Capítulo V

As manhãs em Refuge durante o verão costumavam ser de um calor intenso, com tardes frescas e com brisas suaves. À noite, a temperatura tendia a cair, ainda mais para aqueles que viviam no meio do campo onde o que predominava eram árvores, riachos e lagos de onde toda a umidade ocasionada pelo calor surgia e se acumulava. Por isso que essa noite, não muito diferente das outras, estava sendo fria e digna de desenterrar casacos e cobertores do armário.

Elliot desceu as escadas da casa de seus avós, esfregando um olho e soltando um longo bocejo, passando as mãos pelos cabelos loiros despenteados. Os pés cobertos por uma meia de algodão branca quase não faziam barulho e a calça de flanela e a camisa clara o fazia ter a aparência de um menino que tinha acabado de acordar no meio da noite a procura de um copo d'água. Coisa que ele queria já que o seu destino era a cozinha. Com os olhos ainda embaçados por causa do sono, o rapaz deixou-se guiar por instinto até a cozinha e tateando a parede com as mãos, ligou o interruptor e quase deu um grito de susto ao ver que tinha mais alguém no local.

-Desculpe. – Harry murmurou com a voz rouca e um copo de chocolate quente entre as mãos. Suas roupas eram parecidas com as de Elliot, mas os pés estavam desnudos e em vez de uma camisa, estava usando uma camiseta, o que deixava os braços bem trabalhados a amostra e sob o olhar intenso do loiro.

-O que você está fazendo aqui no meio da noite? – disparou o médico, dando as costas para o seu convidado e interrompendo o contato visual, indo até a geladeira a procura de algo. Abriu a porta do aparelho e ficou olhando para dentro dele, sem saber direito o porquê de estar ali e tendo esquecido completamente o motivo da sua viagem à cozinha. A presença súbita de Harry apagou qualquer lembrança de sua memória e o fato de que o moreno não parava de olhar para as suas costas o deixava nervoso.

-Senti vontade de tomar um chocolate quente. – respondeu Harry na posição em que estava sentado sobre a mesa de tronco de carvalho no centro da grande cozinha. Quando Elliot inclinou-se um pouco para caçar algo no fundo da geladeira, o moreno deu um largo sorriso diante da visão que a calça de flanela lhe oferecia. Quem diria que os jeans surrados e o jaleco de médico tinham muito a esconder, heim?

O loiro catou uma jarra de suco no fundo da geladeira e quando voltou à posição normal pôde sentir que a intensidade do olhar de Harry tinha aumentado sobre a sua pessoa. Irritado por estar sob tamanha avaliação, o rapaz virou-se com os lábios comprimidos e uma expressão nada amigável no rosto para poder encarar o moreno a sua frente.

-Vendo algo interessante sr. Potter? – escarneceu e Harry deu mais uma golada em seu chocolate antes de abrir um grande sorriso malicioso.

-Pode apostar que sim. – provocou e viu com prazer às bochechas do loiro ficarem vermelhas, embora o seu rosto estivesse contorcido em uma furiosa careta.

-Engraçadinho. – rosnou entre dentes, caminhando até o balcão da cozinha e recolhendo um copo para si, derramando uma generosa quantidade de suco nele e o bebendo quase todo de uma vez. De repente a cozinha tinha ficado muito quente para o seu gosto.

-Eu tenho uma pergunta. – Elliot deu um pulo e virou-se bruscamente, se vendo cara a cara com Harry e próximo demais daqueles olhos vivamente verdes. Mesmo com a lente dos óculos eles pareciam brilhar as luzes da cozinha e a situação só piorava pelo fato de Harry ser mais alto e ter que olhar para baixo para encarar o médico, o fazendo se sentir menor do que já era. –Por que, de uns tempos para cá, você ficou subitamente incomodado com a minha presença? Por acaso é porque eu sou um estranho que repentinamente entrou na sua vida, ou é porque eu sou um estranho que o faz se sentir… diferente? – provocou, tão perto do rosto do loiro que esse podia sentir a respiração quente do auror contra as suas bochechas vermelhas.

-Na verdade é porque você é uma criatura muito inconveniente Potter. Acha que eu não sei o que está tentando fazer? – acusou, estreitando os olhos cinza tempestade e Harry deu um sorriso torto querendo saber até onde o loiro chegava com esse modo defensivo.

-E o que eu estou tentando fazer? – incitou, aproximando-se ainda mais do rapaz que engoliu em seco nervosamente.

-Provavelmente você era a fim desse seu colega morto e o fato de eu parecer com ele gerou uma obsessão por mim que eu estou começando a considerar um pouco doentia. – se possível o sorriso de Harry se alargou.

-Admito que você esteja certo… - Elliot deu um sorriso vitorioso. – parcialmente. Sim, eu era apaixonado pelo Draco e sim, você se parece muito com ele, mas apenas fisicamente. Draco era orgulhoso, arrogante e totalmente intragável. Difícil mesmo de se aturar.

-E mesmo assim você se apaixonou por ele? Você parece ser um cara muito certinho para vir a gostar de alguém com tantos defeitos. – o loiro arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços sobre o peito e Harry piscou intensamente os olhos diante desse gesto. Era uma mania que Draco tinha quando tentava provar intensamente que estava certo e tentava passar um ar de superioridade durante as suas brigas.

-Ele tinha os seus defeitos, mas também tinha algumas qualidades que, infelizmente, somente eu conseguia ver. Acho que nem mesmo o próprio sabia que ele tinha isso dentro de si.

-Que romântico. – escarneceu o médico, recuando um passo para se afastar, mas um braço em sua cintura o manteve no lugar. Ele arregalou um pouco os olhos e prendeu a respiração. Seus braços descruzaram e penderam ao lado do seu corpo enquanto as suas pernas decidiam se ele fugia ou ficava no lugar onde estava.

-Você é diferente. Admito que quando olho para você eu vejo Draco. Mas quando você abre a boca para falar é uma pessoa totalmente diferente. Talvez Draco fosse como você se não estivesse sob o peso do nome dos Malfoy, mas isso é algo que nunca iremos saber não é mesmo? Você é o Elliot. E eu estou começando a perceber que eu estou me apaixonando por você Dr. Hart. – o loiro arregalou tanto os olhos e abriu a boca de um modo que o fez parecer uma criança chocada ao descobrir que Papai Noel não existia. Harry puxou o corpo menor contra o seu, o sentindo ficar rígido diante da proximidade extrema. Com a mão livre percorreu os dedos pelas mechas loiras, sentindo que o rapaz começava a tremer em seus braços.

-V-v-você não acha q-q-q-que está s-s-se precipitando? – gaguejou o loiro, se sentindo um completo idiota por estar perdendo o controle diante da intensidade daqueles orbes verdes. Não que nunca tivesse ouvido uma declaração de amor em sua vida, mas a força do olhar de Harry e o modo como às palavras foram sussurradas de maneira rouca perto do seu ouvido o fazia ficar com as pernas bambas e arrepios percorrem o seu corpo. Era uma sensação boa… estrangeira, mas, ao mesmo tempo, familiar. Era como se ele já tivesse sentido isso antes em relação… a Harry.

-Você acha? Se fosse há uns doze anos atrás talvez eu reconsiderasse esse sentimento e pensasse duas vezes antes de admitir isso. Mas eu não sou mais aquele menininho bobo de quinze anos. Já vivi e vi muito nessa vida para ter certeza sobre mim e sobre o que sinto. E eu sinto que estou apaixonado por você Elliot. E eu sei que você está sentindo o mesmo.

-Não seja tão presunçoso Potter. – grunhiu de maneira defensiva, tentando sair do abraço do homem, mas falhando miseravelmente já que não estava empregando tanta força assim para cumprir o seu intento.

-Ah… outra coisa que aprendi com os anos Dr. Hart… ler os outros. E você, meu caro, é mais explícito que um livro aberto.

-Você não me conhece nem há um mês sr. Potter e ainda fica assumindo coisas sobre a minha pessoa, eu acho isso… - começou a resmungar mais foi subitamente calado quando um par de lábios cobriram os seus. Olhos tempestade arregalaram-se surpresos diante do movimento e o rapaz fechou os dedos sobre os ombros de Harry, tentando afastá-lo de si, mas não conseguindo muita coisa. O moreno apertou ainda mais os braços ao redor da cintura do médico, o comprimindo contra o seu corpo com mais força e ignorando os protestos das suas costelas quase curadas. Elliot ainda se debateu mais um pouco, mas a sua vontade de resistir ia sumindo a cada segundo enquanto sentia a boca de Harry explorar a sua. Quando abriu um pouco os lábios rosados para poder respirar o auror aproveitou essa oportunidade para introduzir a língua dentro daquela caverna quente e começar a explorá-la. Os orbes pratas fecharam-se de maneira trêmula e ele soltou um suspiro enquanto serpenteava os seus braços pelo pescoço do inominável, tentando impedir-se de cair diante da fraqueza dos seus joelhos. As mãos grandes e calejadas de Harry encontraram o seu caminho e uma delas estacionou na base da espinha do loiro, massageando o local, buscando caminho por sob a camisa branca de algodão. A outra encontrou o seu destino nas finas mechas douradas. O toque suave de Elliot e suas mãos delicadas de médico exploravam hesitantes a brecha que a camiseta de Harry oferecia ao abdômen dele, sentindo a pele quente chocar-se contra as pontas dos seus dedos frios, causando um arrepio no moreno.

-Não! – Elliot quebrou o beijo para tomar fôlego e recuperar a sua sanidade. –Isso não é certo!

-Por que não? – perguntou o auror antes de arrebatá-lo para outro beijo no qual o loiro se rendeu facilmente.

-Porque não! – afastou-se novamente, finalmente conseguindo se desvencilhar dos braços de Harry e recuando uns bons passos de distância. –Eu… Você não tem o mínimo direito Potter! – sibilou para ele como uma serpente raivosa. –Eu não vou servir de substituto para alguém que está morto.

-Eu já disse que não é nada disso. Você por acaso não ouviu nenhuma palavra do que eu disse antes de te beijar, ou o beijo derreteu o seu cérebro? – perguntou presunçoso e exasperado ao mesmo tempo e Elliot torceu o nariz diante da arrogância daquele homem.

-Então eu não vou deixar você brincar comigo como se eu fosse um simples caso de verão! – acusou o loiro, dando as costas para sair e sendo segurado por Harry pelo pulso.

-Do que você está falando? – exigiu o moreno e viu uma expressão de desagrado surgir no belo rosto do médico.

-Do que eu estou falando? Para começo de conversa Potter, eu não sou gay!

-Nem eu!

-Então por que você estava me beijando? – acusou e Harry deu uma longa gargalhada diante da ingenuidade do rapaz.

-Bem, eu gosto de rapazes e moças. Então isso me faz bi, não acha? – provocou e viu o nariz arrebitado contorce-se em desagrado.

-Certo… - falou com a voz arrastada. -… Segundo! Quando a sua licença acabar você volta para a Inglaterra, Potter! Para a sua vida, sua família, e onde eu fico nessa história? – Harry arregalou os olhos ao ver aonde o loiro queria chegar. –Isso mesmo Potter. Estou acostumado a ver as outras pessoas sofrerem. Estudei duro para poder evitar que elas sofressem. Mas adivinha só? Eu não gosto de sentir dor, Potter. E não vai ser um sujeito que surgiu do nada que vai fazer isso comigo. – arrancou o seu pulso de entre os dedos de Harry e sumiu na escuridão da casa.

Harry recostou-se novamente na mesa da cozinha e soltou um longo e sofrido suspiro. Ron o mataria quando soubesse o que estava acontecendo. O amigo o tinha avisado para não se deixar envolver demais, para não refletir o que ele sentia por Draco nesse médico. Mas Harry não poderia evitar em se apaixonar por Elliot, embora ele tivesse consciência de que ele não era o Draco. Óbvio, o médico estava longe de ser o arrogante ex-sonserino. Na verdade, o auror sentia que o que estava desenvolvendo por Elliot era algo diferente do que ele sentiu por Draco. O amor que ele tinha pelo herdeiro dos Malfoy era algo infantil e que ele guardou com carinho em seu coração por todos os anos e pode até ser que foi isso que o impediu de ter outros relacionamentos, pois ele sentia que traía Draco. Mas o que ele estava sentindo por Elliot era diferente, era algo mais maduro e ele queria explorar isso. Mas havia uma coisa que Elliot Hart e Draco Malfoy tinham em comum além da aparência física: a extrema teimosia de não aceitar aquilo que está diante dos seus olhos.


Funerária Osklan & Yian era o que dizia o letreiro velho de madeira escura e comida pelos cupins, com letras douradas e descascadas. Ron enfiou as mãos nos bolsos de sua calça social enquanto torcia o nariz ao ler o nome do lugar. A fachada era de uma tinta escura e com grandes veias de mofo a percorrendo. O lugar ficava no local mais escuro e escondido do Beco Diagonal e ao olhar pela brecha oferecida pela porta velha e rangente, você perdia qualquer vontade de entrar naquele prédio. Porém, infelizmente, aquela era a única funerária em toda a comunidade bruxa inglesa desde 1658.

-Por que eu e não a Mione? – resmungou com desagrado ao lembrar-se da discussão que tivera com Hermione sobre quem iria à funerária procurar sobre os arquivos relacionados ao enterro dos Malfoy. A morena insistiu que o ruivo fizesse tal trabalho já que, durante o sepultamento do sr. Weasley, Ron esteve muito neste mesmo prédio para cuidar, junto com os irmãos, dos trâmites do enterro. E era por isso que ele detestava o lugar. Era deprimente demais e ele não achava que uma funerária deveria ser tão mórbida.

Resoluto, o ruivo acabou abrindo a porta, fazendo um sino soar ao fundo da casa, e entrou na recepção escurecida e que continha apenas poucas lamparinas a óleo para poder iluminar o local. Outra coisa que ele odiava naquele lugar: o fato de eles não terem chegado ao século 21, já que muitas das lojas do Beco Diagonal, por mais velhas que fossem, já tinham adotado o incrível sistema elétrico de iluminação trouxa. Mas aquele buraco ainda insistia em se parecer com uma tumba depois de nove anos.

-Posso ajudá-lo senhor? – o auror quase sacou a sua varinha ao virar-se bruscamente na direção da aparição a sua frente. Era uma senhora baixa e pálida como uma cera de vela, rugas incrementavam o seu rosto e a curva de sua coluna a fazia parecer o Corcunda de Notre Dame. Os olhos esbugalhados o miravam de cima a baixo enquanto as mãos de dedos alongados e finos seguravam firmes a bengala onde ela se apoiava.

-Er… eu estou… - passou as mãos nervosamente pelos cabelos vermelhos. Ele preferia fazer mil reconhecimentos de corpos a estar dentro daquele buraco. Aquele lugar o sufocava, o fazendo se sentir como se tivesse sido enterrado vivo. -… procurando alguns arquivos sobre um funeral que aconteceu há onze anos. – pediu e tentou dar um de seus sorrisos encantadores para a mulher, surpreendendo-se por ter conseguido ao menos sorrir.

-Onze anos… senhor é muito tempo. – disse a mulher com uma voz seca e rouca, o olhando extremamente desconfiada.

-Mas eu sei que vocês devem guardar esse arquivo, soube que vocês têm arquivos aqui desde a inauguração.

-Talvez. – continuou a velha, ainda sim desconfiada sobre o rapaz. A pose dele gritava "auror" por todos os poros e por isso era extremamente estranho que um homem da posição dele estivesse ali. Não confiava em aurores, os achava enxeridos e perigosos demais. Ron percebeu que a mulher não parecia confiar nada, nada em sua pessoa e notou que deveria ser o fato de que ele tinha uma postura que Harry costumava chamar de: cara de tira. Deu mais um sorriso e inclinou-se para poder ficar um pouco mais próximo dos olhos dela.

-Eu sei o que a senhora está pensando, mas, acredite, eu sou professor do primário. – mentiu descaradamente e a mulher piscou os olhos.

-E o que um professor do primário iria querer nos meus arquivos? – perguntou entornando os lábios finos e enrugados. Ron apenas sorriu mais ainda.

-A minha garota, sabe, ela está à procura de um irmão desaparecido há onze anos. Ela suspeita que ele sumiu na guerra. Tentou ir até os aurores para poder pedir ajuda, mas eles se recusaram, diziam que alguém envolvido com Você-Sabe-Quem não valia esse esforço. – comentou com um tom de pesar na voz e o olhar duro da mulher pareceu aliviar um pouco, ainda mais quando ele colocou uma nota de desprezo ao referir-se aos aurores. –Então ela me puxou a um canto e com os olhos lacrimosos me pediu "Ron, por favor, me ajuda. Meu irmão é a única família que me restou". E eu não pude dizer não, entende? É a minha garota e eu sou amarradão na dela. – desembestou a contar a história como se realmente fosse a verdade suprema sobre a sua vida. –Imagina a carinha que ela vai fazer se eu voltar para casa e disser que eu não consegui sair da estaca zero, porque eu pensei que o cara com certeza foi enterrado, isso se ele realmente estiver morto, e como a sua funerária é a única aqui na Inglaterra… eu pensei "por que não?" não é mesmo? – e falava e falava, não parecendo ter nenhuma intenção de parar tão cedo e, a cada palavra dita, ele parecia convencer ainda mais a desconfiada velha senhora.

-O senhor ao menos sabe o nome do irmão dela? – perguntou a mulher querendo ser solícita e ao mesmo tempo calar a boca tagarela do ruivo.

-Poxa… aí a senhora me pegou. – Ron fez uma careta inocente. –Ele mudou o nome durante a guerra, minha garota disse que ele não queria que a família soubesse de suas escolhas e nem queria prejudicar o nome deles com associações. – falou em um tom sombrio, mas rapidamente a sua voz ficou animada de novo. –Mas eu sei que o sobrenome que ele usava era um tal de Maltus, um Ma de alguma coisa, não lembro de cabeça mas se eu ler o nome me recordo. Se a senhora ao menos me deixar procurar eu serei muito grato.

-Não posso deixar pessoas não autorizadas entrarem nos arquivos dessa maneira, jovenzinho. – apertou firmemente a sua bengala, comprimindo mais os lábios finos.

-Foi o que eu pensei! Talvez eu deva apenas voltar para casa e dizer a Luna que eu não pude… - e virou de costas, pronto para partir.

-Espera aí? Luna Lovegood? – Ron parou, abrindo um sorriso, ainda de costas para a mulher. Depois teria que pedir a Luna que o cobrisse nessa história, mas sabia que a amiga faria isso. A ex-corvinal adorava participar e ajudar os aurores nas suas investigações. Depois que assumiu a revista do pai ela tornou-se uma pessoa admirada e temida por muitos. Certo que algumas das matérias de sua revista ainda eram meio sem nexo, mas muitas eram bombásticas aos extremos. A garota não tinha freio nas mãos e se fosse para exibir a verdade nua e crua sobre alguém ela faria, desde a dona de uma funerária velha ao Ministro da Magia.

-Conhece a minha garota? – virou-se com uma expressão inocente no rosto e viu a mulher ficar ainda mais pálida. Hum, se ela tinha medo da Luna é porque ela tinha algo a esconder. Com certeza algum furo no imposto de renda ou algo assim. Geralmente era isso mesmo que esses comerciantes do Beco mais temiam.

-O senhor disse letra M? Queira me seguir meu jovem. – falou a mulher, começando a mancar em direção a um corredor que levava a algum buraco daquela funerária.

Cinco minutos depois Rony estava dentro de uma sala quase escura, com forte cheiro de mofo, estantes velhas e comidas e com milhares e milhares de pergaminhos o rodeando.

-Hum… acho que não vai ser fácil. – murmurou o rapaz, sabendo que aquele lugar com certeza não estava na ordem alfabética.

-Aqui estão os L, M e N. Divirta-se. – respondeu a velha, batendo a porta atrás de si assim que saiu. O ruivo esperou algum tempo até que a mulher realmente tivesse sumido no final do corredor e voltou à sala, trancando a porta atrás de si e erguendo a varinha. Com um girar de pulso ele convocou todos os pergaminhos com o nome Malfoy. Centenas de arquivos velhos acumularam-se aos seus pés e o rapaz os fez levitar até uma mesa empoeirada e velha no centro da sala, sentando-se nela e dando uma olhada superficial sobre os arquivos. Quando uma família inteira era enterrada junta, o arquivo era único. Então ele só precisava procurar por isso, por um arquivo que contivesse três Malfoy no nome.

Meia hora depois e o ruivo surgia com o arquivo mais recente da família Malfoy. Desenrolou o pergaminho com cuidado, como se nele estivesse o segredo da origem da vida. Observou todos os detalhes do enterro, o porquê de terem sido enterrados em uma cova comum e não no mausoléu da família Malfoy. Desonra de nome. Quem diria que Lucius Malfoy tinha causado desgosto à família ao subordinar-se a um mestiço. Nisso que dava se meter com Voldemort. Mas a coisa mais curiosa era quem assinava a responsabilidade pelos corpos e enterro. Tinham três nomes na assinatura dos responsáveis. E dois deles o chocaram ao extremo. O primeiro era Severo Snape. Normal, já que eram velhos conhecidos. O segundo era Arthur Weasley. Choque! O que o seu pai estava fazendo ao assumir a responsabilidade sobre o enterro dos Malfoy? E o terceiro era Alvo Dumbledore. Mais chocante ainda. Afinal, por que o líder da Ordem da Fênix iria velar o Comensal do inimigo?

-Mas que merda é essa? – murmurou surpreso com cada linha que lia. Dumbledore tinha sido responsável por quase todos os procedimentos do funeral. Desde a liberação dos corpos ao enterro. Então ele estava presente no local. E se estava presente, deveria ter as respostas para todas as perguntas que estavam pipocando na sua mente.

-Ah… Harry não vai gostar nada disso. – murmurou o rapaz, enrolando novamente o pergaminho e mandando todos de volta ao seu lugar. Dumbledore já tinha atrasado muito a vida de Harry no passado ao esconder coisas importantes dele. Se o moreno descobrir que o velho diretor de algum modo estava envolvido na morte de Draco Malfoy, com certeza outra guerra iria estourar e seria tão feia quanto a anterior.


Elliot não era uma pessoa de guardar rancor facilmente, mas, no momento, ele odiava Alicia Snipes e Harry Potter. A primeira porque ela parecia saber lê-lo como um livro infantil de histórias bobas e depois de muito o pressionar com uma técnica de interrogatório que ela certamente aprendeu com o marido, a mulher conseguiu arrancar dele o motivo de seu mau humor naquela ensolarada manhã. O segundo porque era por causa dele e do beijo que ele lhe deu que agora Elliot era o alvo das piadas e indiretas de Alicia. E para piorar ainda mais a coisa era sexta feira, dia ensolarado e com passarinhos cantando. Dia em que ele costumava se reunir com amigos da escola para uma rodada de diversões no único pub da cidade e ele não estava com humor para ir a lugar nenhum. Porém, conhecendo Rocco como ele conhecia, o delegado já lhe ligou na primeira hora da manhã o convocando a ir ao encontro de "homens", como assim ele chamava. E o pior! Ele convidou Harry para ir junto.

Um passarinho cantou na árvore perto da janela do seu consultório e Elliot quis arrancar os fios dos seus cabelos um a um por causa do pio que intensificou a sua dor de cabeça. Irritado, ele catou o primeiro frasco vazio de remédio perto do alcance das suas mãos e com uma girada de cadeira o jogou janela afora, quase acertando o pobre animal que voou assustado diante da violência do médico. Bem feito para ele! Pensou Elliot satisfeito. Quem mandou ser tão penosamente feliz?

-Dr. Hart? – uma das enfermeiras entrou no consultório e Elliot ergueu a cabeça em um rompante. Os olhos normalmente azuis claros hoje estavam escuros como em um dia tenebroso de forte tempestade.

-O que foi? Quem morreu? Esqueci que nessa maldita cidade ninguém morre! As pessoas têm que ter uma infeliz longa vida e serem irritantemente felizes! – grunhiu mal humorado ainda mais que o passarinho infernal tinha voltado para o mesmo galho na maldita árvore em frente a sua janela. –E mande a prefeitura cortar essa árvore fora! – ordenou, apontando para a condenada planta, e Betty recuou um passo. Nunca tinha visto Elliot de tão mau humor em todos os anos que ela o conhecia. Certo que quando criança ele era um doce de menino, quando voltou à cidade depois do acidente ele tinha essas variações de personalidade, mas isso foi uma coisa que muitos consideraram normal em um adolescente. Sem contar que cada um tinha o direito de ter o seu dia de cão.

-Doutor eu só vim trazer a requisição da prefeitura para o concurso que o senhor pediu para abrir.

-Pedi para abrir? – Elliot rosnou, erguendo-se da cadeira em um rompante. Ele não tinha pedido nada. Poderia estar com a cabeça a mil por hora, confuso que nem ele só por culpa do amaldiçoado do Potter, mas ele se lembraria se tivesse ido a prefeitura pedir que ela abrisse um concurso para novos contratados para o hospital. Afinal, ele ainda não tinha enlouquecido diante da reviravolta que a sua tão organizada vida estava sofrendo. –Eu não pedi para abrir nada srta. Beatriz Montreux.

-Mas senhor… está aqui a requisição. A prefeitura mandou para o senhor ver se aprova. – falou a mulher estendendo o papel com o timbre da prefeitura da cidade. Hart arrancou o papel das mãos da nervosa enfermeira e passou os olhos por sobre ele. Com passos largos e duros ele caminhou até a porta do consultório, a abrindo largamente e assustando dois dos poucos pacientes na sala de espera. Ninguém conspirava contra ele e saía impune.

-LUCILE JOHNSON NO MEU CONSULTÓRIO, AGORA! – pessoas recuaram diante do poder da voz do loiro que ecoou pelas paredes como um furioso trovão. Perto da recepção, Lucy deu um pulo de quase meio metro de altura ao ouvir o seu nome ser gritado pelo Dr. Hart. Olhos largos miraram à menina que trabalhava na recepção, como se perguntasse a ela o que estava acontecendo. A jovem apenas deu de ombros, tão assustada e surpresa quanto à enfermeira chefe.

-Hoje ele está pra sacrificar um. – falou a recepcionista enquanto Lucy dava meia volta e ia ver o que o médico queria. Ao entrar na área onde ficava o consultório dele a mulher viu que hoje era dia, pois a expressão do loiro estava indicando que ele estava prestes a matar alguém.

-Sim Dr. Hart? – falou com uma voz contida e controlada. Elliot apenas abriu passagem na entrada do consultório e apontou para a cadeira em frente a sua mesa. Com passos hesitantes a mulher caminhou até dentro da sala e tremeu quando a porta fechou-se com um estrondo atrás de si.

-Quem lhe deu autorização de ir a prefeitura fazer uma requisição de concurso? – sibilou entre dentes e a mulher relaxou visivelmente. Então era esse o assunto.

-Não sabia que precisava da sua autorização. Como enfermeira chefe sou a segunda na hierarquia do hospital e com o diretor fora, eu me torno a responsável.

-Não lembro de ter sido, em nenhum momento, afastado do cargo sra. Johnson. – acusou, sacudindo o papel da requisição em frente ao rosto da mulher. Do lado de fora do consultório Betty e os pacientes se inclinavam sobre as cadeiras para poder ouvirem o que estava acontecendo dentro do escritório.

-O que houve? – a voz de Harry assustou os curiosos e Betty virou-se com um largo sorriso para o moreno que parecia muito melhor do que estava quando recebeu alta do hospital.

-Lucy fez uma requisição na prefeitura para concurso para vagas no hospital. Disse que por mais que Elliot ame esse lugar, isso daqui vai acabar matando-o de estafa. Claro que o Dr. Hart não ficou feliz em saber que as coisas foram feitas pelas suas costas. Esse hospital é como o bebê dele e acho que ele está se tornando um pai super protetor e extremamente possessivo.

-Eles estão aí dentro agora? – o auror apontou para a porta fechada e Betty e mais o casal de senhores que estavam na sala de espera assentiram com a cabeça. Mancando por causa da perna engessada e com um sorriso no rosto, Harry caminhou até a porta e grudou seu ouvido nela, sendo imitado rapidamente pela enfermeira.

-O senhor estava ficando doente por causa do excesso de trabalho, precisa de mais pessoas no seu time para poder conseguir reger este hospital. – acusou Lucy com a voz exaltada. –Pelo amor de Deus Ed! Você ainda é um menino. – Elliot fez uma careta e eriçou-se, ficando maior do que parecia e olhou ferozmente para a enfermeira.

-Eu sou um homem adulto e extremamente responsável. E este hospital é minha responsabilidade desde que o Dr. Withinburg faleceu.

-Às vezes é preciso dividir a responsabilidade com alguém meu querido. – falou a mulher em um tom maternal. –Você é jovem demais menino e está se enterrando em trabalho e negligenciando a vida. Às… - a mulher hesitou. – às vezes eu tenho a sensação de que você faz isso para compensar algo. Compensar algo que tenha feito no passado. Você se dedica tanto a ajudar pessoas, colocando a sua própria vida de lado, que dá a entender que você está procurando perdão. Mas perdão de quem menino? De quem? - Elliot não respondeu, apenas deu as costas para a mulher e depois de uns três minutos em silêncio catou uma caneta sobre a sua mesa e rabiscou uma assinatura no rodapé da folha.

-Mande alguém levar a prefeitura mais tarde. – disse, devolvendo a folha com a requisição aprovada para a enfermeira. Lucy pegou a folha e olhou de modo piedoso para o médico.

-Elliot?

-Mas aviso que não quero nenhum recém saído da faculdade aqui dentro achando que pode muito quando na verdade não pode nada. – alertou, sentando-se novamente em sua cadeira. –E mande o sr. e a sra. Birmark entrarem. – Lucile apenas assentiu com a cabeça, saindo da sala e pedindo para que o casal entrasse.

-Ele aprovou? – perguntou Betty temerosa. Depois que os gritos pararam quase não puderam ouvir nada do que tinha vindo de dentro daquela sala. Lucy apenas deu um aceno positivo com a cabeça e mirou longamente a companheira.

-Betty, você se lembra de quando Elliot voltou a Refuge depois do acidente? – perguntou a mulher e Betty assentiu com a cabeça.

-Sim, e daí? Lembro que ele não recordava muito o menino que a gente conheceu. Quero dizer, fisicamente ele ainda era o Elliot, um pouco mudado claro. – a mulher riu um pouco. –Mas claro que ele tinha mudado, a última vez que o tínhamos visto ele tinha onze anos, antes de começar naquela nova escola dele, não é mesmo? E a adolescência pode mudar as pessoas. Mas em personalidade ele era tão estranho. Era como se ele fosse um peixe fora d'água. Mas acho que isso era um pós-trauma, porque depois ele melhorou.

-Eu lembro que Elizabeth não parecia muito feliz com a melhora do neto mas… - Lucy calou-se quando percebeu que tinha uma outra pessoa na sala prestando atenção na conversa delas. Virou-se e deu de cara com o rosto sorridente de Harry. –Ah sr. Potter, como está?

-Bem, muito bem. – disse Harry com uma expressão inocente.

-Eu tenho que levar isso à prefeitura. Volto em dez minutos Betty. – avisou e sumiu pelo corredor.

-E eu tenho trabalho pra fazer. Parece que um grupo de turistas está com intoxicação alimentar. – e também sumiu no final do corredor, deixando Harry sozinho na sala de espera. O moreno mordeu o lábio inferior pensativo e catou seu celular no bolso de trás da calça, discando um número bastante conhecido.

-Ron? – falou quando ouviu a voz do amigo do outro lado da linha.

-Hey Harry! Como vai você? – perguntou o ruivo enquanto andava em uma cena de crime dentro de uma casa velha e abandonada no subúrbio de Londres, desviando de vários bruxos da perícia.

-Ron, descobriu mais alguma coisa sobre aquele caso que estamos investigando? – o inominável piscou um pouco, tentando descobrir sobre o que o amigo estava falando. Harry tinha deixado muitos casos pendentes com a sua licença, sobrecarregando o parceiro com isso. –Draco, Ron. Eu estou falando do Draco. – murmurou o moreno exasperado, rolando os olhos verdes diante da lentidão do amigo.

-Ah… sim. – comentou em um tom mórbido e Harry não gostou nada de ouvir isso. –Acho que descobri a peça final desse quebra cabeça. Porém, Harry, preferia que você estivesse aqui para terminar essa investigação comigo. – falou ao amigo e Harry sentiu o coração dar um pulo por eles estarem tão próximos da verdade e ao mesmo tempo ficar nervoso por causa disso. Será que ele estava preparado para a verdade?

-Por quê? – gaguejou.

-Porque envolve Dumbledore. – o moreno prontamente torceu o nariz. Respeitava Dumbledore, ele ainda era um grande amigo, mas não tinha mais a mesma confiança cega que teve na infância no velho bruxo. Dumbledore tinha a irritante mania de esconder coisas dele alegando que era "para o seu próprio bem" e Harry detestava ser sempre o último a saber.


Depois de uma hora a porta do consultório finalmente se abriu e o sr. e a sra. Birmark saíram da sala, acompanhados por Elliot, e pareciam estar envolvidos em uma discussão, pois não notaram o rapaz que esperava pelo médico na ante-sala.

-Não Mark, você precisa tomar os remédios para manter o seu tratamento. – advertiu o loiro soltando um longo suspiro sofrido. Mark Birmark era a criatura mais teimosa que existia. Um senhor de meia idade que passou parte da sua vida dentro de uma fazenda e nunca foi ao médico, descobrindo apenas recentemente que tinha diabete. Elliot cansou de dizer que o homem teve muita sorte de nunca ter sofrido nada diante do seu estado de saúde. E o fazendeiro insistia em dizer que se estava bem antes de começar esse tratamento, continuaria bem sem ele. Porém, Elliot não queria arriscar. Era ele que tinha o diploma nessa cidade e não Mark, embora ele sempre respeitasse a sabedoria dos mais velhos nesse caso, ele teria que contestá-la.

-Elliot, eu não preciso dessas porcarias sintéticas para poder viver! Me sinto forte como um touro. – falou o homem, estufando o peito para mostrar que se sentia bem. Ao seu lado, a sra. Birmark rolou os olhos exasperada diante da teimosia do marido.

-Um touro com diabete. Aceite isso Mark. E se eu souber que o senhor não está tomando o remédio eu mesma o farei os engolir nem que seja a força. – disse a senhora, segurando no braço do marido e começando a puxá-lo para fora da sala, dando um sorriso e um adeus para o médico. Elliot soltou outro suspiro e recostou no batente da porta do seu consultório, fechando os olhos e os esfregando com as pontas dos dedos.

-Seus pacientes são criaturas interessantes. – o loiro rangeu os dentes ao ouvir a voz tão familiar de Harry e desencostou-se do batente, caminhando sala adentro. O inominável não se abalou com a atitude fria do rapaz e apenas o seguiu para dentro do consultório.

-O que você quer aqui? – perguntou sisudo, retirando o seu estetoscópio de volta do pescoço e o jogando com um ruído metálico sobre a mesa de madeira.

-Vim fazer uma visita. – respondeu Harry com o seu usual sorriso de menino maroto.

-Tem hora marcada sr. Potter? – Elliot respondeu com um tom profissional.

-Bem… não? – respondeu Harry dando de ombros de maneira inocente.

-Então caia fora. – o loiro deu as costas para o auror e começou a mirar a árvore que tinha em frente a sua janela e o passarinho que ainda cantava alegremente em um dos galhos mais altos.

-Certo eu conto a verdade. – suspirou o moreno de um jeito exasperado e resignado e inclinou a cabeça para um lado de maneira coquete. –O Snipes ligou esta tarde para a casa dos seus avós e pediu que eu garantisse que você fosse ao encontro dos outros rapazes no pub, na hora marcada.

-Hunf! – foi tudo o que o médico respondeu enquanto voltava a sua cadeira e começava a revisar alguns exames, fazendo questão de ignorar a presença de Harry em seu consultório.

-E ele também disse que se ele fosse obrigado a vir aqui para te arrancar deste hospital que ele traria a Dolores como modo de persuasão. Agora eu gostaria de saber quem é Dolores? Alguma ex-namorada? – uma sobrancelha negra foi arqueada e Elliot ergueu seus olhos dos exames, os fixando no rosto do jovem inglês.

-Por que Potter, não gosta de competição? – provocou e Harry deu um meio sorriso escarninho.

-Pode apostar que sim. Não gosto que toquem no que é meu. – concluiu e Elliot ficou rubro para depois estreitar os olhos em desagrado.

-Não sou seu Potter. E fique sabendo que a única ex que eu tenho é a atual e feliz sra. Snipes. – Harry riu, mas ainda sim a sua pergunta não estava respondida.

-Quem é Dolores? – insistiu e Elliot exalou o ar pesadamente.

-Melhor seria perguntar o que é a Dolores. Ela é a espingarda do Snipes. Uso pessoal.

-Ele colocou nome na arma dele? – perguntou divertido enquanto via o médico erguer-se de sua mesa e ajeitar os exames dentro de um armário de arquivos e depois retirar o jaleco que usava, o pendurando no espaldar da cadeira.

-Ficaria surpreso com os nomes que Rocco dá para os seus pertences. Lembro que no colegial ele tinha uma caminhonete velha que chamava de Mary-Ann.

-E percebo que é apenas nome de mulher.

-O fraco do delegado. – retrucou o loiro, olhando janela afora e vendo que o céu estava começando a ganhar cores alaranjadas. Voltou o seu olhar para o moreno parado no meio da sua sala e mordeu o lábio inferior. Bem, Rocco o tinha convidado para a noitada deles e duvidava que Harry fosse fazer alguma coisa na frente dos seus amigos. Resoluto, recolheu a sua jaqueta de dentro do armário e a jogou por cima do ombro, catando as chaves de sua caminhonete com a mão livre.

-Bem, já que você está aqui para garantir a minha presença no encontro, vamos embora antes que Rocco resolva me usar como alvo para prática. Você sabe, ele não dá muitos tiros em bandidos em uma cidade pequena como essa.

-Eu não duvido. – escarneceu Harry, mancando um passo atrás do médico. –Qual foi o último crime cometido nesta cidade? Roubo de galinha?

-Na verdade foi uma tentativa de estupro. – respondeu o loiro, dando de ombros e Harry parou no meio do caminho, surpreso que uma coisa como essa pudesse acontecer em um lugar tão aconchegante como Refuge.

-Você está brincando, não está? – perguntou com um tom estupefato e Elliot virou-se para ele, com um sorriso maroto nos lábios.

-Te peguei. – caçoou e Harry soltou uma risada. O médico tinha feito uma piada, era um marco. Ambos caminharam silenciosamente pelos corredores do hospital até que finalmente chegaram à recepção. Quando as enfermeiras viram o Dr. Hart com trajes casuais saindo do hospital acompanhado de Harry, arregalaram os olhos.

-Virgem Maria, chamem a imprensa! – Mônica gritou no meio do hall de entrada do hospital e todos pararam de repente, olhando para a mulher que parecia estar chocada. –Dr. Hart está saindo mais cedo do hospital em uma sexta-feira. – caminhou a passos largos até o loiro e colocou uma mão na testa dele. Elliot rolou os olhos e soltou um rosnado, estapeando a mão da mulher para longe do seu rosto.

-Mônica. – falou com uma voz contida e um sorriso docemente suspeito. –Você gosta do seu emprego? – Mônica deu um aceno positivo com a cabeça, com uma expressão inocente no rosto. –Gostaria de mantê-lo? – sibilou em ameaça e a mulher recuou um passo soltando um agudo "Iip", o que fez todos que estavam presenciando a cena começarem a rir.

-Entendi o recado. Afê, nem para fazer uma piada Elliot. Que mau humor. – acusou a mulher, sacudindo a cabeça de um lado para o outro.

-Mas eu estou rindo, você não está ouvindo as minhas gargalhadas? – cruzou os braços sobre o peito com o rosto sério e impassível.

-Ele está rindo por dentro. – Harry completou, depositando as mãos sobre os ombros do loiro e começando a empurrá-lo, incitando-o a andar. –Vamos senão o delegado Snipes virá atrás de você com a Dolores se nos atrasarmos.

-Dolores? – Lucy entrou na roda. –Está falando daquela espingarda de chumbinho que ele ganhou quando criança e usava para poder caçar passarinho? A mesma que ele usou para acertar o seu joelho, Elliot? – Harry mirou o loiro com um ponto de interrogação sobre a cabeça. Que amizade era essa que um ficava falando mal do outro, ou atirando no outro?

-Rocco não tinha a melhor das pontarias quando adolescente. – o médico deu de ombros e com um aceno de mão despediu-se das suas enfermeiras antes que elas achassem mais motivos para caçoar de sua pessoa.

Vinte minutos depois a caminhonete de Elliot parava em frente ao pub que tinha perto da entrada da cidade, quase ao lado do portal de boas vindas, e os dois homens desceram sem pressa do carro, caminhando a passos lentos em direção ao bar que ainda estava se enchendo para a noite. Um sino tocou ao longe assim que a porta se abriu e música chegou aos ouvidos dos dois assim que eles entraram no pub. Elliot rapidamente divisou os amigos e com passos largos começou a serpentear as mesas do local para poder alcançá-los. A Harry só restou ir a passos mais lentos atrás do médico.

-Salve Dr. Hart. Que milagre é esse de aparecer na hora para o encontro? – caçoou Rocco quando viu o loiro sentar-se ao seu lado. –Potter estou com ciúmes. Durante anos eu tive que usar a minha adorada Dolores para arrancar esse bicho do mato daquele hospital, sem muito sucesso eu recordo. Qual é o seu segredo? – riu o policial quando o moreno chegou à mesa, acomodando-se ao lado de Elliot, para o desespero do mesmo, ainda mais que o auror arrastou a sua cadeira para ficar mais perto do médico.

-Segredo delegado, segredo. – respondeu o inglês com um charmoso sorriso, agradecendo a garçonete que prontamente tinha colocado uma caneca de cerveja em frente a ele.

-Ed! Deus eu morri! – outro homem comentou quando chegou com mais um grupo que se ajeitou na já apertada mesa. –Você apareceu. – zombou. Harry percebeu que parecia ser um fato rotineiro Elliot dispensar compromissos com os amigos para ficar enfurnado naquele hospital. Como é que ele conseguia manter uma vida social daquela maneira? –E você deve ser o famoso Potter. – o homem de cabelos acobreados falou, estendendo uma mão para Harry. –Sou Rob Ward. – apresentou-se. –Este é o meu irmão Mike. – e apontou para o rapaz mais novo que se sentou ao seu lado. –Ouvimos falar muito sobre você sr. Potter. – os outros cinco homens na mesa riram com o comentário de Rob.

-Não pela boca do simpático Dr. Hart, creio. Porque tudo o que ele diz sobre mim é uma extrema mentira. – comentou Harry com um tom jocoso e os homens riram mais ainda.

-Na verdade veio da boca do nosso jovem delegado. – um outro homem robusto e de cabelos acastanhados disse enquanto dava uma grande golada na sua cerveja preta. –Aliás, sou o Morgan. – Harry cumprimentou o homem e a partir daí foi uma rodada de dois minutos de apresentações até que as conversas começaram.

-Vocês se conhecem há muito tempo? – perguntou o auror, notando que todos conversavam animadamente, mas que Elliot estava extremamente concentrado na sua taça de vinho. Vinho, que coisa irônica. Dentro do grupo os únicos que estavam bebendo vinho eram Rocco e Elliot. E ele que pensou que o médico e o delegado fossem fãs da boa cerveja irlandesa.

-Desde o nosso último ano no colegial, foi quando Elliot se mudou. Lembram da nossa época de escola? – Rob comentou e todos assumiram expressões saudosas.

-Éramos um terror. Principalmente o nosso jovem doutor. – riu Rocco e outros o acompanharam. –Adorávamos aprontar, e Elliot sempre era o cabeça das nossas travessuras, junto com o Marty. – acusou, apontando para o homem ruivo do outro lado da mesa, que apenas riu.

-O que era mesmo que os nossos professores diziam? – comentou Marty pensativo enquanto se lembrava de todas as vezes que Elliot e ele entraram em detenção. Claro que eles eram muito espertos para se deixarem ser pegos, diferente dos outros, mas quando eram flagrados era com certeza fazendo alguma grande travessura que rendia várias detenções consecutivas.

-Que nunca teríamos algum futuro se gastássemos nossa imaginação em coisas tão pouco produtivas. – comentou Elliot de maneira arrastada, dando uma grande golada em seu vinho e pedindo uma outra taça para a garçonete, vendo que a cada minuto o bar ficava mais cheio.

-Eu gosto do futuro que tenho, muito obrigado. – riu Marty, erguendo a sua caneca de cerveja em um brinde, sendo acompanhado pelos outros.

-Quer dizer que o comportado Dr. Hart não era tão comportado assim, hum? – murmurou Harry perto do ouvido do loiro, para que apenas ele pudesse ouvir, depositando uma mão sobre a coxa do médico e a acariciando sob a mesa. Elliot arregalou os olhos diante do gesto e deu um pequeno pulo na cadeira, olhando surpreso para o rosto de Harry, que estava impassível e parecendo bastante concentrado na conversa dos outros rapazes, mas a mão abusada ainda estava na sua perna. Inconscientemente o loiro virou a taça de vinho que tinha acabado de receber, pedindo outra a garçonete antes que ela fosse embora.

-Eita amigo, devagar com isso. – Rocco aconselhou o loiro, que apenas lançou um olhar enfurecido ao delegado e retesou-se todo quando a mão de Harry subiu mais pela sua perna. Irritado, virou-se em direção ao moreno, sibilando perto do ouvido dele.

-O que você pensa que está fazendo? – rosnou e Harry apenas deu um sorriso inocente para o homem, dando de ombros como se não soubesse sobre o que ele estava falando. Com força, Elliot tirou a mão do homem de sua coxa e afastou um pouco a sua cadeira da dele. Movimento inútil, visto que a mesa estava tão apertada que ele percebeu que não tinha para onde fugir. Bem, poderia trocar de lugar com alguém, mas isso daria um gostinho de vitória a Harry e isso ele não iria admitir. Não iria admitir que a presença do Potter o incomodava.

-E se lembra daquela vez que a Alicia estapeou o Rocco no meio do corredor da escola? – Rob relembrou e isso trouxe novamente a atenção de Elliot para a conversa, o fazendo rir um pouco, mas rapidamente ele enrijeceu quando a mão de Harry voltou para a sua perna, subindo perigosamente para áreas mais privadas do seu corpo. Outra taça de vinho fez o médico esquecer temporariamente da mão abusada.

À medida que a noite foi avançando, junto foram às bebidas e conversas e o incomodo de Elliot foi aumentando, ainda mais que a mão de Harry continuava a vagar por seu corpo por debaixo da mesa, sempre ameaçando a fazer algo que com certeza embaraçaria o médico, mas nunca chegando onde o loiro realmente queria ser tocado. Um comentário de Mike fez Elliot soltar uma longa gargalhada e Rocco também riu, apontando bestamente para o amigo, o efeito do vinho já nublando o seu cérebro.

-Elliot está completamente bêbado, como um peru na véspera de Natal. – caçoou o delegado.

-Vai pra puta que o pariu Snipes. – rebateu Elliot venenoso e os outros homens riram. Estava começando a troca de farpas que fazia a graça desses encontros.

-Não lembro de sermos irmãos perdidos Dr. Hart. – retrucou o policial e mais risadas surgiram. –Sem contar que nunca te vi beber tanto loirinho, ta com algum problema? – lançou um olhar jocoso ao homem que soltou um resmungo por entre os dentes.

-Você também estaria com um problema se tivesse uma mão… - começou a dizer, mas Harry, que estava mais sóbrio que os outros, o interrompeu.

-Creio que está tarde e é hora do Dr. Hart ir para a cama. – risadas ecoaram na mesa diante do trocadilho e Elliot soltou um longo resmungo quando foi erguido do seu assento por Harry. –Diga boa noite Elliot. – comandou o inominável.

-Boa noite Elliot. – falou com a voz pastosa e com um tom de criança birrenta, oscilando perigosamente sobre os próprios pés.

-Senhores. – despediu-se Harry, carregando a si e ao médico bêbado para fora do pub. –Onde estão as chaves da caminhonete Elliot? – perguntou o auror quando chegaram ao estacionamento, encostando o loiro contra a lataria do carro.

-Eu não faço a mínima idéia. – gargalhou o médico. Harry rolou os olhos e começou a apalpar os bolsos do homem, que se contorcia sob as mãos do moreno diante das cócegas que sentia. Soltou um pequeno ruído vitorioso quando finalmente conseguiu pescar as chaves do bolso traseiro do jeans do médico, o deslocando um pouco para o lado para poder abrir a porta de passageiros da caminhonete. Certo, ele tinha uma perna engessada e isso complicaria um pouco o modo dele de guiar o carro de volta a fazenda dos Hart, mas nada que um pouco de magia não ajudasse. Sem contar que Elliot estava bêbado como uma porca e nem notaria que havia algo estranho no modo de conduzir de Harry.

-Vamos doutor Hart, não se faça de difícil – pediu o auror quando o loiro relutou em entrar no carro. Elliot deu uma gargalhada escandalosa, suas bochechas pálidas ficando subitamente vermelhas por causa do excesso de vinho.

-Sabe de uma coissa Potterr, vossê tem dito muito isso ulti-ulpi-ultimimente. – falou com a voz arrastada, virando-se bruscamente para encarar o inominável, com um dedo em riste, e quase tropeçando nos próprios pés.

-Você está tão bêbado que bem consegue falar aquele bando de palavras complicadas que você fala quando quer me dar um fora. Entre no carro Hart.

-Quem vossê pensa que é? Minha afó? – Harry riu, sacudindo a cabeça de um lado para o outro e empurrando Elliot para dentro do carro, que tropeçou e caiu desajeitado sobre o banco dianteiro da velha caminhonete.

-A sua avó vai ficar fula quando te vir assim, isso sim. – terminou, recolhendo as pernas do médico e as colocando dentro do carro, batendo a porta do passageiro logo em seguida e dando a volta no veículo, entrando pelo lado do motorista e enfiando a chave na ignição.

-Sabe de uma coisa Potter? – Elliot conseguiu sentar-se no banco e agora apontava um dedo para Harry, enquanto inclinava-se sobre o moreno.

-O quê? – perguntou o auror, achando a cena extremamente divertida.

-Vossê é ex-eqs-extremomente enxerido. – falou com as sobrancelhas franzidas como se se perguntasse se o que havia dito estava certo. Harry riu. Elliot ficava uma graça com essa expressão confusa. –Parece com alguém que eu conheci. – franziu ainda mais a testa e depois riu de uma piada particular e que somente ele compreendia. –Mas você tem o direito. – Harry ergueu as sobrancelhas como se perguntasse "por que" e Elliot abriu um grande sorriso, debruçando-se sobre o homem mais velho. –Aposto que as garotas arrastam-se aos seus pés por causa do seu sorriso, não? – murmurou com uma voz rouca e depois riu, afastando-se do homem. –Aposto que sim. – deu um tapa estalado na própria coxa, rindo mais alto ainda.

-Hart você está completamente bêbado. – comentou o auror com um tom divertido.

-Você pode me chamar de Elliot. – respondeu o loiro com um grande sorriso e Harry notou que ele tinha parado de enrolar tanto com as palavras, mas o ar embriagado ainda o rodeava.

-Elliot então. – o mencionado abriu um sorriso maior ainda e inclinou-se novamente na direção do auror.

-Hum... – ronronou com uma expressão extasiada. -... Meu nome soa tão sexy na sua boca. – Harry quis se bater não acreditando no que estava acontecendo. Por semanas investiu em Elliot e agora era ele que estava recebendo cantadas do médico. O doutor realmente estava de porre.

-Elliot, você está bêbado e não faz a mínima idéia do que está falando. – advertiu Harry.

-Não faço mesmo, mas quem disse que eu me importo? – rebateu Elliot, andando de quatro sobre o banco e se aproximando mais do inominável, até que se sentou em seu colo.

-Elliot... – Harry tentou afastá-lo, sem empregar muita força para não machucar o rapaz, mas não conseguiu muita coisa, pois parecia que o loiro tinha se prendido a ele com toda a determinação do mundo. –Você está... – ainda tentou persuadi-lo, mas o médico achou um meio mais eficiente de calá-lo quando o atacou com um beijo voraz. Harry arregalou um pouco os olhos diante da ousadia da criatura mais comportada de Refuge, não acreditando que agora eram as mãos de Elliot vagando pelo seu corpo, o explorando como se fosse uma peça rara, enquanto lhe tirava o ar com o beijo mais sedento que o auror tinha recebido em toda a sua vida. Sentiu o seu corpo entorpecer enquanto o médico atacava a sua boca e suas mãos prendiam-se aos seus cabelos. Resolveu esquecer de tudo naquele momento e principalmente do fato de que o loiro estava extremamente bêbado. Agarrou-se a ele e com força o empurrou contra o volante do carro, fazendo o cotovelo de Elliot bater contra a buzina e causar um grande estardalhaço da mesma. Rapidamente eles se afastaram para ver se alguém apareceria diante do barulho que ocorreu. Os olhos verdes de Harry percorriam o pátio do estacionamento enquanto Elliot dava risadinhas sobre o seu colo como uma colegial na noite de formatura, dando uns amassos com o namorado no carro. Quando o inominável viu que ninguém iria dar o ar da graça, voltou a sua atenção para a criatura sorridente em seu colo, o olhando duramente diante da pequena cena que ele estava fazendo com as suas risadas.

-Ops... – disse ainda rindo, com grandes e inocentes olhos azuis. -... desculpe. – e voltou a beijá-lo com voracidade, tentando penetrar as suas mãos no espaço mínimo oferecido pelos seus corpos, agarrando a barra da camisa de Harry e a puxando para cima, penetrando por baixo do tecido para poder sentir os músculos do abdômen do moreno, que se retraiu um pouco quando sentiu os dedos frios passarem pelas suas costelas, lhe causando cócegas. Harry enterrou os dedos nos cabelos loiros, remexendo os quadris para poder achar uma posição mais confortável no banco. Com isso Elliot soltou uma longa risada, apartando o beijo.

-Hum sr. Potter, acho que tem algo vivo aqui embaixo. – disse com um tom malicioso e Harry deu um sorriso escarninho. –Talvez precise de um exame mais detalhado para se descobrir o que é. – continuou o loiro, começando a desafivelar o cinto do auror enquanto mordia, beijava, chupava e lambia o pescoço de Harry.

-Elliot... – gemeu o homem, dividido entre parar as mãos rápidas do médico ou perder-se nas sensações que as carícias dele em sua nuca estavam causando. Quando o som do zíper da calça de Harry ecoou no carro, o mesmo percebeu que era hora de parar. Elliot não estava em condições de saber o que estava fazendo, e ele não era canalha a esse ponto de se aproveitar de uma pessoa desta maneira. Uma coisa eram alguns beijos, algo inofensivo, outra era chegar às vias de fato. Resoluto, segurou as mãos pálidas do loiro, as afastando de suas calças e depois as fechando novamente.

-O que foi? – perguntou confuso e com a expressão mais adorável que Harry já tinha visto no rosto de alguém, o que quase o fez mudar de idéia sobre impedir o rapaz.

-Você está bêbado e eu não quero fazer isso com você nesse estado.

-Mas eu pensei que você me queria. – acusou o médico, tentando dar um beijo no moreno, mas esse se desviou da investida.

-Sim, mas também quero que você se lembre do que aconteceu no dia seguinte. – o olhou longamente com uma expressão séria e, vendo que ele estava realmente decidido, Elliot saiu do colo de Harry, fazendo bico como uma criança birrenta que teve a sua hora de diversão negada.

-Você não é divertido Harry. – murmurou contrariado, jogando-se contra o banco e cruzando os braços sobre o peito, recusando-se a olhar para o auror que rolou os olhos e deu a partida no carro.

-Mas eu sei que você vai me agradecer amanhã. – e com isso acelerou a caminhonete, que soltou um longo ronco antes de começar a andar.

O caminho até a fazenda dos Hart foi feito em absoluto silêncio e vez ou outra Harry olhava para a Elliot, tendo a sensação de que o médico tinha adormecido em seu lugar. Quando o carro entrou na propriedade da família e o moreno desligou o motor é que o jovem bêbado esboçou algum sinal de vida, virando-se com olhos vermelhos e vidrados para o auror. Harry soltou um longo e sofrido suspiro, não acreditando na sua má sorte. Além de ter que se carregar para dentro da casa, teria que carregar Elliot também. Resignado, desceu do carro e o contornou, abrindo a porta do passageiro e quase sendo derrubado pelo peso do loiro que estava escorado na porta. Com dificuldade e muito jeito conseguiu tirá-lo do carro e colocá-lo de pé. Com passos lerdos ambos se arrastaram até a casa, com Harry tendo que se contorcer novamente para achar nos bolsos do médico a chave da porta da frente. Quando conseguiu abrir a maldita porta depois de uns dez minutos – ele já estava começando a considerar um alorromora – o inominável se viu no maior desafio de sua carreira: arrastar um médico bêbado para o seu quarto no segundo andar da casa sem acordar os avós do dito médico.

-Que Merlin me ajude. – sussurrou para o nada, tapando a boca de Elliot quando esse ameaçou soltar uma risadinha embriagada. Jurava que da próxima vez manteria a sua mão para si mesmo se a noite fosse terminar assim. –Vamos lá Ed, colabora comigo. – murmurou, arrastando o loiro degrau por degrau, com esse balançando como barco na marola. Depois de vinte minutos de uma batalha quase vencida, os dois finalmente conseguiram chegar ao quarto do rapaz e Harry o largou sobre a cama como um peso morto, inspirando profundamente para poder recuperar o fôlego.

-Foi engraçado, vamos fazer de novo? – riu o loiro e o auror deixou seu corpo cair sobre a cama ao lado do médico, retirando os sapatos dele e os jogando com um baque no chão de madeira polida.

-Só que da próxima vez você vai ser o sóbrio e eu o bêbado, okay? – Elliot riu, acenando positivamente com a cabeça.

-Okay. – Harry deu um sorriso, fazendo um gesto negativo com a cabeça.

-Melhor dormir Elliot, porque amanhã a ressaca vai ser maldita. – sugeriu e estava quase levantando da cama quando Elliot o segurou pelo pulso.

-Não ganho beijo de boa noite? – fez biquinho como um menino manhoso e Harry sorriu mais ainda, debruçando-se sobre o rapaz e depositando um suave beijo sobre os lábios dele.

-Boa noite. – sussurrou com o rosto ainda perto do rosto do loiro, que sorriu diante da proximidade e encarou profundamente os olhos de Harry, como se visse alguma familiaridade neles.

-Seus olhos são verdes. – atestou o óbvio e o moreno arqueou as sobrancelhas.

-E? – perguntou curioso, querendo ver aonde aquele papo de bêbado o levaria.

-São verdes... como sapinhos cozidos. – e com isso o médico apagou. Num rompante Harry soltou-se da mão dele, erguendo-se bruscamente da cama e quase caindo pela falta de equilíbrio sobre a perna engessada. De onde tinha vindo aquilo? Indagou-se chocado. Aquilo era algo que Elliot, em hipótese alguma, teria conhecimento. Apenas algumas pessoas estavam presentes no dia do fatídico poema do dia dos namorados que o deixou extremamente embaraçado. E dentre essas pessoas estava...

-Não pode ser. – murmurou para si mesmo com o coração a mil batidas por segundo. Era uma teoria louca, apenas isso. Uma teoria maluca que ele mesmo estava começando a questionar a cada dia que passava e ele conhecia Elliot melhor. Mas, de repente, o loiro lhe vinha com essa? "Seus olhos são verdes como sapinhos cozidos". Agora Harry tinha mais certeza de que algo estava definitivamente errado nessa história. Saindo o mais depressa possível do quarto de Elliot, o rapaz foi para o seu quarto, abrindo as gavetas da cômoda e começando a retirar seus pertences delas, os atulhando dentro da sua velha bolsa de viagem. Com um movimento rápido catou o celular e discou o número de Ron, não se importando de acordar o amigo no meio da madrugada.

-Ronald! – falou com uma voz firme e aflita, acordando o ruivo prontamente do outro lado da linha.

-Harry? O que aconteceu? – perguntou ao perceber o tom alarmado do amigo.

-Arrume as suas coisas. Estou voltando para Londres agora e de lá nós vamos para Hogwarts. Quero tirar essa história a limpo e é pra ontem.

-Por que essa pressa toda agora Harry? – indagou o outro auror, já se erguendo da cama e começando a rodar pelo quarto a procura das suas roupas.

-Porque eu acho que Dumbledore passou dos limites e eu já estou de saco cheio dos jogos de mentiras dele.

-O que aconteceu Harry? – Ron já estava ficando preocupado com o tom raivoso e desesperado do amigo. Algo grave tinha acontecido para o homem ter ligado para ele no meio da madruga e estar com tanta pressa assim de ir embora de Refuge e resolver esse caso Malfoy.

-O que aconteceu é que eu descobri o porquê de haver pedras no caixão de Draco e o porquê do DNA de Elliot bater com os do Malfoy.

-O quê? – o ruivo piscou estupefato. Harry tinha resolvido o caso? Como?

-Parece que eu estava certo o tempo todo meu caro amigo. Elliot Hart é Draco Malfoy. Agora o que eu quero saber é por que, como e quando isso aconteceu. E Dumbledore com certeza tem as respostas, e eu irei arrancá-las dele nem que seja a porrada. Então se prepare para fazer uma longa viagem. – finalizou irritado e desligou antes que o amigo pudesse dizer qualquer coisa. Terminou de atulhar a última peça de roupa na bolsa, catando um papel e uma caneta para escrever uma mensagem rápida aos Hart explicando o porquê de sua brusca partida. Quando se deu por satisfeito com o recado, desaparatou para Londres, pronto para seguir para a Escócia e exigir do velho diretor uma boa explicação sobre o fato de, como sempre, ele ter arrancado da sua vida mais uma pessoa que ele amava.