Título: Luz e Sombras
Por: Sissi
Casal Principal: Kagome/Sesshoumaru
Disclaimer: IY não é meu
Capítulo II
Quando se é criança, a noite, o escuro é bastante assustador. Monstros, vampiros e bruxas assombram os sonhos infantis, tornando-os pesadelos. Várias crianças, com o coração acelerado, batendo a mil por hora dentro do corpo, encolhem-se e se enrolam no cobertor, fechando os olhos o máximo possível, como se o simples gesto pudesse dissipar o temor.
As crianças são ingênuas, e, portanto, não se deve culpá-las por isso. No entanto, uma vez que elas crescem, e seus corpos se alongam e seus rostos amadurecem e ganham um formato mais adulto, esta pureza também é perdida. É como se elas deixassem de acreditar no mundo, e se tornassem céticas e pessimistas. Onde foram parar os sonhos e a singeleza de pensamento?
Como uma cachoeira, eles são levados embora por uma corrente muito forte. Os anos passam, a vida passa, e aquilo que fascinara tanto os anjos some como se nunca houvesse existido. Os adultos aprendem sobre o pudor, sobre a maldade, sobre a violência, sobre tantas coisas que é impossível não afundar no desespero.
O que acontece quando encontramos um adulto que ainda não perdeu esta pureza? É possível conservar este ser, ou será que ela será corrompida no final?
O que se deve fazer neste caso? Se alguém possuir a resposta, por favor, diga à humanidade, pois ela já está muito cansada disso. Ela quer paz, felicidade e, talvez, um pouco de leveza no coração e na alma.
Alguém, por favor, diga a resposta...
Os livros sempre fascinaram Sesshoumaru, devido ao estranho processo de viagem que eles conseguem produzir. Não é preciso passagem, nem dinheiro, basta saber ler e conseguir enxergar tudo com os olhos da mente. As páginas, cheias de letras pequenas e apertadas, conseguem produzir esta fantástica magia, e isso, ele tinha que dar o braço a torcer. Não existe nada igual.
Ele abaixou seu livro de capa verde sobre sua mesa de mogno, bem em cima dos prontuários de pacientes mais recentes. Sua mente havia acalmado consideravelmente após a leitura de seu livro favorito, e isso lhe trouxe um pouco de paz. Seus olhos se detiveram no título.
O Dia do Curinga.
Jostein Gaarder com toda a certeza era o melhor escritor sobre assuntos filosóficos, ele pensou. O enredo de suas histórias sempre foi magnífico, e o final sempre lhe trouxera uma reflexão sobre o mundo. Será que as pessoas poderiam ser como as cartas de um baralho? Ele coçou seu queixo pensativamente. Seria bem possível.
Mas, ele murmurou, ele não seria uma carta qualquer. Não, muito pelo contrário, ele seria o curinga, aquele que consegue enxergar o mundo com olhos diferentes. Ele seria aquele que possuiria a capacidade de analisar e refletir sobre a realidade. Sim, ele seria o curinga.
O relógio em cima da mesa indicou nove horas. O tempo passa com uma velocidade constante, e estranhamente, para cada pessoa, ou para cada situação, isto não parece ser verdade, como naquele momento. Duas horas e meia se passaram desde que ele chegara ao hospital. E o que estivera fazendo? Nada.
Suspirou um pouco, passando uma mão por entre seus longos cabelos. Bem, tinha que fazer algo, ou sua vinda teria sido inútil, e isto, ele não desejava. Sua presença nunca seria inútil. Relanceando sobre os prontuários, seus olhos se detiveram sobre aquele cuja paciente que ele operara alguns dias atrás. Qual era seu nome? Kaho? Kagome? Sim, era Kagome.
Abrindo a gaveta superior, ele guardou seu livro. Era hora de trabalhar. Segurando o papel entre seus dedos, ele se dirigiu à porta.
O relógio mudou de nove para nove e um.
- Vamos, está tudo bem, - Sango sussurrou carinhosamente, enquanto afofava o travesseiro e ajudava Kagome a beber um pouco de água. Ela bebia vagarosamente, pois sua garganta estava seca e o líquido doía ao escorrer de sua boca para o estômago. Suas mãos tremiam um pouco, mas ela tentava segurar o copo sozinha, como se para mostrar que não era tão frágil quanto uma flor, cujas pétalas acabavam de se abrir com a vinda da primavera, e que, com uma única rajada de ar, poderia se despedaçar em mil pedaços. Para Sango, no entanto, Kagome parecia uma flor de cristal. Ela conteve as lágrimas, e esperou sua paciente terminar de beber água.
Kagome era uma garota muito diferente, e provavelmente, antes do acidente, era feliz e alegre. Lembrava-se de como se encontraram naquela manhã. Seu coração acelerou subitamente. Quase morrera de susto!
- Tudo vai ficar bem, confie em mim, - Sango disse mais uma vez. A garota virou seu rosto em direção da voz suave desta enfermeira. Ela sorriu tristemente. Sim, tudo poderia ficar bem, mas sua vida já estava inteiramente mudada. Ah, como ela gostaria de que o tempo pudesse voltar atrás... Mas, suspirou, as leis da física não poderiam ser quebradas.
- Obrigada.
Uma mão suave roçou-lhe a mão, e ela sentiu seus olhos, agora inúteis, encherem-se de lágrimas. Esta enfermeira tem sido tão gentil...
Ela ouviu um som seco vindo de um canto do quarto. Ela franziu o cenho. Passos altos e distintos chegaram-lhe aos ouvidos, e ela prendeu a respiração. Suas mãos apertavam convulsivamente o travesseiro, que estava descansando sobre seu colo. Ela podia sentir seu pulso mudar de ritmo, ganhando velocidade.
- Pode nos deixar a sós, que agora eu cuidarei dela, - uma voz fria disse. Sango acenou afirmativamente com a cabeça e, dando um beijo no rosto de Kagome, abriu a porta e deixou o recinto, deixando os dois a sós. O médico e sua paciente.
Seu corpo ágil como uma pantera dirigiu-se para a garota que suava e mordia seu beiço. Ele sorriu maliciosamente. Ela parecia um coelhinho assustado diante de seu maior predador, o que não era muito diferente do caso, se bem que ele estava ali para ajudá-la. Ele tirou o estetoscópio que estava em volta de seu pescoço e pressionou a ponta do objeto metálico sobre o vestido branco, porém bastante transparente da garota.
Seu coraçãozinho disparara com o contato sem aviso prévio, mas lentamente, ele se acalmou. Ele não faria mal a ela, por que haveria? Ela abriu seus olhos, e virou seu rosto para ficar de frente de seu médico. A pressão do corpo dele ao seu lado era o suficiente para lhe indicar sua presença.
Os olhos dele estavam fixos no estetoscópio. Ele estava em silêncio, ouvindo atentamente seu coração. Este batia ritmicamente, sem sopros ou algo que pudesse indicar algum problema cardíaco. Ele retirou o estetoscópio, e começou a escrever sobre uma folha de papel.
Bulhas rítmicas normofonéticas sem sopros.
O contato não terminou, pois desta vez, o metal pressionava suas costas, no lado direito, e depois, no esquerdo, perto do pescoço. Lentamente, ele abaixava a campânula, continuando a ouvir seus pulmões.
Ele assentiu a cabeça para ninguém em particular.
Seus pulmões também pareciam saudáveis. Não havia líquidos dentro deles, o que era um alívio. Relendo o prontuário, o médico anterior havia escrito uma perfuração da cavidade torácica por um objeto afiado. Ele acrescentou logo em seguida: pulmões limpos, não lesados com o acidente.
Ele se virou para ela, e levou um susto.
Seus olhos abertos apresentavam uma das cores mais incríveis que ele já vira: azul-acinzentado. Ele prendeu a respiração e ficou, por um instante, paralisado. A caneta que segurava caiu no chão e rolou até a janela.
Ela piscou e molhou seus lábios. O que estava acontecendo? Como se saindo de um transe, Sesshoumaru fechou seus olhos, balançou a cabeça, e se levantou para recolher a caneta. Guardando-a no bolso de seu avental imaculado, ele se sentou ao lado dela mais uma vez.
Seus dedos longos e frios tocaram-lhe as faces, examinando sua estrutura óssea. Nada mal, ele pensou. Os ossos estavam inteiros. Seus dedos foram em direção à sua nuca. Nenhum calo aparente, se bem que era possível sentir um certo inchaço na região occipital. Ele afastou a pele abaixo dos olhos. A mucosa estava rosada, e seus olhos estavam normais.
- Abra a boca. Isso. Agora, levante a língua.
Kagome fez o que ele pediu.
- Pode fechar agora.
Ela fechou a boca, e ele continuou a examiná-la.
- Permaneça com seus olhos abertos.
Ele retirou uma pequena lanterna no bolso de seu avental, acendeu a luz, e direcionou o feixe de luz no centro da pupila dela. Suas pupilas diminuíram de tamanho.Ela ainda tinha o reflexo.
Mais uma vez, ele começou a rabiscar sobre aquela mesma folha de papel. O som de algo sendo pressionado e arrastado sobre uma superfície lisa fez com que Kagome se sentisse ansiosa. Seus dedos não paravam de se mexer, e ela conseguiu, a muito custo, permanecer sentada sem produzir nenhum som agudo. Ela podia sentir seu sangue ferver dentro de suas veias, como se o líquido pudesse pular para fora de seu corpo e jorrar infinitamente sobre a cama.
- Descanse um pouco.
Sesshoumaru se levantou e começou a caminhar em direção à porta. O coração de Kagome gelou. Ele não iria lhe dizer o que havia de errado? Ele iria deixá-la assim, sem nada de confortador para dizer? E a sua família? O que acontecera a ela?
Ela fechou suas mãos em forma de punhos.
- Ei! Você! Por que eu estou cega?! - Ela gritou, a frustração já bastante perceptível em sua voz. Seus olhos brilhavam de raiva, e seu corpo todo tremia de ódio. Como uma chama, ela se contorcia vivamente, consumindo oxigênio e reavivando o local onde se encontrava. O quarto parecia estar pegando fogo.
Ele se virou e fitou seus olhos, agora tão intensos quanto o mar durante uma tempestade. Sua mão, que estivera prestes a tocar a maçaneta da porta parou no meio do caminho. Ele olhou um pouco incrédulo para esta paciente, que demonstrava uma quantidade inesgotável de vida dentro de seu ser. Tanta raiva e determinação que o deixava desconfortável. Sua mão terminou o trajeto e agora descansava sobre a maçaneta prateada.
- Eu não preciso responder a suas perguntas impertinentes.
E com isto dito, ele abriu a porta e fechou com mais força do que era necessário.
O silêncio reinou sobre o quarto 133. Kagome abaixou seu rosto, e deixou que as lágrimas escorressem sobre suas faces. Fungando um pouco, e secando seu rosto com as costas de suas mãos, ela se levantou com pernas cambaleantes, e tateou as paredes. Seus dedos pressionavam com delicadeza a superfície fria. Quando ela encontrou a janela aberta, reclinou-se nela e gritou, com toda a sua força, nem um pouco ligando para o fato de estar parecendo com uma criança de cinco anos:
- Eu te odeio!!!
Seus pulmões ardiam com o ato, mas ela sorriu alegremente. Sua mente estava limpa. Seu estômago roncou, e com uma mão sobre a barriga, ela sorriu para o mundo, esquecendo-se do seu estado. Esta era a Kagome para vocês.
Editado em Dezembro
