Capítulo IV
Com passos extremamente leves, como os de um gato, o rapaz levantou-se da cama e silenciosamente caminhou pelo quarto, abrindo a porta do armário vagarosamente para não emitir nenhum barulho. Lentamente tirou um par de calças jeans de lá de dentro e a trocou pelos shorts que usava. Rapidamente descartou a camisa que usava para dormir e vestiu outra mais apropriada para sair. Sentando-se suavemente na cama amarrou os cadarços do tênis e quando se deu por satisfeito pegou a sua bolsa, parando em frente ao espelho e passando a mão pelos cabelos loiros, apenas para ajeitá-los um pouco. Abriu a porta do quarto, olhando para os dois lado do corredor mas, principalmente, para a porta do quarto dos seus avós, que ainda estava fechada. Não se surpreendia, o sol ainda estava raiando e por mais cedo que eles acordassem ainda sim não acordavam tão cedo. Sentindo-se vitorioso, saiu do quarto fechando a porta atrás de si com o mínimo ruído e com o máximo de cautela que conseguiu e começou a descer as escadas vagarosamente para que os degraus de madeira não fizessem nenhum barulho. Soltou um suspiro quando alcançou o primeiro andar da casa e a passos apressados começou a caminhar para a porta de entrada até que uma voz o fez pular de susto.
-Aonde você pensa que vai rapazinho? – Elliot virou-se para ver o seu avô encostado no batente da porta da cozinha, o olhando duramente com os braços cruzados sobre o peito.
-Trabalhar. – disse como se fosse à coisa mais óbvia do mundo. Owen desencostou do batente da porta e caminhou até o neto, parando em frente a ele e o olhando de cima a baixo, soltando um "tsc" de desagrado diante do que via.
-Hoje é sábado e você não precisa trabalhar no sábado. – afirmou, tirando rapidamente a bolsa que estava nas mãos do rapaz. –E eu falei com a Lucy agora de manhã e ela me disse que tudo está calmo no hospital e que se você aparecer lá ela chuta o seu traseiro até Dublin. – advertiu duramente, estendendo uma mão para ele com a palma virada para cima. Elliot olhou dos olhos castanhos do avô para a mão estendida e, resignado, depositou a chave da sua caminhonete nela. –Não vai doer se você realmente aproveitar um dia de folga, não é? Você quase não descansa.
-Mas vovô… - começou a protestar como uma criança birrenta, mas rapidamente foi cortado por uma outra voz.
-Mas vovô coisa nenhuma. – Elizabeth apareceu na porta da cozinha com uma colher de pau brandindo perigosamente em sua mão. –Você está magro, pálido e… - notou que na verdade, apesar de ele estar pálido as bochechas do rapaz estavam levemente coradas. Preocupada, caminhou até ele e depositou uma mão sobre a testa, sentindo essa um pouco mais quente que o normal. A mulher estalou a língua, totalmente desgostosa. -… com febre! – disse horrorizada e com um brilho nos olhos azuis que dizia claramente que Elliot não poria os pés para fora de casa nesse dia.
-Eu vou chamar a Mônica, que é a que mora mais perto, para poder verificar você – Owen comentou, rapidamente caminhando até o telefone e discando o número da enfermeira.
-Não precisa acordá-la há essa hora. – resmungou o loiro, embora fosse inútil. Com certeza Mônica já estava de pé há essa hora e pronta para mais um dia. Costumes que você adquiria em cidades pequenas. Acordar sempre cedo, ainda mais se você morava em uma fazenda. –E eu não tenho nada! – atestou firmemente, tentando colocar algum senso na cabeça dos avós, mas foi totalmente em vão. Discutiam tão fervorosamente que nem perceberam a figura que saiu de um corredor estreito que levava para o quarto de hóspedes, vestido apenas com um short e uma camisa, mancando de uma perna e com os cabelos rebeldes e os olhos sonolentos.
-O que houve? – Harry perguntou ao ver a cena. Elizabeth segurava firmemente o braço de Elliot para ele não ir a lugar nenhum, enquanto Owen falava com alguém ao telefone e o jovem médico fazia um bico totalmente infantil. Elliot virou-se para ver o moreno e ficou mais rubro do que estava por causa da febre. Rapidamente desviou os olhos para não ver o par de pernas bem feitas que o rapaz tinha. Isso era ridículo, ele estava secando o Potter. De onde essas sensações estavam vindo? Deveria ser as idéias de Alicia e suas conversas malucas, cada vez que se encontravam, que estava começando a meter coisas na sua cabeça.
-Elliot está doente e assim mesmo quer ir trabalhar. Inconcebível! – resmungou Elizabeth e o mencionado rolou os olhos, soltando-se da avó e caminhando até o sofá, jogando-se nele com uma expressão extremamente feia.
-Eu não estou doente, eu me sinto perfeitamente bem! – resmungou e começou a se indagar porque tinha decidido continuar morando com os avós. Com certeza conseguiria um apartamento na cidade fácil, fácil. Mas não, ele preferiu continuar na fazenda pois seus avós já eram senhores que poderiam precisar da sua assistência a qualquer minuto. Agora se arrependia de sua decisão. Harry soltou uma risada diante do modo birrento como o rapaz agia e Elizabeth soltou um longo e sofrido suspiro, voltando para a cozinha para terminar de preparar o café. Owen ainda deu uma longa olhada para o neto antes de ir para a varanda da casa esperar a enfermeira que estava a caminho, deixando apenas Elliot e Harry na sala, com o moreno olhando longamente para o médico. Mesmo que quisesse, ainda sim não podia impedir a fascinação que sentia cada vez que olhava para o rapaz. O modo como o seu nariz fino estava empinado como o de uma criança manhosa, ou como os lábios vermelhos estavam apertados em uma linha fina e os cabelos loiros caíam em um corte rebelde por sobre os olhos cinzentos e que estavam estreitos, fazendo os cílios negros quase se tocarem, lhe eram incrivelmente familiar.
-O que foi? – Elliot perguntou mal humorado quando percebeu que o moreno o observava demais e isso o estava incomodando.
-Você parece o meu afilhado de três anos fazendo essa cara. – disse divertido, lembrando-se do seu adorado afilhado, o pequeno Arthur, o primeiro filho de Gina e Dean. Claro que ficou surpreso quando os dois o convidaram para ser padrinho da criança, mas mesmo assim adorou a idéia de ter um molequinho para mimar, para desespero de Gina e diversão de Dean.
-Está insinuando que eu sou infantil, Potter? – acusou, torcendo o nariz e apertando mais os lábios de maneira irritada.
-Se ele diz, eu concordo. – falou a voz anasalada de Mônica e o loiro soltou um longo suspiro, olhando raivoso para a mulher, a desafiando a se aproximar dele para realizar qualquer exame. –Não faça essa cara para mim! – ralhou e se aproximou dele com firmeza, abrindo a sua maleta de instrumentos e prontamente colocando um termômetro sob a língua do rapaz. Elliot soltou um rosnado de desagrado, mas manteve o objeto preso na boca enquanto via desgostoso à mulher o avaliar de cima a baixo, medindo pressão, pulsação e derivados. Quando ela tirou o termômetro de sua boca e viu que esse estava a trinta e sete e meio deu um estalo com a língua.
-E então doutora o que eu tenho? – escarneceu o médico e obteve como resposta um tapa da mulher na nuca.
-Você tem é excesso de trabalho. Tire o dia de folga… - ele abriu a boca para protestar mas foi rapidamente interrompido. -… isso é uma ordem. – falou, fechando a sua maleta com um estalo e caminhando altiva até a cozinha para poder falar com Elizabeth.
Elliot afundou-se ainda mais no sofá achando que assim poderia refrear a sua vontade de estrangular alguém. Ficar em casa? Tirar o dia de folga? Ele não sabia o que era tirar o dia de folga há cinco anos. Arregalou os olhos quando finalmente percebeu a implicação dessas palavras. O que ele iria fazer com um dia inteiro livre? Entraria em desespero é claro, pois nada lhe vinha à mente.
-Você pode ir fazer um pic-nic no lago nas terras do sr. O'Connel. Lembra que você adorava ir lá quando jovem para ficar se divertindo com o Rocco? – sugeriu o sr. Hart. –Na verdade eu lembro que os dois costumavam matar aula se enfiando naquele buraco. – resmungou com desagrado ao lembrar-se das travessuras de adolescente do neto depois que ele veio morar com eles em Refuge. Harry soltou uma gargalhada que rapidamente disfarçou com um acesso de tosse.
-O que foi? – o loiro rosnou para o inominável que com certeza estava rindo dele, da sua desgraça.
-É que eu não consigo te imaginar matando aula para poder ir brincar no lago. Você que está entrando em desespero só porque vai ter que tirar um dia de folga. – caçoou e viu o nariz arrebitado torcer-se em uma desagradável careta. –Não faça essa cara, você fica muito mais bonito quando sorri. – Owen e Elliot arregalaram os olhos diante da provocação do moreno porém Owen apenas olhou desconfiado para o rapaz enquanto o médico ficava rubro diante do elogio.
-Vai lamber sabão Potter! – rosnou em desagrado para poder esconder a vergonha que estava sentindo diante do elogio do rapaz. Não que já não tivesse recebido um elogio na vida, na verdade já tinha recebido vários, até mesmo de homens. Mas esse sujeito conseguia afetá-lo muito mais do que ele realmente gostaria.
-Eu acho uma idéia perfeita! – Mônica voltou da cozinha com um dos famosos bolinhos de chocolate da sra. Hart em uma das mãos. –Por que não Ed? Aproveita e leva o sr. Potter para conhecer o que torna Refuge um paraíso para os turistas. Eu soube que o sr. O'Connel fez grandes inovações ao redor do lago para poder receber os visitantes. Claro que com regras estipuladas para não afetar a natureza. – sugeriu e Elliot pensou se não seria uma má idéia matar a sua enfermeira.
-Vocês poderiam ir a cavalo. – ofereceu o sr. Hart e o loiro queria fugir dali. Por que ele tinha a sensação de que todos estavam conspirando contra ele para fazê-lo ficar mais próximo de alguém que ele fazia questão de ignorar?
-O senhor Potter está com a perna quebrada e não pode andar a cavalo. O balançar do animal apenas o prejudicaria mais. – atestou o médico com a sua voz firme e profissional, sabendo que ninguém iria contestar as suas decisões. Ledo engano. Mônica apenas abriu um largo sorriso como se soubesse de algo que ele não sabia.
-Mas eu lembro de um certo rapaz de dezessete anos que quebrou a perna e um braço em um acampamento perto dos montes ao redor da cidade e, mesmo assim, dois dias depois estava correndo pelos campos a cavalo para o nosso completo desespero e do falecido Dr. Withinburg. – Elliot rangeu os dentes e soltou um grunhido do fundo da garganta quando viu Harry rir ainda mais de sua pessoa.
-Eu posso arrumar um cavalo manso para ele. Na verdade a nossa égua Estela poderia fazer esse serviço. Ela não se assusta fácil e é bem dócil. O senhor sabe andar a cavalo sr. Potter? – Harry franziu as sobrancelhas. Se for levar em conta um Hipogrifo e um Testrálio como experiência então sim, ele sabia andar a cavalo.
-Claro que sei. E eu adoraria. E garanto que uma outra queda não me mataria. – sorriu desafiador para o loiro que quase desaparecia no sofá e Elizabeth soltou uma exclamação animada.
-Eu vou preparar a cesta e vocês podem partir agora mesmo! – incentivou e Elliot levantou-se de supetão. Já que não tinha como vencê-los, junte-se a eles.
-Eu te ajudo nana. – disse a contragosto e acompanhou a avó até a cozinha.
-Vou acompanhar Mônica até o portão e selar os cavalos. – falou Owen, indo acompanhar a enfermeira e Harry voltou para o seu quarto para poder trocar de roupa, já antecipando esse passeio.
Contrariado Elliot apertou com força a sela do seu garanhão preto, ganhando um relincho irritado do animal como resposta. Fora do estábulo o sol brilhava intensamente no que seria mais um belo dia de verão e a causa da cidade estar começando a se encher de turistas. Ainda resmungando, o rapaz prendeu a cesta de pic-nic nas costas do animal e acariciou a crina negra dele. Anúbis era um belo cavalo negro que possuía uma mancha branca no alto do focinho. Era arredio e temperamental e só era carinhoso e fiel com Elliot, que era o único que conseguia montá-lo. O tinha ganhado de presente de seu avô quando retornou para Refuge depois de formado, pois Owen dizia que somente alguém temperamental como Elliot conseguiria domar este cavalo.
-Você poderia fazer um pic-nic a beira do lago na fazenda do sr. O'Connel, querido. – disse com a voz fina, fazendo uma precária imitação da enfermeira Mônica. –Por que não leva o senhor Potter? – continuou enquanto acariciava o focinho de Anúbis, que com o nariz cutucava o queixo de Elliot, tentando animá-lo, como se soubesse do dilema que ele estava sofrendo. Por um lado à idéia de passar uma manhã inteira com o desconhecido sr. Potter o fascinava, mas por outro o aterrorizava. Não gostava de como seu corpo e coração reagiam cada vez que o via sorrir para si e soltar aqueles flertes.
-Se não te agrada a minha companhia, a gente pode pensar em outra coisa. – o loiro virou o rosto para ver o mencionado Potter na porta do estábulo apoiado em suas muletas com uma calça jeans surrada como a sua e uma camisa verde escura, como os olhos dele, e com os primeiros dois botões abertos, deixando amostra uma parte do peito bronzeado.
-Esqueça. Se estamos na chuva é para nos molharmos. – murmurou, caminhando até um dos cubículos do estábulo e puxando pelas rédeas uma bela égua cor de mel que soltou um relincho feliz pela perspectiva de um passeio. Harry mancou até o animal e com a ajuda de Elliot o montou, ajeitando as suas muletas em frente à sela e segurando as rédeas firmemente. O loiro deu as costas rapidamente para o rapaz e com extrema graça e velocidade subiu nas costas de Anúbis, guiando o cavalo para fora do estábulo sendo seguido de perto pelo auror.
O caminho pela estrada de terra batida foi feito todo em silêncio e Harry estava quase se deitando sobre o pescoço de Estela diante do marasmo que sentia. Sem contar que cada tranco que a égua dava em um buraco as suas costelas doíam. Mas claro que não demonstraria isso para o doutor a sua frente senão voltariam no mesmo minuto. Agüentaria, como sempre, tudo calado até chegarem ao bendito lago. Quando se passaram pelo menos vinte minutos de cavalgada Elliot saiu da estrada de terra principal, seguindo por um caminho paralelo e entre as árvores. Era uma paisagem pitoresca, parecendo com aquelas que você via em quadros que enfeitavam salas trouxas de famílias inglesas. As árvores com troncos finos e copas largas formavam uma proteção natural, filtrando os raios de sol com as suas folhas. O chão era coberto por milhares de folhas secas que estalavam sob os cascos dos cavalos e Harry teve certeza que vez ou outra via um coelho correndo para a sua toca ou um esquilo se abrigando em um buraco no tronco. Junto com os passarinhos cantando, o moreno se sentiu dentro de um filme melosamente romântico.
-Chegamos! – o médico anunciou, descendo da cela de Anúbis e amarrando a correia em um tronco fino de uma árvore. Caminhou até a égua de Harry e o ajudou a descer, amarrando o animal da mesma maneira que fez com o seu. Rapidamente recolheu a cesta de pic-nic e guiou o moreno por uma pequena descida que levava até o tal lago. Olhos verdes arregalaram-se quando viram que lugar era esse. Na verdade não era bem um lago, mas sim um rio que despencava em uma cachoeira formando uma piscina natural dentro daquela depressão. Acompanhou o loiro até a bancada de areia fina e clara e o viu estender a toalha que a sra. Hart tinha colocado dentro da cesta. Acomodou-se sobre a toalha, olhando com interesse a queda d'água, desviando a sua atenção apenas quando um bolinho foi colocado em frente aos seus olhos.
Comeram em mais silêncio, apenas apreciando a paisagem. Algumas vezes trocavam olhares de esguelha um para o outro, mas rapidamente desviavam com medo de serem pegos. O sol subia mais no céu à medida que o tempo ia passando e Elliot sacudiu um pouco a camisa para poder espantar o calor, sem muito sucesso. Viu que Harry também parecia incomodado com a temperatura, mas nada comentou. Refuge era uma cidade que, apesar de estar localizada ao norte da Irlanda, ainda sim tinha um clima imprevisível. Pessoas gostavam de passar as férias nela por causa do seu verão ameno e agradável. Mas às vezes o lugar poderia ficar tão quente quanto uma cidade litorânea em um clima tropical. E a única coisa que ajudava os habitantes e visitantes a suportar o calor eram os rios, cachoeiras, lagos e a brisa fresca que vinha das montanhas. Os olhos cinzentos olharam com desejo para a água cristalina do lago, lembrando-se das brincadeiras que ele e Rocco faziam nessas mesmas águas em dias quentes como esse. Queria poder se livrar dessas roupas sufocantes e cair na água fresca, mas só o pensamento de tal ato o fazia ficar rubro de vergonha. Uma coisa era se despir na frente do melhor amigo… outra era na frente de Harry.
-Esta água é convidativa. – murmurou o moreno enquanto via uma gota de suor escorrer pela nuca pálida do médico.
-Realmente. – Elliot comentou distante, o rapaz tinha lido os seus pensamentos.
-Se eu me jogar lá você ficaria muito irritado? – perguntou o auror, lançando um sorriso branco e charmoso para o loiro.
-Vai molhar o seu gesso. – resmungou o médico pelo fato de que Harry tinha mais coragem do que ele de se jogar no lago.
-Mas você pode trocá-lo depois. E acho que ficar brincando naquela água só vai melhorar os meus ferimentos. Seria bem relaxante. – argumentou e viu o loiro morder o lábio inferior como se pensando no assunto. Na verdade o que queria mesmo era arrumar um modo de quebrar a tensão que estava entre os dois e, ao mesmo tempo, se livrar do calor que estava sentindo mesmo que estivessem sentados na sombra.
-O lago não é fundo, mas com o gesso pesando na perna… isso pode atrapalhar os seus movimentos. – continuou firme, pois a idéia de ver Harry semi-nu já o perturbava por antecipação.
-Você pode entrar comigo… Você sabe fazer respiração boca a boca, não sabe? – o loiro arregalou os olhos cinzentos e mirou chocado o rosto sorridente de Harry. –Ótimo então! – levantou-se com uma habilidade impressionante para alguém com uma perna quebrada e retirou rapidamente a sua camisa sob os olhos atentos e chocados do loiro. Os orbes cinzentos acompanharam os movimentos dos músculos das costas de Harry, notando que essa tinha pequenas e finas cicatrizes, assim como o peito dele. Não eram muitas, mas como uma vez ele ouviu a sua avó dizer que Harry já fora policial, com certeza era o resultado dos ossos do ofício. Ou isso, ou ele era muito arteiro quando criança. Fechou os olhos com força quando viu o moreno começar a tirar as calças e virou o rosto para não cair na tentação de dar uma espiadinha. Minutos depois o barulho de água jorrando foi-se ouvido, mas mesmo assim Elliot ainda permaneceu de olhos fechados.
-Você não vem? – Harry chamou, adorando sensação da água fresca sobre a sua pele quente e rindo diante da reação do loiro com o seu pequeno show. Ele estava vermelho e se recusava a olhar para ele. –O que foi? Com vergonha? Qual é, nem nu eu estou! E eu não tenho nada que você já não tenha visto. – abriu um grande sorriso malicioso e resolveu provocar ainda mais. –Com medo Hart? – desdenhou e viu os olhos cinzentos abrirem-se e o mirarem com ferocidade, escuros como em um dia de tempestade.
-Vai sonhando! – levantou-se bruscamente, já tirando seu tênis e a sua camisa no processo e depois se livrando da calça jeans, ficando apenas com a samba-canção que normalmente usava. Subiu na pedra na beirada do lago que geralmente ele e Rocco usavam quando jovens e mergulhou, sumindo sob a superfície cristalina. Harry olhou a sua volta, tentando prever de onde o loiro apareceria e soltou um grito rouco antes de afundar sob a água por causa de um puxão em sua perna boa.
-Hah! – Elliot surgiu na superfície do lago, rindo abertamente quando um Harry Potter, parecendo um pinto molhado com os cabelos negros e rebeldes apontando para todos os lados, apareceu na sua frente com uma expressão azeda. –Para mostrar para você quem está com medo Potter! – provocou, batendo com as mãos na água e a espirrando no rosto do moreno e rapidamente nadando para longe dele. Harry deu um espirro diante da água que entrou em seu nariz e olhou a sua volta, a visão um pouco turva, para ver se achava o loiro abusado mas, novamente, ele tinha sumido sob a água. Péssima idéia mesmo ter provocado o jovem médico, visto que ele deveria conhecer todos os cantos obscuros daquele lugar como a palma da sua mão.
-Merda! – gritou de novo quando sentiu outro puxão em sua perna boa. Debaixo d'água conseguiu divisar a silhueta distorcida de Elliot e avançou sobre ele, ambos começando a travar uma batalha no fundo do lago. Quando o ar começou a faltar, os dois rapazes subiram, respirando pesadamente para tentar recuperar o fôlego. Assim que percebeu que o loiro tinha recuperado a respiração, Harry deu um impulso com a perna boa e plantou as duas mãos sobre a cabeça platinada, afundando o médico por alguns segundos e depois o soltando para ele retornar a superfície. E com isso outra batalha para medir forças começou, acompanhada por gargalhadas vindas dos dois jovens.
Uma hora depois de brincadeiras infantis nas águas frias do lago, Elliot encontrava-se debruçado sobre a perna de Harry tentando de todas as maneiras secar o máximo possível o gesso dele com a toalha do pic-nic. Teriam que passar no hospital antes de voltarem para casa e o loiro já previa o sermão que levaria das próprias enfermeiras que ele comandava. Quando viu que nada mais poderia ser feito com o gesso molhado, o rapaz jogou a toalha dentro da cesta, passando os dedos sobre os fios dourados que refletiam a luz do sol e que pingavam sobre o seu rosto. As suas roupas, assim como as de Harry, grudavam em seu corpo por causa do excesso de água que havia nele por causa da brincadeira deles. Porém, isso não o incomodava. Ao contrário, sentia-se mais leve e estranhamente feliz. O que pareceu no começo uma tortura no fim tornou-se uma agradável manhã no lago.
-Bem, não posso fazer mais do que isso. Teremos que passar no hospital e trocar isso rapidamente antes que a pele irrite por causa do gesso molhado. – aconselhou, estendendo uma mão para Harry se levantar. Puxou o moreno com todas as suas forças e quase caiu quando o corpo maior chocou-se contra o seu e os olhos verdes ficaram perigosamente perto dos seus cinzentos. As respirações se misturavam e os corpos molhados pareciam se atrair. O tempo ficou suspenso por longos segundos até que Harry piscou e recuou um passo, dando um sorriso sem graça e abaixando-se para poder pegar as suas muletas. A proximidade apenas fez o auror ver o tamanho da semelhança que Elliot tinha com Draco e isso não estava fazendo bem para o seu coração.
-Obrigado. – falou com uma voz quase sumida enquanto ajeitava as muletas sob os braços. Elliot ergueu uma sobrancelha para ele enquanto ajeitava a cesta de pic-nic entre as mãos.
-Pelo quê?
-Salvar a minha vida, cuidar de mim, me aturar na sua casa e as minhas perguntas inconvenientes… por me oferecer o dia mais divertido da minha vida. – e abriu um sorriso tão largo que o loiro desarmou e não pôde encontrar um meio de impedir de sorrir de volta.
-De nada. – respondeu, ajudando Harry a caminhar de volta até Estela e o auxiliando a montar na égua. Rapidamente ele subiu em Anúbis e juntos seguiram um outro caminho que os levaria para a cidade e para o hospital para poder trocarem o gesso do auror.
Relatórios! Relatórios e mais relatórios. Mataria o maldito que inventou esse infeliz termo e essa infeliz função. Odiava fazer relatórios de missões. Para que chefes queriam redações detalhadas sobre algo que já aconteceu e que foi finalizado com sucesso? Eles investigaram, invadiram, prenderam e interrogaram os suspeitos. Coisas simples e cotidianas então, por que Tonks fazia questão que ele fizesse um extenso relatório sobre esse fato? E onde estava Harry quando ele precisava empurrar o trabalho burocrático para cima dele? Ah sim, Harry estava naquela cidade de fim do mundo flertando com o médico mais popular do lugar. Um cara de pau sem vergonha, isso sim!
Ainda estava resmungando sobre o destino ingrato que estava sofrendo quando o seu celular começou a vibrar intensamente no bolso de sua calça. Torcendo os lábios vermelhos o ruivo catou o aparelho, o olhando com extremo desprezo. Fora idéia de Hermione que cada um deles tivesse aquele aparato trouxa que, sinceramente, o enlouquecia. Quando as mulheres do Ministério descobriam o seu número viviam atolando a sua caixa de mensagens, o que já fez Ron trocar o número do telefone umas cinco vezes. Veja bem, apesar de na adolescência o jovem Weasley ter sido um rapaz desajeitado, aparentando ter crescido demais em tão pouco tempo e por isso nunca ter um centro de equilíbrio ou estar confortável com o seu corpo, o adulto Ron Weasley era totalmente diferente. Os cabelos cor de fogo caíam longos sobre os olhos e em mechas que aparentavam estar sem corte. O treinamento rígido de auror deu a Harry e ele um físico que passava longe dos meninos magricelas que um dia foram. E foi o mesmo treinamento sob o sol quente que o fez ficar mais moreno que o usual e mais gracioso do que jamais fora, ocasionando longos e sonhadores suspiros das mulheres do Ministério.
-Fala minha tormenta particular! – comentou jocoso depois de reconhecer o número que chamava na tela do aparelho. Como esperado o que ouviu do outro lado foi um longo e indignado rosnar.
-Tormenta particular Weasley? – veio a voz estridente e Ron afastou o aparelho do ouvido diante do grito. Um dia ainda ficaria surdo por causa dessa mulher. –Foi graças a essa tormenta particular que você ganhou um diploma em Hogwarts, não se esqueça disso! Você me deve muito Ron e um dia eu vou cobrar. – atestou de maneira dura e o ruivo apenas rolou os olhos, já conhecendo de trás para frente esse discurso de Hermione. Ela sempre dizia isso para os dois melhores amigos, mas nunca mesmo que teria coragem de cobrar os favores que prestou a eles na infância.
-Hermione… eu estou no meio de um relatório extremamente enfadonho, tão enfadonho quanto as suas tentativas frustradas de me explicar no que dá a mistura de um elfo doméstico com uma fada mordente… - o rosnado apenas intensificou-se do outro lado da linha e o auror estava se segurando para não estourar em gargalhadas. Harry sempre avisava que um dia esse hobbie que Rony tinha, o de sempre provocar Hermione para ver até onde ela agüentaria, acabaria o matando. Mas quem disse que o inominável dava ouvidos ao parceiro?
-Fique sabendo, Ronald Billius Weasley, que o que eu faço é de extrema importância para a comunidade mágica! Não teríamos metade dos feitiços que temos hoje se não fosse a Fusão Mágica…
-Blá, blá, blá, blá… - resmungou. Essa discussão sobre profissões também era uma constante na vida dos três amigos. -… Mione, querida, há alguma razão para você estar me ligando? – interrompeu antes que a mulher começasse a fazer uma palestra particular sobre a importância da carreira científica dentro da sociedade bruxa.
-Sim! – ela suspirou profundamente para poder se controlar. Por que ainda se deixava levar pelas provocações daquele garoto? Jurava que se não o amasse como um irmão, o mataria dolorosamente. Ele e Harry, que insistia em acompanhar o ruivo em suas provocações. –Saíram os resultados das amostras de DNA que você conseguiu com o Harry. – qualquer ar divertido rapidamente abandonou Ron e ele adquiriu uma postura profissional. As amostras de DNA eram do Dr. Hart, que Harry tinha conseguido usando o velho truque do "tem um inseto no seu cabelo", arrancando alguns fios loiros e entregando para o jovem Weasley quando esse foi visitá-lo.
-E? – perguntou ansioso e dentro da sua sala na Faculdade de Ciências Bruxas e Trouxas, Hermione olhou de um lado para o outro para certificar-se de que estava sozinha antes de soltar a bomba.
-O DNA bateu com a amostra que você obteve da ossada de Lucius e Narcissa. Ele é filho deles. – disse e um silêncio sepulcral soou por longos minutos na linha telefônica.
-Não faz sentido Mione. – murmurou o ruivo, apoiando a cabeça na mão livre e apertando as mechas cor de fogo entre os dedos.
-Como não? Não era essa a nossa teoria? De que esse rapaz poderia ser um gêmeo do Malfoy que nasceu trouxa e foi descartado?
-Sim… Mas eu andei pensando… se o bebê nasceu trouxa, por que simplesmente não matá-lo? – Hermione soltou um guincho horrorizado do outro lado da linha, mas Ron permaneceu inabalado. Certo que a mulher participou com eles ativamente da guerra e se meteu em muitas confusões e perigos quando estavam juntos na escola. Mas, depois disso, ela seguiu uma vida pacata como cientista, desvinculando-se de qualquer coisa relacionada a arte das trevas. Com Harry e Ron era diferente. Eles seguiram a carreira de auror e por isso morte e arte das trevas era uma constante em suas vidas e não os chocavam tanto quanto chocava a mulher ao ouvir essa teoria do amigo. Afinal, Ron perdeu as contas de quantas vezes teve que resolver casos que envolviam crianças.
-Não acha isso um pouco absurdo Ron? – falou depois de recuperar-se do choque. Rony apenas recostou-se em sua cadeira giratória e soltou um profundo grunhido.
-Vindo de Lucius Malfoy eu não esperaria menos. Ele era um assassino antes do filho nascer e orgulhoso demais para aceitar um aborto em sua perfeita família sangue puro. Por isso acho estranho ele ter entregado o filho para a adoção em vez de simplesmente se livrar dele. Sem contar que tem outra coisa…
-O quê? – perguntou a mulher curiosa, mas Ron interrompeu qualquer futuro relato que daria ao ver um de seus colegas o chamar na porta de sua sala, dizendo que Tonks queria vê-lo, pois parecia que tinha surgido um caso.
-Depois eu te digo Mione! Encontre-me mais tarde na minha casa.
-Okay. – respondeu a morena, pronta para se despedir quando a voz divertida do homem a parou.
-Ah, Mione, o que dá se misturarmos um rabo-córneo-hungaro com um explosivim?
-Argh! RONALD! – gritou, mas nada mais pode dizer pois ele tinha desligado o telefone, deixando a mulher bufando para as paredes do outro lado da linha.
Lucy apoiou as mãos nos quadris largos e arredondados e bateu com força o bico do sapato branco que usava quando viu os dois homens passarem pelas portas automáticas do hospital. Um deles se arrastava com a ajuda de uma muleta e era amparado pelo homem loiro menor. Ambos pingando água para todos os lados e com as roupas justas no corpo e molhadas. Olhado por cima dos ombros dos dois e pela porta de vidro ela podia ver os dois cavalos que estavam parados em frente ao hospital e que não pareciam nada incomodados em atrapalhar o trânsito dos pedestres.
-O que foi que vocês dois arrumaram? – perguntou exasperada ao ver o gesso quase destruído na perna de Harry. –Elliot! – virou-se, descontando a sua frustração no loiro que, pelo estado lamentável em que estava, tinha mais participado da travessura do que a evitado. –Você não é mais um menino Elliot David Hart! Que tipo de irresponsabilidade é essa de permitir que o paciente molhe o gesso? – o loiro encolheu-se diante do sermão e quase se escondeu atrás de Harry.
-Foi idéia da Mônica! – e apontou para a acusada atrás do balcão da recepção, que arregalou os olhos castanhos e a boca, apontando para si mesma.
-Eu? – perguntou incrédula. Ela não tinha feito nada. Como aquele loiro tinha a cara de pau de jogar toda a culpa em cima dela?
-Sim… você! – os olhos cinzentos a fitaram de maneira significativa. –Afinal, foi você quem sugeriu o pic-nic no lago das terras do sr. O'Connel.
-Eu sugeri um pic-nic e não um banho de cachoeira. – defendeu-se a acusada.
-Mas estava quente. – protestou Elliot e Harry riu longamente. –Cala a boca Potter porque você não está ajudando. Aliás, foi você que foi prontamente fazendo strip tease e se jogando, pelo que me lembro. – rapidamente a ira de Lucy recaiu sobre o jovem moreno e esse enrijeceu diante do olhar feroz da mulher.
-O senhor também não é nenhuma criança para agir dessa maneira sr. Potter. – o repreendeu de um modo que lembrou Harry muito a sra. Weasley, o que o fez temer a mulher profundamente.
-Mas estava quente e… - tentou defender-se mas um olhar de Lucy o fez perceber que seria melhor que ele ficasse calado.
-Venha comigo para trocar esse gesso senhor Potter! – Elliot começou a se mover para poder acompanhar o moreno quando Lucy virou-se para ele, o fuzilando com os olhos castanhos indignados diante da travessura desse menino. Certo, ele era um burro velho de vinte e sete anos, diretor do hospital e seu chefe. Mas, para ela que o conhece desde menino, ele ainda era um garoto. –O senhor vai trocar de roupa antes que pegue uma pneumonia! – ordenou e Elliot nem cogitou a hipótese de contrariar a sua enfermeira chefe, que sumiu pelas portas da Emergência junto com Harry. Ainda pingando pelos cantos o loiro foi até a sua sala e catou as roupas que sempre deixava em seu armário, as trocando rapidamente. Voltou apressado para a recepção, mordendo o lábio inferior e olhando longamente para os corredores brancos que desapareciam no interior do hospital, sabendo que atrás de muitas daquelas portas havia pacientes que precisavam de um médico.
-O senhor nem se atreva! – a voz firme de Mônica o interrompeu e ele virou-se para ver a enfermeira o mirar com severidade. O que tinha essas mulheres hoje que estavam todas contra ele? –Está de folga, esqueceu? Betty, Lucy e eu estamos dando conta de tudo perfeitamente. Refuge não vai parar se o seu único médico formado tirar um dia de descanso. – acusou, ainda não sabendo o porquê de Elliot não ter requisitado na prefeitura a abertura de concurso para mais médicos para aquela região. Sabia, claro que sabia, que poucos seriam os médicos jovens que iriam querer começar a carreira em uma cidade de interior mas, com certeza, médicos mais velhos adorariam vir para Refuge. Quem não gostaria afinal?
-O que você quer dizer com isso? – o rapaz fez-se de inocente, mas sabia do que a mulher estava falando e, pesando agora tudo o que tinha acontecido nos últimos dias, percebia que ela tinha razão. Essa manhã passada com Harry o fez ver que havia uma vida além das paredes esterilizadas do hospital e que ele tinha esquecido desse detalhe há muito tempo. Porém, o trabalho era uma maneira que ele tinha encontrado para esquecer do vazio que sentia dentro de si. Desde que acordara do coma era como se algo estivesse faltando em sua pessoa. No começo pensou que fosse a morte dos pais mas, no fim, percebeu que era algo mais. Algo mais relacionado à… Harry Potter?
-Eu to dizendo que você é muito novo para se afundar em trabalho dessa maneira. Você precisa arrumar uma vida Elliot. Sair, se divertir, namorar! – acusou Betty e o loiro soltou um longo e sofrido suspiro. Não estava disposto a arrumar ninguém. Afinal, ninguém era bom o suficiente para ele. Ninguém era como… Como quem? Toda vez que Elliot ouvia essa conversa de que precisava arrumar uma namorada arranjava uma evasiva dizendo que andava muito ocupado para um relacionamento quando no fundo, a verdade era que havia uma parte do seu coração que já estava tomada… Agora, por quem, o loiro não fazia a menor idéia. Talvez fosse uma das pessoas que se perdeu com parte da sua memória depois do coma.
-Eu sei, eu sei, conheço essa ladainha de trás para frente. – resmungou diante do fato de tantas pessoas quererem controlar a sua vida. –Prometo que em breve eu passo na Prefeitura e providencio isso, okay? – falou, dando a mulher um de seus melhores sorrisos e virando-se de costas para poder encerrar o assunto, continuando a mirar longamente os corredores do hospital.
Meia hora depois Harry retornava a recepção com um gesso novo e mais seco do que entrou, usando roupas que não eram as suas e que obviamente eram de um número menor que o tamanho dele.
-Agora eu espero que você se comporte. – Lucy o repreendeu. –Os dois! – disse, voltando-se para Elliot que rolou os olhos diante das palavras da enfermeira.
-Será que agora podemos ir? – perguntou o loiro com escárnio. –Anúbis está ficando impaciente. – e apontou para o garanhão negro do lado de fora do hospital, que soltava relinchos e batia o casco no chão obviamente incomodado com o número de pessoas que passavam por ele e pelos turistas que o olhavam como se nunca tivessem visto um cavalo na vida.
-Você trouxe o sr. Potter naquele animal? – Lucy falou horrorizada, apontando um dedo para a inofensiva Estela.
-Não fale assim dela, a bichinha pode se ofender. – começou Elliot, rindo diante do modo super protetor da enfermeira.
-E pode se assustar com uma cobra que aparecer no caminho e derrubar o sr. Potter! – rebateu com uma voz esganiçada e indignada. Um dia de folga e Elliot se tornava à criatura mais irresponsável que ela já conheceu. –Ele não volta naquele animal. – declarou decidida e os dois jovens ergueram as sobrancelhas para ela.
-E eu volto para a casa dos Hart como, a pé? – perguntou Harry de maneira inocente.
-Você volta com o Elliot. Ele é um ótimo cavaleiro e com certeza se algo acontecer ele terá uma reação mais rápida e muito mais força do que alguém que está com as costelas feridas e a perna quebrada. – o loiro arregalou os olhos e mirou Harry, não gostando nada da idéia de ter que voltar com o moreno tão perto de si, invadindo todo o seu espaço pessoal.
-Você só pode estar de sacanagem comigo! – explodiu horrorizado só pela proposta absurda da enfermeira e as mulheres à volta dele soltaram exclamações surpresas. Nunca tinham ouvido Elliot soltar um xingamento sequer. Mas isso, claro, era porque elas nunca tinham visto Elliot e Rocco discutindo e o vocabulário de palavrões apenas aumentava se os dois estivessem bêbados, o que aconteceu umas três vezes. Uma na formatura dos dois no colegial, outra quando os dois comemoraram o reencontro deles e a terceira vez foi quando Elliot e outros rapazes da cidade arrastaram Rocco para Dublin para uma despedida de solteiro.
-Não mocinho! E é melhor irem antes que o jovem Hart caia na tentação dentro desse hospital e antes que Elizabeth comece a se perguntar onde foi que vocês se meteram. – Lucy ordenou, empurrando ambos porta afora e as outras enfermeiras seguiram a colega para ver o desfecho desse show na calçada do hospital. Ainda resmungando muito Elliot montou Estela, pois sabia que Anúbis jamais permitiria um estranho em seu lombo, e depois ajudou Harry a subir, o acomodando atrás de si e sentindo um arrepio descer a sua espinha quando braços fortes envolveram a sua cintura. Com uma mão o loiro segurava as rédeas de Estela enquanto com a outra guiava o seu garanhão e, soltando um último resmungo, despediu-se das enfermeiras e começou a galopar pelas ruas da cidade.
-Hum… nunca pensei que andar a cavalo fosse tão interessante. – Harry murmurou perto do ouvido de Elliot, que ficou tenso rapidamente diante do tom rouco que ele usou.
-Cala a boca. – rosnou o rapaz e o moreno riu, notando com clareza o desconforto que o loiro sentia na sua presença.
-Você parece mais arredio e mal humorado hoje do que o habitual. O que aconteceu com as risadas que eu ouvi no lago enquanto você tentava me afogar? – continuou o incitando. Harry não era tolo, longe disso. Os anos tendo que sempre olhar sobre o ombro para qualquer ataque de Voldemort o fez se tornar mais perceptivo em relação às pessoas e de uma coisa ele tinha certeza: Elliot Hart estava atraído por ele, mas recusava-se a acreditar nesse fato. Esperava uma atitude dessas de um menino de interior, mas nunca de um homem que nasceu e foi criado em uma cidade grande, estudou em grandes escolas e cuja vida em Refuge com os avós conservadores resumia-se a apenas alguns meros anos e justamente já no final da adolescência e no meio da vida adulta.
-Morreram quando eu não consegui o meu intento de te afogar. – retrucou carrancudo e Harry gargalhou contra a nuca dele, notando que claros pelos loiros se eriçaram diante do seu hálito quente que se chocou contra a pele pálida.
-Eu tenho a sensação, doutor Hart, que você quer tudo, menos me afogar. – e sentindo-se mais atrevido que o habitual, o auror depositou um demorado beijo na pele da nuca do rapaz que, num reflexo, puxou o arreio do cavalo o fazendo dar um tranco brusco.
-O que você pensa que está fazendo? – vociferou o loiro, virando-se sobre a cela para poder observar melhor o homem atrás de si.
-Eu? – Harry piscou os inocentes olhos verdes. –Nada. – e sorriu abertamente.
-Vai pro inferno Potter! – gritou irritado diante das provocações do homem. Ao mesmo tempo em que elas o agradavam, o enraiveciam. Não era esse tipo de pessoa, não gostava desse tipo de coisa e gostava menos ainda que esse estranho tivesse tanto efeito sobre a sua tão controlada vida. Com um movimento rápido saiu de cima de Estela e montou Anúbis, lançando um olhar mortífero para o moreno que se ajeitou sobre a cela da égua assim que essa foi vaga. –Espero que encontre o caminho de volta para a fazenda Potter. – disse ácido e batendo com os calcanhares contra as ancas do garanhão saiu em disparada pela estrada que levava para a fazenda dos Hart.
Harry gargalhou quando viu o loiro sumir em uma nuvem de poeira e depois deu um largo sorriso. Sabia que não deveria estar fazendo isso, sabia que o que deveria estar fazendo era manter os olhos em Elliot e tentar descobrir o parentesco dele com os Malfoy, mas o loiro o fazia se sentir mais vivo, coisa que ele não sentia desde que soube da morte de Draco. E tentar conquistá-lo era um desafio, um desafio que antes do sétimo ano em Hogwarts ele resolveu enfrentar para ter o amor de um certo sonserino, até que descobriu que foi tarde demais. Ainda rindo ele tirou a varinha que sempre carregava em um bolso escondido em suas roupas e que conseguiu infiltrar discretamente na calça que Lucy lhe emprestara, sem a mulher estar olhando, e a depositou na palma de sua mão.
-Me guie. – pediu a varinha e essa rodou até apontar a direção que ele deveria seguir para a fazenda dos Hart e, com galopes calmo, começou a sua jornada para o que estava considerando a melhor licença da sua vida.
Soltou um longo bocejo enquanto esperava o elevador subir os andares desejados até onde estava o seu estimado, adorado e confortável apartamento. Desencostou-se da parede fria da grande caixa de metal assim que ouviu o bip indicando que havia chegado ao seu destino. Mal as portas se abriram e o homem passou por elas, chegando ao corredor limpo e bem arrumado, com alguns vasos de plantas ao lado de algumas portas aqui e acolá. Remexeu no bolso da sua calça a procura das chaves da sua casa e o barulho do molho ecoou ao longo do corredor. Deu mais um bocejo, aproximando-se da sua porta e viu que havia uma figura parada ao lado do batente, com um cachorro da cor do mel sentado ao lado de sua perna.
-Por que você simplesmente não entrou? – Ron perguntou a visitante enquanto enfiava a chave na fechadura dourada da sua porta.
-Não sei. – Hermione deu de ombros. Realmente poderia ter entrado na casa do amigo com um simples girar de varinha, mas com o passar dos anos cada um aprendeu a respeitar a individualidade do outro e entrar sem ser convidado no apartamento alheio era uma coisa da qual eles não estavam acostumados, mesmo que o apartamento alheio fosse de alguém que era como um irmão para si. –E eu acabei de chegar do meu passeio com o Padfoot. – falou, apertando mais os dedos em volta da corrente do cachorro, que ergueu a cabeça e as orelhas ao ouvir o seu nome.
-Certo. – respondeu o ruivo, escancarando a porta de madeira e cedendo passagem à amiga e o cachorro de Harry que rapidamente fez-se confortável na poltrona de Rony assim que a morena soltou a coleira dele.
-O que você tinha de tão importante para falar comigo sobre o caso Hart? – perguntou a mulher, retirando o seu casaco e o jogando sobre as costas de uma cadeira. O ruivo riu, fechando a porta atrás de si e também retirando o seu casaco, caminhando a passos largos para a cozinha adjacente a sala de estar, que eram separadas apenas por um balcão.
-Caso Hart? – brincou o inominável, enchendo uma chaleira de água e a colocando no fogo, ajeitando duas xícaras com o saquinho de chá logo depois. –Mione, tem certeza que você está no trabalho certo? Caso Hart… falando assim você parece até os meus colegas de trabalho.
-Sinceramente eu dispenso um trabalho tão… violento. – murmurou a mulher de volta, aceitando a xícara de chá oferecida pelo ruivo enquanto esse derramava a água aquecida dentro dela.
-São três horas da manhã e eu não estou a fim de discutir com você sobre as diferenças dos nossos empregos a essa hora da madrugada. – respondeu o inominável, voltando para a sala com o seu chá quente. Hermione ergueu uma sobrancelha castanha e riu em apreciação.
-Certo… que feitiço você recebeu na cabeça hoje para não querer discutir isso comigo? Pensei que você fazia das nossas discussões uma filosofia de vida.
-Errado minha querida Hermione. Atormentar meus irmãos mais velhos é uma filosofia de vida… Discutir com você é um hobbie. – caçoou e a mulher rolou os olhos. Por que ainda se deixava levar pelas tiradas convencidas de Rony?
-Certo então. Por que você me chamou aqui? – perguntou a cientista, tomando um gole do seu chá quente.
-Você trouxe o resultado dos exames de DNA? – falou o ruivo e a mulher puxou o seu casaco do encosto da cadeira, antes de sentar-se ao lado do amigo no sofá, fuçando dentro do bolso interno e magicamente ampliado e buscando o envelope de papel pardo onde estava o exame. Estendeu o resultado para Rony, que depositou sua xícara na mesinha de café a sua frente e começou a fuçar nos papéis.
-Aí diz claramente que o Dr. Hart é filho de Narcissa e Lucius Malfoy. – atestou a morena com um tom como se tivesse feito uma grande descoberta científica.
-Verdade… - o ruivo respondeu vago, caçando em seu casaco um envelope que ele tinha apurado um tempo atrás. –Mas aqui diz – e retirou os papéis de dentro do seu envelope. – que no dia 4 de agosto de 1980, Joan Anne-Marie Hart deu entrada no Memorial Hospital de Londres com fortes contrações de intervalos de cinco minutos. Às exatamente 23:45 horas a sra. Hart deu a luz a Elliot David Hart… adorado filho e herdeiro dos Hart. – e passou os papéis para as mãos da estupefata ex-grifinória.
-Como é? – balbuciou, ainda não conseguindo assimilar o que tinha ouvido do amigo.
-O que eu estou dizendo é que não há um registro de óbito para Elliot Hart. Porque sim, eu considerei a possibilidade de o bebê ter morrido depois do nascimento e os pais terem adotado um menino para suprir a dor e dado o mesmo nome a ele. Mas também não há nenhum registro de adoção em nome dos Hart. Não na Inglaterra, não na Escócia e menos ainda na Irlanda.
-Isso está ficando mais complicado a cada segundo que passa. – resmungou a mulher, tomando outro gole do seu chá e viu de rabo de olho Ron dar um enorme sorriso escarninho.
-Por que Mione? Pensei que você gostasse de desafios.
-Desafios nos levam a respostas, Ronald. Mas isso daqui não está nos levando a lugar nenhum. O que temos até agora? O corpo do Malfoy desaparecido, esse médico que tem o DNA dos Malfoy, mas que é um legítimo Hart e um grande mistério no meio sobre a morte de Draco.
-Ah… mas você ainda não ouviu metade da história. – o ruivo ergueu as sobrancelhas de um modo que Hermione percebeu que aí vinha uma grande bomba.
-Harry me telefonou esses dias e me contou uma coisa interessante. Os pais de Elliot morreram em um acidente de carro. Acidente esse em que o próprio Elliot estava envolvido. Fucei mais ainda e adivinha o que eu descobri? Elliot Hart ficou em coma por dois anos antes de ir morar com os avós em Refuge.
-E daí Ron. – a mulher deu de ombros. O que isso tinha de novo para esse caso? Rony rolou os olhos e soltou um longo e sofrido suspiro.
-Eu pensei que o gênio desse trio fosse você. – gracejou e a cientista apenas soltou uma risada sarcástica.
-Gênio, não adivinha.
-Seria se não tivesse largado a aula da Sibila no terceiro ano.
-Aquela mulher era um atentado a minha inteligência. E no que ela te serviu afinal? Harry e você ficaram até o sétimo ano a aturando para no fim não tirarem nenhum proveito dessa história.
-Fique sabendo que os aurores às vezes recorrerem à adivinhação para solucionar alguns casos. Ainda mais se for de bruxos desaparecidos.
-E alguma vez obtiveram sucesso? – provocou a garota, sabendo exatamente qual seria a resposta dele.
-Er… não, mas esse não é o ponto aqui!
-E qual é o ponto aqui? Porque eu me lembro que a gente estava discutindo sobre os Malfoy e os Hart e de repente você vem me falar da Trelawaney!
-Okay, voltando ao assunto. Elliot estava envolvido no acidente e então eis o x da questão. Consegui os dados sobre a sua condição e estranhamente, todos eles batiam com os dados da autópsia do Malfoy.
-Do que você está falando?
-Os danos cerebrais eram os mesmos que o Malfoy possuía e o curandeiro me disse que uma parte do cérebro da doninha estava morta fazia uns dois anos. A mesma coisa me disseram os médicos que cuidaram do jovem Hart.
-E daí? Pode ser uma bruta coincidência. O Malfoy com quem a gente conviveu poderia ser um impostor. Crouch Jr. conseguiu a façanha de se passar por Moody por um ano. Por que não o mesmo para o Draco?
-Então vamos ver se você acha isso coincidência. Segundo os médicos que trataram de Elliot, eles disseram que as chances de ele se recuperar eram mínimas, que ele estava à beira da morte. E mesmo que ele acordasse e se recuperasse, haveria seqüelas. Um lado todo dele estaria paralisado e ele estaria em uma cadeira de rodas, não andando de um lado para o outro dentro daquele hospital.
-Aonde você quer chegar com isso Ron? – perguntou assustada. Essa história já estava começando a lhe dar arrepios.
-Que eu estou começando a acreditar na teoria do Harry.
-Que teoria? – os olhos castanhos já estavam largos diante desses relatos.
-De que Elliot Hart é Draco Malfoy.
