Um sonho
A mente de Veronica acordou de súbito com inesperadas recordações. À memória vieram-lhe imagens de si em criança, da sua alegria, dos seus pais. Aproximando-se do presente, Veronica lembrou-se do seu sonho na noite anterior. Afundou-se numa corrente do seu passado, à medida que revivia o sonho.
Fechou os olhos. Uma pequena rapariga estava a chamá-la. Essa criança era Veronica em miúda. As semelhanças surpreenderam-ma - os olhos, a boca, o cabelo. Esta corria em volta da Tree-House como uma borboleta esvoaçante. Veronica desceu pelo elevador e abraçou-a. No meio do abraço apertado, a criança sussurrou-lhe no ouvido.
- É hoje - disse ela com uma voz cristalina que soava como música - Procura-me. Eles estão à tua espera. Avalon está à tua espera.
O abraço esfumou-se e os tons dourados da selva desapareceram com a criança, dando lugar a uma escuridão profunda. Veronica procurou abrigo na Tree-House quando viu que começava a chover. Infelizmente o tecto da casa tinha sido destruído por alguém. Chamou por Challenger, Malone, Roxton e Marguerite mas ninguém lhe respondeu. Por fim sentou-se sozinha ouvindo a chuva e abraçando os seus próprios joelhos como uma criança. Sentia tudo aquilo que sempre tivera medo de sentir - desespero, solidão e fraqueza. Mas acima de tudo sentia que tinha falhado algo, como uma missão.
As lágrimas turvaram a sua visão. Lentamente lutou para recuperar a consciência e para sair das suas próprias recordações. Forçou-se a abrir os olhos quando ouviu alguém a falar. Era Malone.
- Veronica! - gritou ele - O que é que se passa? Estamos todos a chamar-te!
Veronica demorou pouco tempo a recordar-se onde estava. Olhou em volta e viu que todos lhe retribuíam o olhar com alguma preocupação. Abanou ligeiramente a cabeça e viu a criança dos seus sonhos deitada na cama.
- Desculpa Ned - murmurou - Tenho de ir apanhar ar.
Virou as costas e saiu afastando-se da cabana.
- V? - quando Veronica se voltou viu que Finn a tinha seguido num passo rápido - Aconteceu alguma coisa?
Atrás dela, e para alívio de Veronica, vinham apenas Marguerite e Assai. Não sabia porquê mas não desejava partilhar as suas recordações com Ned.
Suspirou e levou-as até ao outro lado da aldeia, num canto afastado e seguro por baixo de uma árvore. Aí, sem se sentar, contou o sonho que tivera na noite anterior, omitindo apenas a parte final, achando que a imagem da sua fraqueza era demasiado pessoal. Quando acabou o silêncio substituiu a sua voz,
- Não compreendo - disse Finn - Estás-me a dizer que aquela rapariga és tu?
Veronica encolheu os ombros. Marguerite observou-a por um instante. De todos os momentos que tinha passado com ela não se lembrava de nenhum em que esta estivesse tão inquieta como se lhe tivessem a tocar em algo proibido. Já várias vezes tinham falado sobre a sua infância e sobre os seus pais mas nunca a vira assim. Controlou-se para não a encher de perguntas - compreendia que havia algo mais em relação ao sonho e à criança, algo mais profundo que nenhuma delas compreenderia. Talvez fosse apenas um sentimento enorme de tristeza e de saudade.
- O mais estranho - continuou Veronica - é que entrei num espécie de hipnose, num sono profundo, como se estivesse a ser obrigada a recordar o sonho. Tudo isso começou quando a criança olhou para mim.
As outras entreolharam-se, surpresas.
- Veronica - disse Assai carinhosamente - Ela não abriu os olhos. Os da minha tribo contaram-me que ela adormeceu profundamente desde que eu parti. Tenho medo que ela possa ter entrado numa espécie de estado de coma.
Veronica olhou-as demoradamente.
- Mas como não abriu os olhos! Eu vi-a! Os olhos dela são...tão iguais aos meus - disse ela tristemente
Ninguém respondeu. Era óbvio para todas que algo mais se passava ali do que apenas uma criança e um sonho.
- Assai - Veronica agarrou nas mãos da Assai - O que é que ela estava a dizer?
- Falou numa língua irreconhecível cuja única palavra que conseguimos descortinar foi... - Assai interrompeu-se e olhou ansiosamente para Veronica.
- Avalon? - perguntou Veronica. Assai acenou vigorosamente.
- Ela não vos disse mais nada? - perguntou Finn
- Não. Falávamos com ela e ela respondia apenas naquela língua estranha. Como falava em Avalon, eu conclui que a única coisa que poderia fazer seria chamar-vos. Pensei que talvez a Marguerite pudesse traduzir o que ela diz e talvez tu, Veronica, pudesses ajudar-nos a resolver este mistério, visto que isto obviamente relaciona-se contigo.
- Desculpa Assai. Desculpa não poder ajudar.
- Não digas isso. O teu sonho ajudou para perceberemos um bocado do que se passa. Acho que devemos apenas esperar que a criança acorde. Marguerite e Veronica, o melhor seria ficarem as duas a dormir na aldeia esta noite.
Ambas acenaram. Marguerite afastou-se delas e voltou para a cabana. Na entrada desta mesma, estava Roxton à sua espera.
- O que aconteceu? - perguntou ele.
- Parece que esta criança dá mais que falar. Ela ficou aqui esta noite e a Assai disse que esta falou numa língua bastante estranha para eles e conseguiram perceber a palavra "Avalon".
- Avalon? - exclamou John muito alto
Marguerite agarrou na mão de Roxton e puxou-o para longe da cabana.
- Não fales alto. A Veronica não quer alarmar o Malone neste momento. Ela já vos vai contar o que aconteceu. Bem de qualquer maneira eu e a Veronica resolvemos ficar cá esta noite. Se a criança acordar eu talvez possa traduzir o que ela diz.
- Eu também fico.
- Não - disse Marguerite - Tu vais para a Tree-House com o George, a Finn e o Malone. Não vale apena ficares aqui.
- Nem penses que me convences, Marguerite.
- Lord John Roxton, deixa de ser teimoso - sussurrou Marguerite com fúria - Não preciso de um cão de guarda! Acho que já te tinha dito isto antes.
- Marguerite, eu não estou a fazer de cão de guarda. Eu fico aqui para ver se negoceio mais um pouco de tabaco.
- Estás a mentir.
- Ninguém saberá - disse Roxton com um sorriso cheio de triunfo.
Roxton afastou-se até a cabana deixando uma Marguerite furiosa.
"É sempre a mesma coisa. Sempre o mesmo teimoso" pensou Marguerite enquanto avançava a toda a velocidade. Chegou ao pé de Veronica, de Assai e de Finn que continuavam reunidas com um ar sério.
- O que se passa Marguerite? - perguntou Finn interrompendo a conversa
- O Roxton quer ficar aqui durante a noite! - gritou ela - Ele deve achar que eu preciso de um anjo protector!
Marguerite continuou a falar, fora de si, não reparando que as suas companheiras esboçavam os habituais sorrisos de sabedoria.
