Capítulo II

-Não é a primeira vez que eu ouço essa palavra. – Elliot comentou divertido. –O que é esse tal de Malfoy? Alguma nova gíria britânica que eu desconheça? – perguntou confuso e Hermione olhou para Harry, buscando respostas, enquanto Ron finalmente saía do seu torpor.

-Draco Malfoy… - começou o moreno, ganhando a atenção do médico loiro. -… foi um garoto que estudou com a gente na escola e que morreu faz uns dez anos. Acontece que o senhor se parece muito com ele, por isso que na primeira vez eu o confundi e Ron também achou que o senhor era ele.

-Ah. – respondeu, agora sim entendendo o problema, e deu mais um sorriso, coisa que muitos na cidade estavam acostumados a vê-lo fazer, mas que Rony e Hermione estranharam, ainda mais que era um homem com o rosto do Malfoy dando um sorriso sincero e genuíno e não os chamando de pobretão ou sangue ruim. –Sabe o que dizem, que para cada ser humano há pelo menos dois iguais a ele no mundo. Ou talvez eu tenha tido um irmão gêmeo e nunca soube. – brincou e Harry deu um pequeno sorriso também. Depois do choque inicial ele passou a gostar da presença do Dr. Hart. Ele era divertido, brincalhão e atencioso, sempre tinha um sorriso e palavras doces para os seus pacientes e no seu rosto estava expresso o quanto ele gostava da sua profissão.

-Mas que você é parecido com o falecido, isso você é. – Ron balbuciou ainda surpreso diante da presença do homem. Ao seu lado, Hermione apenas olhava fixamente para o jovem médico. Certo que ele tinha razão, sempre existia pessoas parecidas no mundo. Mas ele era a cópia carbono de Draco Malfoy, ou ao menos como seria o Malfoy com mais dez anos de vida. Não poderia haver tanta semelhança assim entre duas pessoas. Será que esse era algum Malfoy perdido? Por que não? Os Malfoy sempre foram orgulhosos sangue puro e esse médico era trouxa. Draco poderia ter tido um irmão gêmeo e os pais dele se livrado do bebê porque era um aborto. Antes mesmo que soubesse a sua curiosidade já estava atiçada e Hermione decidiu investigar um pouco mais a fundo esse pequeno mistério. Poderia não ser nada, apenas uma grande coincidência, mas também poderia ser algo grande, muito grande mesmo.

-Eu vou deixar vocês a sós para conversarem, vou mandar a enfermeira vir coletar o seu sangue sr. Potter. Se me derem licença. – pediu e saiu rapidamente do quarto, se sentindo um pouco incomodado com os olhares dos amigos de Harry. Havia algo naquele casal que também o intrigava e o fazia se lembrar de alguém. Deu de ombros, ignorando essa sensação de reconhecimento e foi em direção a sua sala fazer o pedido do exame de sangue.

-Eu conheço essa sua expressão Hermione. – Harry falou quando percebeu que a amiga olhava muito para a porta fechada do quarto, minutos depois que o médico tinha saído. –Você está pensando em algo, algo relacionado ao Dr. Hart. O que é? – isso também chamou a atenção de Ron que torceu o nariz ao ver as sobrancelhas da morena franzidas em uma expressão pensativa. Era a mesma cara que ela fazia na escola antes de resolver um mistério e a mesma cara que ela faz quando está prestes e resolver uma equação complicada de física trouxa para ser aplicada no ramo mágico.

-Apenas… é um pouco coincidência demais. Sei que ele está certo, que existem pessoas parecidas no mundo. Mas ninguém é tão parecido assim. – murmurou a mulher, mais para si mesma do que para os dois rapazes dentro do quarto.

-Hermione, eu também ficava pensando a mesma coisa até conhecer melhor o Dr. Hart. Ele é o extremo oposto do Malfoy. Uma pessoa simples, educada, atenciosa, conhecida e adorada por todas as pessoas dessa cidade e o amor secreto de dez em cada dez mulheres solteiras de Refuge. – esclareceu Harry e Rony arregalou um pouco os olhos para ele.

-Você está sabendo muito sobre esse sujeito para alguém que está… há quanto tempo você está aqui?

-Uma semana, mas acordei faz uns dois dias.

-Isso é que eu chamo de obter informações.

-A avó dele é voluntária no hospital e sempre vem me visitar e sempre está contando histórias sobre o adorado neto dela. – soltou um resmungo, tentando cruzar os braços sobre o peito, mas quando as suas costelas doeram ele desistiu da idéia. –Acho que sei mais da vida do Dr. Hart do que ele próprio.

-Mesmo assim, é semelhança demais, ele poderia se passar pelo Malfoy com certeza.

-Não, não poderia. – Ron interrompeu a amiga. –O sujeito mal entrou no quarto e deu para perceber que ele teve uma criação totalmente diferente do Malfoy. Se fosse se passar por ele, seria completamente mal sucedido.

-Mesmo assim… - Hermione continuou, mordendo a ponta do dedão. -… se ele for um Malfoy rejeitado… - continuou e Harry e Ron viram onde ela queria chegar. A fortuna Malfoy estava sofrendo um inventário que estava se arrastando por dez anos. Andrômeda Black se recusava a deixar o que seria de direito do sobrinho falecido para a psicótica da irmã. E, com a falta de herdeiros diretos, parentes distantes de todas as partes estavam surgindo, todos querendo um pedaço do poder que um dia foi da família mais influente do mundo mágico. Mas o pior não era a fortuna, mas sim o destino que ela levaria. Sendo maioria desses parentes adeptos à arte das trevas, deixar um poder como esse nas mãos deles era pedir para fazer surgir um novo Lorde Voldemort. Mas com um herdeiro legítimo, como esse misterioso Dr. Hart, as coisas ficariam diferentes.

-Isso é ridículo! – Harry voltou à razão em segundos, antes mesmo de começar a apoiar os pensamentos da amiga. –Mal conhecemos o sujeito e só porque ele se parece muito com um falecido colega estamos especulando sobre a vida dele. Talvez estejamos apenas paranóicos ou coisa assim.

-Pode ser que sim, pode ser que não, Harry. – o ruivo contemplou. –Eu concordo com a Mione. Esse sujeito tem a mesma semelhança com o Malfoy que Fred e Jorge tem um com o outro. Realmente não duvido nada por ter nascido um aborto ele tenha sido largado no mundo trouxa pela família. Nunca se sabe, vindo de Lucius tudo é possível.

-Não custa nada investigar, Harry. – atestou Hermione e Harry soltou um suspiro derrotado, aquela sensação que aflorou no começo quando conheceu o Dr. Hart, voltando dentro de seu ser. Achava isso, por um lado, irracional, apenas uma mera coincidência. Mas, por outro lado, algo bem lá no fundo lhe dizia que havia algo mais nessa história e que deveria haver um motivo para ele ter ido parar naquele fim de mundo perdido em algum lugar da Irlanda.

-E do que você vai precisar? – virou-se para a amiga, que se virou para Ron.

-Um exame de DNA seria bom.

-Exame de quê? – murmurou o ruivo.

-DNA. Vamos ter que exumar o corpo do Malfoy e pegar uma amostra do DNA dele para fazer uma comparação com o DNA desse rapaz. – concluiu a morena.

-Hermione… faz idéia de que se alguém descobrir que estamos exumando o corpo do Malfoy para fazer esse exame, esse médico pode correr perigo? A família dele com certeza não vai querer um herdeiro legítimo, ainda mais trouxa, no meio deles, não é mesmo? – atestou o ruivo e Hermione mordeu o lábio inferior. Tinha que dar razão ao amigo, porém…

-Mas você é um Inominável, pode conseguir isso sem que ninguém saiba. Afinal, ninguém tem conhecimento mesmo do que os Inomináveis fazem.

-Mesmo assim, ainda temos um outro problema. – continuou Rony. –Como vamos conseguir uma amostra de DNA desse cara? Vamos chegar para ele e pedir educadamente que ele ceda um pouco de seu sangue para fazermos alguns testes, pois desconfiamos que ele possa ser herdeiro de uma poderosa família de bruxos das trevas? – escarneceu o inominável ruivo, cruzando os braços sobre o peito.

-Ronald! Você volta para Londres e consiga a amostra de DNA do Draco e eu arrumo um jeito de arranjar uma amostra do Dr. Hart. – respondeu duramente e Ron torceu os lábios em um gesto contrariado.

-Você não vai voltar para Londres comigo?

-Eu vou ficar com o Harry até ele se recuperar. – o mencionado começou a abrir a boca para protestar sobre a decisão dela. A mulher tinha um trabalho a esperando em Londres. –E ponto final. – rapidamente Harry calou-se, pois sabia que contrariar Hermione em uma decisão era pedir para morrer jovem. –E agora você fica aqui que eu vou conversar com o médico para saber do estado do Harry.

-Não precisa falar com ele, eu estou aqui, pergunte para mim. – protestou o moreno e Hermione lançou um longo olhar para ele.

-E desde quando você sabe a definição de "estar bem", Potter? – respondeu duramente, como uma mãe chateada com o filho por causa de uma travessura, e Harry encolheu-se novamente em sua cama. –Eu vou falar com o médico. – começou, caminhando em direção a porta.

-Vai sondar terreno, Mione? – Ron provocou assim que ela abriu a porta.

-Talvez. – respondeu superior e saiu do quarto.

-Me diga mais uma vez porque ela preferiu ser uma cientista em vez de ser auror? – murmurou o ruivo para o melhor amigo e Harry riu. Hermione realmente tinha muito jeito para ser auror, pois o espírito curioso e investigativo ela tinha.

-Porque, segundo ela, ela não tinha vocação para isso. – e ambos riram.


Elliot apoiou as mãos nos joelhos e inclinou um pouco o corpo para poder olhar nos olhos castanhos e assustados do menino a sua frente, sentado aterrorizado na grande cama da emergência e sugando o dedão com a boca, como se fosse uma chupeta. O homem ergueu o corpo e depositou as mãos na cintura, torcendo um pouco os lábios e franzindo o nariz, fazendo uma careta muito estranha e assim conseguindo arrancar um sorriso do garotinho de seis anos.

-Agora me diga pequeno Thomas, como você conseguiu a façanha de arrebentar esses pontos? – murmurou com uma pequena careta de reprimenda e o menino ficou sério de novo, abaixando os olhos para a perna enfaixada e sangrando. Tinha a cortado na semana anterior quando estava brincando com os irmãos e os amigos na fazenda do Sr. Donald, ele tinha ficado preso em uma cerca de arame farpado, o que ocasionou o corte.

-Eu cai. – sussurrou com uma voz mínima e infantil e Elliot sacudiu a cabeça, fazendo um "tsc, tsc, tsc" com a língua. Conhecia as crianças dessa cidade e com certeza Thomas deve ter caído era de uma árvore, tentando pegar alguma fruta para comer. Ou então caído de uma pedra quando estava brincando com os amigos e o irmão.

-Caiu, sei. – murmurou e com o rabo de olhou lançou um olhar para a mãe do menino, que tinha dado um suspiro exasperada diante dos filhos arteiros que tinha. O loiro deu um sorriso para ela, dando de ombros em uma clara indicação de que as crianças eram assim mesmas e a mulher riu. –Eu vou consertar isso jovem Thomas. Mas espero que daqui para frente não haja mais quedas. – falou em um tom firme e o menino assentiu com a cabeça. Elliot puxou a mesa com os instrumentos esterilizados, cortando as bandagens ensangüentadas e olhando torto para os pontos arrebentados. Pacientemente foi tirando um a um, sob os pequenos choramingo do menino. –Oras, não deve estar doendo, eu apliquei anestesia. – protestou, olhando firmemente nos olhos castanhos e infantis e viu que o garoto voltou a chupar o dedo e apertar a mão da mãe que estava ao seu lado.

Meia hora depois Elliot fechava o último ponto e enfaixava novamente a perna do garoto, soltando um longo suspiro e esticando as costas, depois de ficar tanto tempo sentado curvado sobre a perna do menino.

-Muito obrigada Dr. Hart. – falou a mãe da criança, o pegando no colo e dando um longo sorriso para o loiro. –Prometo que o rapazinho irá se comportar agora. – garantiu e o médico sorriu, afagando os cabelos castanhos do menino.

-Espero. – falou e viu quando a mulher saiu da sala com o garoto no colo ao mesmo tempo em que entrava uma outra mulher de cabelos castanhos cheios. -Ah, srta. Granger, a que devo a visita? – perguntou, retirando as luvas de borracha manchadas de sangue e as jogando na lixeira mais próxima.

-Eu queria saber como está o estado do Harry. – perguntou preocupada, olhando intensamente para o rosto pálido do homem.

-O sr. Potter vai sobreviver. Nada grave. Já vi casos piores do que o dele. – deu um sorriso confiante e Hermione soltou um suspiro aliviado. –Mas vai ter que ficar aqui até se recuperar totalmente. Não aconselho remoção. Uma costela quase perfurou o pulmão dele que está com a camada externa ferida e irritada e a perna dele quase gangrenou. Não queria arriscar dar alta a ele e o sr. Potter imediatamente pegar um ônibus e depois um avião de volta a Inglaterra.

-Como sabe que somos ingleses? – perguntou, notando pela primeira vez que ele não tinha o sotaque comum dessa área da Irlanda.

-Vivi na Inglaterra por longos anos e estudei lá também depois que vim morar com os meus avós. Acho que sei a diferença de um conterrâneo para um estrangeiro. – concluiu, arrumando os seus instrumentos novamente sobre a bancada de alumínio. –Mais alguma pergunta srta. Granger?

-Sim, tem algum lugar onde eu possa ficar? Meu amigo Ron vai voltar para a Inglaterra, mas eu vou ficar aqui com o Harry.

-A pensão da sra. Doubfire fica no final da Rua Lilith. – respondeu solícito, passando o seu estetoscópio por sobre o pescoço. –Agora se me der licença eu tenho que ir antes que… - começou, olhando para o relógio em seu pulso quando ouviu um grito agudo ecoar pelos corredores.

-ONDE ELE ESTÁ? – a voz estridente e feminina ribombou pelas paredes brancas do hospital e Elliot soltou um grunhido de dentro de sua garganta, passando por Hermione e abrindo a porta da sala de emergência, dando de cara com uma jovem que estava prestes a entrar no local.

-Alicia Margaret Snipes, isso é um hospital, e hospital não é lugar para se gritar. – repreendeu com uma voz firme e levemente arrastada a mulher baixa e de cabelos negros e cacheados, que estava em frente a ele, quase sumindo diante do olhar duro e postura firme do jovem loiro, muito mais alto do que ela. –Bem srta. Granger, eu tenho que ir. – disse apologético, ainda mais pelo escândalo que a mulher estava fazendo. O que a amiga de Harry deveria estar pensando dele agora? Segurou no braço da morena e a arrastou sala afora, deixando Hermione estática no meio da sala vazia da Emergência. Por breves segundos a cientista jurou que tinha visto Draco Malfoy.


-Sinceramente Li, você precisava ter feito aquele escândalo dentro do hospital? Sabe que lá não é lugar para gritos. – resmungou Elliot, enfiando as mãos nos bolsos de suas surradas calças jeans. Sem o jaleco de médico as pessoas poderiam ver melhor as roupas que ele usava no dia a dia cada vez que ia trabalhar. Geralmente era uma camisa velha e calças jeans surradas, assim como tênis gastos. Claro que a sra. Hart já tinha protestado várias vezes sobre o modo de se vestir do neto, mas esse tinha argumentado dizendo que não adiantava usar terno pois esse sempre acabaria se manchando de sangue.

-Não deveria ter gritado? – Alicia gesticulou largamente no meio da rua, quase atingindo um ou dois passantes, que olharam torto para os dois jovens mas permaneceram inabalados. Todo mundo sabia como a esposa do delegado era expansiva e super-protetora, ainda mais com os amigos, incluindo o jovem Elliot. –Você deveria estar entrando no meu restaurante para almoçar ao meio-dia. MEIO-DIA! Sabe que horas são agora? – perguntou indignada, olhando para o delicado relógio em seu pulso. –Quatro da tarde. Eu fiquei esperando você por quatro horas e você não apareceu. Então o que eu pensei? "Aquela besta do Elliot esqueceu de novo da vida dentro daquele hospital". Eu quase liguei para a sra. Hart para dizer a ela que o neto dela não tinha aparecido para almoçar. – os ombros do loiro tencionaram e ele soltou um resmungo sob a respiração. Era tudo o que ele precisava nessa altura de sua vida… uma babá.

-Realmente obrigado pela parte que me toca. – comentou jocoso, abrindo a porta do restaurante que Alicia gerenciava. Rapidamente a mulher foi para trás do balcão e ele sentou-se em frente a ela, do outro lado da mesa de mármore. Conheceu Alicia da mesma maneira que conheceu Rocco, na escola. E os dois chegaram a namorar por seis meses e preferiram terminar assim que Elliot foi embora da cidade. Quando o loiro voltou, qual não foi à surpresa ao ver a ex-namorada noiva do seu melhor amigo? Realmente ficou feliz por eles e adorava Alicia, apenas não suportava quando ela entrava no módulo mãe super protetora para o seu lado.

-Também te adoro querido. – respondeu, pedindo que uma cozinheira preparasse algo para o loiro. –Mas e então? – comentou sorridente, debruçando-se sobre o balcão e Elliot recuou quando viu os olhos negros da mulher extremamente perto dos seus olhos cinzentos. –Como é esse tal de Potter? É por causa dele que você está esquecendo da vida? – disse em um tom malicioso e Elliot corou diante da implicação das palavras dela.

-Do que você está falando?

-Lucy, Betty e Mônica estiveram lanchando aqui outro dia e disseram que o Dr. Hart não saiu do lado do paciente enquanto ele esteve inconsciente. – o loiro fez uma nota mental para ralhar com enfermeiras tagarelas que ficavam soltando coisas sobre a vida de seu superior dentro do restaurante mais freqüentado pelas fofoqueiras da cidade.

-Eu estava apenas intrigado e preocupado pelo fato de que ele não acordava mesmo não apresentando danos cerebrais. – deu de ombros, bebericando um pouco do copo d'água que uma das garçonetes havia lhe servido.

-Ah, não seria nada relacionado ao fato de que ele é um lindo moreno de olhos verdes, não é? – provocou e Elliot engasgou-se com a sua água.

-Mas do que inferno você está falando Alicia? - exigiu já irritado com aquelas indiretas da amiga. Nunca tinha ouvido aquele tipo de conversa da morena e agora ela vinha com essas tiradas. O que estava acontecendo? –Você andou roubando drogas da farmácia do hospital? – perguntou a mulher, pensando em restringir o acesso dela a clínica. Só porque era amiga do diretor isso não lhe dava o direito de ir e vir dentro do local.

Alicia olhou para um lado, olhou para o outro e quando estava certa de que, àquela hora, só tinha eles dois no restaurante, começou a soltar o verbo.

-Okay Elliot, eu vou ser sincera com você e perguntar isso uma vez só. – o loiro ergueu tanto as sobrancelhas que elas quase sumiram sob a franja de seu cabelo. –Você é gay? – os olhos cinzentos se arregalaram e se já não estivesse sentado, com certeza Elliot teria caído duro no chão.

-De onde você tirou esse absurdo! – esbravejou e Alicia recuou assustada diante da fúria que estava nos olhos claros do amigo. –Essa é a coisa mais estúpida que eu ouvi em toda a minha vida! – falou um pouco mais calmo e Alicia se atreveu a aproximar-se mais uma vez do loiro.

-Me desculpe pensar isso, mas é que você tem metade das mulheres da cidade babando aos seus pés, mas não dá a mínima atenção para elas. No começo eu achei que era porque você é um homem ocupado, mas até mesmo o Rocco que está sempre ocupado com a delegacia e as suas conferências em Dublin arrumou tempo para namorar. Aí aparece esse estranho e você fica subitamente interessado nele quando tudo o que ele tem são apenas uns ossos quebrados resultados de uma misteriosa agressão que logo pode ser resolvida, e nada mais. Então eu comecei a me questionar.

-E se questionou erroneamente, pelo que vejo. – ironizou, bebendo mais um pouco da sua água para ver se recuperava do choque.

-Nossa, não está mais aqui quem falou. Então a questão toda é que você está no celibato. Melhor, você se casou com a sua carreira e tem o hospital como sua amante. – caçoou a mulher, recebendo um olhar feio do amigo.

-Está tarde, tenho que voltar para a clínica. – resmungou, erguendo-se de sua cadeira e Alicia já iria abrir a boca para protestar, dizendo que ele não tinha comido nada, quando um olhar do loiro a fez se calar. Depois da burrada que tinha cometido era melhor não mencionar nada. Com um resmungo ele deu as costas para a mulher e saiu batendo a porta do restaurante. Realmente, às vezes não sabia de onde a morena arrumava essas conclusões absurdas sobre a sua pessoa. Gay? Hunf, francamente!


A luz fraca dos postes iluminava as três cabeças ruivas paradas sob a chuva e o vento frio daquela madrugada londrina. Nuvens de fumaça saiam de seus narizes enquanto dois deles, espantosamente iguais, murmuravam reclamações sob a respiração para um outro visivelmente mais jovem e que não parecia perturbado com o tempo ou o frio daquela noite.

-Me diga mais uma vez por que estamos fazendo isso. – sussurrou Jorge na escuridão, os lábios roxos e os dentes batendo por causa do frio, enquanto esfregava uma mão na outra tentando obter algum calor.

-Porque se vocês não me ajudarem contarei para Gina o que vocês fizeram com o Dean na despedida de solteiro dele. – retrucou Ron e os gêmeos lançaram olhares de fúria para o irmão caçula. –E não me olhem com essa cara porque eu sou completamente inocente, já que eu não estava lá para ver… - deu um sorriso escarninho sob a luz do poste. – a pouca vergonha que vocês aprontaram com o nosso cunhado. – cravou a pá que carregava na terra fofa e apoiou as mãos no cabo dela, sorrindo mais ainda.

-Por que a Tonks simplesmente não mandou outros inomináveis junto com você? – resmungou Fred, imitando o gesto de Rony, que rolou os olhos pela enésima vez e explicou novamente o porquê.

-Porque os Malfoy não são um assunto do Departamento de Mistérios, mas como a nossa chefe é parente deles por tabela e uma das principais interessadas… - continuou, às vezes não acreditando como a atrapalhada Nifandora Tonks conseguiu um cargo tão alto como a chefia dos Inomináveis. Bem, ela poderia ser meio desajeitada, mas isso não queria dizer que era uma auror ruim. Na verdade, ela era brilhante, mesmo com toda a sua esquisitice. – e porque se a minha teoria estiver certa, esse Malfoy perdido pode estar em perigo e por isso tudo tem que ser feito na surdina, já que as paredes do Ministério tem ouvidos. Por isso vocês já sabem…

-Se alguém perguntar, nunca estivemos aqui e não sabemos de nada. – disseram os gêmeos em coro.

-Ótimo! Então comecem a cavar. – ordenou e com o pé enterrou mais a pá na terra molhada, tirando um bom punhado dela e a colocando de lado.

-E por que não podemos usar magia? – Fred resmungou mais uma vez, começando a cavar também. –Seria muito mais prático.

-Para não ativar os alarmes de violação de túmulos. Afinal, eles pensaram em tudo, exceto na maneira mais simples de se abrir uma cova… ou seja, cavando. – respondeu Jorge, jogando mais um punhado de terra.

Uma hora depois os três ruivos finalmente se encontravam sobre o caixão enterrado no fundo do buraco de sete palmos. O frio da noite já há muito tempo esquecido diante do calor que o exercício causou e com um suspiro aliviado os três largaram as pás de lado. Em um pulo, Fred e Jorge saíram da cova, deixando Rony para trás, que olhou por cima do ombro para os irmãos acima de si.

-Vai nessa Roniquinho, abra o caixão. – murmurou Jorge e o caçula dos Weasley rolou os olhos diante do aparente temor do irmão de ver um defunto.

-Deixa de ser fresco, só vai ter ossos aqui. – caçoou o inominável, rindo baixo do irmão e sendo acompanhado por Fred. Inclinou-se sobre o tampo de madeira, soltando as travas dele para poder ver o que tinha. Só precisava de uma amostra óssea do esqueleto do Malfoy e tudo estaria resolvido. Preparou-se para ver o que seria a caveira de seu ex-inimigo de escola, enquanto os seus irmãos davam as costas para ele para não presenciarem a cena, quando abriu a tampa do caixão e franziu os lábios, surpreso. –Okay, agora eu não entendi nada. – comentou em voz alta, ficando de pé sobre o caixão e cruzando os braços sobre o peito largo. Fred e Jorge viraram-se novamente em direção ao irmão, tentando ver por sobre o ombro dele o que estava dentro da cova. Percebendo a curiosidade dos irmãos, Ron saiu do caminho para eles verem o que ele tinha visto. Queria saber se não era apenas ele que estava vendo coisas.

-Onde está o Malfoy? – murmurou Jorge com os olhos largos. No lugar de onde deveria estar o esqueleto de Draco, a única coisa que tinha eram pedras. –A não ser que essas pedras tenham algum valor monetário… - irritado Rony bateu a tampa do caixão e saiu de dentro do buraco.

-De duas a uma, ou alguém tirou o corpo dele daí, ou o corpo nunca esteve aí para início de conversa. – resmungou, pegando a pá e começando a tapar o buraco novamente. Rapidamente os gêmeos se juntaram ao irmão e meia hora mais tarde tudo estava do mesmo modo que eles tinham encontrado.

-O que você vai fazer agora? Dar parte do sumiço do corpo? – perguntou Fred enquanto eles saíam do cemitério a caminho do carro dos gêmeos, com as pás sobre os ombros.

-Não seja besta, Fred. Se ninguém sabe o que estamos fazendo, não podemos dar parte do sumiço do corpo, poderíamos ser presos por violação de sepultura. – Jorge rolou os olhos diante da estupidez do irmão. Deveria ser o sono já afetando o cérebro brilhante dele.

-Vou informar isso a Tonks e a Mione. Tenho a suspeita de que o corpo nunca esteve lá na verdade. – Rony abriu o porta malas do carro e jogou a pá dentro dele, sendo acompanhado pelos irmãos.

-O que você quer dizer com isso? – perguntaram os gêmeos em unísso.

-O caixão estava cheio de pedras, isso quer dizer que era para poder simular o peso de um corpo durante o funeral. Se o corpo tivesse sido roubado depois, para que então encher um caixão de pedras se ele estaria enterrado mesmo e ninguém iria verificar se tinha alguém lá dentro? Muito estranho isso, estranho mesmo. – murmurou, destrancando a porta traseira do carro enquanto Jorge ia para trás do volante e Fred sentava-se ao seu lado.

-E agora temos uma pergunta que não quer calar: se o corpo do Malfoy não está no caixão, onde ele está? – sussurrou Jorge em um tom sombrio e viu Rony dar de ombros pelo retrovisor do carro.

-Eu não sei, sinceramente não sei.


Harry Potter estava entediado e isso era um marco para um homem que sempre passava as férias de verão preso em uma casa com parentes chatos. Porém, depois de se libertar dessa prisão e entrar na vida de auror, o jovem Potter tinha banido a palavra tédio de seu dicionário, isso até chegar aquele dia chuvoso de verão.

Fazia uns quatro dias desde que Harry tinha acordado de seu sono profundo e fazia exatamente algumas horas desde que ele recebeu um recado de Hermione, dizendo que ela precisava voltar às pressas para Londres porque Rony tinha descoberto alguma coisa e que voltaria no final de semana para lhe contar as novidades, o deixando sozinho naquele hospital com nada mais do que as ocasionais visitas das enfermeiras e uma vez ou outra a aparição do Dr. Hart.

-Eu odeio hospitais. – resmungou para o quarto vazio. Realmente detestava o cheiro de éter que qualquer hospital possuía e as paredes brancas e impecavelmente limpas. Viveu parte da sua vida escolar dentro de um hospital e, como auror, já era conhecido por quase todos os funcionários do St. Mungos. Ou seja, faltava muito pouco para a sala de emergência do hospital bruxo ter uma cama com o seu nome gravado.

-Bom dia sr. Potter, como se sente hoje? – o mencionado Dr. Hart entrou no quarto com um sorriso de orelha a orelha, os cabelos loiros ainda pingando pelo banho e o estetoscópio quase caindo do pescoço, com vários raios-x sob o braço.

-Entediado. – murmurou, soltando um longo e sofrido suspiro. –Quando poderei, ao menos, sair dessa cama? – perguntou, lançando um olhar pidão para o médico que riu diante do jeito infantil que os orbes verdes o encaravam.

-Isso nós vamos ver agora, sr. Potter. – respondeu ganhando um ar sério e caminhando até uma placa na parede, acendendo a luz dela e prendendo os raios-x que tinha trazido sob o braço. –Hum, interessante. – murmurou, observando atentamente as chapas.

-O que foi? – perguntou o moreno curioso, inclinando-se um pouco na cama para poder ver o que o médico estava vendo.

-Suas costelas estão cicatrizando sr. Potter, mas de uma maneira mais lenta do que o esperado. Talvez isso seja reflexo da infecção que o senhor apresentou há alguns dias… - começou a resmungar para si mesmo, fazendo uma avaliação aqui e acolá da qual Harry não entendia nada. Contudo, sabia porque estava demorando para ficar curado. Não era porque estava sendo usado um método trouxa de cura, mas sim por causa das maldições que ele com certeza recebeu durante seu duelo contra Lestrange. Elas ainda estavam correndo em seu corpo e por isso estavam retardando a sua cura. E, até que elas perdessem o efeito completamente, Harry ainda ficaria preso naquela cama por um bom tempo, segundo o que Hermione havia lhe dito.

-E então? – Harry suspirou quando depois de uns dois minutos finalmente o loiro voltou a sua atenção para ele.

-Sem chances. – rebateu com um sorriso brincalhão. –Com as costelas ainda correndo o risco de quebrarem de novo, não quero dar o azar de te dar um par de muletas e ver você se esforçar à toa.

-Mas e quanto à cadeira de rodas? – apontou para a cadeira que ficava a um canto do quarto e que era usada pelas enfermeiras cada vez que elas levavam Harry para algum exame.

-Como se você tivesse forças para chegar nela sozinha. Eu já disse sr. Potter, sem chances. Que tipo de médico seria eu se permitisse que você saísse perambulando por aí ainda em fase de recuperação?

-Um bem sádico, que adora me ver sofrer entrevado nessa cama, coisa que eu mais detesto. – o sorriso do loiro de brincalhão tornou-se malicioso.

-Descobriu o meu segredo sr. Potter. – deu de ombros, desligando o aparelho e recolhendo novamente as radiografias. –Talvez você passaria melhor o seu tempo se me contasse a história de seu súbito surgimento na cidade. – pediu solícito, puxando uma cadeira e sentando-se ao lado da cama do moreno, que trincou os dentes ao ouvir isso. Há dias estava tentando sair dessa enrascada e procurando uma desculpa para dar ao delegado, que o tinha visitado no dia anterior, e ao médico, que sempre o estava defendendo e pedindo que o delegado não o estressasse. Porém parecia que o Dr. Hart não estava mais disposto a defendê-lo e também estava curioso para saber a verdade.

-Por que isso é tão importante afinal? – rebateu irritado pelo simples fato de que não tinha nenhuma história bolada.

-Se você foi agredido, sr. Potter, precisamos saber quem foi. Outros poderão sair feridos se o bandido continuar solto.

-Mentira! O que vocês querem saber é de onde eu apareci, já que com certeza sendo um estrangeiro as pessoas teriam me notado perambulando pela cidade durante o dia. O que vocês querem saber é de onde eu vim e que roupas estranhas eram aquelas que eu estava usando. Aliás, estou para perguntar isso há dias: onde estão as minhas coisas?

-No armário sr. Potter. – respondeu o médico, apontando para o dito armário em uma das paredes do quarto, começando a perder a paciência com o moreno. De uns dias para cá ele estava se tornando muito temperamental, coisa que a amiga dele, Hermione, tinha explicado a Elliot. Harry detestava hospitais e ficar parado por muito tempo. –E eu sei de onde você veio, sr. Potter. Você veio da Inglaterra. Apenas queremos saber como você chegou aqui e quem te agrediu.

-Eu cheguei aqui andando! – respondeu Harry arredio e Elliot estreitou os olhos desacreditado. A cidade mais próxima de Refuge ficava há uns 100 quilômetros. Não poderia acreditar que o homem tenha andado isso tudo na escuridão da estrada. –E a verdade é que eu sofri um acidente... Eu estava vindo de moto e perdi o controle dela em uma parte escorregadia da estrada. Como meu celular não pegava e ao longe eu vi a placa indicando que Refuge estava próxima, eu vim andando até aqui.

-Com uma perna quebrada? – o loiro indagou desconfiado, cruzando os braços sobre o peito. Tinha coisas faltando na história desse homem e ele poderia perceber que Harry estava mentindo descaradamente.

-Já sofri ferimentos piores. E quanto às roupas... Oras, quem são vocês para criticar o que eu uso?

-O que você está me contando é a verdade sr. Potter? Porque eu vou saber se o senhor estiver mentindo. – ameaçou e Harry torceu o nariz, o tom dele nesse momento lembrava muito o de Draco e isso estava levantando defesas em Harry que há anos ele não usava.

-O que te importa? Você é apenas um médico de uma medíocre cidade do interior! O que você realmente sabe? – rebateu irritado diante de tantas perguntas. Não gostava de ser interrogado. Geralmente fazia o contrário. E detestava ainda mais quando era interrogado sobre a sua vida.

Elliot levantou-se da cadeira de supetão, mordendo o lábio inferior para impedir-se de brigar com o jovem paciente. Uma vontade louca de soltar umas tiradas provocativas e umas verdades para esse rapaz estava surgindo em seu ser. O modo como Harry agia o enraivecia. Quando o moreno era civil ele também era civil. Mas quando Harry estava temperamental estranhamente o humor de Elliot também mudava, como se tivesse algo no gênio de Harry e no modo dele de agir que o perturbasse.

-Ótimo sr. Potter. Informarei ao Rocco sobre isso. – falou entre dentes, dando as costas para o rapaz e com o seu jaleco farfalhando caminhou a passos largos até a porta do quarto e bateu essa atrás de si assim que saiu. -Argh! Insolente! – rosnou Elliot ao sair do quarto. Aquele garoto estava começando a irritá-lo. Com passos pesados começou a caminhar até a sua sala quando foi abordado por uma ofegante Lucy, cujos olhos estavam largos de pavor. –O que foi? – rapidamente o seu mau humor se esvaiu ao ver a expressão da enfermeira chefe.

-Os bombeiros acabaram de contatar a clínica, doutor. Um acidente com um ônibus de turistas na estrada. A cidade mais próxima é Refuge e eles estão mandando os feridos para cá. – Elliot soltou um baixo rosnado.

-Quantos? – perguntou, esfregando os olhos pois sentia uma dor de cabeça chegando.

-Quarenta. Dois em estado grave. – Lucy soltou em uma inspirada de ar.

-Ligue para as voluntárias do hospital, peçam para elas virem imediatamente. Chame as outras enfermeiras e preparem a sala de cirurgia. Ligue para o Hospital Geral de Dublin, peça para eles deixarem o helicóptero aposto. Se a gente precisar remover, remove. E fale para os bombeiros que se tiver mais feridos, mande para Mullingar. A gente não tem estrutura para atender tanta gente ao mesmo tempo.

-Sim senhor. – disse a enfermeira, correndo rapidamente para começar a preparar tudo.

-Era só o que eu precisava. – murmurou o loiro, caminhando a passos pesados até a sua sala e com mãos ágeis começando a retirar seu jaleco e suas surradas calças jeans, assim como a sua camisa e qualquer outro apetrecho, trocando a sua roupa pelo uniforme azul e esterilizado que geralmente os médicos da emergência usavam.

Em seu quarto Harry continuava a resmungar sob a respiração como uma criança birrenta por ter perdido o seu brinquedo favorito. Aquele médico o tinha irritado, mas ao mesmo tempo o moreno estava se sentindo mal pelas palavras duras que tinha dito ao loiro. Elliot só queria ajudar e lá estava ele, Harry Potter, bancando o mal agradecido. O barulho de passos apressados no corredor e o som de vozes tiraram o inominável de seus devaneios e o fez franzir as sobrancelhas negras. O hospital estava estranhamente agitado hoje. Fazendo um esforço descomunal, o rapaz conseguiu descer da sua cama pela primeira vez em duas semanas e meio que andar, meio que se arrastar, até a cadeira de rodas. Deixou-se cair pesadamente sobre ela, arfante, e com outra dose de esforço ajeitou a sua perna quebrada no apoio. Depois de uns minutos para recuperar o fôlego, Harry foi rolando até a porta e alcançou o corredor, finalmente saindo daquele quarto. Uma mulher passou correndo por ele, desculpando-se apressadamente por quase ter esbarrado em sua cadeira. Ainda rolando, o rapaz finalmente conseguiu chegar à área onde ficava a recepção do PS e arregalou os olhos ao ver a quantidade de pessoas feridas que lá estavam. Muitas envoltas em cobertores, molhadas e chorando intensamente. Mulheres, homens, velhos e crianças amontoavam-se na sala a espera de atendimento. Voluntárias separaram os saudáveis dos feridos e levavam as crianças para as áreas infantis, requisitando a ajuda daqueles que não estavam em choque diante do acidente. As portas automáticas de vidro se abriram e bombeiros entraram no local rodando uma maca apressados. Harry recuou a cadeira para sair do caminho da maca e torceu os lábios ao ver o estado do acidentado.

-Sr. Potter, o que faz aqui? – os olhos verdes viraram-se para mirar o rosto cansado da sra. Hart, que usava um jaleco do hospital manchado de sangue e medicamentos.

-Eu ouvi barulhos…

-Por favor, sr. Potter, volte para o seu quarto. – pediu a mulher, mas Harry acenou negativamente com a cabeça.

-Posso ajudar. Tive treinamento… - hesitou um pouco, sentindo-se culpado por inventar uma mentira para a bondosa senhora. -… de primeiros socorros na Academia de Polícia. – bem, pensou, ser auror não era o equivalente a ser um policial? Então não estava mentindo tanto assim. E realmente havia recebido treinamento de primeiros socorros bruxo e trouxa.

-Verdade? – sra. Hart parecia indecisa em deixá-lo ajudar. –Certo. – respondeu por fim, depositando no colo dele as bandagens e remédios que carregava nos braços. –Está vendo aquela porta? – a apontou para a entrada da área da emergência. –Na primeira sala a esquerda tem um rapaz e uma moça, ambos com ferimentos leves, mas os cortes deles precisam ser desinfetados e cobertos. Pode fazer isso para mim? – o moreno acenou positivamente e rolou para a entrada da emergência. Em poucos minutos entrou na sala indicada por Elizabeth e viu um rapaz sentado na cama, tentando consolar uma adolescente ainda chocada com o acidente. Assim que Harry entrou no local o rapaz voltou seus olhos para ele.

-Vim tratar dos ferimentos de vocês. – disse com um pequeno sorriso confiante e ambos assentiram com a cabeça, permitindo-se serem cuidados.


Na sala de atendimento, Elliot debruçava-se sobre o corpo ferido do motorista do ônibus, um dos pacientes que estava em estado grave. Parecia que o veículo tinha saído da estrada com a chuva e caído de bico na ribanceira. E, conseqüentemente, quem estava na parte da frente foi quem se feriu mais, começando pelo motorista.

-Entuba! – ordenou a uma das enfermeiras que prontamente começou a enfiar o tudo de oxigênio pela boca do paciente.

-Doutor a pressão está diminuindo. – murmurou Mônica ao olhar para o aparelho medidor. –Ele está entrando em choque!

-Injeção de adrenalina nele, agora! – comandou com uma voz firme enquanto tentava estancar o sangramento abundante na perna ferida do homem. Um pedaço de vidro tinha cortado direto na aorta.

-Está perdendo muito sangue! – Lucy falou enquanto injetava a adrenalina na veia do paciente.

Rangendo os dentes Elliot correu até o outro lado da sala e abriu várias gavetas até que finalmente achou o que queria. Com um pedaço de garrote envolveu a perna do paciente, a apertando firmemente e providenciando um torniquete. Tinha que fechar a artéria imediatamente senão não teria como parar a hemorragia que não era apenas externa, mas interna também. Não tinha osso do corpo do homem que não estivesse quebrado, os dois pulmões estavam perfurados assim como um rim e ele apresentava um traumatismo craniano sério. Foras os cortes e os hematomas. Precisaria do dedo de Deus ali para esse homem se salvar.

-PRESSÃO CAINDO! – Betty gritou, tirando a atenção do loiro da perna ferida e o fazendo voltar os olhos cinzentos na direção do monitor de batimentos cardíacos. Nesse momento a sra. Doubfire, uma das voluntárias do hospital, entrou apressada na sala de atendimento.

-Doutor, Dublin informou que o helicóptero está a caminho, chega aqui em dez minutos. – disse sem fôlego e no que terminou de falar o monitor começou a emitir um bip constante.

-Desfibrilador! – Betty veio rolando o desfibrilador pela sala e Elliot pegou as placas, esperando a enfermeira aplicar o gel pela superfície delas. –Pronto? – apertou o aparelho contra o peito do homem, liberando a carga elétrica e vendo o corpo desse pular. O monitor continuava a emitir um bip estável. –Pronto? – perguntou novamente, carregando o aparelho mais uma vez e estimulando o coração do homem. Mais uma vez ele pulou na cama, mas o medidor continuou emitindo um som contínuo. Elliot tentou e tentou, mandou choques elétricos para o coração do homem pelo menos umas sete vezes, até que, finalmente, Lucy colocou uma mão no ombro do médico e sacudiu a cabeça para ele, dizendo que era tarde. O loiro largou o aparelho de lado e soltou um longo suspiro, abaixando a máscara e olhando para o relógio na parede.

-Hora da morte, 15:42 hs. – disse com uma voz quase sumida, abrindo a porta da sala e saindo do local, arrancando as luvas de borracha com força das mãos, clara indicação de que estava irritado com os acontecimentos. –Sra. Doubfire, - falou para a mulher que andava ao seu lado. – quando a equipe de transferência chegar mostre a eles onde está o paciente que atendemos mais cedo, o outro em estado grave. Diga a eles que ele está estável no momento mas precisa ser removido.

-Sim senhor. – respondeu a mulher, sumindo corredor abaixo. O loiro parou de andar, deixando o seu olhar se perder pelo extenso corredor e soltou um longo suspiro, apoiando a testa na parede e fechando os olhos. Não era a primeira vez que perdia um paciente. Mas cada vez que um morria nas suas mãos era como se fosse a primeira vez que isso acontecia. Ergueu-se da parede e rapidamente recuperou a compostura. Ainda tinha um trabalho a fazer e mesmo que tivesse a ajuda dos para-médicos que vieram com os acidentados, ainda sim ele era o único médico formado naquele hospital e quase tudo estava nas suas mãos essa noite. Com passos firmes encaminhou-se para a recepção do PS para saber quem mais precisava de sua ajuda.


Eram dez horas da noite quando finalmente as coisas se acalmaram na clínica Withinburg. Harry soltou um longo suspiro quando finalmente terminou sua última assistência aos feridos. Sentiu-se, por várias vezes, tentado a voltar ao seu quarto e procurar a sua varinha para resolver isso tudo com um girar de pulso. E observou, impressionado, a força de vontade que os voluntários do hospital possuíam. Maioria só tinha o treinamento básico que receberam do próprio Dr. Hart para atendimentos simples, mas mesmo assim se esforçaram ao máximo para ajudar. Ver aquelas mulheres correndo de um lado para o outro socorrendo as pessoas o fez lembrar dos tempos de guerra, quando o St. Mungos ficava cheio e bruxos corriam para todos os lados tentando ajudar os companheiros. Era quase a mesma coisa, mas felizmente por detrás dessa tragédia não estava nenhum psicótico, apenas um infeliz destino.

Viu pelo rabo de olhou quando alguém se sentou na cadeira ao seu lado e virou-se para ver o Dr. Hart abaixar a cabeça e apoiá-la nas mãos, prendendo mechas dos fios loiros entre os dedos. A roupa azul estava manchada de sangue de cima abaixo e o homem emanava um ar mais cansado do que a maioria dos pacientes que estavam internados ali. Não poderia esperar menos. O que ele mais viu nas últimas oito horas foi o médico andando de cima a baixo no hospital receitando remédios, visitando pacientes, atendendo casos mais específicos e que precisavam da atenção de alguém formado. Viu a confusão que foi quando dois pacientes graves chegaram e também viu quando um deles saiu da sala de atendimento coberto com um lençol, indicando que estava morto. Em resumo, o loiro deveria estar exausto.

-Dia difícil? – tentou brincar e viu olhos cinzentos e surpresos virarem-se para encará-lo.

-O que você está fazendo fora do seu quarto sr. Potter?

-Estava ajudando a sua avó e as outras senhoras no atendimento. Tenho alguma experiência no ramo. – o loiro iria abrir a boca para perguntar sobre isso, mas preferiu ficar quieto, visto que o interrogatório pela manhã havia gerado uma discussão muito desagradável.

-Quando eu residia no hospital de Londres era comum dias como esse, mas a gente tinha uma equipe completa para poder ajudar. – recostou-se no sofá e jogou a cabeça para trás, fechando os olhos e soltando um gemido diante da dor que a sua coluna apresentou por causa do estresse.

-Escuta - começou Harry, incerto. - me desculpe. – terminou, olhando para o seu colo para evitar olhar para o rapaz ao seu lado. Elliot ergueu a cabeça e mirou o moreno ao seu lado, com uma expressão confusa.

-Pelo quê? – perguntou.

-Pelo que eu disse mais cedo. Eu não gosto muito que as pessoas fiquem perguntando sobre a minha vida, ainda mais… er… estranhos. Má experiências passadas.

-Ah… okay. – murmurou, retirando a camisa azul manchada e ficando apenas com a camiseta que usava por debaixo da mesma. –Escuta, sei que é contra a regra do hospital e eu, acima de tudo, não deveria estar propondo isso… mas tem um café do outro lado da rua. Gostaria de me fazer companhia? – perguntou incerto.

-Eu adoraria, mas ficaria meio estranho sair pela rua com isso. – e Harry apontou para o pijama que usava. Elliot apenas sorriu, dizendo que resolvia isso em um segundo, sumindo por um dos corredores. Minutos depois ele retornou com dois longos casacos e colocou um deles em Harry e outro em si, pegando no apoio da cadeira e empurrando o moreno para fora do hospital e em direção a lanchonete.