6- Sol e Paz

A manhã de domingo podia nem estar tão ensolarada como a do dia anterior, mas pareceu muito mais bela à duas certas pessoas que tiveram uma noite particularmente boa.

Num dormitório masculino da Grifinória, havia um rapaz acordado. E não se tratava de ninguém menos que James Potter, encarando o céu através da janela mas não exatamente o observando. Na verdade encostara-se no batente da mesma para apanhar um pouco da gostosa brisa morna do amanhecer, antes de tomar banho e descer para o café, e acabara perdendo o rumo dos pensamentos mais rápido até do que o sol se distanciava da linha do horizonte em direção ao topo do firmamento. Isso dava-lhe alguma noção das horas; deviam ser quase dez, ou pouco mais. Isso não importava muito, ainda que quisesse aparecer no salão o mais rápido possível para encontrar seu, agora declarado, grande amor. Mas no momento, por algum motivo, deixara-se envolver pela luz do sol de tal forma que seu corpo estava tão leve, quase levitando, e a paz que se instalara em tudo o dominava também. E James tinha certeza absoluta que isso era devido ao seu tão almejado entendimento com a ruiva. Todos os acontecimentos conturbados dos dois últimos dias dissiparam-se e só restava alegria, pelo menos dentro dele.

- Prongs..?

O rapaz já de pé olhou em direção a quem o chamara. Era Moony, que ainda espreguiçava-se na cama.

- Bom dia, Moony.

- Acordamos tarde?- perguntou o lupino encarando-o com olhos semi-cerrados, ainda acostumando-se à claridade.

- Eu acho que sim... deve ser uma dez, dez e quinze por aí..

- Minha nossa...

James sabia que para Lupin era um pecado esse o de acordar mais de oito horas da manhã. Mas pelo que presumia, os últimos fatos também pesaram na resistência do rapaz e este mais do que precisava de uma noite de sono reforçada.

- Bem, vou tomar um banho rápido pra descermos pro café. Wormtail acho que vai até mais tarde ainda...

Ah sim... vai lá que vou logo depois.

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Uma explosão de risos veio de um pequeno grupo de garotas à mesa da Grifinória, no salão de entrada. Todas elas continham uma espécie de euforia atípica, mas o motivo de pelo menos uma delas fazia muito jus à sua alegria. A monitora-chefe Lily Evans estava esplêndida em sua primeira manhã depois do encontro com Potter, depois de tê-lo sentido de verdade após tanta angústia. Certamente já não se lembrava mais das lágrimas que derramara antes deste lindo episódio da noite de sábado. Aliás, todas os maus momentos envolvendo James Potter agora faziam parte de um passado que, embora não totalmente superado, começavam a ficar para trás com os empurrões de uma vida nova prestes a se iniciar, tudo indicava, ao lado dele. Embora seu principal temor a respeito desta futura relação continuasse a preocupar-lhe de vez em quando, achava que poderia passar por cima disso. Não era possível que James fosse tão estúpido ao ponto de, agora que estava com a faca e o queijo nas mãos, deixar tudo ruir por causa de seus amigos. Com Remus e Peter, ela sabia não ter empecílios, já que o primeiro não era tão adepto à bagunças, e o segundo era um mero papagaio imitador. O problema maior era com Sirius. Tinha certeza de que quando ele tivesse alta da enfermaria seus poucos, mas bons, momentos de paz iriam por água abaixo. Mas pelo menos agora não ia perder seu tempo pensando no que fazer sobre isso, já que neste exato momento seu amado surgia ao pé da escada de acesso ao salão com Lupin ao seu lado. Recebeu um leve cutucão de Cathy, que indicara com a cabeça a direção de onde vinham os rapazes, mas de repente descobriu-se extremamente envergonhada e com vontade de sumir. Ele a estava olhando.

- Olhe... lá está ela... minha Lily...- disse Potter como se recitasse um verso, totalmente exasperado pela simples visão da ruiva, que tentou disfarçar quando seus olhares se cruzaram.

- Sim, e ela ficou muito vermelha por sinal...- Lupin riu baixinho. Sentaram-se pouco afastados de onde a trupe feminina estava, mas de um lugar onde ele tinha certeza que James podia vê-la sem obstáculos.

- É uma graça mesmo... ela fica vermelha... que fofura...

Moony arregalou os olhos como quem diz "Eu hein!", pois as palavras de seu amigo pareciam não serem ditas por ele. Resolveu se concentrar apenas no café-da-manhã quando um contraste de cores à mesa da Sonserina lhe prendeu a atenção. Na verdade este contraste era oriundo por duas cores de cabelo extremamente intensas que acabavam de ficar muito perto uma da outra: um era o cabelo vermelho extra super intenso de uma garota, se duvidar mais do que o da grifinória para quem seu amigo simplesmente não parava de olhar. O outro, era um louro claríssimo vindo de uma cabeleira longa e lisa que ele reconheceria até debaixo d'água: Lucius Malfoy. E o fato de estarem próximas era porque os dois estavam, no momento, se beijando.

"- Sim... tem alguma ruiva na Sonserina? Ela era ruiva.

- Ah, deve ter né?

- Preciso descobrir quem é e o que ela quer".

Estas frases surgiram em sua mente como um relâmpago assim como a imagem de Sirius. Então, de fato, havia uma ruiva na Sonserina e ela, muito coincidentemente, estava aos beijos com um dos mentores do ataque que o animago sofrera na noite de sexta. Mas o que afinal ela teria a ver com seu amigo de cabelos longos e negros? Será que ele não estava exagerando quando disse que talvez já tivesse dado um fora na garota? Mas, pelo o que ele reparava agora, não devia ser isso. Ela era muito bonita. Ao invés de verdes como os de Lily, ela tinha nos olhos uma cor azul piscina de dar inveja a qualquer um. Seu rosto exibia sardas avermelhadas em praticamente todo pedaço de pele, mas eram sardas que pareciam ter sido desenhadas sob encomenda para sua face e seu tom cutâneo. Uma beleza que dificilmente seria desperdiçada por Sirius, resignava-se em aceitar.

Bem, de qualquer forma, seu amigo sairia da enfermaria pela manhã de segunda-feira, e com certeza poderia mostrá-lo a tal garota e ver se ele a reconhecia. Só então teria como saber se ela tinha ou não algo com o ocorrido entre ele e os sonserinos.

Quando sua atenção se voltou ao amigo que estava do seu lado, ele realmente estava do seu lado. Nem ele nem a ruiva Lily podiam ser vistos no salão, e imaginava que James não perdera tempo em sair para ficar a sós com ela.

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Aos olhos de qualquer aluno de Hogwarts, o novo casal grifinório era um dos mais improváveis, mas por outro lado um dos mais belos, se não fosse o mais. O jogador de Quadribol, sensação da escola ao lado de Sirius Black, agora sentava-se à base da árvore próxima ao lago, que se tornara famosa por ser o local em que os Marauders ficavam por horas ou apenas conversando, ou tramando. A cena não era das mais fantasiadas principalmente pelas inúmeras fãs espalhadas pelas quatro Casas: entre suas pernas, recostada em seu tórax, se encontrava Lily Evans, a monitora-chefe que até pouquíssimo tempo podia rosnar se o visse passando nem que fosse á vinte metros de distância. Como a vida deu esta volta era um mistério em potencial, mas só a quem realmente se importava com a questão. Porque os dois, sinceramente, pareciam ter sofrido um Obliviate que apagou todas suas memórias passadas em relação a isso.

Entre beijos, sorrisos e muito carinho, além de um sol que lhes dava a impressão de estarem num paraíso, os dois apenas conversavam coisas irrelevantes, assuntos leves que serviam para distrair. Mas sem saber James encabeçou um diálogo que deixou muito inquieta sua namorada.

- Sabe Lily, quem ficaria imensamente feliz em nos ver juntos seria Sirius.- disse ele, com um olhar sonhador ao horizonte- Tenho dó dele, trancafiado naquela enfermaria, sem poder aproveitar esse tempo maravilhoso... Madame Pomfrey ainda por cima resolveu dar-lhe alta justo numa segunda-feira, que maldade.

A garota nada respondeu. Encarou a grama verdejante sem interesse nem nesta e nem no que James acabara de dizer.

- O que acha de fazermos uma visita á ele? Padfoot se sentiu muito culpado por eu ter perdido meu primeiro encontro com você.

- Foi é?- indagou, sem muita emoção no tom de voz.

- É um cabeção. Claro que a culpa não foi dele, aqueles malditos que eu não quero nem citar os nomes... eles sim foram os culpados... fazerem aquilo, como puderam!

Evans sentiu todos os músculos de seu namorado retesarem e pode ouvir um leve ranger de dentes. Seu estômago, muito incômodamente, afundou alguns centímetros dentro de si.

- Por mim não há problema nenhum.- disse por fim.

- Então vamos lá, aposto como ele deve estar todo amuado sozinho.

Lily se ergueu e logo James também se punha de pé para, de mãos dadas, seguirem ao interior do castelo novamente.

"Tem uma formiga naquela parede ou é... ah, Sirius Black, você está enlouquecendo!"

Enquanto uma expressão totalmente desgostosa tomava seu rosto, o animago condenava mentalmente todo ser humano que estivesse curtindo aquele domingo ensolarado. Era muita injustiça, muita, que Madame Pomfrey fosse liberá-lo somente no dia seguinte, quando já teria que retomar as aulas normalmente. Sozinho naquele lugar, pois a aluna que sofrera um acidente com bulbos já se recuperara, ele se flagrava pensando e observando as coisas mais ridículas e sem sentido que pudera imaginar algum dia. Como agora, onde forçava a visão para ver se um pontinho preto na parede oposta era uma formiga ou uma mosca.

Seus amigos faziam muito mais falta do que ele geralmente achava possível. Pensava no que James, Peter e Remus estariam a fazer neste momento. Já se passavam das onze e meia, o calor era quase insuportável e ele mal podia se mexer na cama sob forte vigília da enfermeira. Mas os outros Marauders certamente deviam estar fazendo algo àquela hora. Aliás, pensou, não sabia nem como havia ficado a história com Prongs e Lily. Será que eles haviam se acertado finalmente? Ela teria dado uma segunda chance ao rapaz? Puxa, ele realmente gostaria de saber, pois ainda não conseguia deixar de sentir uma culpa lhe importunando a mente sobre este assunto.

E, como se uma transmissão de pensamentos poderosíssima tivesse acontecido, viu ninguém menos que James, acompanhado de perto (muito perto) por Lily Evans, adentrarem a enfermaria e seguirem sorridentes até seu leito.

- E aí Paddy, quando é que você vai levantar a bunda dessa cama hein!- zombou o outro animago, bem escrachadamente, cumprimentando Sirius com uma batida de mão típica.

- Há há há senhor James, quem ri por último ri melhor viu? Eu ainda vou sair daqui...- disse ele, como quem ameaça, retribuindo o cumprimento na mesma dose de empolgação.

Lily se aproximou e deu um tímido oi, que também foi retribuído.

- Bem, tenho uma grande e maravilhosa novidade. Ou melhor, temos, não é meu amor?- perguntou se virando à namorada, que esforçava-se para manter um semblante descontraído.

- Claro...

Os olhos de Sirius brilharam como os de um cachorro quando vê um biscoito na mão do dono.

- Não me diga que... vocês...

- Sim!- exclamou o Marauder de cabelos desgrenhados- Estamos namorando! Finalmente juntos como eu sempre sonhei!- e a ruiva não pôde deixar de contentar-se com esta última parte.

- Olha Prongs, eu... puxa, estou sem palavras... Lily... você fez essa pessoa muito feliz, tenha certeza disso...- dizia ele num misto de emoção com alegria.

- Oh sim...- respondeu ela com seu estômago nas costas- Eu... sei disso.

James deu um beijinho estalado na bochecha da namorada, com um sorriso de orelha à orelha. Dividir este momento fabuloso pelo qual passava com seus melhores amigos era incrível, era como se sentisse a alegria de cada um deles dentro de si também, como se fossem um só.

- Eu desejo de todo o meu coração que vocês sejam eternamente felizes e apaixonados!- desta vez foi o animago quem se exaltou. Prongs, em resposta, bagunçou seus cabelos. Era assim que fazia quando ficava encabulado demais para falar.

- Muito obrigado, Sirius.- agradeceu a garota, no auge de sua tentativa em ser ao menos simpática.

- Na verdade, -comentou James- eu tive receio de que você já soubesse. Achei que Moony já tivesse te contado, mas eu realmente queria ter o prazer de fazer isso.

- Ele não veio aqui hoje, ainda.- disse enquanto borboletas resolviam bater asas dentro de sua barriga.

Num brevíssimo silêncio, ouviu-se um estranho barulho emitido pelo estômago vazio de Prongs. Os três riram, Lily mais discretamente.

- Ok, meu relógio biológico está me dizendo que é hora do almoço...

- Ai pois nem me fale... e eu que tenho que comer aqui... tudo bem que é comida normal mas sozinho? Ninguém merece.- entoou com extremo desânimo.

James o encarou penalizado.

- Olha Paddy se você quiser...

- Não, de jeito nenhum! Vá almoçar com a Lily, não se preocupe comigo! Amanhã já estou fora daqui e... está tudo bem mesmo!- enfatizou ao ver o rosto contrariado do amigo.

- Então tá, vê lá hein!- advertiu ainda.

Depois de ser deixado só novamente, Madame Pomfrey entrou com o almoço, o qual ele acomodou no colo para começar a refeição. Gostaria muito da companhia de alguém mas jamais deixaria que James perdesse mais momentos com sua namorada por causa dele. Na verdade, quem poderia ter aparecido era Remus. Ficava apreensivo imaginando a que horas o jovem lobisomem iria visitá-lo. Apreensivo ou... ansioso? Talvez ambos. A questão era que ultimamente vinha desejando a presença do rapaz perto de si mais do que o de costume. Se era uma fase ele não sabia, mas ao mesmo tempo que este sentimento lhe era novo, parecia como algo que apenas foi desperto dentro dele, que estava apenas esperando para vir à tona. Seriam mais devaneios de sua mente desocupada?

"Ah Sirius, você tem que sair daqui logo..." pensou, balançando a cabeça negativamente com o garfo á meio caminho de sua boca.