- Capítulo Quinto -
A justiça é cega.
Tudo se fez negro num átimo. Com o fim da viagem, não se foi possível enxergar nada, porque onde quer que eles estivessem, o lugar era dez vezes mais escuro do que a Mansão dos Malfoy.
Draco depositou o corpo de Parvati com cuidado sobre um tapete estropiado e cheirando a mofo, castigado pelo tempo e pelo descuido. A bruxa ficou à espreita, tentando escutar os passos de Draco ou que ele fazia no escuro. De uma rápida piscadela sua, uma enorme e ofuscante lareira se acendeu bem à sua frente.
"Isso melhora as coisas" ouviu-se a voz arrastada do bruxo, depois que conjurou o fogo. "E não precisa começar a se desesperar, que você já vai estar se equilibrando nas pernas de novo. Viu só, afinal de contas, sou um Comensal generoso..."
Parvati rosnou em silêncio. Como era cínico... Malfoy apontou sua varinha para ela, e no mesmo instante, ela começou a dar pequenas tossidas. Recuperara a voz.
"A minha..." ofegou ela. "varinha"
"Ah" exasperou-se ele, como se estivesse entediado. "Você não sabe falar outra coisa?"
"Sei sim!" retrucou ela – ainda rouca – "Já que você não quer devolver minha varinha, podia pelo menos dizer o que está pretendendo fazer comigo"
Ele ergueu uma sobrancelha, com um meio sorriso. "Deuses, porque fui arranjar uma refém tão estraga-prazeres como você... Está certo, então comecemos do início:"
Ela se ajeitou no tapete, tentando não respirar a poeira.
"Em primeiro lugar," começou Malfoy. "e é bom que seja franca, quero saber quem a mandou entrar escondida na minha casa. E não perca seu tempo me dizendo que foi a mando do ministério!"
Parvati bufou, sinceramente cansada, e largou a cabeça no chão de uma vez. Paciência, ele está em vantagem... "Estou na Ordem da Fênix."
Malfoy arregalou os olhos. "Quê? Isso ainda existe? Está brincando, não é?"
"Não, é verdade" disse ela, simplesmente. "Foi Harry Potter quem fez questão de que ela continuasse. Agora funciona como se fosse uma espécie de ONG na comunidade mágica"
"Merlim" debochou ele, dando pequenas passadas pela sala sombria. "É claro que tinha que ser coisa do Potter!" Sem aviso, ele encarou o rosto de Parvati. "E o que você estava fazendo na minha casa?"
"Eu estava cuidando da sua busca, Malfoy" ela disse devagar, com exasperação, como se falasse a uma criança. "Você era um Comensal, certo? E foragido ainda por cima, e se caçamos ex-Comensais... Bom, eu fui lá investigar suas pistas e o resto você já sabe!"
Ele sorriu, desdenhoso. "Belo trabalho você fez"
"Certo," ela continuou, como se não tivesse sido interrompida. "agora posso saber uma coisa: que diabo de lugar é esse?"
"Não ouviu quando eu disse na lareira?" retrucou ele imediatamente; havia se sentado em uma das poltronas cobertas por lençóis brancos, como se tudo aquilo o entediasse e ele estivesse em uma visita particularmente fastidiosa.
"Grande diferença. Quero saber em que lugar do país estamos, ora essa!"
Ele revirou os olhos. "Little Hangleton"
Parvati crispou as sobrancelhas, e sentiu uma leve pontada em suas entranhas. "E por que veio pra cá?"
"Aí você já está querendo demais!" Ele cruzou os braços, acomodando-se melhor na poltrona gasta.
Ela o encarou, o reflexo das labaredas da lareira dançando dentro de suas pupilas dilatadas. Malfoy tamborilava os dedos no braço da poltrona, enquanto a outra mão ocupava-se em girar habilmente sua varinha. Teve um dèja vú: era como se estivesse vendo o monitor da Sonserina sentado a uma carteira da sala, esperando o início da aula de Poções... Tantos anos convivendo próximos... De quantas coisas ainda se lembrava? De muitas, ela sabia, porém, nunca deu importância. Não tinha motivos para isso.
Draco estava diferente agora. Ele tinha mãos bonitas.
"Até quando ficaremos aqui?" O silêncio começava a incomodá-la.
"Ainda não sei" O olhar do bruxo estava vago. Saíam fagulhas prateadas da ponta de sua varinha quando ele a sacudia com o movimento das mãos.
Ela inspirou o mínimo possível de ar, ou melhor, de poeira. "Eu não entendi até agora porque você se deu esse trabalho todo, Malfoy. De que adianta me trazer contigo?"
Mas o bruxo apenas se ergueu da poltrona. Suas vestes negras farfalharam pelo caminho e assim que ele parou diante do corpo da bruxa, esta sentiu todos os músculos do seu corpo se descontraírem. Ela mexeu as mãos devagar, sentindo o contato áspero do velho tapete, e nesse ritmo apoiou-se nos braços e se sentou no chão.
Malfoy estendeu uma mão para ela. "Venha"
Ela encarou os olhos dele, estavam tão cinzentos quanto o céu da madrugada lá fora. Segurou sua mão, os dedos dele estavam gelados.
As pernas fraquejaram quando se pôs de pé, e ela receou – contrariada – que a causa disso foram os milímetros que separavam o seu corpo do de Malfoy.
Ele se afastou ligeiramente, as mãos ainda unidas. "Pensei que você soubesse" ele falou, suave e arrastado. "E além do mais, eu teria te matado se não tivesse te trazido"
Os dedos de Parvati escorregaram pela palma fria da mão de Malfoy sem que ela percebesse. O rosto dele estava muito perto. O suficiente para que seus olhos se perdessem daquela forma ávida sobre seus traços bem feitos. E como eram belos... muito mais do que naquelas fotografias. Porém, ele estava muito mais pálido. E magro também.
Merlim, onde estou com a cabeça?
"Não pense que eu desisti do que vim fazer, Draco Malfoy. Eu posso estar sendo sua refém, mas não se esqueça que eu também estou atrás de você. Se você fugir, eu o denuncio, e vou atrás se precisar" Ela chegou mais perto, o olhar triunfante.
Fez-se um sorriso malicioso na face de Malfoy.
"Precisamos de um acordo, meu caro" continuou ela. "Se nenhum dos lados quer ceder..."
"Acordo?" debochou ele.
"Sim. É a única coisa que te peço. Quero uma chance, só uma chance, se você não for me matar. Um duelo, o último"
"E se eu não concordar? Afinal, eu não pensei em acabar as coisas assim..."
Parvati ficou em silêncio, demasiado nervosa.
"...mas até que pode ser divertido" Draco deu as costas a Parvati. Posicionou-se. Jogou-lhe a varinha.
"Boa sorte" Sorriu.
Ela pegou a varinha no ar.
"Que o destino se cumpra, então" e sorriu de volta, tão radiante quanto ele.
Encararam-se.
"Imperio!"
Parvati desviou-se. "Estupefaça!"
Foi por um triz. Ele sorriu de novo, apontou a varinha e se aproximou dela rapidamente.
Um jato de luz violento jorrara pela varinha do bruxo e fez com que Parvati se desequilibrasse. Ela lançou um feitiço nele mesmo assim.
Também por pouco não o acertara. A parte detrás do joelho da bruxa havia esbarrado no braço de uma das poltronas e ela bateu com as costas na parede. Draco foi até ela. E eles trocaram mais feitiços.
Estavam próximos. Ela parou. A ponta de sua varinha quase roçava a jugular de Draco. A dele, entrementes, pairava trêmula entre os olhos da bruxa.
Ofegavam. Cinza e negro. Presos. Fixos.
Empataram?
Nunca souberam.
Draco empurrou com violência o braço estendido da morena, enquanto baixava a própria varinha. Parvati mal tivera tempo de arregalar os olhos...
Extinguiu a distância que os separavam quando a puxou pelas vestes. Fora tão grande o baque dos corpos que ele quase caiu para trás.
Ela se segurou em seu pescoço enquanto que seus lábios foram de encontro direto aos dele. Paralisou-se de choque. Atônita, a mente vazia, Parvati sentiu-se estremecer com o contato úmido dos lábios de Malfoy. E tinha os olhos saltados das órbitas quando, antes que o fôlego lhe faltasse totalmente, o bruxo se afastou.
Mas a pouca distância que a separava do rosto pálido dele fora quase uma tortura. E piorou quando Malfoy se inclinou desgraçadamente devagar para ela. Os lábios se roçaram pela segunda vez, entreabertos, numa lentidão dolorosa que implorava por um contato maior...
E um desejo insano explodiu dentro de Parvati. Mal sentiu quando suas mãos agarraram os cabelos da nuca de Malfoy, e seus lábios tomavam a boca dele num beijo faminto.
Por todos os demônios do inferno, o que estava fazendo? Ela gostaria de saber, ou melhor, entender... Entender a si mesma, o que a tinha levado a se sentir atraída daquele jeito por alguém como Malfoy... Um dos primeiros mandamentos da Ordem: jamais se envolver afetivamente com sua "vítima". Deuses, a vítima ali era ela mesma...
Draco a agarrou pela cintura enquanto a conduzia para parede mais próxima. Chocaram-se ali, as mãos dele embaralhando-se nos longos cabelos da bruxa.
Era como se nunca tivessem duelado, como se não estivessem ali como fugitivo e captor, mas que fosse apenas um encontro de dois amantes que não se viam há tempos. Parvati estava arrebatada da realidade, sentia-se presa pela boca, e principalmente, assustada com consigo mesma.
Sim, assustada, temerosa dos próprios sentimentos.
Poderia ela estar levando aquilo longe demais? Provavelmente sim, mas foi involuntário...
Parvati Patil estava apaixonada. Pela primeira vez na vida.
CONTINUA
