Capítulo VI
Foi há dez anos atrás, em uma noite estrelada e quente de início de verão. A festa rolava solta no ginásio da escola, mas o grupo de jovens pouco se importava com isso. Pelo contrário. Satisfeitos por finalmente terminarem essa etapa da vida, um deles conseguiu surripiar uma gorda garrafa de champanhe do mercado onde trabalhava como entregador e a levou para a festa para poder comemorar com os amigos. Felizes, os oito rapazes subiram o monte atrás da escola e sentaram-se lá no alto, onde ainda poderiam ver as luzes e ouvir fracamente a música que vinha do ginásio. Brindaram, riram, jogaram conversa fora, contaram planos para o futuro e sonhos. Três dos jovens partiriam em uma semana para a cidade grande. Um deles para a faculdade de medicina, outro para a academia de polícia e o terceiro para a faculdade de letras. Todos prometendo um dia se reencontrarem e continuarem amigos.
Elliot tinha que confessar que pouco se lembrava da sua noite de formatura no colegial, mas com certeza ele jamais iria esquecer a maldita ressaca que sentiu no dia seguinte da bebedeira. E era extremamente parecida com a ressaca que ele estava sentindo no momento. Gemendo longamente o loiro virou-se na cama, cobrindo a cabeça com o travesseiro para ver se assim conseguia ignorar o latejar em seu cérebro. Seu corpo todo doía, a sua boca estava seca como se tivesse engolido um pedaço de algodão e ele não se lembrava de nada do que tinha feito na noite anterior depois que chegou ao pub. E o pior de tudo, ele se sentia um lixo e teria que trabalhar naquele dia. Não! Ele não precisava trabalhar. Não eram as enfermeiras dele mesmo que diziam que ele precisava de um dia de folga? Pois bem, era hoje esse dia. Soltando um longo suspiro dolorido ele afundou-se mais sobre o colchão e tentou ignorar a luz solar que passava pelas cortinas da sua janela. Nada o faria sair daquela cama hoje. Nem mesmo uma epidemia ou algo do gênero.
-Elliot? – o loiro gemeu com o latejar que a sua cabeça deu pelo simples fato de ouvir a voz da sua avó. Soltou um resmungo incoerente sob o travesseiro e molemente ergueu uma mão para poder dispensá-la. –Elliot, desça para tomar café, vamos! – insistiu a mulher, tentando puxar as cobertas nas quais ele tinha se enrolado no meio da noite.
-Nana. – resmungou com a sua voz sendo abafada pela fronha do travesseiro. –Vá amolar o Potter. – pediu e fechou novamente os olhos, tentando recuperar o sono que estava quase sumindo.
-Harry partiu noite passada, querido. – comentou Elizabeth de maneira displicente e isso foi o suficiente para acordar Elliot, que se sentou bruscamente na cama e num instante viu pontos brancos dançarem em frente aos seus olhos e o seu cérebro dar um solavanco.
-Ai! – gritou diante da extrema dor que sentiu. –O que você disse? – murmurou com uma voz quase sumida e piscando os olhos loucamente para fazer os pontos luminosos desaparecerem.
-Ele deixou um bilhete dizendo que recebeu um chamado de emergência do trabalho e por isso teve que partir. Mas agradeceu pela hospedagem. – concluiu a senhora e Elliot mirou seus olhos nela quando finalmente o seu mundo parou de rodar.
-Ele não estava completamente curado. – protestou, massageando um pouco a cabeça, mas essa continuava a doer intensamente. Hoje não era o seu dia.
-Bem, emergência é emergência. – explicou Elizabeth, dando de ombros. Também tinha ficado surpresa quando apareceu no quarto de Harry e tudo o que viu foi um bilhete sobre a cômoda, agradecendo a estadia, mas que ele precisava voltar para Londres com urgência e que ligaria mais tarde. Elliot massageou com mais força a cabeça para ver se as veias do seu cérebro paravam de latejar enquanto absorvia o que tinha ouvido e tentava ao menos se recordar do que aconteceu na noite passada. Imagens quebradas e desconexas vinham a sua mente e ele tinha a estranha sensação de que a partida súbita de Harry era relacionada a algo que aconteceu noite passada. Mas o quê? Lembrava-se de ter chegado ao pub, pedido vinho, conversas começaram a borbulhar dentro do grupo e de repente ele se sentiu incomodado naquele lugar. Por quê? Algo relacionado à mão do Potter? E que cena era essa de carro que ficava se sobrepondo as outras? Ele em um carro com Harry... Arregalou um pouco os olhos, mirando a sua avó que o olhava de maneira preocupada, pois nos últimos três minutos Elliot estava fazendo caretas enquanto parecia tentar se recordar de alguma coisa.
-Querido? – chamou com a voz suave e o corpo do médico começou a tremer no que parecia uma convulsão. Ele estava chorando? Perguntou-se Elizabeth, já que o rapaz tinha abaixado à cabeça e ela não conseguia ver seus olhos. Mas, de repente, Elliot jogou a cabeça para trás e uma alta gargalhada passou pelos seus lábios, assustando a senhora. –Elliot? Está tudo bem? – perguntou preocupada com essa atitude dele. De repente as risadas pararam e o loiro adquiriu uma expressão fria em sem vida.
-Estou ótimo nana. – disse com uma voz distante e levantou-se da cama, caminhando a passos pesados até o banheiro e trancando-se lá dentro, ignorando a expressão piedosa da avó. Mirou-se no espelho em cima da pia, vendo que realmente estava um caco. Tinha olheiras sob os olhos e os seus cabelos apontavam para todas as direções. As roupas do dia anterior estavam amassadas e havia uma marca rosada do travesseiro na bochecha esquerda. Abriu a torneira da pia, deixando a água fria escorrer e jogou um pouco no rosto e nuca, pensando em como tinha sido tolo. Ele tinha cedido a Harry na noite passada. Deixado o vinho falar por si e baixar as suas defesas. Para quê? Para depois o desgraçado ir embora com um patético bilhete dizendo que tinha uma emergência de trabalho. Era a mentira mais vagabunda que tinha ouvido na vida. Mirou-se novamente no espelho, não acreditando que tinha sido tão burro a esse ponto e se sentindo um idiota. E o pior era que o seu peito doía, uma dor insuportável e maior do que ele podia imaginar diante desse cenário, porque sim, ele já tinha pensando na possibilidade de ceder a Harry e esse ir embora depois de ter o que queria. Mas não tinha imaginado que doeria tanto. Potter o havia decepcionado, e como o odiava no momento.
Irritado nem viu o que estava fazendo até que o som de vidro se partindo ecoou no banheiro e agora a sua imagem distorcida era mostrada pelo espelho do armário, enquanto o seu punho manchava o chão com o sangue que pingava dos ferimentos nos nós dos dedos. Essa seria a última vez que se deixaria ser magoado por alguém que amava. Prometeu a si mesmo enquanto via olhos cinzentos o mirarem de volta nos cacos do espelho. E por que essa resolução lhe dava uma sensação de dejá vu? Sacudindo a cabeça diante desses pensamentos, colocou a mão sob a água fria, retirando os pedaços de vidro de entre os dedos e deixando o sangue ser levado ralo a baixo. Quando ele finalmente parou de correr, fechou a torneira, dando uma última olhada para si no espelho e destrancando a porta do banheiro. Sua cabeça ainda doía e ele se sentia um lixo, mas o cheiro do café da sua avó foi o suficiente para elevar um pouco o espírito. Porém, antes de sair do quarto, algo o fez parar no batente. Uma outra lembrança.
-Seus olhos são verdes como sapinhos cozidos? – murmurou para o nada. De onde ele tinha tirado isso. E o estranho era que ele lembrava desses mesmos olhos verdes chocados o mirando, antes de tudo escurecer. O que isso significava? Resolveu ignorar, pois não se importava mais, e o seu estômago roncando pedia por comida. Talvez isso melhorasse a sua ressaca. É... talvez.
O sol estava surgindo no horizonte por detrás das montanhas de Hogsmeade quando os dois aurores aparataram na rua principal do vilarejo. Harry não deu tempo de Rony respirar diante da longa viagem e num rompante partiu em direção ao castelo de Hogwarts, que nas férias de verão apenas abrigava uns poucos professores.
-Harry, espera! – gritou o ruivo, seguindo com passadas largas o amigo, que quase corria trilha acima em direção aos portões da escola.
-Esperar? Eu esperei dez malditos anos achando que ele estava morto Ron! – rosnou, virando-se bruscamente para o ruivo, que freou os passos para evitar o choque com o corpo do outro inominável. –Ele. Mentiu. Para. Mim! Como sempre aquele filho da mãe mentiu para mim. – quase gritou no meio da rua vazia e Ronald passou a mão pelos cabelos, tentando colocar uma delas sobre o ombro de Harry, mas foi rejeitado. Ódio emanava por cada poro do salvador do mundo mágico e, quando isso acontecia, ele não era muito racional.
-Explodir desse modo não vai fazer a verdade sair mais rápido da boca de Dumbledore. – tentou aconselhar, mas Harry já tinha voltado a caminhar apressado e chegado aos portões do castelo, os abrindo com um tranco violento e os fazendo ranger na base. Novamente Rony correu para poder alcançar o amigo.
-Não! Mas talvez uns socos... – comentou sombrio e o ruivo ponderou se o rapaz não tinha enlouquecido de vez. Ele realmente não estava considerando a hipótese de brigar com o diretor, estava? Não importava o quão talentoso ou poderoso Harry fosse, Dumbledore ainda era Dumbledore, o maior bruxo de todos os tempos.
-Harry, agitado desse jeito apenas vai colaborar para que Dumbledore torne mais verossímil a sua defesa. – tentou mais uma vez colocar juízo na cabeça dura do moreno, enquanto esse abria as portas do hall de entrada do castelo com um solavanco.
-E eu estarei preparado para desmenti-lo a cada palavra dita. – respondeu resoluto. Vendo que era uma batalha perdida, tudo o que restou a Rony foi uma pergunta:
-Quer que eu vá com você? – ergueu uma sobrancelha para o amigo, que inspirou profundamente antes de pensar por alguns segundos e responder.
-Não. Acho que preciso... fazer isso sozinho. – respondeu decidido e o ruivo meneou positivamente com a cabeça.
-Bem, então acho que vou dar uma volta por aí, ver o que deve ter mudado no castelo. – deu um passo a frente e um leve aperto no ombro de Harry. –Boa sorte. – e sumiu por uma das escadas. Harry rodou sobre os pés e disparou na direção da sala do diretor, chegando em poucos minutos em frente a gárgula e a olhando intensamente. Não tinha tempo e muito menos paciência de ficar brincando de jogos de adivinhações e por isso, com um sacar de varinha e um feitiço de arrombamento que aprendeu na Academia, conseguiu fazer a estátua se mover. Subiu as escadas moventes e deixou-se ser levado até o alto da torre, não se importando em bater na porta e entrando prontamente na sala.
O escritório de Dumbledore não tinha mudado nada em dez anos e Harry podia jurar que se fechasse os olhos poderia se ver novamente dentro dele, com quinze anos, tendo a maior explosão de raiva da sua vida quando descobriu verdades sobre o seu passado que o diretor julgou melhor esconder por considerar "para o seu bem".
-ALVO! – gritou dentro do local, com a sua voz ecoando por toda a sala e acordando alguns quadros. Um mais mal humorado começou a reclamar com Harry, que em resposta mostrou o dedo médio para ele o calando rapidamente. Uma porta ao fundo da sala se abriu e o diretor passou por ela, usando um robe púrpura com estrelas douradas, um sorriso estava em seu rosto ao ver Harry, mas assim que viu a expressão fechada do rapaz seu sorriso rapidamente sumiu.
-Harry, o que faz aqui tão cedo? – perguntou curioso, apontando a varinha para a mesa e conjurando duas xícaras de chá, oferecendo uma a auror, que a recusou prontamente, caminhando em direção a mesa do diretor e debruçando-se sobre ela enquanto Dumbledore sentava-se em sua cadeira.
-Me explica uma coisa. – sibilou raivoso, com o rosto próximo ao do velho bruxo. –Você por acaso sente algum prazer doentio em me ver sofrer? – pontuou cada palavra com raiva e Dumbledore recuou na cadeira, não entendendo o porquê dessa atitude de Harry. Por que ele estava tão irritado? Pela primeira vez não fazia a mínima idéia do que se passava na cabeça do seu ex-pupilo. A mente de Harry estava vazia, coisa que acontecia raramente quando ele ficava furioso.
-Por que diz isso Harry? – Alvo tentou dar um sorriso encorajador para o rapaz, que soltou um rosnado por entre os dentes não acreditando na falsidade tamanha do diretor. Como é que ele, Harry, teve estômago no passado de defender esse mesmo homem tão avidamente daqueles que o condenavam e o criticavam? Como ele pôde ter sido tão cego? Dumbledore diz que ama todos os seus alunos como se fossem a sua família, seus filhos, e Harry não era exceção. Mas que tipo de amor era esse que tudo o que fazia era mentir e magoar a pessoa amada? Se essa era a concepção do diretor de afeto, ele dispensava.
-Você sabia, você viu como eu fiquei quando soube que tinha perdido mais uma pessoa que amava. E quando a guerra terminou você nem se deu ao trabalho de me dizer... – parou, inspirando profundamente. O sangue fervia em suas veias e corria a toda velocidade pelo seu corpo, latejando em sua cabeça furiosamente como as batidas violentas de uma bateria. Ele queria quebrar alguma coisa, qualquer coisa. Destruir o mundo no momento se fosse preciso, mas antes queria ouvir a verdade. – de me dizer... – parecia que tinha um bolo entalado em sua garganta tamanho era o seu ódio. – de me dizer que Draco Malfoy estava vivo. – gritou e as xícaras oscilaram sobre a mesa do diretor enquanto quadros aterrorizados caíam das paredes e estantes tremulavam nas bases.
-Harry... – Dumbledore expirou com pesar, erguendo-se de sua cadeira.
-Não venha com esse tom para cima de mim! – eriçou-se o homem, seus olhos verdes escurecidos e a sua magia descontrolada. –Eu o amava. Você sabia o quanto eu o amava, você viu o que aconteceu quando soube de sua morte. Por que não me disse que ele estava vivo? Por que me deixou viver essa vida vazia durante todos esses anos, sabendo que poderia sumir com a minha dor? – exigiu, agarrando o encosto de uma cadeira e a jogando contra a parede. Alvo apenas viu a peça despedaçar-se contra a pedra, esfregando um pouco a ponte do nariz. Sabia que deveria ter impedido Harry no momento que soube o que tinha acontecido com ele na última missão. Sabia que deveria ter impedido Ronald e Hermione quando soube que eles estavam investigando sobre a morte dos Malfoy. Mas, de algum modo, a sua mente culpada por esses dez anos os deixou prosseguirem com a esperança de que tudo fosse descoberto e, ao mesmo tempo, torcendo que nada fosse descoberto. Por semanas preparou-se para esse confronto, mas agora que estava aqui pela primeira vez na vida não sabia direito como se explicar. Harry não aceitaria as suas razões dessa vez. Não mesmo.
-Foi o melhor Harry. – falou com um tom suave, virando-se para a janela e observando o sol que subia no céu, cruzando as mãos por detrás das costas.
-Melhor para quem? – gritou o rapaz, fazendo uma penca de livros caírem de uma das estantes e um dos globos terrestres racharem. –Para mim? – sibilou com raiva.
-Não. – suspirou o diretor, voltando-se para o jovem.
-Para quem? – inquiriu, dando um soco no tampo da mesa.
-Como você descobriu? – perguntou Dumbledore e Harry soltou um grunhido por entre os dentes. O homem estava descaradamente mudando de assunto. –Eu estive acompanhando os passos de vocês essas semanas, e nada dava uma clara indicação de que vocês estivessem próximos da verdade. – Harry não poderia acreditar no que estava ouvindo. Dumbledore sabia o que eles estavam fazendo? E em vez de impedi-los os deixou continuarem com as investigações. Por quê? –Talvez porque eu quisesse que vocês soubessem da verdade. Ou talvez porque eu quisesse que vocês se decepcionassem. Não sei dizer.
-Não leia a minha mente. – respondeu o rapaz entre dentes.
-Não estou lendo. A pergunta estava escrita em seu rosto. – defendeu-se o diretor.
-Nós chegamos próximos à verdade, chegamos a você. – retrucou Harry com um sorriso de escárnio no rosto.
-Você ainda não respondeu a minha pergunta, Harry. Como você descobriu?
-E você ainda não respondeu a minha. Por que você fez isso?
-Eu já disse...
-Foi o melhor... mas o melhor para QUEM?
-Não é minha posição dizer, pois não é um segredo só meu e talvez você nunca venha a saber. E agora irá me responder? – pediu em um tom cansado e voltando a se sentar em sua cadeira.
-Ele disse uma coisa quando estava bêbado, uma coisa que apenas Draco saberia. – Dumbledore deu um aceno positivo com a cabeça, entendendo onde Harry queria chegar. –Ele estava fingindo? – perguntou o rapaz com uma expressão genuinamente curiosa. –Não creio que uma cidade inteira mentiria por uma única pessoa e nem acredito que o Draco seja tão bom ator assim. Mas essas semanas foram às semanas das surpresas e eu não ficaria mais chocado com nada. – gracejou de maneira mórbida, inclinando-se novamente sobre a mesa do diretor. –Ele estava fingindo?
-Não, não estava. – Dumbledore respondeu firmemente, olhando diretamente nos olhos de Harry.
-Que feitiço você usou? – inquiriu com o seu tom profissional, da mesma maneira que fazia quando queria arrancar a verdade de algum suspeito de crime. O brilho nos olhos de Dumbledore pareceu diminuir a intensidade quando viu a expressão determinada no rosto de Harry.
-Seja qual for o feitiço, ele parece meio falho no momento já que embriagado o jovem Hart diz coisas que não deveria. – respondeu em um tom que misturava reprimenda e divertimento.Harry afastou-se do diretor, passando uma mão pelos cabelos e olhando ao redor da sala e para o estrago feito nela. Deu de ombros. O lugar precisava ser re-decorado mesmo, pois estava na mesmice há anos.
-Então eu posso quebrá-lo. – afirmou convicto da sua decisão. Draco estava vivendo uma mentira, e não era certo privá-lo de sua verdadeira identidade. Elliot Hart era uma mentira. Cada gesto dele era uma mentira, e ele não achava justo que Draco vivesse nela. Sabia como era horrível viver em mentiras, sem contar que Dumbledore também deve ter bloqueado a magia do ex-sonserino. Ah, ele ficaria tão furioso quando soubesse que por todos esses anos teve que viver como um trouxa.
-A questão é Harry: você está pronto para sofrer as conseqüências das suas decisões?
-O que você quer dizer? – o homem voltou-se para o diretor, ficando novamente irritado com todo esse jogo de palavras. Dumbledore tinha confessado para ele o que ele já suspeitava: que aquele médico de Refuge era Draco, mas não tinha dito o porquê de ter apagado a memória dele e bloqueado a sua magia. E ainda por cima ficava mandando mensagens criptografadas para Harry que ele estava custando a entender.
-Eu aconselharia a pensar antes de agir Harry.
-E eu estou ignorando seus conselhos de agora em diante depois de toda a merda que você me aprontou, muito obrigado. – retrucou sarcástico. –E você ainda não me disse o porquê de ter feito isso.
-Já disse, foi o melhor.
-Para quem? – eles estavam andando em círculos e o que Harry mais odiava era voltar ao ponto de origem em uma conversa. Alvo apenas olhou longamente para o auror e depois desviou o olhar, tomando um gole do seu chá.
-Sempre considerei todos os meus alunos meus filhos, e eu nunca poderia ignorar um filho em necessidade. – ponderou o diretor com uma expressão distante e Harry torceu um pouco os lábios até que finalmente a compreensão o abateu.
-Para Draco. – conclui o inominável, arregalando um pouco os olhos por detrás das lentes dos óculos. –É isso! – deu um tapa estalado no tampo da mesa, fazendo alguns objetos dela pularem, mas Alvo manteve-se impassível. –Eu vou acabar com essa palhaçada agora mesmo. – disse e deu as costas para o homem, correndo para a porta da sala, mas sendo impedido por alguns minutos pela voz do diretor.
-Ainda insisto que você esqueça isso Harry e deixe o Elliot viver a vida dele.
-DRACO! Ele não é Elliot Hart! Ele é Draco! – corrigiu enfurecido, virando-se no batente para encarar duramente o bruxo. –E eu não vou deixá-lo ser o seu joguete como você fez comigo!
-Harry! – novamente a voz de Alvo parou o rapaz que já estava no topo da escada. -Se digo isso é para o seu próprio bem.
-Pois pegue essa sua preocupação e a aplique em algum idiota que ainda acredita nas suas falsas palavras. – retrucou o rapaz e rapidamente desceu as escadas, passando pela gárgula de entrada.
-E então? – Rony o alcançou assim que chegaram ao hall de entrada da escola. –O que ele disse?
-Só confirmou o que a gente já sabia. – respondeu Harry, abrindo as portas de entrada e caminhando a passos largos em direção a saída.
-Mas disse o porquê? – um aceno negativo da cabeça do moreno foi à resposta do outro auror. –Então qual foi à vantagem de fazer essa viagem se a gente não ficou sabendo de nada novo?
-A vantagem foi saber que seja qual for o feitiço que ele aplicou em Draco, este pode ser quebrado e é isso o que eu vou fazer e finalmente descobrir o que aconteceu naquela noite na casa dos Malfoy.
-O quê? – piscou Rony quando eles pararam no meio da rua principal de Hogsmeade, que já estava começando a acordar para mais um dia.
-Estou voltando a Refuge. – declarou e desaparatou, deixando o ruivo confuso no meio dessa história toda. Depois de alguns minutos Ron balançou a cabeça de um lado para o outro, dando de ombros. O trabalho dele estava completo, ele tinha descoberto o paradeiro de Draco Malfoy. Agora era com Harry descobrir o outro lado da história, já que de Dumbledore não saiu nada de muito útil. E quanto a ele, Ron, só restava desejar ao amigo boa sorte.
Anúbis soltou um longo relincho enquanto com o focinho acariciava o queixo de Elliot, tentando animar seu mestre que parecia um pouco deprimido naquela manhã. O céu que amanhecera azulado agora estava sendo encoberto por espessas nuvens negras em um prelúdio de tempestade e um vento frio fazia as folhas das árvores balançarem e emitirem sons que quebravam o silêncio do local. O loiro deu um sorriso diante da tentativa do garanhão de erguer o seu espírito e acariciou a crina negra do cavalo que deu mais um relincho. Um trovão ecoou ao longe e Elliot olhou para o céu para ver raios começarem a iluminar as nuvens. Voltou novamente o seu olhar para Anúbis e deu um pequeno sorriso, subindo com rapidez no cavalo e segurando com firmeza as rédeas dele o incitando a virar-se. Os olhos azuis miraram uma última vez o lago da fazendo dos O'Connel e com um bater de calcanhar ordenou o cavalo a andar.
A caminhada que começou lenta tornou-se um rápido galope quando as primeiras gotas de chuva começaram a cair do céu, Elliot puxou o arreio do garanhão, o fazendo dar uma curva brusca em uma esquina da estrada e quase fazendo o animal escorregar na lama. Anúbis soltou um relincho chateado por quase ter perdido o controle do galope e o médico riu, acariciando a crina molhada do cavalo enquanto o incitava a ir mais rápido. Finalmente depois de dez minutos de intensa corrida cavalo e cavaleiro passavam pelos portões da fazenda dos Hart indo direto para os estábulos quentes e protegidos da tempestade. Assim que entrou no grande armazém o loiro desmontou Anúbis, soltando a sela e os arreios que estavam presos no animal, e o guiou até a sua baia, acariciando o focinho comprido. Com mais um relincho o garanhão sacudiu-se todo, molhando ainda mais o seu dono e ganhando uma expressão contrariada de Elliot.
-Muito obrigado! – resmungou o rapaz numa mistura de contrariedade e divertimento. –Como se eu já não estivesse molhado o bastante. – o repreendeu e o garanhão balançou a cabeça em sinal de divertimento e soltou outro relincho que se Elliot não soubesse melhor, diria que era uma gargalhada. –Você é um demônio. – caçoou enquanto Anúbis batia com a ponta do focinho na palma aberta do dono em um suave carinho. Elliot sorriu afetuosamente. Sempre se sentiu ligado com animais e às vezes tinha a sensação de que algo lhe faltava, como se fosse um mascote. Em algumas ocasiões a lembrança de um nome vinha à mente: Page como algo que lhe foi fiel e, quando ele perguntou aos seus avós sobre isso, Owen apenas soltou uma pequena risada e disse que Page tinha sido a cadela que ele teve quando garoto, mas Elliot tinha a sensação de que era mais do que isso. Anúbis cutucou a palma da mão do dono para lhe chamar a atenção e pedir mais carinho e rapidamente o loiro dispersou os seus pensamentos, voltando à atenção para o cavalo.
Um relâmpago caiu ao longe, trazendo o barulho do trovão logo em seguida e no breve momento em que a sua luz iluminou mais intensamente o estábulo, Elliot viu diante de seus olhos não o belo garanhão negro, mas sim um estranho cavalo esquelético de couro escuro e cabeça de réptil, olhar sem pupilas e asas como as de um morcego. Porém, tão rápida quanto à visão veio, ela se foi e o loiro recuou assustado diante da presença fantasmagórica que surgiu por momentos diante dos seus olhos. Anúbis soltou outro relincho diante da atitude do dono. Elliot nunca tinha demonstrado medo a sua volta, nem mesmo quando eles se conheceram e o animal recusava-se a deixar o doutor montá-lo. Então, o que foi que aconteceu agora há pouco?
-Acho que a ressaca e o cansaço estão me fazendo ver coisas. – riu sem graça com a sua voz ecoando no galpão. Resoluto carregou a sela para o local de costume e a guardou lá. Deu uma última olhada para Anúbis e saiu correndo do estábulo em direção a casa, entrando afobado pela sala e pingando água e lama no chão de madeira bem encerado da sua avó. Tentou tirar o excesso d'água antes que fizesse mais estragos do que estava fazendo mas parou abruptamente quando sentiu que estava sendo observado intensamente. Ergueu os olhos apenas para se ver sob dois avaliadores orbes verdes que estavam fixos na sua pessoa.
Harry estava com todo o discurso pronto para quando visse Elliot novamente... Não! Não era Elliot, era Draco. Não havia nenhum Elliot! Porém, quando a porta da casa dos Hart se abriu e um médico deliciosamente molhado passou por ela, qualquer pensamento coerente resolveu tirar férias naquele exato momento. Seus olhos vagaram pelo corpo magro, mas bem estruturado e que estava sendo abraçado pelas roupas justas por causa do peso da água, até o rosto pálido e os olhos cinzentos que agora estavam fixos em sua pessoa e brilhando de maneira nada amigável.
-Olá Elliot! – disse com o seu costumeiro sorriso charmoso e viu os orbes acinzentados correrem pelo seu próprio corpo em muda avaliação, até que voltaram ao seu rosto de maneira feroz.
-O que você faz aqui Potter? – perguntou seco, entrando na casa e tentando passar direto por Harry e ver se conseguia ignorar a presença dele no meio da sua sala de estar.
-Eu vim conversar. – respondeu o auror, segurando Elliot pelo braço antes que ele fugisse de si, pois podia sentir que o médico estava tudo, menos feliz em vê-lo.
-Não lembro de termos nada de bom para conversar Potter. – o loiro virou-se de maneira enfurecida para o rapaz, com as lembranças da manhã em que tinha acordado e descoberto que Harry tinha ido embora, ainda povoando a sua mente. Sentiu-se usado e traído e odiava se sentir fraco dessa maneira. Havia prometido a si mesmo que não deixaria Harry afetar a sua vida, mas cada vez que o misterioso moreno ia insistindo em conquistá-lo, e cada vez que ele tentava resistir aos avanços dele, inconscientemente Elliot caía nos encantos de Harry. E doeu, doeu acordar naquela manhã e saber que depois que o rapaz tinha conseguido o que queria, mais uma conquista na sua – com certeza – extensa lista, ele foi embora sem ao menos dizer um adeus. Ou ao menos agradecer por tudo o que Elliot fez pela sua saúde.
-Eu sei que devo uma explicação por ter ido embora assim sem mais nem menos, mas é que surgiu uma emergência em Londres e... – começou Harry e viu confuso quando as sobrancelhas de Elliot franziram de maneira desconfiada.
-Em Londres? – perguntou em um tom baixo e desacreditado.
-Sim, por isso...
-Potter, como você pode ter ido e voltado de Londres em apenas um dia e resolvido qualquer problema que tinha para resolver? Isso é inviável. – interrompeu o médico e Harry quase sorriu, eles tinham chegado ao ponto que o inominável queria mais cedo do que o planejado.
-Pois bem, era sobre essa emergência que eu queria falar. – Elliot passou as mãos pelos cabelos molhados, não entendendo direito o que estava acontecendo. Queria ficar bravo com Harry, mas ao mesmo tempo estava ficando curioso sobre a tal emergência que o rapaz mais velho queria lhe falar. O céu janela afora ficava ainda mais escurecido e os raios eram a única fonte de luz para quem estivesse neste momento passando pelas estradas de Refuge. A chuva ainda batia violentamente contra o telhado, com o seu barulho ecoando pela casa toda e finalmente o médico se perguntou onde estariam os seus avós à uma hora dessas, visto que Elizabeth ainda não tinha aparecido para repreender o neto por causa das roupas molhadas.
-Elliot... – começou Harry vagarosamente, olhando fixamente para o rosto pálido a sua frente. Era tão estranho agora chamar este homem de Elliot quando ele sabia que na verdade ele era Draco. Seus olhos verdes tentavam buscar todas as semelhanças que o adulto Draco tinha com o adolescente, e sem o véu que o ocultava da verdade ele conseguia vê-las sem precisar repetir para si mesmo que este era outro homem. O rosto alongado, o nariz afilado, os olhos azuis que variavam do azul claro ao cinza tempestade. Os cabelos tão claros que pareciam brancos. A postura nobre, a atitude por vezes arrogante, a expressão fria, ainda mais agora que ele parecia dividido entre ficar irritado e confuso. E, a maior característica dos Malfoys: a ocultação dos sentimentos.
-Potter... – até o modo arrastado de dizer o nome Potter estava lá, mas que ele recusava-se a prestar atenção porque não queria se enganar ao prender-se a Elliot achando que ele era Draco por causa de semelhanças encontradas entre os dois.
-Do que você se lembra da sua vida antes do acidente que matou os seus pais? – os orbes claros arregalaram-se diante da pergunta repentina. O acidente dos seus pais era um assunto delicado no qual ele não gostava de comentar, ainda mais que se sentia culpado por quase não se lembrar deles. Maioria das memórias que ele recuperou depois do coma referia-se a Refuge e alguma ou outra coisa de sua vida em Londres no colégio que estudava, mas quase nada relacionado aos seus pais. Seus avós diziam que era porque seus pais eram pessoas ocupadas e que quando Elliot entrou na adolescência quase não os via, por isso não tinha muitas lembranças. Também se sentia culpado que cada vez que fosse visitar o túmulo deles não era assolado pelo tradicional sentimento de perda que as pessoas tinham quando perdiam entes queridos. Por um tempo ele mesmo considerou procurar terapia, mas a sua avó insistia que tudo não passava de reações pós-traumáticas e que um dia ele superaria isto tudo. Mas ele nunca superou. Era como se ele nunca tivesse amado Liam e Joan, mesmo que nas fotos em cima do piano eles parecessem uma pequena família feliz.
-Por que quer saber Potter? Agora resolveu me conhecer antes de me agarrar a força? – retrucou azedo, dando as costas para o moreno e encarando o piano negro de calda, onde as várias fotos de seus pais estavam. Por outro momento louco ele jurou que podia vê-las se mexendo, acenando e sorrindo para eles, mas novamente assim como veio, foi.
-Eu não preciso te conhecer, eu já te conheço. – Harry sussurrou perto do ouvido do loiro e viu os ombros dele retesarem diante da proximidade e o corpo dar uma tremida, mas o moreno não sabia se era de frio por causa das roupas molhadas ou por causa de sua presença.
-O que você quer dizer com isso? – perguntou Elliot em um sussurro, passando a ponta do dedo sobre o vidro de uma das fotos onde estava a sua mãe com um bebê nos braços. Sorriu diante da expressão aberta dela e do brilho nos olhos cinzentos. Sentia a afeição brotar dentro de si, mas não conseguia sentir o amor incondicional de um filho. Por quê?
-Você que me diz. O que você se lembra da sua vida antes do acidente? – teve vontade de jogar a moldura da foto longe por causa da raiva que estava surgindo dentro de si e isso era tudo culpa do Potter. Ele estava muito bem antes do Potter fazer essa pergunta, ele estava feliz antes do Potter o beijar e sumir, e a sua vida estava perfeita antes do Potter aparecer nela. Isso tudo era culpa do Potter... Como sempre!
-Eu não me lembro de nada! – virou-se bruscamente com raiva emanando de seu corpo todo e seus olhos mirando de maneira psicótica o rosto de Harry. –Eu não lembro da minha mãe me colocando na cama a noite e me contando histórias para dormir. Eu não lembro do meu pai me levando aos jogos durante o final de semana. Eu não lembro dos Natais passados com a minha família. Eu sou um inútil Potter, porque não consigo lembrar dos meus pais, do amor que eles sentiam por mim e da nossa relação! Feliz agora? Era isso o que você queria ouvir? – Harry sentiu compaixão pelo loiro diante da explosão de sentimentos dele, mas em parte o entendia. De algum modo Dumbledore deu a Draco memórias para construir o Elliot, mas não deu os sentimentos. A falta de sentimentos que Draco tinha pelos pais era relacionada e Lucius e Narcissa. E óbvio que ele não teria boas lembranças deles, pois não teria sentimentos para ativar essas memórias.
-Óbvio que você não se lembra. – disse suavemente, estendendo uma mão para acariciar o rosto do rapaz, mas o médico recuou bruscamente com os olhos extremamente estreitos e desconfiados. Harry sabia de algo, algo sobre ele que nem o próprio Elliot sabia.
-Como assim? – perguntou entre os lábios comprimidos e teve a sensação de que não iria gostar da resposta que viria a seguir. Harry respirou profundamente, pensando se arriscava a sorte ou não. Não sabia ao certo até que extensão o feitiço de memória de Dumbledore tinha sido danificado com a bebedeira de Elliot na noite anterior. Para todos os efeitos o feitiço poderia ter voltado a funcionar a toda força e bloqueado tudo de novo. Poderia usar algumas coisas que aprendeu na academia para poder quebrar a maldição, mas poderia ser arriscado, pois alguns feitiços não foram feitos para serem misturados. Graças a Hermione e seu incessante falatório sobre Fusão Mágica, ele acabou aprendendo isso, assim como aprendeu que alguns feitiços de memória poderiam ser quebrados se a pessoa conseguisse achar o gatilho que desencadeasse as lembranças reprimidas. O gatilho da noite passada foi o vinho que fez Elliot ver seus olhos verdes como sapinhos cozidos. Talvez se Harry mencionasse os pais de Draco ele se lembraria de alguma coisa, pois esse parecia ser o ponto fraco do loiro.
-Por que eles não eram seus pais. – arriscou-se e viu o rosto pálido ficar mais pálido ainda para, depois de alguns segundos, começar a ganhar intensos tons de vermelho enquanto Elliot começava a inflar de raiva.
-DO QUE INFERNO VOCÊ ESTÁ FALANDO POTTER! ENLOUQUECEU? – gritou ao topo dos pulmões com a sua voz ecoando por toda a casa. Um trovão soou ao longe como se estivesse concordando com Elliot.
-Não! Elliot me escuta... – tentou persuadir o rapaz mais esse lhe deu as costas de novo, caminhando para o centro da sala e apontando furiosamente para a porta de entrada.
-Fora daqui Potter! Primeiro você se aproveita de mim e depois some. Agora você volta e tem a audácia de dizer que os Hart não eram os meus pais? Que direito você tem de bagunçar a minha vida dessa maneira? Fora! – ordenou com o dedo trêmulo ainda apontado para a porta.
-Elliot não é bem assim... – Harry ainda tentou aproximar-se do rapaz. Se lembrava bem dos poucos ataques de fúria de Draco na época de Hogwarts, seria difícil aproximar-se dele nesse estado.
-Fora Potter, fora da minha casa, fora da minha vida. FORA! – gritou mais uma vez de maneira teimosa e o auror resolveu apelar.
-DRACO ME ESCUTA! – um trovão ecoou fortemente no horizonte e com isso a energia da casa caiu, deixando tudo na escuridão e em silêncio por longos minutos.
-Do que foi que você me chamou? – Elliot perguntou com uma voz quase sumida enquanto os seus olhos se acostumavam com a escuridão da sala e finalmente conseguiam ver a silhueta de Harry perto da janela.
-Draco eu... – Harry deu um passo à frente e percebeu que Elliot movimentou-se para trás. Com essa escuridão com certeza seria difícil pegar o rapaz se ele resolvesse de súbito fugir. Soltando um longo e ruidoso suspiro o auror pegou a sua varinha do bolso da calça e a ergueu. –Lumos. – murmurou e a ponta da varinha acendeu-se, criando uma iluminação quase fantasmagórica na sala encoberta de sombras. A chuva ficava ainda mais forte, os raios geravam luzes momentâneas na casa enquanto os trovões ecoavam nas montanhas que cercavam Refuge.
-Você... – gaguejou o médico com o corpo trêmulo, divergindo seu olhar do rosto de Harry para a varinha na mão dele que emitia uma forte luz azulada. Que tipo de lanterna estranha era aquela, pensou por um momento. -... Você finalmente endoideceu Potter. Pelo que lembro esse tal de Draco Malfoy está morto. Você mesmo me disse e falou que eu era apenas parecido com ele. Então quer dizer que tudo era mentira? Quando você disse que não estava me comparando a ele, quando você disse que não via em mim um substituto, era mentira. Quando você disse que estava se apaixonando por mim... Era mentira? – balbuciou o rapaz e Harry deu um passo à frente em um ato de coragem, mas Elliot recuou dois, o que fez o auror parar no lugar para não afugentar mais o médico.
-Não! Não era mentira, ainda não é mentira, mas tudo mudou agora Draco, eu...
-Pare de me chamar assim! – gritou o loiro, não querendo ouvir mais nada e tapando os ouvidos com as mãos. Por que Harry estava fazendo isso com ele? Por que ele disse aquelas coisas todas para no final chamá-lo de outro nome? Fazê-lo ser alguém que ele não era?
-Draco! – já irritado por seu plano não estar funcionando, pelo loiro ainda estar em negação e preso ao maldito feitiço, Harry cruzou o espaço entre eles com duas passadas largas e rápidas, apesar do gesso ainda pesando em sua perna, e segurou Elliot pelos ombros, o sacudindo intensamente. Sua varinha caiu de sua mão em cima do sofá, a posição da luz criando mais sombras na sala e nos rostos dos jovens, deixando tudo ainda mais surreal e Harry teve a sensação de que estava vivendo um sonho, um sonho onde Draco Malfoy retornava do mundo dos mortos para os braços dele. Um sonho como todos os outros milhares de sonhos que ele teve. Mas nesse sonho Draco não lhe sorria e dizia que o amava, mas sim gritava e negava cada palavra dita por Harry.
-Você precisa se lembrar! – Elliot soltou-se bruscamente das mãos de Harry e com isso desequilibrou-se, caindo com um baque no sofá atrás de si.
-Me lembrar do quê? – gritou furioso, querendo segurar o moreno pelos cabelos e expulsá-lo de sua casa. Ele não tinha esse direito, não tinha! Agilmente por causa de todo o seu treinamento de auror, Harry debruçou-se sobre o sofá, prendendo Elliot contra as almofadas e fixando seus escurecidos olhos verdes nos olhos cinzentos que estavam apavorados. Ele precisava fazer o loiro se lembrar.
-Você é Draco Malfoy, filho de Lucius e Narcissa Malfoy! Sonserino! Estudamos juntos na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts...
-Não seja ridículo Potter, magia não existe! – rebateu furioso, debatendo-se sob o aperto de Harry, mas não conseguindo se livrar da prisão imposta pelo homem maior que ele.
-Apanhador da Sonserina! Monitor no quinto ano! Você precisa se lembrar! – o sacudiu desesperadamente como se assim pudesse quebrar o feitiço de Dumbledore. Assustado, Elliot tateou o sofá a procura de algo para se defender até que seus dedos sentiram a superfície alongada e lisa da varinha de Harry, caída entre duas almofadas do assento. –Você não é Elliot Hart! – berrou Harry com lágrimas começando a inundar os seus olhos. E se ele não se lembrasse? Com certeza o odiaria para o resto da vida e essa seria a segunda vez que ele perderia Draco.
-Potter! – o loiro o empurrou com um solavanco e ergueu-se do sofá enquanto Harry cambaleava sobre as pernas para não cair. Quando conseguiu se equilibrar, viu-se sob a mira da própria varinha sendo segurada por um Elliot descabelado, ofegante e trêmulo. –Mais um passo Potter e você vai fazer companhia aos idiotas dos seus pais adoradores de trouxas. – ameaçou brandindo a varinha ferozmente e Harry arregalou os olhos. Ele se lembrava! Abriu um grande sorriso enquanto Elliot abaixava a varinha e sacudia a cabeça confuso diante das palavras que saíram da sua boca.
-Você se lembra... – sussurrou Harry com um bolo entalando em sua garganta enquanto lágrimas rolavam pelos seus olhos.
-Eu não sei do que você... – começou o loiro, mas sacudiu a cabeça novamente por causa de uma dor que estava começando a despontar no fundo do seu cérebro. Rodou os olhos pela sala parcialmente escurecida e de repente ela ficou maior, coberta por tapeçarias e móveis caros, fria e impessoal. As fotos sobre o piano se mexiam e duas figuras de porte aristocrático estavam nelas, os cabelos loiros a principal característica no rosto pálido. E de repente o cenário mudou. A sala agora tinha decoração verde e prata e adolescentes em vestes negras passavam em frente aos seus olhos como fantasmas. Como num vórtex tudo sumiu e agora ele se via no meio de um salão com quatro longas mesas fartas de comida. Outra mudança de cenário e ele estava sob uma vassoura, tentando derrubar um rapaz que voava ao seu lado. As vestes vermelhas farfalhavam contra o vento e os cabelos negros estavam ficando cada vez mais revoltos. Olhos verdes o miraram com fúria e de repente ele sumiu.
Elliot piscou novamente os olhos e viu que ainda estava na sala de seus avós, com Harry o encarando com uma expressão esperançosa. Lembranças, suas lembranças, voltavam em uma velocidade impressionante e o bombardeavam dolorosamente. Cada lembrança sua, da sua infância ao fim da adolescência e o dia em que ele... Em que ele... A varinha que antes pendia ao lado de seu corpo ergueu-se novamente com fúria na direção de Harry, que rapidamente engoliu o sorriso diante dessa reação do loiro.
-O que você fez comigo Potter? – sibilou raivoso, parecendo crescer diante da sua fúria.
-Eu fiz você lembrar! Lembrar de quem você é e impedir que você se transformasse em mais um joguete nas mãos de Dumbledore. – rebateu o auror olhando cautelosamente para a varinha ainda apontada entre os seus olhos. O aperto dela estava mais firme e com certeza Draco, Elliot, o que fosse, conseguiria conjurar um feitiço se quisesse.
-E você espera ganhar o que com isso Potter? Agradecimento?
-Draco... – tentou conversar mais foi bruscamente interrompido.
-ELLIOT! – falou entre dentes. –Meu nome é Elliot. – Harry rolou os olhos, de novo não. Ele pensou que eles já tinham superado este estágio.
-Não! – respondeu firmemente. –Seu nome é Draco. E você é um bruxo que foi manipulado por Dumbledore sabe-se Deus por que.
-Típico grifinório, age antes de pensar. Por acaso você perguntou a Dumbledore o porquê de eu agora atender pelo nome de Elliot? – perguntou sarcástico.
-Sim.
-E? – Elliot ergueu uma sobrancelha dourada e Harry soltou um suspiro.
-Ele disse que era para o seu próprio bem e que eu não deveria quebrar o feitiço.
-Estou chocado Potter de você não tê-lo obedecido.
-Porque somente eu sei o que sofri estes anos deixando que Dumbledore manipulasse a minha vida! – respondeu o moreno em um tom exasperado.
-Por que você fez isso Potter, quando Dumbledore disse claramente para não fazê-lo? – Elliot apertou a mão em torno da varinha e o seu corpo voltara a tremer de raiva. Como Harry teve a audácia de fazer isso com ele? Com ele pôde pensar que tinha o direito de fazer isso com ele? O idiota do Potter não sabia de nada, não sabia de metade da história, e fez o favor de arruinar a sua vida! Estúpido grifinório! Como o odiava no momento!
-Porque somente eu sei o que sofri quando pensei que você tinha morrido. – gritou Harry em resposta. –Eu... – virou o rosto incerto sobre o que dizer, mas depois se voltou decidido a confessar tudo de uma vez por todas. -... eu te amava Draco. Faz idéia do que foi descobrir que durante todos esses anos Dumbledore mentiu para mim? Faz idéia do que era ir visitar o seu túmulo e pensar no que poderia ter acontecido entre a gente se ao menos eu fosse menos idiota e mais rápido? Quando soube que você estava vivo, vi nisso a minha segunda chance. – no momento que Harry declarou-se apaixonado por si, a resolução de Elliot de amaldiçoar o ex-grifinório vacilou um pouco, mas quando ele ouviu o porquê de Harry ter quebrado o feitiço, tudo retornou com força total.
-Em resumo: você foi egoísta Potter! – acusou ferozmente e um trovão pareceu ter feito a casa balançar enquanto Harry recuava assustado diante do que o rapaz disse.
-Como?
-O que o fez pensar que tudo ficaria bem depois que você conseguisse o seu intento? Eu repito Potter, o que você espera de mim: agradecimento? – a expressão de Harry dizia que com certeza era isso que o rapaz queria e Elliot riu sarcástico, notando pela primeira vez que algo quente e molhado escorria pelo seu rosto e que não eram os resquícios da água da chuva. –Então, nesse caso, eu só tenho uma coisa a dizer – e jogou a varinha para Harry, que a pegou no ar e o encarou em expectativa. –FORA DA MINHA CASA POTTER! – e o loiro apontou furioso para a porta de entrada.
-O quê? – perguntou Harry confuso. Não era bem essa a reação que ele esperava quando Draco recuperasse a memória. Claro que não estava contando com uma longa declaração de amor, mas ao menos confusão e revolta pelo que Dumbledore fez era um começo.
-Você e o seu egoísmo, a sua irresponsabilidade estragou tudo. Por que você tinha que aparecer logo aqui? Por que você tinha que fazer isso? – o médico soluçou ruidosamente, não se importando mais em camuflar as lágrimas de dor e raiva. Via que um Harry pasmo o encarava, pedindo por explicações, mas ele não tinha condição de explicar nada. Harry não entendia que tinha feito uma grande besteira. Ele não tinha pedido por isso, não queria isso, ele não queria ser mais um a ser salvo pelo herói Harry Potter. Ele estava feliz onde estava até Potter aparecer e, como sempre, arruinar tudo. –Você destruiu tudo Potter! TUDO! Fora! Fora! FORA! – ordenou colérico e sem saber como reagir e sentindo o peito oprimir diante do ódio e mágoa que o loiro o lançava, Harry resolveu acatar o pedido dele e com um estalo desaparatou da casa dos Hart.
Elliot viu o rapaz sumir em frente aos seus olhos e pensou em como era irônica a situação. Agora ele sabia como Harry havia vindo parar em Refuge e nunca desejou tanto que os seus destinos jamais tivessem se cruzado. Sentindo as pernas fracas, deixou-se cair sobre o tapete da sala, agora sendo iluminada apenas pelos raios diante da ausência da varinha do auror, e abraçou os joelhos, escondendo o rosto entre eles e chorando copiosamente. Não era justo. Ele era feliz como estava, sendo Elliot Hart. Por que Harry teve que estragar tudo? Por que Harry teve que dizer que o amava? Se ele tivesse feito isso há dez anos atrás ele... Tudo era confuso, tão confuso que no momento a única coisa que ele queria era morrer de novo para ver se sumia com a dor. Sabia que Malfoys não deveriam chorar, sentir ou qualquer coisa do gênero, mas ele não era um Malfoy há anos. Esse era ele. Elliot era o verdadeiro Draco, e ele se recusava a ser um Malfoy novamente, com ou sem lembranças.
Continua...
