Capítulo III
Bateu com a gaveta de arquivos, soltando várias nuvens de pó diante da idade que possuía aqueles pergaminhos velhos e amarelados. Tossiu um pouco, abanando as mãos para poder sumir com a poeira que subiu e deu as costas para a estante, apoiando-se nela e mirando seus olhos azuis na mulher que estava do outro lado da sala.
-E então? - perguntou, cruzando os braços e balançando a cabeça de um lado para o outro, estalando um pouco o pescoço para poder relaxar os músculos. -Achou alguma coisa? - falou exasperado, caminhando até onde estava a morena que procurava com avidez o atestado entre as várias pilhas de pergaminhos.
-Eu sabia que o mundo mágico era burocrático, mas não sabia que era tanto. - resmungou a mulher, prendendo uma mecha de seu cabelo atrás da orelha enquanto remexia mais ainda nos pergaminhos.
-Sabia que eu posso ser repreendido pelo diretor do DM se ele descobrir o que estamos fazendo? - Rony parou ao lado da amiga, a ajudando a revirar aqueles atestados e certidões.
-Pensei que você tivesse a autorização da Tonks para mexer nesses arquivos.
-Mas não tenho a autorização para trazer uma civil para remexer nesses arquivos, e ainda mais a envolver nesse caso.
-Que caso, Ronald? - Hermione riu sarcástica. -O que estamos fazendo aqui não diz respeito ao Departamento de Mistérios, estamos ajudando uma amiga a resolver um problema de família.
-Mas estamos usando o poder do Departamento de Mistérios para poder abrir os nossos caminhos. Eu disse à recepcionista que isso era assunto dos Inomináveis. Se o diretor descobrir que eu dei uma carteirada na mulher... - a cientista virou-se chocada para o ruivo, não acreditando no que estava ouvindo.
-Ronald Weasley com medo de quebrar as regras? Por que eu nunca vi essa prudência quando estávamos em Hogwarts?
-Porque em Hogwarts eu não ganhava um salário para estudar. Aqui eu ganho, e gostaria de mantê-lo. - resmungou o auror diante da brincadeira da amiga.
-Você vai manter o seu precioso salário e o seu precioso... e extremamente perigoso... emprego. - rebateu a morena de maneira seca e dessa vez foi à vez de Rony rir. Hermione ainda não gostava da idéia de Harry e ele terem se tornado aurores. Embora tenha ficado extasiada com o fato de eles terem sido bons o suficiente em seus NOM's e NIEM's para conseguir entrar para a Academia, ainda sim era ela que ficava com o coração na mão cada vez que eles saíam em missão. Várias vezes a mulher reclamou dizendo que cansou de chamar o Ministério para saber sobre os agentes Potter e Weasley e receber como resposta um: "eles estão em missão confidencial senhorita".
-Ah! - a morena gritou, puxando um longo pergaminho amarelado de dentro da gaveta e soltando uma nuvem de poeira. -Achei! - vibrou entusiasmada, percorrendo os olhos por sobre as linhas da certidão de óbito.
-Ótimo, e o que diz aí? - Rony perguntou, olhando por cima do ombro dela e torcendo um pouco os lábios e franzindo a sobrancelha diante do que lia. -Só pode ser um engano. - murmurou desacreditado, ainda com a cena da noite anterior, onde encontrou o caixão de Draco Malfoy preenchido apenas com pedras, nítida em sua cabeça. Mas o que estava intrigando Rony não era o fato de que o caixão estava vazio, mas sim o fato de que ele ouviu o seu pai comentar em uma reunião da Ordem, no Largo Grimmaud nº 12, que o homem havia visto o corpo de Draco Malfoy com os próprios olhos. Então, onde estava o cadáver do loiro? Será que havia sido enterrado em algum outro lugar? E era por isso que ele e Hermione estavam dentro dos arquivos de óbito bruxo. Talvez algo ali poderia lhes dizer onde o garoto estava realmente enterrado e esclarecer essa dúvida envolvendo o Dr. Hart.
-Não, aqui diz claramente... - Hermione apontou para a linha onde dizia a causa da morte. -... que ele morreu por causa de um traumatismo craniano.
-Mas meu pai estava lá no dia em que a Mansão Malfoy foi destruída. Ele disse que todos os Malfoy's foram mortos com um avada kedavra, que o curandeiro que os avaliou atestou isso. - respondeu o ruivo, afastando-se da amiga e mordendo a bochecha. Tinha alguma coisa errada ali. O sujeito morreu de uma forma, mas em seu atestado de óbito estava escrito outra coisa? Por quê? -Quem assina esse atestado? - perguntou, puxando o pergaminho da mão de Hermione.
-Curandeiro Thompson. - respondeu a morena.
-Ele ainda trabalha no St. Mungos, talvez ele possa nos dar algumas respostas. - apontou a varinha para o pergaminho em sua mão, fazendo uma cópia dele e depois o guardou no mesmo lugar onde o encontrou. -Vamos verificar isso de perto. - segurou no pulso dela e começou a arrastá-la para fora da sala de arquivos com mil perguntas rodando em sua cabeça. O que estava acontecendo afinal? Qual era o mistério por detrás da morte de Draco Malfoy?
-Aqui está Elliot. - Marty depositou o prato de hambúrguer em frente aos olhos cansados e gulosos do doutor. -Burguer com fritas para o nosso estimado doutor. - disse jovial. -E sopa de ervilha para o nosso querido paciente. - depositou o prato de sopa em frente a Harry, que fez uma pequena careta. Por que ele tinha que comer aquela coisa verde e saudável enquanto via o médico se deliciando com um bom sanduíche?
-Não faça essa cara. - Elliot comentou divertido assim que Marty se afastou da mesa. -Você ainda é um convalescente e precisa se alimentar de maneira saudável. - respondeu, dando uma mordida generosa em seu hambúrguer. Resignado, Harry pegou a colher ao lado do prato e começou a tomar longas colheradas de sua sopa. Silêncio seguiu-se com os dois concentrados em sua comida e vez ou outra com Harry lançando olhares para o homem loiro na sua frente, que olhava com interesse pela janela a rua vazia em frente ao hospital.
-Você parece cansado. – murmurou o moreno, tentando quebrar aquele silêncio que estava começando a incomodá-lo. E também tentando puxar algum assunto para descobrir mais coisas sobre esse médico e qualquer relação que ele possa ter com os Malfoy.
-Você também estaria cansado se tivesse que correr pelo hospital atendendo uns quarenta pacientes de uma vez só, sendo que dois em estado grave. E sendo que um deles não se salvou. – comentou com um tom arrastado de voz devido ao sono que começava a aparecer.
-Eu soube, sinto muito. – respondeu Harry sem saber direito o que dizer. Claro que em todos os anos como auror ou até mesmo nos anos de guerra, viu pessoas morreram em frente aos seus olhos sem ele poder fazer nada para poder mudar isso. Mas com certeza deveria ser muito mais doloroso para um médico, que estudou por anos com a função de poder salvar vidas, ver alguém morrer bem na sua frente, sabendo que poderia ter feito alguma coisa para mudar isso, mas falhando em sua missão. Com certeza era mais chocante.
-Eu deveria estar acostumado, sabia? Já vi várias pessoas morrerem… mas mesmo assim… - soltou um longo suspiro. -… nenhuma morte é igual à outra e eu sempre me sinto impotente quando isso acontece. Meus professores falavam quando eu estava na faculdade: seja educado, seja sincero, transmita confiança, mas não se apegue demais. Acho que nessa última parte eu não dei ouvido a eles.
-Você… você já se apegou demais a algum paciente? – perguntou o moreno curioso, dando uma colherada em sua sopa.
-Uma vez… eu fazia residência na pediatria e tinha esse garotinho. Ele tinha apenas cinco anos, quase cabelo nenhum na cabeça, tinha câncer. Era sempre sorridente e esperançoso. Mas em uma noite, na véspera de Natal, ele teve uma parada cardíaca. Fizemos de tudo, tudo mesmo, mas ele não se salvou e eu tive que dizer aos pais dele sobre a perda. A expressão que eles fizeram… foi como se o mundo deles tivesse acabado ali. Foi horrível.
-E o que você fez? – perguntou Harry, seus olhos verdes cravados no perfil do médico. Elliot desviou seu olhar da rua vazia e mirou no rosto do moreno a sua frente.
-Eu peguei o meu casaco e sai vagando pelas ruas de Oxford sem saber direito para onde estava indo. Foi quando eu ouvi sinos de Igreja tocando e vi pessoas entrando em uma para a missa de Natal. Nunca fui muito religioso, meus pais eram, meus avós são, mas eu gostava mais de passar as missas de domingo brincando no parque do que dentro da Igreja. Mas naquela noite eu entrei e rezei, e chorei, e cantei segurando as mãos de estranhos e me senti em paz. – deu de ombros, tomando um gole de seu refrigerante. –E jurei a mim mesmo que nunca mais perderia o controle dessa maneira. – sorriu de maneira amarga e voltou a olhar para a rua.
-Acho que entendo um pouco o que você sente. – olhos cinzentos voltaram-se surpresos para o rapaz a sua frente.
-Entende? – perguntou desconfiado, franzindo as sobrancelhas.
-No meu trabalho eu lido muito… com mortes… também. – respondeu pausadamente, pensando no que poderia deixar transparecer ou não. O loiro era esperto e saberia detectar uma mentira por mais oculta que ela estivesse.
-Hum… e no que você trabalha? – questionou, vendo se arrancava alguma coisa a mais do rapaz.
-Polícia… mais ou menos. Trabalhei na polícia… agora trabalho em… hum… outra coisa parecida. – mordeu o lábio inferior e Elliot franziu mais as sobrancelhas enquanto possibilidades do que Harry poderia ser surgiam em sua mente. Abriu a boca várias vezes para perguntar mais, para saber mais afundo, mas se as suas conclusões estiverem corretas, Harry tinha um emprego no qual perguntas não era o melhor meio de se conseguir alguma coisa. E que era melhor saber de menos do que saber demais e depois se meter em grandes problemas.
-Sei. – respondeu o loiro de forma que indicava que esse assunto sobre profissões estava encerrado. Talvez com o pouco de informação que ele tinha coletado ele poderia oferecer algo mais ao Rocco e tirar o amigo de seu pé em relação ao paciente misterioso e acabar, finalmente, com as provocações do delegado que dizia que ele estava muito mole com esse moreno inglês e concedendo demais, coisa que ele não faria se fosse outra pessoa. Será que Alicia andou conversando com o marido e dizendo o que não deveria, como naquele dia em que eles foram almoçar juntos? Esperava que não. Tudo o que não precisava era do policial irlandês atazanando a sua paciência.
-E quanto a você? – rapidamente o auror mudou de assunto e viu a expressão do médico passar de desconfiada para surpresa.
-Quanto a mim o quê?
-Nada para dizer sobre você? – insistiu Harry e viu por um breve momento um sorriso escarninho brotar no canto da boca de Elliot.
-Bem… não. Afinal, não fui eu que apareci do nada no beco atrás da lanchonete. – caçoou e Harry torceu o nariz. Já fazia duas semanas, por Merlin, ninguém tinha esquecido dele durante essas duas semanas? Sentia-se novamente em Hogwarts quando ainda era o famoso Menino-Que-Sobreviveu. Ou seja, o centro de indesejáveis atenções.
-Tsc, tsc, tsc! – o loiro deu uma negativa com o dedo em frente ao rosto contorcido de frustração do inominável. –Nessa cidade ninguém esquece nada com tamanha rapidez. Quando eu vim morar aqui eu fui o assunto das fofoqueiras de plantão por um mês.
-E quando foi que você veio morar aqui? Sabe, a sua avó fala muito, sempre de você é claro, mas não fala muito sobre você e eu estou curioso. – perguntou, apoiando os cotovelos na mesa e cruzando as mãos em frente ao rosto, dando um largo sorriso charmoso, aquele que o fez ganhar até um prêmio da Bruxa Semanal, para o jovem médico. Elliot sentiu as faces ficarem rubras diante do sorriso de Harry e novamente voltou o seu rosto para rua para esconder a vermelhidão nas bochechas pálidas.
-Eu nasci em Londres, onde eu vivi por alguns anos e depois que meus pais morreram eu vim morar com os meus avós. – respondeu, dando de ombros e finalmente podendo olhar novamente para Harry agora que o seu rosto estava da cor natural.
-Você viveu em Londres até que idade? – perguntou com um ar de descaso, tentando não fazer parecer um interrogatório policial.
-Até os dezesseis.
-Então você estudou lá por parte da sua vida, não é mesmo? – continuou e Elliot recuou um pouco na cadeira, começando a ficar desconfiado com essas perguntas. Parecia que Harry queria saber algo que o médico pudesse estar escondendo quando que quem era cheio de segredinhos dentro dessa história era o jovem sr. Potter.
-Sim… - respondeu lentamente. –Por quê?
-Hã? Por nada. – retrucou quando percebeu que o loiro estava desconfiado e deu outro de seus sorrisos charmosos. –Apenas curiosidade. Sou assim mesmo. Só queria saber se poderia ter ocorrido o caso de termos esbarrado na escola, ou coisa assim. Onde você estudou?
-Eu estudei no Ginásio St. Peter. – retrucou, erguendo a mão para poder chamar um dos garçons. Talvez fosse a hora de encerrar aquele lanche e aquela conversa. Certo que cada vez que ele olhava para Harry sentia uma certa familiaridade, mas tinha certeza que eles não estudaram na mesma escola. Sem contar que tinha algo no Potter que fazia sensações estranhas brotarem em seu corpo. Coisas confusas e sem nexo. Uma hora ele sentia raiva, outra compaixão, na outra confusão e assim por diante. E nenhuma pessoa jamais despertou isso nele.
-Sim Ed? – Marty parou ao lado dos dois, olhando longamente para Harry.
-Coloca na conta, Marty. Acho que está na hora de levar o paciente de volta para o hospital. – o rapaz ruivo assentiu com a cabeça e anotou o valor do lanche para colocar na conta do doutor, enquanto esse se erguia e vestia novamente o casaco, pegando na cadeira de rodas de Harry e o empurrando de volta para o hospital.
O curto caminho até o hospital foi feito em um silêncio tenso e em minutos os dois estavam entrando novamente na clínica, agora quieta já que todos os pacientes recebidos foram devidamente tratados e aqueles com leves ferimentos foram re-alocados para e pensão e os hotéis da cidade. Elliot empurrou a cadeira de Harry pelo corredor até chegar ao quarto dele que estava escurecido e o levar até a cama. Apenas as luzes dos postes da rua iluminavam o aposento que os dois homens tinham acabado de entrar. O loiro ajudou Harry a subir na cama, o erguendo da cadeira com muita dificuldade, e depois o ajeitou sob as cobertas, logo depois se livrando da cadeira e enfiando as mãos nos bolsos, mordendo o lábio inferior sem saber direito o que dizer.
-Se as minhas perguntas te incomodaram, eu sinto muito. Agora você sabe como é chato quando alguém fica xeretando a sua vida. – respondeu o auror de maneira displicente e Elliot torceu os lábios.
-Não estava xeretando nada Potter. Estava apenas tentando garantir a sua segurança e a de outros cidadãos de Refuge. Mas pelo visto você se recusa a colaborar. Não é a toa que não sofreu nenhum dano cerebral, do jeito que tem a cabeça dura. – comentou jocoso e Harry franziu as sobrancelhas negras. O tom dele, agora, era muito parecido com o de um certo sonserino. E era nessas horas que o moreno ficava confuso. Às vezes ele pensava em desistir dessa loucura de investigação, ainda mais que fazia dias que não recebia notícias dos amigos, e acreditar que isso tudo não passava de uma mera coincidência. Mas nas outras, quando Elliot derrubava a postura de bom doutor e assumia uma outra muito parecida com a do falecido herdeiro dos Malfoy, era que ele ficava mais firme em sua decisão de investigar essa história melhor.
-Se você diz. – Harry deu de ombros, olhando intensamente para o médico a sua frente que agora tinha cruzado os braços e estava com o peito estufado e a pose altiva, como se estivesse se preparando para uma batalha verbal. A imagem de um loiro igual a ele com vestes negras escolares, nessa mesma posição, lhe passou pela cabeça e Harry teve que piscar os olhos várias vezes para convencer a si mesmo que esse não era Draco Malfoy. Apenas um sósia dele ou, quem sabe, algum parente perdido.
-O que foi? – Elliot perguntou quando percebeu que Harry o olhava demais, como se estivesse vendo algo em sua pessoa ou em seu modo de agir, algo que reconhecesse. De repente algumas cenas de dias atrás voltaram a sua mente respondendo a algumas perguntas que surgiram diante do interrogatório do moreno. –Não vai me dizer que você me fez aquelas perguntas porque eu pareço com um colega de escola seu que está morto, não é? – acusou, semi-cerrando os olhos cinzentos e exigindo respostas imediatas.
-Me desculpe ser indiscreto doutor, mas não é todo dia que eu acordo na cama de um hospital e dou de cara com um sujeito que lembra um colega de escola. – rebateu Harry de maneira defensiva. Elliot franziu o cenho de maneira desagradável e fechou a mão em um punho.
-Alguém já lhe disse, Potter, que há pessoas que possam se parecer com as outras nesse mundo sem terem nenhuma relação de parentesco? – respondeu com escárnio e Harry riu um pouco, um riso nada divertido.
-Parecidos sim, mas não irmãos gêmeos. – acusou, sentindo que o médico estava muito na defensiva para alguém que não tinha, aparentemente, nada a esconder. –E você parece incomodado com essas minhas afirmações, como se estivesse escondendo algo, doutor. – ergueu as sobrancelhas de maneira desafiadora e Elliot sacudiu a cabeça de um lado para o outro, não acreditando que estivesse tendo aquela conversa com o paciente a sua frente.
-Eu não tenho nada a esconder sr. Potter. Apenas acho totalmente desagradável que o senhor apareça do nada e só porque me acha parecido com alguém comece a questionar a minha vida.
-Nunca lhe passou pela cabeça que eu talvez só quisesse conhecer você? – foi uma desviada de assunto tão brusca que o loiro quase ficou tonto. Uma hora o homem deitado na cama o estava acusando de ser estranhamente muito parecido com um colega dele e na outra hora ele estava lhe jogando esse sorriso charmoso como se estivesse… flertando com ele. Elliot arregalou seus olhos claros e recuou um passo chocado.
-Eu acho que está tarde. – balbuciou, caminhando de costas em direção a porta, não desviando os olhos do rosto de Harry. –Eu tenho que ir. – abriu a porta bruscamente e saiu do quarto, a batendo atrás de si e encostando-se nela, inspirando profundamente para ver se recuperava o fôlego que sumiu diante dessa revelação. Isso era ridículo. Agora além da presença de Harry e as suas perguntas insistentes lhe incomodarem estranhamente, agora o homem vinha com essa atitude anormal, como se estivesse tentando… Nem queria pensar nisso. Não iria pensar nisso. Algo ficava martelando dentro do seu coração de que se aproximar demais desse paciente só lhe traria problemas. Talvez fosse uma boa hora de rever os exames do sr. Potter para ver quando ele poderia ter alta. Se não precisasse vê-lo diariamente, não precisaria fugir dele e desses sentimentos que ele despertava dentro de si. Sim, iria fazer isso, iria ver se estava ou não na hora de livrar-se desse pequeno incomodo.
Ron já estava ficando impaciente, coisa que ele não ficava há anos, mas ver aquele curandeiro andando de um lado para o outro, remexendo em poções e sempre arrumando um modo de se ocupar antes de responder as suas perguntas o estava deixando nervoso. Dalton Thompson era um homem já velho, com cabelos brancos e uma longa barba cheia de tranças. Seu uniforme de curandeiro tinha mais manchas que um desenho infantil feito com tinta colorida e ele era muito parecido com um bruxo hippie que tinha vindo direto dos anos setenta. Falava devagar, sempre se perdia em pensamentos e, vez ou outra, dava uns sorrisos bobos como se estivesse achando extrema graça do que estava vendo em uma parede branca. Ou seja, na opinião do ruivo, ele era totalmente pirado na batatinha.
-Vai me responder sr. Thompson? – perguntou já nervoso, dando uma profunda inspirada de ar e contando até dez mentalmente. Era uma hora da manhã e com sorte hoje era o plantão do curandeiro. Com o St. Mungos adormecido e silencioso era muito mais seguro para o ruivo se infiltrar lá e fazer perguntas confidenciais para o bruxo-legista que avaliou os corpos da família Malfoy.
-Sim… o jovem sr. Malfoy. Lembro dele, lembro sim. – murmurou com um tom aéreo, guardando alguns potes com fluídos que retirou de alguns corpos dentro daquele necrotério. Ron olhou a sua volta e suprimiu um arrepio. Estranhamente cavar um túmulo de madrugada era menos assustador do que ficar naquela sala de paredes e mesas frias com refrigeradores cheios de corpos de bruxos.
-Que bom. – retrucou sarcástico. –Então poderia me explicar como ele foi avaliado pelos aurores da época ter sido morto com uma maldição imperdoável e o senhor colocar no atestado que a causa da morte foi um traumatismo craniano?
-Oh! Claro! – sorriu jovial para o ruivo, mirando seus olhos turquesa no rapaz. –Foi um caso intrigante, garanto. Deve saber senhor… - torceu os lábios tentando lembrar o nome do jovem. -… Weasley. Aliás, conheci o seu pai, um bom homem, devo dizer. Pena que partiu. – abaixou a cabeça por alguns segundos como se estivesse lembrando da memória do falecido Arthur Weasley, uma das várias perdas de guerra.
-Sim, sim, meu pai era um bom homem. Mas dá para ser mais direto aqui? Estamos falando de outro falecimento. – tamborilou os dedos em cima de uma mesa de metal. Aquele homem mandava para o espaço todas as suas aulas de controle emocional.
-Draco Malfoy! Hum… sim, sim, claro! Do que foi que ele morreu mesmo? – Ron queria matar alguém e, de preferência, esse curandeiro. Se Hermione estivesse nesse momento com ele com certeza já teria testado um dos seus feitiços experimentais no homem.
-Achado morto, junto com os pais, acusado de traição a Voldemort. – o curandeiro tremeu diante desse nome e o ruivo rolou os olhos. –Morto com uma maldição imperdoável. É o que está escrito aqui. – e estendeu para ele o atestado que copiou na sala de arquivos de óbito do Ministério.
-Não, não! – Thompson sacudiu a cabeça de um lado para o outro. –Nenhuma maldição imperdoável. Foi um dano cerebral.
-Disso eu sei! Eu li. Mas como ele conseguiu esse dano? Por que o Profeta Diário disse que foi uma imperdoável?
-Porque foi uma imperdoável. – respondeu Dalton como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
-Argh! Fale a minha língua infeliz! – Rony explodiu e o curandeiro piscou, inabalado diante do mau humor do ruivo.
-Sr. Weasley, quando um bruxo morre de causas não naturais, fazemos uma avaliação geral de sua pessoa para saber se o motivo da morte foi alguma doença ou algum feitiço. Quando um bruxo recebe uma maldição imperdoável, essa ainda fica atrelada ao seu corpo por pelo menos vinte e quatro horas, fundindo-se com a sua magia, e para isso precisamos dispersá-la ou ao menos encubá-la dentro do corpo do bruxo senão ela pode ser liberada e gerar mal a terceiros quando esse bruxo em questão for enterrado.
-Como? – o ruivo piscou sem entender.
-Pense em radioatividade, sr. Weasley. É assim que funciona a magia causadora da morte de um bruxo. Se ele morreu por um feitiço ou poção, elas se tornam prejudiciais, radioativas, por um período de vinte e quatro horas. Se elas se desprenderem do corpo e chegar ao solo, quando o bruxo for enterrado, podem afetar a terra e algum lençol d'água, causando males futuros.
-Como a radiação.
-Como a radiação, mas com um tempo de duração menor.
-E o que isso tem a ver com a causa da morte de Draco Malfoy?
-Bem, primeiro que o tempo de duração da radiação do avada kedavra foi menor. Doze horas que durou dentro do corpo do senhor Malfoy.
-E o que isso quer dizer?
-Isso só acontece em dois casos, sr. Weasley: quando o corpo em questão é de um trouxa, por isso não há magia para mixar…
-O que com certeza não era o caso do Malfoy.
-Ou quando o corpo em questão já estava morto quando o feitiço foi aplicado.
-O quê? – Ron arregalou os olhos. –Como assim?
-Foi por isso que eu atestei que a causa da morte foi um trauma. A radiação sumiu depois de doze horas e isso não poderia acontecer, não no caso do senhor Malfoy. Fiz uma autópsia no rapaz e descobri um dano cerebral enorme. Mas não apenas isso…
-Tem mais? – perguntou estupefato. Essa história estava ficando a cada minuto mais estranha. E olha que ele já era um inominável há uns oito anos, por isso já tinha visto muita coisa estranha nessa carreira.
-Sim. – o curandeiro caminhou até uma parede onde um grande armário se encontrava e abriu uma das portas dele. Era uma porta de madeira corroída, com certeza a mais antiga das portas do armário e que deveria guardar os mais antigos dos objetos. –Casos intrigantes assim eu sempre costumo guardar para mostrar aos meus alunos na faculdade. – comentou com a voz animada, puxando sob vários envelopes de pergaminho um envelope em particular. –Veja isso! – apontou a varinha para um papel pergaminho especialmente utilizado para raios-x e o ergueu no ar, iluminando o papel e mostrando o raio-x do que seria o cérebro do Malfoy. –Há uma lesão aqui, que com certeza é onde ele recebeu a pancada. Mas também tem outra coisa. Olha aqui. – apontou uma outra parte do cérebro no raio-x. –Essa parte inteira estava inativa antes de ocorrer a morte cerebral. E com certeza ficou inativa por uns dois anos. – falou, circulando a parte direita do cérebro.
-E o que isso quer dizer?
-Que ele ficou em coma por dois anos, até finalmente morrer e depois receber um avada kedavra. – Rony teve que se sentar para não cair no chão diante do choque.
-Está me dizendo que durante dois anos eu convivi com alguém que não era Draco Malfoy, ou um zumbi? Como isso é possível?
-Ou isso sr. Weasley, ou o corpo que me entregaram não era do jovem Malfoy. – o curandeiro respondeu calmamente, guardando os raios-x de volta no envelope.
-Mas então onde está o corpo do Malfoy? – perguntou em voz alta, se levantando quando finalmente sentiu as forças das pernas voltarem.
-Isso eu não sei. Só cuido da autópsia, não do funeral. – Ron passou as mãos pelos cabelos ruivos. O funeral? Talvez fosse bom falar com quem organizou o funeral dos Malfoy. Alguém deve ter visto o corpo antes de ele se enterrado. O inominável soltou um bufo, saindo do necrotério. A cada minuto essa história ficava mais complicada e estava começando a lhe dar dor de cabeça. Nunca pensou que um dia iria se importar onde à doninha quicante foi ou deixou de ser enterrada.
Elliot desligou o motor da caminhonete, saindo do carro o mais silenciosamente possível. Já eram altas horas da madrugada e a última coisa que ele queria era acordar os seus avós que com certeza já deveriam estar dormindo faz tempo. Com passos leves subiu os degraus da varanda e com todo o cuidado rodou a chave na fechadura, abrindo a porta suavemente e a fechando com um clique silencioso atrás de si.
-Essa cena me lembra muito aquelas cenas de quando você voltava a altas horas da madrugada depois de uma noite de farra com o Rocco. – a voz rouca soou pela sala e um abajur foi aceso, iluminando o local. O loiro deu um pulo de susto e com uma virada brusca encarou Owen, sentado com pijamas e um roupão, no sofá.
-Vovô! – inspirou profundamente para poder se recuperar do susto. –Quer me matar do coração? – perguntou com a mão ainda sobre o peito. –O que o senhor faz acordado? – perguntou, caminhando até a cadeira mais próxima ao sofá e sentando-se ao lado do homem.
-Esperando você, é claro. Sua avó me fez garantir que eu te arrancaria daquele hospital nem que fosse a força. – comentou, dando uma olhada para o relógio pendurado na parede e que marcava duas e meia da manhã. –E se você demorasse mais dez minutos eu iria lá fazer isso. Eu sei que a sala dos médicos existe naquele lugar para alguma função obscura, visto que só tem um médico naquela clínica, mas você não precisa se mudar para ela. Você tem um ótimo quarto lá em cima, - e apontou escada acima. -com uma cama extremamente confortável e enfermeiras muito competentes. Se acontecer alguma coisa com certeza você será o primeiro a saber.
-Eu sei, mas é que…
-Mas nada Elliot. Você ficou o dia inteiro naquele hospital correndo de um lado para o outro cuidando dos pacientes do acidente. Olhe só para você, está um caco. Pele e osso. – o loiro rolou os olhos. Isso não era verdade. Até que ele estava em forma para alguém que não fazia um bom exercício há tempos. Se bem que, ter rodado aquele hospital para cima e para baixo em um dia como o de hoje foi exercício suficiente para a vida inteira. –Venha, Elizabeth deixou seu jantar no microondas e me fez garantir que você comeria. – Owen levantou-se do sofá e caminhou para a cozinha, lançando um olhar por cima do ombro que ordenava Elliot a seguí-lo. Resignado, o loiro foi se arrastando para a cozinha da casa e deixou-se cair em uma cadeira assim que entrou nela, esperando que o seu avô esquentasse a sua comida e sentasse a sua frente, como uma ave de rapina, com os olhos atentos para garantir que ele iria se alimentar. Cinco minutos depois um prato era colocado em frente aos seus olhos e, lentamente, Elliot começou a comer aos poucos o que estava no prato.
-Hum, isso está bom. – comentou quando deu a primeira garfada.
-Claro que está bom! Você com certeza deve estar com o estômago vazio desde de manhã. – o fazendeiro ralhou e o médico encolheu-se na cadeira. Seu avô era um amor de pessoa, quando não estava tentando bancar o super protetor. Aí ele virava o seu pior pesadelo.
-Não é verdade, eu fiz um lanche com o Harry há algumas horas atrás. – defendeu-se. Na verdade, diante do rumo que a conversa do Harry estava tomando, Elliot saiu tão às pressas da lanchonete que nem terminou o seu lanche direito.
-Harry, que Harry?
-Harry Potter, o paciente misterioso. A nova sensação da cidade. – Owen ergueu as sobrancelhas brancas em uma clara indicação que sabia do que ele estava falando.
-Esse Harry. Sua avó me falou dele. Rapaz educado… mas muito curioso.
-Como assim curioso?
-Ela disse que ele estava fazendo perguntas às enfermeiras sobre você. – o loiro quase engasgou com a comida. Isso não estava lhe cheirando bem.
-Sobre mim? – franziu as sobrancelhas claras.
-Sim! – Owen começou a rir. –Se eu não soubesse, acho que diria que ele está interessado em você. – provocou e o jovem ficou rubro de vergonha.
-Não seja ridículo vovô! – esbravejou, abaixando o rosto para esconder a vermelhidão. Owen rapidamente parou de rir e torceu os lábios diante da reação do neto.
-Ou será que seria o contrário? – falou seriamente e Elliot ficou o cúmulo da cor vermelha.
-Você e a Alicia andam com uma conversa muito estranha sobre mim. – responde mal humorado. O que tinha dado neles para começarem, de uma hora para a outra, contestarem a sua sexualidade. Só porque não tinha tempo para encontros não queria dizer que ele não era interessado em mulher. Ele era interessado em mulher… apenas não tinha nenhum interesse em uma no momento… ou nos últimos dez anos. Quer dizer, as poucas relações que ele teve foi coisa de uma noite. E, na verdade, havia sido apenas duas vezes quando ele estava na faculdade. Mas isso não queria dizer que ele não era interessado em mulher e ponto!
-Mas você tem que convir que o seu interesse em relação ao senhor Potter…
-É estritamente profissional. Ele é um paciente como outro qualquer! – defendeu-se o loiro.
-Mas você dá mais atenção a ele do que a qualquer outro paciente. Algo nele te afeta, e ou você não sabe o que é ou não quer me dizer o que é. Elliot, eu sou o seu avô e eu amo muito você meu filho. Você sabe que pode confiar em mim. Se você está interessado…
-Eu não estou interessado nele! - interrompeu bruscamente. Só porque andava mais próximo de Harry do que gostaria diante da sua relação profissional com ele, só porque vivia falando sobre o moreno pelos cantos e sempre o estava defendendo das fofoqueiras de plantão, não queria dizer nada. -Não dessa maneira. Há algo no Potter que me intriga. A presença dele…
-O que tem a presença dele?
-Ele me lembra alguém. Na verdade, eu tenho a sensação de que o conheço de algum outro lugar. É isso.
-Talvez conheça. Ele é inglês como você. Talvez vocês tenham se conhecido na infância e não se lembrem.
-Será? Não, ele se lembraria de mim. Creio que sim. Ele diz que eu sou muito parecido com um falecido colega de escola dele. – Owen franziu totalmente as sobrancelhas ao ouvir isso.
-Verdade? – perguntou desconfiado e Elliot deu um aceno positivo com a cabeça.
-Sem contar que a presença dele… eu me sinto ameaçado na presença dele. Como se ele estivesse prestes a tirar algo importante de mim. – o fazendeiro recuou na cadeira e soltou um longo suspiro, não gostando nada dessa história sobre o senhor Potter. Talvez fosse apenas coisa de sua cabeça, mas também estava começando a ter a sensação de que esse homem era uma ameaça. Para o que, ele não sabia. –E também tem o fato de que ele me irrita.
-Te irrita? – o homem perguntou surpreso. Seu neto não era de se irritar fácil. Certo que tinha um senso de humor que às vezes beirava ao extremo sarcástico, um temperamento difícil, mas não era de se irritar por trivialidades. Como médico ele não poderia perder a paciência dessa maneira. E agora ele vinha lhe dizer que um de seus pacientes o estava irritando!
-Sei lá, algo no modo de agir dele. Ele parece tão… perfeito. Me irrita. – deu de ombros, dando uma generosa garfada em sua comida e Owen ergueu as sobrancelhas. Realmente, esse tal de Potter estava afetando o seu neto mais do que gostaria. Quando foi que Elliot se irritou com uma pessoa apenas porque ela era… perfeita demais? Se fosse esse o caso, o loiro odiaria a si mesmo com a mesma intensidade que parecia estar começando a desprezar o sr. Potter por causa da sua… perfeição.
Harry revirou os pergaminhos em suas mãos e vez ou outra lançava um olhar intrigado para Ron, que estava sentado ao pé de sua cama e que parecia tão confuso quanto ele diante do que estava escrito nos papéis.
-Tem certeza disso Ronald? – perguntou o moreno e o ruivo soltou um longo suspiro, dando um aceno positivo com a cabeça.
-Eu falei com o curandeiro, peguei uma cópia do atestado de óbito, da avaliação do legista e consegui até uma cópia do raio-x, coisa que não foi muito fácil. – resmungou, lembrando-se que tinha voltado essa manhã ao St. Mungos para conseguir uma cópia do raio-x com o desmiolado curandeiro Thompson.
-Isso é impossível. Malfoy esteve com a gente nesses dois anos antes de morrer. Como ele poderia estar em coma e apresentando um dano desse tamanho?
-Eu sempre achei que ele fosse meio perturbado das idéias… agora ta aí a explicação. – escarneceu, coçando a cabeça e arrepiando as mechas ruivas. Harry deu uma risada sem vida e voltou a avaliar os papéis. –Poderia ser também uma poção polissuco. Vai saber, Lucius Malfoy também não regulava muito bem da cabeça.
-Certo, então acompanhe o meu raciocínio e vamos bolar uma teoria louca. O Draco que estudou com a gente a partir do quinto ano até o sexto na verdade era outra pessoa se passando por Draco, enquanto o verdadeiro estava em coma em algum lugar. Quando o verdadeiro morreu, Lucius armou aquela encenação toda de ataque para poder arrumar uma desculpa para a morte do filho. Não faz sentido, já que ele também morreu no ataque. Então para que se arriscar tanto?
-Sem contar que eu, infelizmente, investiguei. – rolou os olhos, dando um longo bocejo. Não tinha conseguido descansar direito nos últimos dias por causa desse caso maluco. –Os corpos de Lucius e Narcissa Malfoy estavam em seus lugares de direito. Até peguei uma amostra de DNA deles, o que foi completamente bizarro. – tremeu ante a lembrança de pegar uma amostra óssea daqueles corpos no meio da madrugada. -Agora só preciso de uma amostra do jovem médico e temos o nosso herdeiro.
-Isso não quer dizer nada, Ron. Mesmo que descubramos que o Dr. Hart seja um Malfoy perdido, ainda está a questão de onde está o outro herdeiro. O corpo de Draco Malfoy. – voltou os seus olhos para o relatório, tentando colocar algum senso nessa loucura toda.
-Talvez ele tenha se erguido do túmulo como em um típico filme de sexta-feira treze. – Harry deu uma risadinha diante do comentário do amigo, mas rapidamente ficou sério.
-Espera aí? – murmurou, revirando mais os pergaminhos. –Tem um erro aqui.
-Tem? – Ron desceu da cama e caminhou até o moreno, parando ao seu lado para ver o que ele estava lendo.
-Aqui diz que não há marcas de nascença, tatuagens ou cicatrizes.
-E daí?
-Malfoy tinha uma cicatriz. Na verdade, ele tinha três. Era bem no braço direito, eram três linhas transversais finas. Você só sabia que elas estavam lá se soubesse o que procurar.
-Três linhas transversais? Ta falando daquele corte que o Bicuço deu nele? Pensei que Madame Pomfrey tinha curado isso.
-Apesar do drama que ele fez na época, o corte realmente havia sido um pouco feio e acabou deixando cicatriz. Aqui diz que ele não tinha cicatriz.
-Talvez o doutor louco tenha deixado isso passar.
-Acha mesmo que um sujeito que se interessou tanto por esse caso a ponto de guardar os exames dele por dez anos iria deixar isso passar? Claro que não. O corpo que deram para ele avaliar era outro. Isso explica o porquê do caixão estar cheio de pedras.
-Harry, aonde você quer chegar com isso, amigo?
-Que o Malfoy pode estar vivo? – falou com um sorriso de orelha a orelha e Ron recuou dois passos, balançando a cabeça de um lado para o outro de maneira negativa.
-Não faz sentido. Se ele estivesse vivo, mas se escondendo por causa da guerra, a essa altura do campeonato já teria reaparecido para poder dar fim ao inventário que está à fortuna Malfoy.
-E se ele realmente estivesse vivo… - continuou Harry, estreitando os olhos verdes quando uma idéia louca, mas não impossível, surgiu em sua cabeça. -… e mais perto do que pudéssemos imaginar. Talvez ele tenha desistido da fortuna Malfoy… ou talvez esteja fugindo dos parentes ambiciosos.
-Acho muito pouco provável, do jeito que ele estufava o peito com orgulho para dizer que era rico e que era um Malfoy. – continuou o ruivo, passando uma mão pelo rosto. –E pelo o amor de Merlin, não me diga que você está pensando no que eu estou pensando?
-Que o Dr. Hart…
-Não Harry! – Ron o interrompeu, sentando-se ao lado dele na cama e olhando profundamente nos olhos verdes do amigo. –Eu sei o que você está tentando fazer e eu não acho isso saudável meu amigo.
-E o que eu estou tentando fazer? – perguntou o moreno em um tom seco.
-Está tentando ressuscitar Draco Malfoy. Mas aceite que ele está morto.
-Mas o corpo não está lá. O corpo avaliado nem era dele.
-Pode ter havido um engano. O curandeiro é doido de pedra e o St. Mungos e o Ministério sempre foram uma zona. O corpo dele pode ter sido levado para outro lugar. Vai saber que mistérios rondam a família Malfoy? Eles sempre foram cheios de segredos. E eu aposto que a única coisa semelhante entre esse Dr. Hart e o Malfoy é a aparência, que nem parentes eles são.
-Mas você concordou com a Mione… foi ela que sugeriu…
-Você sabe como é a Mione, qualquer coisa intrigante que apareça e ela já acha que é caso para mobilizar todos os esquadrões de aurores para uma investigação. Se eu estou fazendo isso é pela Tonks, apenas para ajudar uma amiga a resolver um antigo e complicado problema de família. Na minha opinião é apenas uma mera coincidência eles serem parecidos. E eu acho que você não deveria alimentar falsas esperanças e muito menos espelhar o que sente pelo Malfoy nesse médico.
-Espelhar o que sinto? E o que eu sinto Ronald? – exigiu, já começando a se irritar com a conversa do amigo. Os dias preso naquele hospital o estavam deixando de muito mau humor.
-Amor? Você mesmo me disse Harry, depois que o Malfoy morreu, que estava apaixonado por ele. Fui eu que te consolei por dias dentro daquele quarto escuro na casa dos Black.
-Isso foi há uns doze anos Ron!
-E você ainda está de luto. – rebateu o ruivo sabiamente. –Você nunca mais namorou ninguém. Homens te dão bola, mulheres te dão bola, e você nem dá um olhar para eles! Fechou o seu coração o dedicando a um amor que nunca, e quem saiba, jamais seria correspondido. E agora que aparece esse tal Dr. Hart você espelha o que sente nele apenas para sofrer de novo. E agora que a gente descobre coisas estranhas envolvendo a morte do Malfoy você cria esperanças tolas para algo que com certeza deve ter uma explicação razoável e simples!
-Eu… - Harry abriu a boca estupefato. Quando foi que o amigo se tornou tão observador, quando foi que ele passou a compreender Harry tão bem? –Eu… argh! Você ta certo. Eu não estou pensando racionalmente.
-Pra mim você nunca pensou mesmo. – provocou o ruivo, com um grande sorriso malicioso e Harry socou o braço dele, dando uma pequena risada.
-Então o que faremos? – perguntou com um ar cansado. Ter as esperanças destruídas assim doía, ainda mais em dobro. Quando Draco morreu ele acreditou por dias que era apenas uma mentira, que era um engano, que o loiro não poderia estar morto. Quando voltou a Hogwarts e não viu o sonserino no trem, ainda sim continuou se enganando, dizendo que ele estava atrasado ou coisa parecida. Mas quando entrou no salão principal para a festa de boas vindas e olhou para a cara dos alunos da Sonserina e, depois, ouviu o discurso de Dumbledore sobre o falecimento da família Malfoy, o mundo de Harry quebrou e ele passou o sétimo ano inteiro agindo como zumbi e jurando a si mesmo que acabaria com Voldemort de uma vez por todas.
-Descobrir o que aconteceu com o corpo do Malfoy e pegar uma amostra de DNA do Dr. Hart para exames.
-E como vamos descobrir sobre o Malfoy?
-Alguém cuidou do funeral de Lucius e Narcissa. Eu só preciso saber quem e aí teremos a nossa resposta… espero. – silêncio por longos e tensos minutos. –Ah! – Ron falou, pegando do chão uma bolsa que tinha trazido consigo. –Eu trouxe algumas coisas para você. Roupas, objetos pessoas, dinheiro trouxa, o que você precisar nesses dias. – disse, colocando a bolsa sobre o colo dele.
-Para que eu vou precisar de dinheiro? – perguntou, enfiando dentro da bolsa os pergaminhos que Rony tinha trazido.
-Talvez para quando sair daqui senhor Potter? – Elizabeth Hart entrou no quarto, carregando uma prancheta sob um braço e um par de muletas no outro. –Os resultados dos seus exames saíram. Elliot disse que você não está cem por cento, mas bom o suficiente para poder ir para casa por si só. Porém tem que ficar em observação e seria melhor que não ficasse sozinho. – falou com um largo sorriso, entregando o par de muletas para ele. Harry olhou para as duas peças de ferro como se não acreditando no que estava ouvindo. Finalmente poderia se ver livre daquele hospital e voltar para casa. Porém… o moreno ergueu os olhos para mirar o amigo ruivo. Se fosse embora, não poderia investigar mais coisas sobre Elliot Hart. Teria que arrumar um jeito de ficar na cidade por mais tempo.
-A chefe deu licença para você. Estava quase esquecendo disso. – murmurou Rony, estendendo o pergaminho assinado por Tonks e que dizia que Harry Potter estava fora de ação por tempo indeterminado. –Talvez você queira tirar umas férias. – sugeriu, o olhando firmemente e Harry rapidamente agarrou essa oportunidade.
-É, talvez seja bom eu tirar umas férias. Acho que vou ficar por aqui mesmo. – falou displicente e Elizabeth deu um sorriso.
-Que bom que decidiu ficar. Acredito que o seu amigo irá ficar também. Não é aconselhável te deixar sozinho sr. Potter, seu corpo ainda está fraco.
-O quê? – o ruivo virou-se para a mulher com um olhar culpado, mordendo o lábio inferior. –Eu não posso ficar. Sem o Harry estou tendo que fazer o trabalho em dobro. Mione também não pode vir, disse que encontrou uma nova teoria para ser aplicada dentro do trabalho que estava fazendo antes de você se acidentar. Eu sinto muito Harry. Talvez eu possa mandar um dos meus irmãos…
-Não! – o moreno o cortou rapidamente. –Não precisa mandar seus irmãos… ou a sua mãe. Eu vou ficar bem sozinho, garanto. – insistiu e Elizabeth torceu o nariz consideravelmente, não gostando muito dessa idéia do rapaz ficar sozinho enquanto estava convalescendo. Ele até que poderia ir para a pensão da sra. Doubfire, onde seria mais bem tratado do que em um das poucas pousadas da cidade, mas mesmo assim nem mesmo a sra. Doubfire poderia ficar de olho nele vinte e quatro horas por dia. Sem contar que a mulher já estava ficando ocupada com os turistas que estavam chegando para essa temporada de verão.
-Não acho aconselhável você ficar sozinho rapazinho. Pode ter uma recaída, já que enfrentou uma infecção enquanto estava aqui. – repreendeu a senhora e Harry deu um sorriso fraco para ela.
-Eu sei me cuidar sra. Hart e sinceramen… - começou mas foi bruscamente interrompido pela mulher.
-Não! Elliot se preocupou muito com você para você vir e ficar doente de novo. Não vou permitir isso. O senhor vem comigo, sr. Potter.
-O quê? – Harry piscou desacreditado e Rony quase pulou eufórico diante da sorte deles. Ir para a casa do próprio Dr. Hart era tudo o que eles precisavam para continuar a investigação sem levantar suspeitas. –Sra. Hart, eu não quero causar problemas e… - insistiu o moreno, embora no fundo pensasse o mesmo que o amigo. Mas aceitar prontamente a oferta poderia ser estranho.
-Problema algum, deixa disso rapaz. – insistiu a mulher e Harry apertou os lábios em uma linha fina, como se pensando se deveria aceitar mesmo a proposta.
-Ao menos me deixe pagar pela estadia. – impôs e Elizabeth abriu a boca para protestar quando viu o olhar esverdeado sobre si que insistia em pagar pela hospedagem. Resignada ela deu um aceno positivo com a cabeça, concordando com o pedido. Não sabia direito por que fazia isso… não, mentira, ela sabia. Sabia pelo que tinha conversado com o Owen na noite anterior. Elliot estava desenvolvendo um interesse e afinidade por esse tal de Potter que era totalmente estrangeiro para o médico e Elizabeth queria saber até onde esse interesse iria. Claro que como uma boa religiosa, saber que o seu neto poderia estar interessado por um rapaz a chocou profundamente nos primeiros momentos. Mas cada vez que ela via Elliot se afundando em trabalho, dedicando a sua vida para salvar a vida dos outros e esquecendo de si mesmo, Elizabeth usaria qualquer cartada para poder fazer o rapaz agir de acordo com a idade que tinha. Elliot era muito novo para envelhecer tão precocemente. Parecia até que ele tinha acabado de sair do coma. Ele precisava reaprender a viver. E se o Potter fosse a resposta, ela estaria disposta a tudo para ajudar o destino.
-Eu irei avisar ao Elliot sobre o acordo e quando ele sair essa noite do hospital ele te leva para casa. – disse a mulher com um sorriso, entregando a folha de liberação para Harry e saindo do quarto. Assim que porta fechou-se atrás dela, Rony arregalou os olhos com um sorriso bobo no rosto.
-Putz Harry, vai ser sortudo assim lá…
-Ron… - advertiu e o ruivo soltou uma longa gargalhada.
-Eu sei, eu sei. – ficou sério subitamente. –Mas lembre-se Potter, você está aqui para investigar. Lembre-se… Malfoy está morto e… virtualmente enterrado. – gracejou, dando de ombros. –Draco e esse médico são pessoas totalmente diferentes. Não se iluda e muito menos crie esperanças que não existem. – avisou ao amigo, o olhando seriamente para ver se ele tinha realmente ouvido o seu conselho.
-Pode deixar mamãe, eu vou me cuidar e não fazer nenhuma besteira. – respondeu com um bico e Ron sorriu.
-A senhora fez o quê? – o grito ecoou pelas paredes brancas do hospital e uma enfermeira e duas voluntárias ergueram os olhos, chocadas diante da explosão do médico. –A senhora está ficando senil, nana? Você convidou um estranho para ficar na nossa casa? Um sujeito que saiu do nada?
-Não é um estranho. O menino Potter e eu nos entendemos muito bem nesses últimos dias que ele ficou internado. Sem contar que com uma perna quebrada, escoriações e costelas feridas, o que ele pode realmente fazer? E ele não é tão estranho, misterioso ou coisa assim, como você pode atestar pelos amigos dele.
-Vai me dizer que a senhora acredita naquela história absurda de que ele sofreu um acidente e veio caminhando até aqui? – Elliot arregalou os olhos chocado diante das sandices que estavam saindo da boca da sua avó.
-Vocês jovens complicam tanto a vida. Não me parece impossível isso ter acontecido. Por que a resposta mais simples é sempre a menos aceitável?
-Rocco disse que não encontrou nenhuma moto!
-Pode ter sido rebocada ou coisa parecida. A estrada é longa, pode ter caído em um barranco e o menino Snipes ter deixado isso passar. Sinceramente querido, você não sabe usar a lógica. E qual é o grande problema do Harry ficar com a gente? O que tem nele que o incomoda tanto? – o loiro olhou a sua volta para as mulheres que estavam na sala e que observavam com grande interesse a discussão entre avó e neto. Se deixasse Harry ficar perambulando sozinho por Refuge com certeza ele seria perturbado vinte e quatro horas por dias pelos moradores curiosos e isso não ajudaria na sua recuperação. Se ele deixasse Harry ir morar com os seus avós, quem se sentiria perturbado seria ele. O rapaz mordeu fortemente o lábio inferior e passou os dedos por entre os fios claros do cabelo.
-Certo! Certo! Ele fica com a gente, ele pode ficar com a gente. – respondeu derrotado e Elizabeth ergueu as sobrancelhas claras.
-Pode? Eu não estava pedindo a sua autorização Elliot. – falou com a voz firme e o rapaz se encolheu um pouco, parecendo ficar a cada minuto menor do que a avó diante do tom de voz dela, como uma criança sendo repreendida por uma travessura. –Eu estava apenas informando que quando você voltar para casa essa noite para dar uma carona ao jovem Harry. E o senhor vai voltar para casa essa noite, está me ouvindo? Isso daqui é um hospital, e hospitais não foram feitos para se morar. – ordenou e Elliot estava desejando intensamente que Rocco aparecesse com a sua arma e lhe desse um tiro. Era totalmente ridículo ele estar sendo repreendido pela própria avó como se fosse uma criança e em frente a pacientes e funcionários. Sua moral despencaria se isso corresse pela cidade. Onde estava o buraco para ele se enterrar?
-Pode deixar nana. – respondeu entre dentes, extremamente contrariado. Seu dia tinha começado tão bem apesar da reviravolta que a sua vida estava sofrendo nas últimas semanas, e aí vinha a sua avó com essa idéia maluca. Algum Deus deveria estar conspirando contra ele e se divertindo muito com a sua situação miserável, apostava.
-Ótimo querido. – falou em um tom animado, dando um estalado beijo na bochecha dele e sumindo em um dos quartos para ver um dos pacientes do acidente de ônibus que ainda estavam internados no hospital. Os olhos cinzentos miraram os seus arredores, vendo com desagrado o sorriso que estava no rosto das pessoas na sala de espera.
-Apple Vaugh! – chamou com a voz firme depois de olhar o nome da paciente na ficha que estava nas suas mãos. Uma adolescente de cabelos loiros cacheados e brilhantes olhos azuis divertidos veio em sua direção, o sorriso em seu rosto indicando que tinha gostado extremamente da cena que tinha presenciado entre o cobiçado Dr. Hart e a sra. Hart e que isso seria assunto na roda de amigas dela por dias.
O sol se punha lentamente no horizonte para desespero de Elliot, que estava considerando intensamente em mandar uma enfermeira dar carona para o Potter até a sua casa e fazer um plantão essa noite, mesmo que não fosse necessário pernoitar no hospital. Sim, sim, era melhor fazer isso mesmo. Estava quase pegando o telefone para comunicar isso a Lucy quando a própria entrou em seu consultório com uma expressão determinada no rosto.
-Elizabeth acabou de ligar e exige a sua presença e a do Harry no jantar. – e deu as costas para o loiro, saindo da sala com a mesma velocidade com que apareceu. Elliot deixou a cabeça cair sobre a mesa, batendo a testa diversas vezes sobre a madeira clara do móvel.
-Vai ganhar uma concussão com isso. – a voz soou na entrada da sua sala e Elliot ergueu a cabeça em um estalo, mirando os olhos em um Harry Potter de muletas, cabelos rebeldes, calças jeans desbotadas e camiseta. Uma visual muito, mas muito melhor do que aqueles pijamas sem cor do hospital.
-Não sabia que você era o que tinha o diploma dentro dessa sala. – respondeu sarcástico, levantando-se de sua cadeira e caminhando duro até o armário, tirando bruscamente o seu jaleco e pegando a sua bolsa com roupas que ele sempre mantinha dentro da sua sala. Jogou o jaleco branco dentro do armário e bateu a porta, passando a chave nele e depois começou a caminhar em direção a Harry, que cedeu passagem para o médico, o acompanhando corredor abaixo até o elevador da clínica. Fizeram a viagem de elevador em silêncio e chegaram ao pequeno estacionamento. Elliot abriu a porta de passageiro de sua caminhonete, ajudando Harry a ajeitar-se no banco, e depois foi para o seu lado, sentando no volante e dando uma inspirada profunda de ar.
-Quem te ver agora vai dizer que você não gosta da idéia de eu passar um tempo na sua casa. – Harry provocou, sabendo que o rapaz estava, a cada dia, ficando mais incomodado com a sua presença. Sabia que deveria recuar e ir explorando o campo mais devagar para não assustá-lo ou levantar suspeitas, mas o modo como ele ficava rubro de raiva contida ou vergonha, o modo como a sua boca se contorcia em um sorriso escarninho e piadas de humor negro saíam dela, fazia com que Harry… Fazia o quê? Pensou alarmado. Fazia Harry criar uma semelhança entre Draco e Elliot que não existia? Não! Rony tinha razão, ele estava espelhando sentimentos e isso era um erro e ele teria que parar agora antes que fosse tarde demais.
-O que te fez ter essa idéia? – respondeu de maneira seca, virando o carro bruscamente em uma curva e entrando em uma estreita estrada de terra que levava para a área mais rural da cidade. Vinte minutos depois o carro entrava nas terras cercadas da família Hart, parando em frente à casa colonial de madeira, visivelmente confortável e espaçosa. O loiro desceu do carro rapidamente, ajudando Harry a fazer o mesmo e o levando para dentro da casa.
-Harry! – Elizabeth apareceu na sala vinda da cozinha, um sorriso tão largo no rosto que parecia iluminar todo o lugar. –Elliot! – falou extremamente surpresa e o loiro rolou os olhos. A sua avó realmente tinha acreditado que ele não iria fazer o que ela tinha pedido. Bem, por um longo momento ele realmente pensou em não fazer.
-Está entregue. Onde está o vovô? – perguntou, largando a sua bolsa e a de Harry sobre o sofá.
-No celeiro mas… - a mulher nem conseguiu terminar de explicar e o médico sumia pela porta da casa em direção ao celeiro. –Afê, mas esse menino não tem jeito. – resmungou e depois voltou a sua atenção para o seu convidado. –Mas venha Harry. Irei mostrar o seu quarto. – Harry sorriu em agradecimento e recolhendo a sua bolsa como pode acompanhou à senhora até o seu quarto.
-Você veio para casa, estou chocado. – Owen comentou enquanto mexia em uma peça do trator que estava consertando. Elliot apenas soltou um bufo e apoiou-se na roda dianteira do trator, subindo no mesmo para poder averiguar melhor o motor que o avô estava reparando. –Solte a bateria dele para mim, por favor. – pediu o homem e o loiro debruçou-se sobre o motor e começou a soltar os fios da bateria.
-Nana foi tão enfática que eu realmente não pude dizer não. Agora o que me surpreende é o senhor ter aceitado a idéia dela de abrigar um estranho. – murmurou com a cabeça enfiada no motor do trator.
-Harry Potter não é um estranho. – o homem falou displicente e Elliot ergueu-se tão rápido que quase caiu da roda onde estava apoiado.
-O quê?
-Você e Elizabeth já me falaram tanto desse rapaz que eu acho que o conheço pela vida inteira. Acho que perdi a minha mulher para um garotão de vinte. – riu divertido, pegando a chave de fenda para poder abrir a peça que estava em suas mãos.
-Eu não falei nada sobre o Potter, nem o conheço. Não graças a aquela cabeça de melão que não faz a mínima questão de me contar nada. – resmungou, finalmente conseguindo tirar a bateria de dentro do trator.
-Cabeça de melão? – Owen riu mais ainda com o modo infantil com que o seu neto estava agindo. Tinha algo nesse Potter que atiçava o sangue de Elliot e ele podia ver isso.
Entrementes, dentro da sala de estar dos Hart, Harry perambulava de um lado para o outro na maior velocidade que a sua perna quebrada e seu par de muletas permitia, olhando com interesse para o arranjo de fotos sobre o largo piano de cauda. Maioria das fotos era de família e boa parte delas eram de Elliot. O que ele via era um menino pequeno e franzino com largos olhos azul claro e cabelos dourados que sempre estava sorrindo ao lado dos pais. Inclinou-se mais sobre o piano para ver melhor o garoto nas fotos. Claro que ele tinha uma grande semelhança com o médico do presente, com a única diferença de que o Elliot de hoje tinha os olhos e os cabelos mais claros, mas isso não era nada que a genética não explicava. Ainda lembrava de um vizinho seu, de quando morava com os Dursley, que quando era criança era loiro como um raio de sol e à medida que foi crescendo o cabelo ficou negro como a noite. Por que Elliot então não poderia ter mudado com os anos a ficado de uma maneira bizarra parecido com o Draco?
-Algo interessante para se ver nas fotos, senhor Potter? – Harry virou-se para ver Elizabeth entrando na sala, secando as mãos no avental e caminhando em direção ao rapaz perto do piano.
-A senhora toca? – perguntou a mulher, indicando o piano atrás de si.
-Eu? Não! Owen toca… Elliot se arrisca de vez enquanto. Mas era a minha querida Joan que tocava.
-Joan?
-Minha nora. Mulher maravilhosa, a conhecia desde pequena. Adorava ela, era quase como uma filha.
-Ah, a mãe do Elliot. – disse, apontando para uma mulher de olhos cinzentos e cabelos escuros em uma das fotos, ao lado de um homem de cabelos dourados e olhos castanhos. –O que aconteceu com os pais dele? – perguntou em um tom desinteressado e Elizabeth ficou subitamente séria, pegando a foto onde estavam Elliot, Joan e Liam.
-Morreram em um acidente de carro. Elliot também estava no acidente, mas graças a Deus sobreviveu. – respondeu, colocando a moldura de volta no lugar. –Mas essa é uma história muito triste e sinceramente não gosto de relembrar. Já faz dez anos que eles se foram e agradeço por ao menos meu Elliot ter sido poupado. Não sei o que faria sem ele. – sorriu largamente ainda mais quando a porta da frente da casa se abriu e os dois homens Hart entraram por ela, sujos de óleo e graxa. –Minha nossa senhora, quando vocês vão perder essa mania de ficar mexendo naquele trator antes do jantar? – resmungou, tirando a toalha de pratos de sobre o ombro e começando a estalá-la contra as pernas dos dois homens, que davam pulos para fugir da agressão da mulher enquanto caíam na risada.
-Já vou tomar banho carrasca, já vou. – Elliot riu, passando por Harry e lançando um longo olhar para ele quando notou que o moreno prestava muita atenção na sua pessoa. Em resposta o auror deu um sorriso encantador para o rapaz, que corou rapidamente e com passos rápidos subiu a escada e sumiu no corredor em direção ao seu quarto.
O ruivo rolou pelo sofá e caiu com um baque abafado no tapete da sala, soltando um longo grunhido e olhando com a visão embaçada para o relógio em seu pulso. Sentando-se como pôde e com o cérebro ainda entorpecido, o rapaz passou a mão pelos cabelos cor de fogo e desgrenhados, tentando entender o que o havia acordado às duas horas da manhã. Quando ouviu o barulho insistente em sua porta foi que ele entendeu. Tinha visita. Uma inconveniente visita, diga-se de passagem. Assim que abriu a porta, ainda sonolento, deu de cara com uma mulher de cabelos cheios e cacheados, grandes olhos castanhos e corpo esguio, parada no batente e olhando intensamente para ele.
-Hermione Jane Granger, existe alguma terceira guerra rolando?
-Hum… - murmurou confusa diante da cara de sono e do jeito desarrumado dele. Desde que tinha se tornado um inominável, Rony sempre andava bem arrumado, ainda mais agora que tinha dinheiro para comprar roupas de classe. E Hermione tinha que admitir que ficou extremamente surpresa ao saber que o amigo tinha bom gosto para roupas. Ao menos para alguma coisa ele tinha que ter bom gosto, já que torcia por um time tão ruim, era o que Harry sempre dizia apenas para irritar o ruivo.
-Não? – respondeu incerta e viu surpresa a porta ser fechada na sua cara. Indignada, bateu novamente na madeira com mais força e viu essa ser aberta segundos depois pelo mesmo ruivo que estava com uma cara de raros amigos.
-Hermione… - Ron murmurou por entre dentes e com extremo mau humor. -… eu lembro que no Natal eu te dei um belo relógio de presente. – disse, olhando para o pulso dela e vendo o tal relógio. –Mas olha só que surpresa! – comentou sarcástico. –Você o está usando. – concluiu, apontando com espanto para o mencionado. –Então o que você está fazendo na minha porta a essa hora da madrugada? Eu sei que você não tem vida Mione, mas não precisa empacar a minha.
-Ha, ha, ha, ha, ha! – riu sarcástica, empurrando o homem para o lado e entrando displicente no apartamento dele, vendo a zona de guerra que estava a sala de estar. Havia pergaminhos, arquivos e fotos espalhados para tudo quanto é lado, além de livros e anotações sobre casos e leis mágicas. –Como se você tivesse uma vida também. – rebateu fria e o auror soltou um longo e sofrido suspiro, fechando a porta com um estrondo e caminhando até a mesinha de café, recolhendo os pergaminhos e anotações sobre as missões antes que os olhos castanhos curiosos começassem a ver mais do que deveriam.
-Eu tenho uma vida! – rebateu indignado, pegando a sua varinha e apontando para os papéis em seus braços, os fazendo desaparecer em um piscar de olhos. –O que você quer aqui? Teve uma crise de insônia e resolveu fazer o mesmo comigo? Eu trabalho cedo amanhã Hermione. E pelo que lembro você tem um apartamento dois andares abaixo do meu e que está criando teias de aranha de tanto que você não o usa.
-Eu quis passar aqui antes de ir para casa. Sai do trabalho agora. O Professor Klump descobriu uma maneira de estabilizar os átomos da composição mágica que surge diante da mistura do enervate com o estupeçafa. Extremamente interessante eu diria. Eles são duas formações físicas totalmente opostas. Suas ondas se diferem em um grau de noventa em curvatura e mesmo assim se alinham, em um modo instável, mas se alinham, com uma perfeição incrível. Creio que se conseguirmos uma estabilidade podemos criar uma nova variação de feitiço que será capaz de acordar bruxos em coma por mais de dois anos. Porém tem os seus prós e contras… porque o despertar súbito pode causar um dano cerebral permanente e aí a gente vai ter que pensar em algum feitiço que proteja o cérebro… - a mulher parou quando viu que Rony tinha voltado a dormir, estirado completamente no sofá de couro no meio da sala. Irritada, aproximou-se dele até que ficou bem perto do seu ouvido para gritar:
-RONALD WEASLEY! – o inominável ergueu-se num pulo e totalmente alerta, olhando a sua volta com os olhos largos.
-Estou acordado Instrutor Kelsen! Eu estava apenas descansando os olhos. – falhou abobalhado, olhando a sua volta e esperando encontrar o armário dois por dois que era o Instrutor Kelsen. Era um homem negro e alto, com a cabeça raspada e ares pesados. Uma versão americana do professor Snape, mas muito mais carrasco e que adorava torturar os pobres recrutas da Academia de Aurores. Ron o odiava, Harry o adorava simplesmente porque o homem não fazia distinção. Para ele não importava se ele estava treinando um moleque de rua ou o Príncipe Charles. E para o homem importava menos ainda que o seu recruta era o famoso Harry Potter. Às vezes o ruivo se perguntava se o amigo não tinha tendências masoquistas, porque só assim para alguém gostar do mais odiado instrutor da academia.
-Bem vindo de volta. – Hermione riu satisfeita com o efeito do seu grito e Ron apenas bocejou, recuperado do susto ao ver que era apenas a maluca da sua melhor amiga.
-O que foi Hermione?
-Eu estava falando… - o homem começou a simular um ataque de convulsões sobre o sofá e recebeu como reprimenda uma almofadada no rosto da cientista.
-Não me mate de tédio e vá logo ao ponto. Você não me acordou no meio da madrugada para me contar o seu novo feito para a ciência mágica, não é? – cedeu espaço para a mulher que se sentou ao seu lado com uma expressão totalmente azeda. Por que os seus amigos não viam a beleza e o fascínio que era o ramo da Fusão Mágica?
-Porque é algo tedioso. – respondeu o ruivo, sabendo exatamente o que ela estava pensando só pela cara que estava fazendo.
-Certo, certo. – disse derrotada, passando a mão pelos cabelos brilhosos. –Eu vim saber do Harry. Você foi visitá-lo hoje, não foi?
-Fui. – respondeu, dando um bocejo e erguendo-se do sofá. Talvez uma boa xícara de café fosse melhor para mantê-lo acordado para essa conversa que ele tinha certeza que seria longa. Hermione levantou-se também e acompanhou o amigo até a cozinha. –Ele recebeu alta.
-Recebeu? – os olhos da mulher brilharam e sabendo o que ela pensava o auror rapidamente a interrompeu.
-Mas ele não está no apartamento dele, não perca o seu tempo. – disse, terminando de preparar a cafeteira e a ligando. Tinha aparatos trouxas em seu apartamento que levariam o seu pai a loucura se esse ainda estivesse vivo. A televisão, por exemplo, era um deles. Mas com certeza, na opinião de Rony, o seu pertence favorito era a sua adorada cafeteira.
-E quem ta cuidando do Padfoot? – perguntou Hermione, referindo-se ao golden retriever que Harry tinha ganhado de Hermione há dois anos, depois de anos sem um animal de estimação desde que Edwiges tinha morrido de velhice.
-Depois de duas semanas é que você veio se lembrar do pobre cachorro? – murmurou o ruivo, pegando duas xícaras no armário assim que sentiu o cheiro gostoso do café quente. –Eu to cuidando dele cada vez que volto do trabalho.
-E você o está levando para passear? Você sabe como o Padfoot fica inquieto quando fica muito tempo preso dentro de casa. – sentou-se à mesa da cozinha quando Rony a serviu com uma xícara de café. Viu o rapaz remexer no bolso de sua calça jeans e jogar algo para ela. Eram as chaves do apartamento de Harry que ficava no final do corredor. Sim, os três moravam no mesmo prédio, embora Hermione morasse em um andar diferente. Queriam estar juntos, mas não cogitaram a idéia de morar na mesma casa por questão de privacidade. Hermione tinha horários incertos na faculdade onde trabalhava e Rony e Harry quase não ficavam em casa e tinham manias que, com certeza, sete anos vivendo no mesmo dormitório não foram o suficiente para cada um se acostumar com elas. Sem contar que tinham os relacionamentos. Era um pouco incomodo você levar alguém para casa depois de um encontro e saber que teria um companheiro de quarto que poderia ouvir tudo. Por isso foi extrema sorte quando Harry e Hermione encontraram dois apartamentos para alugar no mesmo prédio logo assim que se formaram. Um tempo depois, assim que saiu da Academia, Rony conseguiu alugar um apartamento que tinha acabado de vagar no andar de Harry e assim o trio ficou completo e mais uma vez inseparável.
-Leve você. Tenho certeza que quando você sair daqui não vai direto para a cama mesmo.
-Voltando ao assunto então…
-A gente estava falando de alguma coisa importante? Quando que ninguém me avisou? – escarneceu e recebeu como resposta um chute na canela por debaixo da mesa. –Ai Mione. – resmungou, esfregando com a mão a canela agredida.
-Harry recebeu alta e não voltou para casa, por quê?
-Resolveu ficar em Refuge para investigar mais sobre o Dr. Hart. Mostrei para ele o que a gente tinha descoberto até agora. Próximo domingo irei aparecer lá para poder saber se ele conseguiu a amostra de DNA.
-Se ele recebeu alta, como ele vai conseguir a amostra se não está mais em contato com o Dr. Hart? – Rony abriu um largo sorriso malicioso e inclinou-se um pouco sobre a mesa em tom conspiratório.
-Aí é que você se engana. – e começou a relatar todos os acontecimentos que ocorreram durante a sua visita a Harry no hospital.
