4- Trama Contra Sirius
O sol mal saíra detrás da linha do horizonte quando Remus deixou o Salão Comunal com destino a enfermaria. Ele praticamente não dormira, mesmo tendo sido sériamente afetado pelas duas jarras de cerveja amanteigada. Se lembrava-se bem, nunca havia feito isso antes, ao menos não sozinho. E o álcool em seu sangue só não o desmaiou no sofá porque alguém insistia em não sair de sua cabeça: Sirius.
Moony interiormente achava ter mesmo sido melhor que James o tivesse encontrado ao invés dele. Não sabia se, ao ver Padfoot no estado em que o amigo havia visto, teria cabeça para ajudar e não piorar as coisas. Teria sem dúvida entrado em pânico, como Peter por exemplo, mas por razões bem distintas e as quais só ele conhecia.
Agora não tinha certeza nem se Madame Pomfrey lhe deixaria entrar para ver Sirius, mas queria que se o animago acordasse, ele fosse o primeiro a vê-lo e conversar com ele. Saber porque afinal de contas tudo isso aconteceu. Não era possível que Malfoy e Lestrange tenham tido tanta facilidade em capturá-lo e enfeitiçá-lo com o Chagas Corpus. E embora o rapaz tivesse uma certa tendência a ter confusões com sonserinos por causa de seu espírito fácilmente instigável, havia algo um pouco estranho nesse último incidente. Parecia ter dedo de terceiros e Remus queria averigüar direitinho, mas não antes de certificar-se de que seu secreto amor estava bem e ia se recuperar o mais rápido possível.
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Quando seu corpo involuntariamente se remexeu na cama, James abriu os olhos, enxergando tudo embaçado como todas as manhãs quando acordava sem seus óculos. Mas podia ver que o sol lá fora brilhava o bastante para lhe despertar um ânimo que ele não esperava ter depois do ocorrido na noite anterior. E foi então que viu que acordara com a cabeça nos pés da cama, e logo pensou na madrugada agitada de sonhos que deveria ter tido, ainda que não se lembrasse de nenhum deles. Mas podia até imaginar quem havia tumultuado seus devaneios noturnos, só pra variar: Lily. A simples presença dela em qualquer lugar que fosse, até mesmo em seus sonhos, o perturbava a esse ponto, literalmente o virava de ponta-cabeça. Entretanto, com isso ele já estava acostumado. O que não podia nem imaginar era a reação da garota após ter levado um bolo em seu primeiro encontro com o rapaz. Se Remus estivesse certo (e ele rezava pra isso), ela seria sensata o bastante para lhe dar outra chance. Mas, se ele pudesse saber o que se passa na mente de Lily Evans não teria dado tantas mancadas até hoje, então... sua única alternativa era levantar da cama e encarar aquele lindo dia como a hora de pedir mil perdões à ruiva e explicar-lhe exatamente o seu motivo, e bom motivo ele pensava, na verdade o único motivo que o faria não comparecer a um encontro com ela, a não ser que estivesse morrendo e totalmente impossibilitado de se locomover.
Ao abrir a cortina do dossel e pôr seus óculos, observou que as duas camas depois da sua, de Paddy e Moony, estavam como se ninguém houvesse dormido nelas. A de Sirius, é claro, estava assim desde ontem, e a não ser que o lobisomem tivesse levado a cabo a idéia de dormir no sofá do Salão Comunal, ele saíra muito cedo pra algum lugar. Na última cama, Peter tinha seu rosto totalmente enterrado no travesseiro, e ele se perguntou como o garoto conseguia respirar daquele jeito.
Depois de espreguiçar-se e ficar rolando de um lado para outro da cama, na tentativa de espantar o sono que ainda o forçava a ficar ali deitado, James pôs os pés para fora do dossel e se levantou num salto, para logo ir tomar banho e se aprontar para a longa jornada que tinha pela frente.
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-Lily... Lily, acorde, já está na hora, levante-se.
Ao abrir lentamente os olhos, que nem de longe exibiam aquele verde brilhante de sempre, Lily Evans se deparou com Cathy sentada ao seu lado, parecendo desconfortável em ter que despertá-la de um sono que ela custou muito a conseguir. Só para não deixá-la mais sem jeito a ruiva exibiu um sorriso para a amiga, que repetiu o gesto.
- Nossa, que horas são? Não me diga que perdi as aulas—
- Calma, não perdeu nada, nem o café, mas já tá na hora de levantar a não ser que você queira uma folga dessa manhã de sábado linda e maravilhosa...
- Ah, hoje é sábado...caramba, nem me toquei. Mas ficar aqui eu não vou, e o meu bom exemplo de monitora-chefe??- disse Lily, divertida, enquanto levantava-se. Cathy saiu da cama dela e foi terminar de arrumar seu cabelo em frente ao espelho. Suas outras companheiras de dormitório já não estavam mais lá, e Lily concluiu que realmente estava na hora de descer ao Salão Principal.
- Se você quiser ir descendo Cathy, eu ainda vou demorar um pouquinho aqui me arrumando.
- Ah, tudo bem Lily.- a garota sorriu simpática. Sabia que depois da noite passada ela devia estar querendo ficar sozinha pra botar a cabeça no lugar. E Lily também sabia que se precisasse poderia contar com sua cumplicidade sempre, então não havia a menor necessidade de ficar no seu pé o tempo todo.
Lily sorriu, tinha certeza de que a amiga queria deixá-la a sós com seus próprios pensamentos, e ela tinha toda razão. Olhou-se no espelho, olhou-se nos olhos, e perguntou-se o que devia fazer. Não podia, nunca pôde confiar em James Potter, mas do fundo de seu coração ela achou que ele fosse ao encontro. Era isso o que ele vinha tentando há tanto tempo, e justo quando ela resolvera aceitar... não só ele como seus amigos também. Amigos estes que foram o motivo pelo qual o rapaz não fora ao compromisso marcado por ela. Achava que o amor que ele dizia sentir fosse maior que a amizade deles mas, pela grande prova que tivera, estava enganada. E isso a deixava sem saber o que fazer. Não conseguia ignorar seu desejo pelo garoto, e não obstante, era difícil imaginar-se ficando sempre em segundo plano em comparação aos amigos dele. Era pedir muito ao seu coração taurino e cheio de possessão.
A única coisa que sabia era que tinha um dia inteiro pela frente e estava demorando muito pra dar o pontapé inicial. E se James não havia passado na primeira fase, talvez pudesse se redimir na segunda oportunidade. Quem sabe ela não lhe daria uma...
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- Madame Pomfrey?- Remus chamou sem-jeito, botando a cabeça pra dentro da porta da enfermaria e constatando a ausência dela. No entanto uma voz baixinha lhe chegou aos ouvidos e ele sabia exatamente de quem era.
- Ela não está aqui Moony, entre...
Lupin nem piscou antes de seguir adiante, numa grande expectativa em ver Padfoot acordado e perguntá-lo sobre a noite passada. Além de ter certeza de que ele estava ok.
- Sirius...- sussurrou ele, ainda impressionado com as cicatrizes em seu rosto e braços, as únicas partes visíveis de seu corpo- Você.. você está bem?
Ele sorriu. Era essa a capacidade mais especial de Padfoot, dentre as inúmeras que ele comprovadamente possuía. Sorrir, aquele sorriso gracioso, ou pervertido, mas sempre sorrindo em qualquer situação. Até quando tinha seu corpo coberto por feridas que ele não merecia de forma alguma.
- Estou, graças a vocês. Quem foi que me tirou de lá?- perguntou para o rapaz ao seu lado que lutava para não deixar a própria mão chegar ao peito do animago, onde ela insistia em querer ir.
- James...
- James? Eu achei que tivesse sido você... err- e pela primeira vez, Remus achava, viu Sirius ficando envergonhado e ligeiramente rubro.
- Não... eu estava ocupado e não dei importância quando ele perguntou de você e de Peter. Então ele foi procurá-los. E eu só fiquei sabendo depois que você já tinha sido trazido pra cá.
Paddy ergueu as sombrancelhas com enfado, um pouco de decepção passando por seu rosto. Lupin não quis questioná-lo sobre isso, mas dirigiu o assunto para o que realmente lhe incomodava.
- Sirius, o que exatamente aconteceu ontem? Por que Malfoy e Lestrange te atacaram com um feitiço tão poderoso? O que você fez—
- Não fiz nada Remus.- entrecortou ele, um tanto rudemente- Eles disseram que iam se vingar pela detenção que eu lhes fiz pagar mas eu não acredito muito nisso.
- Mas como eles te pegaram? Como caiu nessa? Você não é de cair em armadilhas—
- Não foi uma armadilha, meu amigo- ele interrompeu mais uma vez, com mais impaciência como se alguma coisa nesse assunto o deixasse assim- Eles deixaram bem claro o que queriam comigo e eu fui até lá, eu e o Peter. Se tivesse sido uma armadilha eu não cairia, com certeza. E acho que eles sabiam disso.
- Eles te chamam e você vai, assim? Bem Sirius Black, não é verdade....- disse Remus com ironia. Era impressionante como o animago tinha uma propensão enorme a fazer coisas que outros geralmente não fariam.
- Um acerto de contas e você quer que eu fuja como um cachorrinho assustado?- Sirius riu e se agitou na cama- Mas é claro que não!
- Não teria sido mais prudente chamar ao James ou a mim, por exemplo?
- Ah sim, e estragar o encontro dele com a Lily...
E dessa vez ele não terminou de falar quando observou a expressão contrariada de Lupin. Na hora ele se resignou em abaixar a cabeça e começar uma nada interessante brincadeira com o lençol que o cobria.
- Hum... como está ele?
- Está bem. Um pouco... frustrado, mas bem. Ele não te deixaria naquela situação nem que fosse pra casar com a Lily.
- Droga, é tudo culpa minha e da minha cabeçorra dura!- ralhou consigo mesmo, com um considerável murro na própria cabeça.
- Ei ei ei!- Remus pôs a mão firmemente sobre o punho de Sirius, tomando apenas o cuidado de não apertar sua ferida- Calma, a culpa não é sua e você teria feito o mesmo por ele. Somos ou não somos os Marauders?!- ele quis tranqüilizá-lo mas não surtiu o efeito esperado. Linhas de expressão tensas ainda transpassavam a testa do animago.
- Mas era o encontro da vida dele!
- E era a sua vida! Além do mais, ele vai ter outra chance!
- Como você sabe?
- Oras, quando ela souber o que aconteceu, certamente irá relevar.
- Hum...- resmungou, teimoso em aceitar os fatos.
Um breve momento de silêncio se passou antes que Sirius voltasse a falar, com um tom diferente embora ainda sério.
- Moony, tem alguém tramando alguma coisa contra mim.
- O quê?- Remus perguntou sem entender.
- Eu vi. Uma garota, ela estava conversando com aqueles dois sonserinos nojentos na hora em que eu cheguei. Eu ouvi ela dizendo o nome Sirius, mas ela estava de costas e saiu assim que eu apareci.
- Tem certeza?
- Sim... tem alguma ruiva na Sonserina? Ela era ruiva.
- Ah, deve ter né?
- Preciso descobrir quem é e o que ela quer.
- Sabe, eu já desconfiava disso. Os dois não iam se vingar dessa forma de você por causa de uma detenção. Eles nem têm inteligência pra isso.
- Vai ver é uma fã obssessiva!- exclamou ele cheio de si- Será que eu já dei um fora muito grosso nela? Pô, mas Chagas Corpus por isso? Caracas, preciso tomar mais cuidado com essas garotas... minha beleza as enlouquece!
Os dois caíram na gargalhada, como se estivessem no dormitório da Grifinória. E Remus não ousou discordar da última parte do que ele disse.
