Caminhos Noturnos

Nota: Esta fanfic não tem nenhuma relação com o livro 6 de HP, e o tempo da narrativa é anterior aos acontecimentos do livro 1.Os personagens de Harry Potter pertencem a J.K. Rowling. Outros personagens são de minha autoria. "Juntos fazemos o que separados não podemos." Eddie Van Feu

Capítulo 1 – De Noite no Seu Quarto

Ela sabia o quão patética estava, vestida com seu camisolão segurando um travesseiro e socando a porta mais próxima para se esconder do maldito zelador. Ultimamente suas noites vinham sendo um caos. Não dormia direito há uma semana, com ataques de sonambulismo. Na noite passada, acordou subindo as escadas para a torre de astronomia e quase fora apanhada pela Professora Sinistra.

Fechou a porta silenciosamente e suspirou aliviada, largando o travesseiro no chão e jogando os cabelos para trás. Onde estaria agora? Estreitou os olhos tentando enxergar alguma coisa na escuridão, mas apenas uma luz fraca e azulada adentrava pela janela. Ficou de costas para a porta e piscou várias vezes até que conseguiu distinguir a silhueta do que parecia uma grande estante de livros à sua esquerda, e uma mesa com duas cadeiras à sua direita.

"Droga, onde eu vim parar desta vez?" - pensou.

Tateou o bolso à procura de sua varinha, mas se deu conta de que não era tapada o suficiente para dormir todas as noites com um pedaço de pau espetando-lhe o traseiro. Um arrepio percorreu seu corpo. Só agora que a adrenalina tinha baixado e seu sangue estava frio, percebeu o quão gelado era aquele lugar, e como tinha um excêntrico cheiro de perfume masculino.

"É claro que está frio aqui. Todo o castelo vai estar gelado pra você que está vestida só com roupas de dormir em pleno final de Setembro..." – rolou os olhos, impaciente consigo mesma

Deu um passo à frente a fim de explorar o local, mas seu pé prendeu no travesseiro e ela caiu com estrondo no chão. Levantou-se meio zonza, praguejando o seu desajeito, e esfregou o nariz dolorido.

"Ótimo" – pensou azeda – "não falta mais nada pra estragar essa noite."

Já dava meia volta para sair daquele lugar quando uma voz sonolenta murmurou "Lumus".

Teve que erguer o braço para proteger os olhos da claridade repentina que surgiu, deixando-a momentaneamente cega. Então a mesma voz sibilou alguma coisa, e uma lareira no fundo do aposento ganhou vida com chamas ardentes. Velas se acenderam por toda a parte em castiçais pendurados nas paredes, e a luz iluminou cada detalhe do aposento.

Abriu lentamente os olhos, e teve a sensação de que sua alma acabava de abandonar o corpo.

- O que você pensa que está fazendo? - era uma voz fria e suave, letal como o pior dos venenos. A voz de Severo Snape.

Antes mesmo de pensar numa resposta, seus olhos percorreram a figura do professor parado na sua frente, dos pés à cabeça. Ele trajava uma calça de pijama completamente negra e nada mais. Corou violentamente e desviou os olhos, abrindo a boca na tentativa de responder alguma coisa.

Seu cérebro parecia estar bloqueado e nenhuma explicação lhe ocorria. Um vento gelado entrou pela fresta da porta e fê-la arrepiar-se. Foi quando seu cérebro deu um estalo, e ela, mais uma vez, se amaldiçoou. Não bastasse o constrangimento de ver seu professor de poções semi-vestido, ela própria estava usando apenas sua camisola de algodão. Seu rosto explodiu em chamas.

- Estou esperando uma resposta. – ela ouviu a voz de Snape e, sem querer, seus olhos encontraram os dele. Involuntariamente, segundos depois, eles focalizaram o tórax descoberto do professor, transmitindo uma poderosa descarga elétrica pela sua espinha, fazendo-a, em dois tempos, abrir a porta e correr a esmo pelo castelo.

Depois de atravessar corredores mal iluminados, galgar escadas, passar por tapeçarias e esbarrar em algumas estátuas, ela finalmente parou, encostando-se na parede para tomar fôlego. Fios de cabelo pendiam-lhe na face molhada de suor. Apoiou as mãos nos joelhos e tentou se controlar e descobrir para onde tinha fugido. O corredor parecia-lhe familiar. Sim. Conhecia aqueles quadros. Era o corredor da sala de transfiguração. Ainda chocada e com passos largos, dirigiu-se ao salão comunal da Sonserina.

Enxugou o suor da fronte e inspirou profundamente.

"Não acredito que fiz isso... Nem uma desculpa eu consegui dar..." – atordoada, amaldiçoou sua incapacidade comunicativa. O fogo da lareira estava apagado e as brasas que ainda restavam lançavam sua claridade avermelhada pelos móveis próximos. Tentou enxergar o relógio de pêndulo no canto do aposento, mas não conseguiu. Esfregou os olhos.

- Preciso dormir... Acho que agora sim não falta mais nada pra acabar com minha noite.

A porta do seu dormitório estava entreaberta. Caminhou silenciosamente até sua cama, fechou as cortinas e largou-se no colchão.

"Ah, Scyena, onde é que você foi se meter..."

Revirou-se alguns minutos sob o cobertor, sentindo um vazio incomum, como se algo estivesse faltando. Sentou-se ereta forçando a mente para lembrar o que era e, de repente, com um acesso de raiva, ela lembrou.

"Merda! Esqueci meu travesseiro..."

-X-X-X-

Tudo parecia normal no salão comunal aquela manhã. Os estudantes conversavam sobre os investimentos junto à gerência do Gringotes, sobre o quanto seus pais haviam ganho com as ações em alta, sobre sua nova casa de férias em Copenhague, e os novatos do primeiro ano exibiam suas novas figurinhas com bordas douradas do Mago Bozz. A mesma garota de olhos vazios e tristes, sentada na poltrona mais afastada do salão, estava lendo um livro, como todos os dias.

Aqueles assuntos frívolos a irritavam, mas tentava não dar atenção a eles. Suas olheiras estavam mais fundas que o habitual, mas pouco importava. Não fazia questão de ser notada por ninguém, e para ajudar, ninguém nunca notava sua presença mesmo.

Ela fechou o livro, olhou em volta e respirou fundo. Teria que reunir coragem para ir ao Salão Principal tomar café. Com que cara olharia para o Professor Snape? Como uma coisa dessas podia acontecer justo com ela, que sempre evitou contatos, aproximações e coisas do tipo? Tinha medo dos relacionamentos. De todos eles quaisquer que fossem os seus tipos. Era tímida demais e crítica demais, além de ter segredos demais também. Não se permitia correr certos riscos e acabar novamente no seio de sua família.

Sacudiu a cabeça para afastar as lembranças.

"Você tem problemas mais urgentes para resolver agora. Pare de pensar na sua família."

E foi com este pensamento (e um gemido de tristeza), que guardou o livro debaixo do assento da poltrona e se retirou. O caminho para o café pareceu mais curto que o habitual. A cada passo sentia que seu coração acelerava em uma batida, e que suas mãos encheriam um caldeirão de suor. Podia ouvir as vozes dos estudantes conversando alegremente nas suas mesas. Parou diante da porta, fechou os olhos, prendeu a respiração e entrou.

Deslizou como um fantasma para a mesa da Sonserina, esgueirando-se pelas paredes a fim de passar despercebida. Mais do que nunca agradeceu por não ser uma pessoa popular. Sentou-se no lugar mais afastado da mesa dos professores, e olhou de lado a fim de conferir se estava a salvo de olhares indesejados.

Sua boca esboçou um meio sorriso ao ver que Snape não estava sentado em seu lugar habitual.

"Talvez ele ainda não tenha chegado. Ótimo."- pensou – "Melhor engolir qualquer coisa e sair daqui antes que ele apareça."

O bolinho de amoras estava a meio caminho da boca quando uma voz petrificou-a. Suas conexões neuronais deram voltas e voltas até que seu cérebro finalmente identificou o dono da voz. Apertou os olhos. Uma estranha visão de sua cabeça decepada rolando sobre o café perpassando sua mente.

- Quero a senhorita na minha sala depois do desjejum. – Snape se encontrava parado bem atrás dela. E pelo seu tom, ele estava naqueles dias de muito mau-humor.

-X-X-X-

Caminhou inerte como um andróide pelos corredores que levavam às masmorras. Sua expressão estava vazia, como sempre, mas sua mente parecia mais letárgica que o normal. Sentia-se como alguém condenado à morte no dia de sua execução. Não sentaria em uma cadeira elétrica, mas tinha a terrível impressão de que o lugar para onde estava indo seria muito semelhante.

Como explicar a uma pessoa cética como Snape, que o incidente não fora culpa sua? Contava com o fato de ser uma sonserina e era notório que ele encobria muitos erros dos alunos de sua casa. Mas dessa vez a transgressão o atingia diretamente, seria então possível que ele relevasse sua falta?

Subitamente lembranças da noite anterior afloraram em sua mente. Era quase inacreditável. Quando sequer imaginaria que veria Snape trajando algo a menos do que suas longas vestes negras? Era difícil saber o porquê, mas a visão da pele clara dele dava-lhe arrepios e ela não estava gostando nem um pouco disso. Snape era alguns anos mais velho do que ela, uns dois ou três, talvez. Começou a lecionar poções há dois anos, quando Scyena estudava o quinto ano de magia, e embora fosse austero e intolerante, atraía os olhares de algumas alunas.

O que ela achava mais estranho, era que lembrava-se vagamente de tê-lo visto uma vez no seu segundo ano em Hogwarts, quando Snape já se preparava para a formatura, e nessa época ele era bem diferente. Magro, franzino e com os ombros caídos. Quando retornou à escola como mestre de poções, ostentava um porte mais ereto e um tanto quanto mais robusto, além daquele ar irritante de superioridade.

Nunca sentira atração alguma por ele, embora não negasse que ele possuía uma espécie de charme, como se algum encanto proporcionasse o seu magnetismo. Achava meio suspeito que aquele homem tão anti-social, tão reservado pudesse despertar o interesse de boa parte da classe feminina da escola, mas depois da noite passada passou a achar totalmente suspeito. As roupas que ele usava não mostravam nem a metade da realidade...

Sentiu seu rosto corar. Subitamente, pensamentos de como ele estaria vestido quando entrasse em sua sala, afloraram-lhe na mente. Sacudiu a cabeça, censurando-se por permitir-se ter essas visões excêntricas. Sabia muito bem que era a pessoa mais estranha da escola, mas não precisava exageros... Pensar em vingança e isolamento dois terços do seu dia já era o suficiente. Mas pensar em Snape com dentes de vampiro a morder-lhe o pescoço, era apelação.

- Deus, você não tem mais dezessete anos, Scyena. Pare de pensar essas coisas... – Sua voz ecoou pelos corredores de pedra e ela repreendeu-se por falar sozinha tantas vezes. Quem a visse acharia que era louca, conversando com seus botões o tempo todo. Culpa dessa tal de solidão...

Dobrou um corredor e constatou que suas mãos estavam mais geladas que o habitual.

"Oh, merda, é aqui. Bem vinda à realidade, mocinha..."

Seu sangue havia abandonado-a completamente, alojando-se em algum canto escuro do seu estômago, e ela tinha certeza de que estava muito parecida com um fantasma. Encheu os pulmões, prendeu a respiração e bateu na porta.

- Entre – disse a voz de Snape abafada pelas paredes de pedra.

Suas mãos tatearam a maçaneta, mas hesitaram muitos minutos antes de girá-la, abrindo-a com um clique. Com a cabeça baixa, torcendo mais que tudo para que suas pernas continuassem a lhe obedecer, entrou no aposento. Snape esperava-a sentado em sua mesa, rabiscando algo num pergaminho. Assim que ouviu a porta abrindo, ergueu a cabeça, indicou-lhe uma cadeira e entrelaçou os dedos das mãos.

Ela olhou assustada para a poltrona que ele havia lhe indicado, os pensamentos sobre a cadeira elétrica voltando à mente. Parecia mais patética do que na noite anterior, sentando-se ali, quase que encolhida, como um animal acuado sob o olhar do professor.

- Explique-se...

N/A: E então, o que acharam do primeiro capítulo? Já estou aprontado o segundo e logo que eu terminar de revisa-lo ele vai ao ar, ok? Mas antes eu quero muitas reviews! ) Ah! Scyena não é uma Mary-soon XP Longe disso.

Aí vão as músicas que eu ouvi quando escrevi este capítulo: Eros Ramazzotti – Crisis; Wynonna Judds - I Wanna Know What Love Is, Scorpions – Under The Same Sun; e em especial Bugs – About You, no momento em que Sienna caminha para a sala de Snape. Gostei dessa música porque ela passa toda a sensação de letargia pertinente ao momento. Vale à pena ouvir. ;)

Agradecimentos a Thaíssi, minha eterna irmã e fiel beta-reader, a Katy, que ouviu a vida de Scyena horas a fio, e a João Luís, amor de todas as horas e porto seguro. Espero que vocês se divirtam com minha fic, porque eu também quero me divertir muito com suas reviews. Até! )