Caminhos Noturnos
N/A: Paramos nossa história num momento crucial. Chegou a hora de saber o que finalmente vai acontecer. Preparados? Os personagens de Harry Potter pertencem a J.K. Rowling. "Triste não é mudar de idéia. Triste é não ter idéia para mudar." Anônimo
Capítulo 2 – Monossílabos
– Explique-se – Snape disse lacônico. Ela sentiu-se irritada pela maneira com a qual ele se pronunciou. De alguma forma desejava um pouco mais de educação da parte dele, mas logo presumiu que ela mesma estaria muito brava se alguém tivesse invadido o seu quarto no meio da noite e depois fugido, sem ao menos dar uma explicação. Então essa idéia varreu qualquer resquício de coragem que poderia estar guardado no âmago do seu ser.
"Como vou contar a ele sem me comprometer?" O tempo passava e as palavras continuavam ausentes de sua boca. Ele mantinha-se imperturbável, sentado na sua cadeira, com os olhos estreitos cravados em cima dela. Seu ar impassível não ajudou muito, e Scyena sentiu-se enrubescer.
"Você parece uma criança, Scyena..."
Os olhos do professor transpareciam um desejo mudo de vingança, uma ambição secreta de punir a infratora, qualquer que fosse a sua explicação para o ocorrido. Uma transgressão como aquela, não poderia ficar impune.
Deduzindo que qualquer desculpa, incluindo a pura verdade, resultaria numa tentativa frustrada e só tornaria as coisas piores, optou por ser sincera. Se era pra ser punida, pelo menos teria a dignidade de defender-se com a verdade.
Tomando coragem, resumiu-se em duas palavras proferidas sem ânimo: – Sou sonâmbula.
Snape, que até agora havia comportado-se como uma gárgula, imóvel e apático, ajeitou-se desconfortavelmente na cadeira e olhou-a desconfiado, pondo um quê de incredulidade em seu olhar. Por um breve momento, Scyena notou que ele parecia surpreso, como se esperasse qualquer outro motivo além desse. Recobrando sua postura rígida, estreitou ainda mais os olhos.
– Tolice. – vociferou, lançando-lhe um olhar mortífero, ao que ela imediatamente encarou o chão.
Bingo. Como supunha, Snape não tinha acreditado. O que faria então? Não inventaria outra desculpa qualquer. Além de tudo, seria inútil. Ele estava cego de desejo por castigá-la. Sabia que a verdade parecia mais uma desculpa fajuta do que qualquer outra coisa, mas não tinha idéia de outra explicação, e não se daria ao trabalho de contestá-lo. Suspirou exacerbada.
"Diabo de homem cético..." – a cadeira parecia rígida demais ao seu tato. Mexeu-se aborrecida e olhou para o professor. O silêncio pesou no ambiente e Snape parecia escandir suas palavras.
– Que asneira... – disse ele finalmente, após um breve período em que ambos permaneceram calados.
Scyena sentiu-se indignada. "Você vai ficar aí parada ouvindo esse presunçoso ofender você? Você é adulta, Scyena, aja como tal!"
Pregou seus dedos nos braço da poltrona cheia de raiva. – Para mim não é asneira – falou por entre os dentes, tentando se controlar, mas sem obter sucesso.
Snape inspirou suavemente. A raiva de Scyena pareceu enchê-lo de ânimo, como alguém que atinge seu objetivo. Encostando o corpo no espaldar de sua cadeira, disse num tom sarcástico:
– Prove.
Seu estômago deu um nó. Só faltava mais essa. Provar que era sonâmbula se ser sonâmbula era a única prova para todos os seus "passeios" noturnos. Tamborilava os dedos no braço da poltrona, visivelmente chateada. Snape estreitou ainda mais os olhos e deu um sorriso com o canto dos lábios. Imaginou se ele estaria gostando de irritá-la, e para seu desespero, concluiu que sim. O silêncio mórbido e toda aquela tensão estavam lhe deixando fora do sério e ela começou a sentir um leve ardor na palma das mãos.
"Ah, não... agora não..."
– Prove – ele repetiu lentamente, decompondo as sílabas, como que falando com uma criança de dois anos ou com uma pessoa incapaz de compreender mais que três palavras seguidas.
Mordeu o lábio inferior tentando, em vão, conter a vontade louca de estrangulá-lo. Apertava a poltrona com tanta força que os nós de seus dedos estavam brancos. Aquele ar de superioridade que ele ostentava lhe dava ódio. Ela não queria acreditar que estava tão acuada diante de alguém que tinha quase a sua idade. Era ridículo. Sentiu a raiva brotando de sua pele em pequenas gotas de suor. Suas mãos esquentaram perigosamente, quase chegando a soltar fumaça.
"Ou eu saio logo daqui, ou vou me meter em problemas piores..."
Entrou em pânico. Do jeito que as coisas estavam, não conseguiria se controlar por muito tempo e acabaria revelando algo que definitivamente preferia manter em segredo. Havia se preparado para muitas situações de tensão, mas algo assim nunca passara pela sua mente. Se pelo menos ela não fosse a culpada disso tudo, talvez não estivesse tão nervosa, e aqueles olhos... Podia senti-los sobre si, cheios de ironia e malícia.
Não tinha como provar nada a respeito do seu sonambulismo, ainda mais para um homem que estava propenso a tomar como inverossímil qualquer palavra que saísse da sua boca. Sentiu um cheiro leve de fumaça e seu coração acelerou. Olhou desesperada para baixo e viu seus dedos fumegando. Despregou-os rapidamente dos braços da poltrona temendo que deixassem marcas.
"Droga, eu preciso sair daqui o mais rápido possível... Mesmo que não queira – e não saiba como - preciso dar a esse traste a maldita prova que ele quer. Qualquer coisa é melhor do que revelar meu segredo..."
Pegou-se bolando as mais variadas maneiras de tornar evidente sua inocência, mas todas pareciam realmente ridículas. Como provar a alguém que era sonâmbula sem ser vista num momento de crise noturna?
"É isso!" – pensou, suas reflexões finalmente chegando a uma conclusão – "Não posso provar nada a ele a não ser..." – um laivo de idéia brotou-lhe na mente enchendo-a de esperanças – "A não ser que alguém..." – era de todas as suas idéias, a mais plausível – Durma comigo. – Exclamou, satisfeita com suas conclusões, mas se arrependeu segundos depois, ao notar que havia extravasado seus pensamentos em palavras afoitas.
Caiu em si quando notou a atmosfera carregada do aposento. Ergueu os olhos e viu que o professor a encarava de um modo esquisito, num misto de espanto e incredulidade.
"Ah, de novo não..."
Estava impossível conter o ardor de suas mãos, e já sentia sua pele queimar insuportavelmente. Levantou de um salto e correu em direção à porta, abrindo-a bruscamente. Ainda manteve-se alguns instantes parada no umbral, tentando, em vão, encontrar palavras para remediar sua mais nova confusão, mas desistiu. Saiu do aposento como uma flecha, deixando um Snape atônito para trás.
-X-X-X-
"Merlim, eu sou um desastre..." – fechou a torneira e apanhou uma toalha. Suas mãos finalmente haviam esfriado e ficava grata por não ter denotado nada a respeito, mantendo seu fardo incógnito aos olhos do professor de Poções.
"Você fugiu de novo, Scyena..." – disse a voz em sua cabeça – Quer me deixar em paz? – retrucou azeda – "Você teve a desfaçatez de insinuar um convite imoral a Snape!" – continuou a voz – Eu não insinuei nada, ok? Escapuliu, foi um acidente! E a culpa é sua! Se eu não falasse sozinha tantas vezes, talvez conseguisse pensar em silêncio... Mas nãããoo... Você tem que me atazanar o tempo todo. Como quer que eu não cometa mais deslizes como esse?
– Er... tudo bem aí?
Scyena pulou meio metro e virou-se estabanada para a porta, onde encontrou uma menina olhando-a incerta.
– Você está bem? – repetiu a jovem, fazendo uma careta.
Sua boca abriu e fechou numa tentativa muda de responder. A garota sorriu com o canto dos lábios e sacudiu a cabeça. – Não precisa responder. – ela deu-lhe um sorrisinho amarelo e entrou num dos boxes.
Scyena jogou a toalha de qualquer jeito sobre a pia e saiu apressadamente do banheiro feminino, com aquela sensação desconfortável de vergonha.
Notou o salão comunal estranhamente vazio. Olhou para o relógio de pêndulo no fundo do aposento e o horário adiantado deu-lhe uma sensação de incômodo. O que aquilo significava? Forçou seu cérebro a pensar no que a incomodava, mas ainda estava abalada demais para raciocinar direito.
Sentou-se numa das poltronas, passou as mãos pelo rosto e suspirou. Estava realmente encrencada. Aquela frase escapulindo-lhe dos lábios na sala de Snape tinha tornado tudo muito mais difícil. Ser pega no meio da noite invadindo os aposentos de um professor e fazer-lhe uma insinuação um tanto incomum em menos de 24 horas, não a deixava numa situação muito boa.
"E minha intenção nem foi convidá-lo a nada... Bastava alguém como Madame Pomfrey pra tirar as conclusões necessárias. Era uma boa prova..."
Praguejou baixinho e jogou para longe uma almofada que lhe incomodava as costas.
"Eu sabia... alguma coisa me dizia que eu perderia o controle, mas não imaginava que seria assim... Diabos, como eu me odeio!"
Escorregou na poltrona e fechou os olhos.
"Tantos anos treinando pra ser impassível... Tanto tempo me esforçando para manter um isolamento do mundo, e eu perco o controle diante de um homem que tem o quê... 21? 22? 23 no máximo? Por Merlim, Scyena, ele é só um jovem como você!"
Mordeu o lábio inferior e cutucou o bordado da poltrona, arrancando um fio esverdeado. Ouviu os toques harmoniosos do relógio marcando 10 horas. 10 horas... A sensação de incômodo voltou a se apoderar dela.
"Mas o que é que... Ah, merda! Estou atrasada pra a aula!"
Entrou afogueada na estufa, e agradeceu por seus colegas estarem tão entretidos com a tarefa. Ao se encaminhar para um canteiro vazio, sentiu uma mão macia segurar-lhe o braço. Virou-se imediatamente e deu de cara com a Prof.ª Sprout.
– Miss Haze – disse a professora em tom ameno - em consideração à sua excelente nota na última prova, eu vou poupar-lhe a punição pelo atraso. Mas peço que não se repita, sim?
– Sim, professora... – Scyena respondeu num sussurro e o rosto roliço da professora de herbologia emoldurou um sorriso sincero.
– Muito bem... Estamos adubando as Beladonas, por quê não fica com aquelas ali? – disse ela apontando para um canteiro onde as plantas pareciam estar mortas – Aquelas ali estão bem fraquinhas e eu tenho certeza que você possui habilidade para cuidar delas... Vá, querida, vá.
As mãos da professora empurraram levemente suas costas e ela caminhou para o canteiro indicado. Tentou fixar sua atenção numa porção de estrume de dragão a ser adicionado no solo das Beladonas, mas era difícil se concentrar nas plantas, enquanto a voz de Snape martelava a todo segundo na sua mente. "Prove".
Suas mãos trêmulas seguraram com dificuldade um punhado de estrume e estava a poucos centímetros de colocar no canteiro quando a voz da professora atrás de si, quase fê-la pular.
– Use as luvas, querida.
O resto do seu dia não foi o que se poderia chamar de um dia maravilhoso. Considerava-o até normal, mas isso era esperado dentro dos seu estranho padrão de normalidade.
Fora a fatídica conversa com Snape pela manhã, ela havia tido aulas de Herbologia e Transfiguração, feito algumas pesquisas na biblioteca, almoçado pouco e jantado menos ainda.
As horas passaram sorrateiras e quando a bibliotecária anunciou que fecharia as portas, ela recolheu a montanha de livros que estava lendo e se dirigiu às masmorras. Atirou a mochila de qualquer jeito embaixo de sua cama e largou-se no colchão. Esfregou os olhos cansados, sentindo uma leve ardência em suas pupilas, pressagiando o sono que estava por vir.
Ergueu-se bruscamente e sacudiu a cabeça. Não queria sequer alimentar a idéia de dormir. Sentia arrepios ao pensar no que poderia fazer se, outra vez, viesse a dar um de seus "passeios noturnos". Levantou-se da cama, pegou uma toalha, roupas lavadas e entrou no banheiro.
A água quente deslizou pela sua pele alva e ela sentiu-se mais leve, mais distante do mundo. Desfrutava de cada minuto desses breves momentos em que podia ser ela mesma, despida das precauções e livre da máscara que era forçada a usar. Manter-se oculta entre tantas pessoas era difícil e cansativo. Havia vezes em que chegava a pensar em desistir e aceitar a sua sina, mas as palavras de sua velha tutora davam forças para que continuasse.
"Você não pode continuar fugindo do mundo desse jeito, minha filha. Você precisa viver a vida, estudar, aprender e com isso ficar mais forte. Só assim poderá se defender..."
– Só assim poderei me defender... – fechou os olhos. Precisava continuar afastada de todos, mesmo que aquilo lhe custasse a sua felicidade. Sua vida dependia de sua coragem e de sua persistência. As coisas que aconteceram em seu passado deveriam permanecer em sigilo absoluto e para isso, era preciso que se esforçasse mais para controlar seus ânimos. Um passo em falso, e todos os seus esforços iriam por água a baixo.
– Não posso mais perder o controle como hoje de manhã... Isso nunca aconteceu antes. Por que ele me desnorteia daquele jeito? Aqueles olhos... – sentiu um arrepio e desligou o chuveiro – Não posso mais dar motivos pra que ele me olhe daquele jeito. Preciso ficar longe, bem longe daquele olhar...
Vestiu suas roupas lavadas e entrou no dormitório. Algumas de suas colegas de quarto já se preparavam para dormir, mas nenhuma delas pareceu se importar com a presença de Scyena.
"Como uma pedra... É isso que sou para elas..."Minutos depois ela estava sentada em sua conhecida poltrona, lendo o livro que deixara sob o assento. Mergulhar na leitura era como encontrar uma rota de fuga no meio de uma perseguição. Agarrava-se a cada gota de conhecimento que os livros despejavam de sua páginas, nutrindo-se de saber, ávida por tornar-se uma mulher mais forte, como sua tutora havia lhe falado.
"Só assim poderá se defender..."
Era uma velha sábia e possuidora de um coração nobre e bondoso. Devia muito à sua generosa pessoa, e se hoje estava ali, vestida com o emblema de uma das casas de Hogwarts, era por mérito dela, que tanto lhe incentivou. Talvez, ela fosse a única pessoa que tivesse visto Scyena do jeito que realmente é.
Suas lembranças vagaram muito tempo pelos anos em que passou na companhia de sua tutora e na época tranqüila que viveu sob seu teto. E então, eles voaram para sua chegada em Hogwarts, o pavor que sentiu diante do desconhecido, seus primeiros dias de exclusão, seu sofrimento e a solidão que sentia dentro daquele castelo de pedra.
Os anos vividos na escola de Magia passaram como um filme diante de seus olhos. Havia crescido, sim. Mas não aproveitara os melhores anos de sua vida. Sentiu um aperto no peito. Olhou para suas mãos e praguejou baixinho.
"Preferia ter nascido sem vocês..."
Finalmente, seu pensamento chegou ao acontecido da noite anterior, passou pelo tórax descoberto do professor, pelos seus olhos negros, pela sensação incomum que sentiu enquanto corria pelos corredores, pelo tom nada amigável que ele usou no café da manhã e por fim chegaram, e ela não sabia o porquê, na visão do Snape vampiro. Teve que sorrir.
"Ou estou ficando louca, ou meu estado ultrapassa a insensatez."
Fechou o volume 3 de Maldições e Similares, desistindo de lutar por um pouco de concentração. O sono já pesava em suas pálpebras e forçou os olhos na tentativa de mantê-los abertos. Viu que o salão estava quase vazio, exceto por um casal conversando no sofá, e alguns garotos do segundo ano trocando figurinhas do Mago Bozz.
– Será que todo mundo coleciona isso? – disse irritada, e alguns garotos encararam-na aborrecidos, afastando-se dela, e sentando-se mais próximos de modo a esconder-lhe as figurinhas.
Pensou, mergulhada na sua sonolência, em como as crianças se viciavam facilmente em coisas tolas. Gabou-se por não ter sido tola, mas depois sentiu um vazio. E ela sabia o motivo desse vácuo em seu peito: nunca tivera uma infância.
Enfim, seus olhos se fecharam e Scyena percebeu, pouco antes de adormecer, que no fundo, até que teria gostado de completar todo o álbum...
-X-X-X-
N/A: E então? Não foi tão difícil assim, não é? Pelo menos não para nós, já para Scyena... Alguém quer figurinhas do Mago Bozz? hohoho
Trilha sonora: Kid Rock – Cold And Empty; Linkin Park – Faint; Nickelback – Someday; e Eva Cassidy – Time After Time. Enjoy!
Agradecimentos a Miri e Eowin Symbelmine pelas reviews! Continuem clicando ali no Go que eu vou ficar muito feliz! )
Até!
