confuso. Talvez eu só esteja fantasiando demais as coisas, ninguém garante que a gente consiga ter um outro bebê...

- Então qual o problema disso? – eu sentei o seu lado e percebi o silencio. Ele estava estranho.. será que Maggie, mais uma vez havia falado algo!

- Nenhum, Abby- nunca tinha visto ele assim quando falávamos de filhos. Talvez nós nunca tivéssemos conversado sobre quantos ter, ou a importância ou não de um menino entre eles. Eu, sinceramente, me satisfazia com Julie e Lory, mas não devo omitir que a idéia de um terceiro, e menino, me agradava bastante. Não sei se eu agüentaria, tanto na questão psicológica quanto na física mesmo, afinal eu não tinha mais 30 anos. Mas a reação dele não era a que eu esperava. Era sempre ele o entusiasmado e eu que levantava a guarda e confesso que, a troca de papéis, me assustava um pouco.

- Então - eu percebia que logo, logo isso acabaria em briga. Eu até poderia evitar, mas não queria deixar isso assim. Se ele tinha algum plano diferente do meu, eu tinha mais do que direito de saber- por que você não...

- Ela falou!- eu corro para contar a eles o que tinha acabado de escutar. Entro no quarto e os pego num clima meio estranho.

Estariam brigando? Não importa! Isso era mais importante - Lory falou, mãe!- eu a puxei pela mão pro quarto da neném. Ela tinha que ver isso!

Chegamos no quarto e ela estava pendura no berço e sorri quando chegamos.

-Fala, Lory...- eu me aproximei dela. Ela TINHA que falar agora...

Ela me olhou com aqueles dois olhos azuis. Abaixou o rosto e puxou o lençol estendendo uma ponta pra mim.

- Você tem certeza disso? – eu olhei pra Julie que sorria pra irmã.

- Claro pai.. – ela tentava pegar em Lauren enquanto falava – eu ia inventar uma coisa dessas?

- E o que ela falou? – eu a peguei no colo e esperei que ela repetisse. Bebê é de lua.. só fala quando bem entender pra quem bem entender.

- Ela falou mamãe... – Julie sorriu pra mim e parecia estar toda orgulhosa da irmã – ela devia estar querendo falar contigo...

- Foi! – eu sorri a Lauren que parecia estar gostando daquela "festa" toda – O que você queria com a mamãe?

Eu vejo meus pais sorrindo todo orgulhosos pra ela. Eu hein, era tão incrível assim ver uma pessoa falar? E porque ela não falava mais?

- Fala Lauren... – eu fiz com que ela olhasse pra mim pra que eles acreditassem. – mamãe.. mamãe.. mãe...

- Calma, Julie...Quando ela quiser, ela vai falar- eu a tranquilizo, vendo todo seu desespero.

- Ah- ela se entristece, mas logo eu tratei de levá-la para fora dali, a pus na cama e volto ao meu quarto, vendo que Abby ainda fazia com que Lory pegasse no sono mais uma vez.

Ela entrou no quarto e eu nem fiz questão de ver a cara que ela estava. Espero que a briga tivesse se encerrado antes mesmo de começar.

- Que bonitinho deve ter sido ela falando...- rindo? Ah, mulheres! Como entendê-la?

- É, mas bem que ela podia ter dito papai- aproveito o clima descontraído e me chego mais perto dela. Abraço-a pela cintura e fico beijando o pescoço dela enquanto ela não parava de falar sobre as meninas.

- Suas costas melhoraram?- pergunto quando vejo ele me abraçando.

- Uhum- ele geme alguma coisa e me aperta, talvez pra espantar o frio.

- Então boa noite- ok, talvez não fosse isso que ele quisesse escutar, mas era o que eu podia dar agora.

- Boa noite- a voz meio murcha era evidente, mas não dar corda pra isso era o melhor que eu tinha a fazer.

Eu não acredito que ela não falou de novo. Pra que falar mamãe se ela não diz pra ela? Eu hein.. esses bebês são tudo loucos. E será que eles estavam brigando? O que será que foi agora? Eu fiz algo de errado? Depois vou ter que descobrir alguma coisa.. mas o melhor que eu faço agora é fechar meus olhos e dormir.