– CAPÍTULO SEXTO –

Espere-me amanhã


As capas negras rodeavam os pés deles ao chão. A trinca das janelas rangeu com o vento agudo que soprava madrugada a fora, e o ar da sala de visitas estava ligeiramente mais frio, sendo que o fogo da lareira oscilava de tempo em tempo, quase que imperceptivelmente. Porém, quando uma das janelas se escancarou de vez, deixando uma forte e gélida rajada de vento adentrar, as chamas douradas quase se apagaram, mas voltaram, timidamente, e sem demora, ao mesmo ardor de antes. Parvati sobressaltou-se diante da escuridão relâmpago que se fez. Ela sentiu a pele de Draco Malfoy arrepiar-se de frio sob seus dedos.

Estremecendo ligeiramente, a bruxa de ascendências indianas intensificou o abraço no rapaz louro, e afundou seu rosto na dobra do ombro dele. Ainda permanecia "encurralada" naquela parede em que, pelo que já parecia, o seu ex-oponente a havia empurrado. Este pareceu indiferente ao tempo irregular que se fazia lá fora, pois nem ao menos se deu ao trabalho de olhar para as janelas. Ele beijou o pescoço de Parvati, dando pequenas mordiscadas estratégicas, enquanto uma de suas mãos entranhava-se pelos cabelos da nuca da morena. Parvati, a respiração entrecortada, afundou novamente a face no ombro do rapaz quando ele subiu os lábios até o lobo de sua orelha...

No mesmo instante, os olhos esgazeados, a bruxa virou seu rosto de supetão e encontrou os lábios dele. Sentindo um ardor de dominação e posse, como se ela quisesse tudo o que Draco sentiu com ela para si, e fizesse tudo o que ele havia feito, Parvati o apertou com força e inverteu suas posições, deixando-o contra a parede. Sentiu Draco sorrir contra seus lábios. Arrebatada, ela começou a trabalhar freneticamente nos botões da camisa dele, e ele não demorou a fazer o mesmo com ela.

Parecia que o inevitável iria mesmo vencer a prudência de Parvati. E naquele momento ela era toda fraquezas. E impulsos. E sentidos. Oh, adorável fraqueza! Ela dolorosamente sabia que toda aquela loucura traria problemas de grandezas inimagináveis, e também que se arrependeria dolorosamente mais tarde. Tudo era dor. Ela sabia, ela via dor no próprio destino. Sim, a saudosa Profª Trelawney não havia se enganado quando disse que a menina tinha o dom da Clarividência. Parvati interessou-se pelo futuro desde muito cedo. E também não fazia muito tempo que a moça começou a interpretar suas visões sensatamente, da maneira correta, ao contrário do que acontecia nos meados de sua adolescência. No entanto, a pele de Draco tornava-se cada mais luxuriosa contra a sua à medida que sua consciência clamava para que o empurrasse para longe, e a boca dele mais convidativa cada vez que ela pensava em se afastar.

"Cuidado, Patil" fez a voz rouca dele, como se captasse os pensamentos da bruxa. "Isso pode ser perigoso..."

Ela o encarou de perto. "Como assim? Foi você que começou"

"Sim, mas, ao contrário de você," Ele passeou a ponta dos dedos pelas costas de Parvati, sob a blusa semidesabotoada, e chegaram até o fecho de seu sutiã. "eu não tenho nada a perder"

"Que isso? Um enigma para cima de mim?" riu ela, quando ele roçou os lábios nos dela. "Deixe-me adivinhar o que você está pensando: aplicar um golpe, quiçá uma armadilha de sedução... Ou então, humm, melhor ainda: um homicídio sanguinário quando chegarmos ao clímax?"

Eles riram. Era a primeira vez que ele ria sem aquele ar de escárnio.

"Minha criatividade certamente não está limitada a este tipo de coisa" Draco falou, e puxou Parvati pelo braço. Ela lançou-lhe um olhar de censura que fora quase como se assustado, mas não se esquivou. "Além do mais," Atirou-a indelicadamente em um dos sofás cobertos de lençol branco. "minhas pretensões são muito mais interessantes do que um simples homicídio..."

"Eu não sei o que eu tenho na cabeça para agüentar uma delicadeza em pessoa que é você" comentou Parvati, de baixo, um sorrisinho sarcástico brincando nos lábios.

"Ah, é?" debochou ele, quase que meigamente. "Pois eu vou te mostrar o que você tem..."

Ajoelhou-se entre suas pernas dela bem lentamente, até ficar de quatro. Quando seus rostos ficaram separados por milímetros, e eles se olharam pela última vez, por um segundo, por apenas um mísero segundo, seus lábios se roçaram.

Porque neste exato momento, nós de dedos socaram a madeira do que só poderia ser a única porta de fundos da velha Casa dos Riddle.

Ambos os bruxos olharam automaticamente para a área sombria originária do som, alertas. Draco ficou novamente de joelhos sobre Parvati, os olhos passeando das janelas rangentes até o corredor sombrio que daria a tal porta.

Bateram outra vez.

Draco e Parvati se entreolharam.

"Fomos descobertos?" Ela murmurou.

Draco apenas a olhou, enigmático, e passou o olhar por uma das janelas que estavam abertas. Parvati se lembrou de quando eles estavam na mansão dos Malfoy e ouviram os trotes de cavalos. Draco estava daquele mesmíssimo jeito. Ela esperou ele falar – ou fazer – alguma coisa.

"Só pode ser alguém que eu já conheça..." ele disse, mas tão internamente que não passou de um murmúrio, e Parvati quase não ouviu.

Os nós socaram a porta com mais violência. Parvati se levantou também. Draco não olhou para ela.

"É melhor eu ir até a porta, e você se esconde em algum lugar"

"Não" ele interpôs no ato. "Quem quer que seja vai me encontrar de qualquer jeito, aqui não dá para desaparatar"

"Mas e a lareira?" ela arriscou.

"Quem quer que esteja lá fora ouviria se eu usasse o flú... Não, tenho uma idéia melhor: você vai até aquela janela e tente ver alguma coisa"

Parvati foi até a janela indicada por Draco, a que estava escancarada pelo vento. Espreitou discretamente, a cabeça ligeiramente inclinada para além das cortinas.

"E então?" Draco havia se aproximado.

"Acho que é..." ela murmurou. "uma mulher"

Ele franziu ligeiramente a testa. "Está sozinha?"

"Não vejo mais ninguém..."

Rapidamente, o rapaz rumou para o corredor escuro que daria a porta. Parvati correu atrás dele, mas quando ele parou, a moça espreitou de longe, na dobra do corredor.

Draco abriu a porta devagar, e suas vestes foram salpicadas de chuva gelada. As sobrancelhas do jovem sumiram pelas franjas louras.

Do lado de fora, sob uma longa capa de chuva de couro negro e miseravelmente encharcada, uma mulher alta, quase do tamanho de Draco – que já era alto –, a pele branca e pálida como cera, os olhos cinza-azulados extremamente claros e cabelos louros presos para trás da cabeça, cobertos pelo capuz da capa, encontrava-se – como havia falado Parvati – totalmente sozinha. Ela deu um pequeno sorriso ao ver a expressão de Draco, mas seus olhos permaneceram frios, indiferentes...

Era Narcisa Malfoy.

"Não vai convidar sua mãe para entrar, filho?"

Parvati vislumbrou o vulto dos dois nas sombras, se aproximando. Ela andou até o meio da sala, abotoando rapidamente os botões de sua blusa e ajeitando os cabelos.

"Você está sozinha?" Draco se voltou para a mãe enquanto caminhavam.

Narcisa sorriu para ele. "Claro que sim, Draco. Ora, não confia mais na sua mãe?"

Draco crispou os lábios. "Mas como a senhora..."

Mas Narcisa ergueu uma mão no ar e o fez se calar. Ela havia avistado Parvati. Aproximou-se da morena, deixando o filho para trás.Tinha uma expressão intrigante de surpresa. Seus lábios esboçaram um ar de risinho desdenhoso muito semelhante ao de seu filho, quando ele o fazia.

"E você...? Quem é?"

Parvati engoliu em seco.

"Parvati Patil, senhora" respondeu cortesmente, sem desviar o olhar.

Narcisa olhou para o filho. Obviamente para obter mais explicações. "Bem... devo dizer que você me surpreende, filho"

"Não, senhora, acontece..." começou Parvati, mas logo fora interrompida.

"Isso é uma longa história, mãe" disse Draco, secamente. "Se a senhora fizer questão, eu mesmo a contarei mais tarde" E lançou-lhe um olhar significativo.

Narcisa olhou para os dois, altiva. Suspirou. "Perfeitamente". Mas Parvati sentia que, remotamente, a Sra. Malfoy estava deveras incomodada com sua presença. E por um lado, ela a compreendia. "É evidente que eu ficaria curiosa de encontrá-lo aqui acompanhado, meu filho, visto sua atual situação, mas... aparentemente, as coisas por aqui andam tranqüilas, não é mesmo?" Ela sorriu de leve. "Bem... espero que assim seja, de qualquer forma" Olhou atravessado para Parvati. "Mas eu ainda não disse para que vim, Draco"

"Primeiro," disse Draco, encarando as costas da mãe, que resolvera dar uma pesseadinha pela sala. "que tal começar dizendo como chegou aqui?"

Ela ignorou o filho.

"Querida" dirigiu-se a Parvati. "Eu preciso ter uma conversinha particular com o meu filho. É claro, se não se importar" Acrescentou, com um sorrisinho que não atingira os olhos.

Parvati olhou para Draco. "Como quiser, Sra. Malfoy. Eu... bem, eu preciso ir de qualquer forma. A senhora sabe que horas são?"

"Quatro e quinze da manhã" respondeu Narcisa imediatamente.

"Obrigada" fez Parvati, séria. "Com licença"

"Mãe" Draco interpôs. "Me espere aqui, eu vou acompanhá-la"

Parvati apanhou a capa de sua veste no chão, e neste momento, sem pensar, ela preferiu evitar o olhar de Narcisa. Draco a puxou pela mão até o corredor por onde ele entrara com sua mãe.

Chegaram em frente à porta de fundos, e Draco se virou para a morena.

"Você vai mesmo embora?"

"Eu preciso mesmo ir. Por quê?"

"Como por quê?" Draco exasperou-se. Parvati enrugou a testa.

"Draco," começou, abaixando a voz. "eu tenho compromissos na rua, de qualquer jeito teríamos que nos separar"

"Será que você ainda não entendeu?" ele olhou para além da cabeça de Parvati como se quisesse avistar a figura da mãe. "Como iremos nos separar assim se não tem nem meia hora que você estava dizendo que me entregaria ao ministério?"

O lábio inferior de Parvati pendeu. "Mas... Draco... Você acha que depois de tudo isso, eu me arriscaria a denunciar você? Querido, eu e você estamos enrolados nessa história até o pescoço! Eu não faria isso. Ainda mais agora... Acredite se quiser"

Ele sorriu e girou os olhos para o teto.

"Promessas não bastam, Patil. E eu não acredito em você"

Parvati cruzou os braços e suspirou. "Certo. Deixe-me lhe contar uma coisa, Malfoy: eu não sou a primeira da Ordem da Fênix a acobertar uma fuga. Quim Shacklebolt já fez isso. Era ele quem cuidava da busca de Sirius Black"

"Mas eu sei que o Black, de qualquer forma, já pertencia a Ordem" retrucou Draco.

"Mas continuava sendo irregular" disse Parvati. "E mesmo assim, era o dever de Quim denunciá-lo. E se quer saber, eu faria o mesmo por você, Malfoy. Eu... eu não te beijei a toa, sabe?"

Por algum motivo, a maçaneta que quase não dava para se ver da porta pareceu interessante aos olhos de Parvati. Permaneceu olhando para ela, enquanto praguejava silenciosamente a quentura que lhe subiu às faces.

"Olha, Patil, a questão é que a coisa é séria demais para ficarmos pondo em cheque nossas honestidades" Ele esticou as vistas para a sala novamente, verificando se sua mãe estava próxima ou não. "Precisamos de um pacto"

Ela ergueu os olhos. Em silêncio, esperou ele continuar a proposta.

"Você se compromete a encobrir minha fuga, dizendo para sua Ordem que continua me procurando e investigando meus passos. Pode até dar informações falsas para despistar. E eu... bom, eu me comprometo a mantê-la informada de todos os lugares em que eu estiver, sempre, em qualquer ocasião"

"E como vou ficar sabendo?"

"Você verá" sorriu ele. "De acordo?"

Hesitou por um momento, para ver se lhe ocorria alguma idéia que contradissesse a proposta, mas fora em vão. Sem um mínimo resquício de sorriso na face, ela endureceu o olhar em cima de Draco e apertou sua mão estendida.

"Espero que isso dê certo..."

"E eu espero que você se comporte como se deve" disse, com um misto de autoridade e ironia. "À minha maneira, é claro"

Parvati não conseguiu conter um riso, e neste momento, Draco a puxou pela mão. Beijaram-se rapidamente, para o caso de Narcisa estar à espreita.

"Quero que volte aqui amanhã, às oito da noite. Eu vou te esperar ali na sala. Venha por esta porta, certo?"

"Amanhã?" hesitou ela.

"Isso mesmo. E não aceito desculpas e nem atrasos"

Parvati esboçou uma careta de desdém para ele.

"Eu não sei o que minha mãe está querendo comigo," continuou ele. "embora eu já imagine, é claro. Eu vou estar esperando aqui mesmo, nesta sala"

"Está certo, moço" ela sorriu com ironia. "Eu invento alguma desculpa se precisar"

Ela se virou para a porta e girou a maçaneta.

"Até amanhã" ele disse.

Parvati virou o rosto para trás.

"Até"

Mas Draco se aproximou e apertou os próprios dedos nas faces de Parvati; beijou-a nos lábios. Foi o suficiente para ela se derreter. Desistiu de cruzar a soleira da porta e se voltou completamente para ele, envolveu-o em seus braços e o abraçando de maneira sôfrega. Sim, somente agora ela se deu conta de que estavam se despedindo, e que seus planos poderiam dar errado, e que eles podiam até mesmo nem se encontrarem mais...

Apenas suposições, é claro.

Suposições que insistem em torturar a mente em horas como essas.

Tristes suposições...

"Me espere amanhã"

E eles se separaram.

Parvati sentiu notas trêmulas de uma estranha esperança quando disse aquelas palavras.

Já estava em meio ao jardim encharcado próximo à soleira da porta quando ouviu um clique dela mesma. Virou a cabeça para trás rapidamente, para se deparar com ela fechada. Suspirou.

Pingos espessos de chuva gelada fustigavam sua pele. Ela pareceu não se importar, ainda que soubesse muito bem que não podia nem iria se demorar por ali. Apertou as vistas contra as gotas que escorriam de sua testa e tentou – só por curiosidade – enxergar o portão principal do casarão.

Estava bem na frente...

Era alto e terrivelmente fúnebre, e parecia ainda pior sob todo aquele cenário tempestuosamente cinzento, com direito a todas as variações tristes de azul do céu que tentava amanhecer. Um raio luminoso cortou o céu, embora Parvati tenha escutado somente o barulho do trovão que se seguiu. Aquele jardim era realmente enorme.

Talvez por isso fora tomada por aquele vazio. Estava vazia e fria por dentro. Solitária. Como se ter se separado de Draco há poucos segundos atrás houvesse lhe provocado todas aquelas sensações.

Céus...

Ainda se sentiria assim quando chegasse em casa?

Parvati abriu um melancólico sorriso. Era surpreendentemente estranho pensar em sua casa após esses momentos de prisão. Apenas uma madrugava e ela se via numa verdadeira reviravolta interior. Um caos entre razão e emoção. Parvati estava comprometida em lealdade tanto a Ordem como a Draco Malfoy. E ela amava. Pela primeira vez na vida, Parvati sabia o que era amar uma pessoa de verdade, de uma forma totalmente diferente do que estava acostumada em vinte e um anos de vida, diferente de seus namoricos tolos e tediosos, em que ela escolhia suas vítimas a dedo e logo as descartava, à medida que eles a aborreciam.

Seria leal a Malfoy.

Em pensar que ela ficara horrorizada quando soubera de Shacklebolt...

Antes que se fizesse um novo e estrondoso barulho de trovão, um pequeno ruído de craque cortou o úmido amanhecer de Little Hangleton.

Parvati desaparatou.


CONTINUA...