Tempestade
Capítulo 4
Feixes de luz iluminavam seu rosto, atrapalhando seu sono. Alguém havia aberto a janela, a fim de acordá-los. Remexeu-se, mas não conseguiu se mover, um peso morto o impedia. Sonolento, esfregou os olhos e os abriu, descobrindo Milo esparramado sobre si, de boca aberta, ressonando, num sono tão cerrado, que parecia que nada o acordaria. Resmungando, Camus empurrou o corpo, jogando-o para fora da cama. Ouviu-se um gemido alto, e logo o grego aparecia furioso. O outro se espreguiçou e o olhou indiferente.
Milo engoliu as palavras mal educadas, afinal, era a cama dele, ia reclamar do que? Ao invés disso, subiu no colchão, abraçando Camus, enquanto este bocejava. Aproveitou e segurou seu queixo, virando seu rosto para si, visando a boca macia. Fechou os olhos e estremeceu um pouco de antecipação, mas o que recebeu foi um travesseiro na cara e mais um empurrão, e novamente foi atirado para fora da cama.
- Ei! Só quero um beijinho...
- Vai escovar esses dentes, Milo. Está com um bafo de dragão...
Milo piscou várias vezes, e colocando a palma em forma de concha na boca, soltou o ar, inalando o mesmo. Enquanto isso, Camus aproveitou e saiu da cama, indo para o banheiro e trancando a porta. "Eu não tenho bafo!", desceu indignado da cama, batendo os pés no chão nervoso. Abriu a porta com um chute, o francês acabava de enxaguar o rosto e assim que levantou os olhos, o viu pelo reflexo do espelho.
Sem expressão alguma, pegou a toalha para se enxugar. Escorpião segurou seus ombros e o fez ficar de frente para ele, era um pouco mais baixo que o estrangeiro, mas ignorou o fato. Fazendo biquinho e fechando os olhos, se aproximou da boca de Camus.
- O que vocês estão fazendo?
O grego engasgou, abrindo os olhos, vendo pelo espelho que era Afrodite quem estava dependurado nos seus ombros, agarrando seu pescoço. Balançava as pernas, colocando todo seu peso em Milo. Bufando viu os grandes olhos azuis claros piscarem graciosos e a boquinha rosada exaltar um sorriso alegre. Seu olhar se dirigiu para Camus, que sorria satisfeito com a interrupção.
Impaciente, tirou o garoto de suas costas, empurrando-o para a porta, enquanto este lhe dirigia uma expressão magoada.
- Porque não nos deixa em paz só por um momento?
- Mas... você prometeu...
O rapazinho de cabelos azuis virou-se com um beicinho. O grego sentiu um desânimo assim que se lembrou do compromisso com Afrodite. Uma manhã inteira de treinamento com ele, que animador, o garoto queixava-se de tudo e não largava mão dos truques, para não ter de enfrentar um combate físico. Ainda tentava entender como havia conseguido se tornar um cavaleiro de ouro, os deuses tinham atitudes inexplicáveis.
Estava decidido a desmarcar o treinamento, quando viu o rostinho feminino e os olhos enormes suplicarem. Desistiu, quem ali resistia a Afrodite? Nesse momento Camus passou pelos dois com alguns livros debaixo do braço, dando tchau bem humorado para eles.
oOo
Avistou o rapaz de cabelos escuros e longos, deitado de bruços na grama, com a cabeça apoiada nos braços cruzados. Os pés descalços estavam erguidos, balançando para lá e para cá. Aproximou-se silenciosamente, por trás, parecia entretido demais no livro aberto na sua frente para notar qualquer presença. Estava enganado, pois, a dois passos do garoto, este virou a cabeça para trás, protegendo os olhos do sol com a palma da mão e sorriu, como se tivesse previsto sua chegada e só esperara chegar mais perto para desviar sua atenção das palavras escritas no papel.
Sentou-se ao seu lado, virando o livro para ver a capa. Fez uma expressão de surpresa, o jovem intelectual da trupe, ainda que Shaka também o fosse. Mas era um monge, acreditava no espírito, e Camus era o racional, o frio analista que só acreditava no que podia ver, tocar e provar. Era divertido assistir as discussões de ambos, nenhum cedia às idéias um do outro.
- Bom dia, Saga.
Deu um sorriso sem graça de volta, Kanon fingia ser seu irmão. Mesmo acostumado a fingir ser ele, às vezes sentia-se cansado e gostaria de conviver com as pessoas sendo ele, Kanon, o outro portador da armadura de Gêmeos. Era justo, possuía o mesmo poder de Saga, que era tanto que mereceria ser reconhecido. Mas uma vez que isso não era possível, escondia-se, a sombra que seguia o irmão. Ao menos tinha a companhia de Camus em lugares isolados ou na biblioteca, será que notava a diferença de temperamentos entre os dois seres?
Se notara nunca comentou. Conhecia-o o bastante para saber que o francês costumava ser distraído, perdido em devaneios. Camus voltou a ler, cantarolando algo com a boca fechada, enquanto deixava o cavaleiro mais velho passar os dedos nos seus cabelos, desembaraçando-os. Tinha uma idéia fixa há tempos, que agora crescia mais e mais, como uma fome insaciável. Num impulso perguntou-lhe se acreditava na deusa, naquela crença toda. Estava pronto para receber um olhar assustado e desconfiado do garoto, mas este nem se virou, balançando a cabeça em sinal negativo.
- Na verdade, não importo nem um pouco se ela existe mesmo, ou não. – finalmente o encarou friamente – Estou aqui porque prometi ao meu mestre e ao sacerdote protegê-la, eu jurei sobre minha honra. E promessas são promessas...
- Mesmo que ponha em risco sua própria vida?
Acenou, fechando o livro e sentando-se para ficar de frente para Kanon. Debruçou-se para frente, estreitando os olhos ao fitar seus olhos azuis, pela expressão dele, sabia que estava muito curioso com a pergunta.
- Porque? Não acredita mais? – fez um gesto mostrando o santuário.
- Não! Não...eu acredito, continuo acreditando. Só acho tudo isso muito injusto. - a última frase saiu num murmúrio, para si.
- Por isso não se deve confiar totalmente. – levantou o dedo para ele, como um sábio precoce – Não ser dominado, e sim dominar. Aceitar as ordens, mas não se submeter totalmente. Estou aqui para ser forte, e para isso não posso me deixar trair.
- Trair?
- Por crenças milenares, sentimentos tolos.
Kanon o fitou assustado com a convicção com que falava, depois não resistiu e começou a rir, deixando o francês confuso e depois ultrajado. Diminuiu os risos e balançou a cabeça, segurando o queixo do garoto. Mal começara a viver e já criava sistemas de defesa para si, sem nem menos ter experimentado essas coisas.
- Não acha um pouco precipitado? As coisas não são assim, Camus. Você não escolhe odiar. Nem amar.
Ah, se pudesse escolher, não viveria o inferno que vivia. Amor trazia um grande sofrimento, mas o calor que sentia no coração era tão compensador que valia a pena. Aquário remexeu-se insatisfeito e cético, não adiantava argumentar com ele. Mas um dia sentiria na pele tudo aquilo, e então veria o quão fraco eram diante desse sentimento irracional.
- Por exemplo, eu não escolhi te amar. – sussurrou.
Camus arregalou os olhos, franzindo a testa, Kanon apenas continuou sorrindo e segurando seu queixo. Aproximou mais seu rosto, dando um leve beijo estalado na boca do francês. Então o abraçou forte, dando um beijo no alto de sua cabeça, o menino apenas se deixava ser abraçado, estranhando a situação. Uma vez Escorpião lhe dissera que fazia isso porque gostava muito dele, e que queria demonstrar. Esse tipo de coisa o deixava sem graça, irritado. Porque precisava fazer isso? "Saga" devia ter feito isso pelo mesmo motivo. Amor... era apenas uma ilusão que as pessoas criavam para não enxergar a realidade.
Desvencilhou-se de Aquário, dizendo que tinha coisas a fazer. Deixou-o pensativo, com os cotovelos apoiados nos joelhos. Kanon saiu de lá com um peso enorme no peito, não entendia o porquê. Seria um aviso, uma premonição? Talvez, o que estava prestes a fazer era monstruoso, mas uma vez que dera um passo para aquilo, não havia mais volta. Precisava de uma resposta de Saga, não mais evasivas, e dessa vez o irmão teria de aceitar.
Não ser dominado, e sim dominar. Voltou-se e viu de longe o rapaz na mesma posição, com o olhar perdido no horizonte, os cabelos agitando-se com o vento. Pena que fosse tão jovem, seria perfeito, o entenderia facilmente e não se oporia. Era de alguém como ele que precisava para realizar o que desejava. Frio, mas humano.
oOo
Assim que encerrou o treinamento com Afrodite, Milo foi para a casa de Gêmeos. Percebendo a casa vazia, procurou Saga por todos os cantos, e voltou desapontado para o alojamento, no final da tarde. Estava ausente no jantar também. Que estranho, nunca passava um dia sem vê-lo. Era hora de dormir, foi arrastando-se para o quarto, jogando-se na cama de Camus.
Os garotos estavam acordados e pareciam bastante agitados, riam e falavam alto. A certa altura começaram a comentar sobre a ausência de Saga o dia inteiro, o que nunca acontecia, já que estava sempre por perto, instruindo-os. O francês saiu do banheiro, enxugando os cabelos, entrando na conversa, num tom casual e despreocupado.
- Sumido? Mas eu passei a manhã com ele.
Milo agitou-se, Camus passara a manhã com Saga. Sozinhos? E o cavaleiro de Gêmeos nem aparecera para lhe dar um bom dia! Sentiu uma pontada de ciúmes, Saga era dele, só dele, não era? Passavam horas os dois sozinhos, ele dizia sempre que gostava dele, o abraçava e beijava muito. E naquele dia ficara só com Camus?
Alheio a sua ira, o francês deitou-se e tocou no seu braço, mandando deitar-se. O grego levantou-se bruscamente da cama e dirigiu-se a sua, se cobrindo. Aquário ficou boquiaberto e ergueu-se pelos cotovelos, olhando para o corpo coberto, podia-se ver que movia com pequenos espasmos, que adivinhou ser soluços. O que diabos acontecia com Milo?
Não sabia, mas o fato era que o ignorou pela semana inteira, olhando-o com raiva quando exigia sua atenção. E só podia pensar no que poderia ter feito para merecer um tratamento desses. No entanto, quando mencionavam no nome de Saga, o olhava acusador, e então entendeu que tinha a ver com o cavaleiro mais velho. Sabia bem da grande admiração dele para com Gêmeos, podia pensar até que ele... Não, não. Era imaginação sua.
Saga estava esquisito, ficara distante de todos, cabisbaixo, com uma cara desanimada, melancólica. Faltava às tarefas rotineiras, às aulas, às cerimônias. Dispensava Milo indiferente quando este vinha na sua casa, Camus passava dias e dias na biblioteca sem ver a sombra dele passar ao menos pela porta.
Estava mais um dia naquela biblioteca vazia, silenciosa, ficando escura a medida em que o céu lá fora escurecia. Desviando os olhos do livro para olhar a janela, suspirou e o empurrou para frente. Alguém abrira bruscamente a porta, assustando-o. Virou-se para trás e encontrou Milo ofegante, com as faces molhadas. Franziu o cenho, o viu abrir a boca, mas sem fôlego para pronunciar as palavras. Então fez algo inesperado para o francês, visto que estavam "brigados" há semanas. Correu para ele e o abraçou forte, caindo aos prantos, molhando seu ombro com lágrimas. Parecia que queria esmagá-lo contra si e seu corpo chacoalhava com os soluços. Surpreso com a própria atitude, Camus retribuiu o abraço, esfregando gentilmente as costas dele.
- Shh...calma...
- Ele sumiu, Camus...ele...não o encontramos em parte alguma... – deu uma pausa com um soluço – Saga me deixou!
Piscou os olhos, confuso, ainda que Milo falasse atropelando as palavras e com a voz embargada, conseguiu entender o que dizia. Ficara o dia inteiro trancado naquele lugar e ignorara o que acontecia do lado de fora. Se soubesse antes... Afastou um pouco de si, mas sem soltá-lo, vendo seu rosto encharcado e cheio de desespero. Enxugou suas lágrimas com as mãos e depois tirou a camisa para fazê-lo, sussurrando palavras gentis, que nem sabia ser capaz de pronunciar daquele jeito para alguém.
O grego só repetia que Saga o havia deixado, que não gostava dele, que era um mentiroso. Camus agora tinha certeza, o que havia pensado tinha fundamento: Milo amava Saga. E não entendia o porquê, aquele apreço todo que tinha por ele fazia com que se sentisse desconfortável e de certa forma sentisse inveja de Gêmeos.
Escorpião chorava em seu ombro, buscava conforto nos seus braços, mas era por Saga.
- Vai ficar tudo bem.
Amparando o companheiro, Camus o guiou para o quarto, fazendo-o deitar e cobrindo-o como se fosse uma criança pequena. Quando fez menção de se levantar, Milo agarrou sua mão, puxando-o de volta. Puxou o cobertor e deitou-se do seu lado, e foi abraçado com força novamente, o grego começou uma nova crise de choro.
- Ele podia ao menos ter se despedido.
- Milo, você não está sendo racional. Não passou pela sua cabeça que Saga pode ter sido levado à força? Ou ter...morrido? E se desapareceram com o corpo? Há muitos inimigos que nos querem ver mortos.
Escorpião se desvencilhou do abraço e se ergueu na cama, encarando chocado Camus, era terrível demais para se pensar. Como podia falar isso com tanta calma, tanta frieza? O francês suspirou, tentara ser o mais franco possível com ele, e não meter mentiras na sua cabeça, mas parece que piorara a situação. Milo o olhava como se fosse pular no seu pescoço para sufocá-lo por ter dito algo daquela natureza.
- Tem sempre de ser assim, Camus? Seco, direto, rude e cruel? Não conhece a palavra esperança? Pensa apenas no pior!
- Eu sou realista, Milo! É diferente!
- Ainda vai se machucar feio por pensar dessa maneira.
Camus lembrou da última conversa com Saga, naquela manhã de alguns dias atrás, não eram as mesmas palavras, mas referia-se a mesma coisa. Cerrou os olhos com força, ia esquecê-las, assim como o cavaleiro mais velho. E como fazer para que Milo também esquecesse e voltasse a ser o garoto alegre?
O grego voltou a deitar-se e deu as costas para ele visivelmente irritado. O outro se descobriu para sair da cama, entendendo o gesto como uma expulsão, mas Milo agarrou sua mão e o fez colar o peito nas suas costas, sem dizer mais nada, abraçou a cintura de Escorpião. Não demoraram a cair no sono, embalados por uma sombra imponente.
Usava uma capa imensa e escura, que descia até os pés, e ombreiras largas que a sustentavam. O vulto indistinto andou para o lado, saindo da frente da janela, deixando a luz da lua adentrar e revelar as duas figuras graciosas enlaçadas entre os lençóis revoltos. Dois anjos caídos, nos braços de Morpheus, tão puros que apenas um toque de um ser torpe como ele poderia desmanchá-los.
Retirou a máscara e o capacete pesado, deixando os cachos azulados e compridos espalharem-se pelos ombros e costas. A noite estava fresca, uma brisa invadia o quarto, fazendo a cortina fina se agitar levemente. Haviam se descoberto no meio do sono, deixando o amontoado de lençóis entre as pernas emaranhadas. Sentou-se com cuidado no colchão, afundando-o um pouco.
Ergueu a mão perto de seus rostos, hesitou. Estava sujo... sujo de sangue e vergonha, que direito tinha de tocar suas peles imaculadas? Mas tocou, pegando um cacho de cabelo liso do francês, e prendendo-o atrás da orelha. Havia-o arrancado dele e de Camus, gostava tanto daquele menino. E Milo deveria estar tão decepcionado, profundamente magoado.
Havia caído em desgraça, em tentação em um momento frágil. Não tinha mais volta. Mas não ia deixar que isso se repetisse mais uma vez, mesmo que fosse mais forte que ele, que o dominasse ao seu bel prazer. Depositou um beijo em cada testa, antes de se levantar e mirar o espelho do outro lado do quarto.
Ao invés de seu rosto melancólico e seus cabelos azulados, seu reflexo era a de um homem terrível, de cabelos cinzentos e expressão de escárnio e sede de sangue. "Está na hora, você sente? Ela dorme como um anjo, não suspeita de nada, ainda acha que seu protetor vive, que a guarda de qualquer ameaça." Mirou a porta entreaberta, para onde o reflexo apontava. Quando saiu daquele quarto, já não era o mesmo de antes, era outro, exalando cheiro de morte pelos corredores.
oOo
Camus acordou sobressaltado, ouvindo gritos. Encontrou Milo e os outros colegas acordados, agitados e amontoados nos corredores. Havia uma grande confusão, cavaleiros vestindo suas armaduras e armados corriam para fora do templo. Shura dera ordens para que ficassem por ali e não saíssem. Máscara da Morte o desobedeceu e exigiu saber o que acontecia, parando um cavaleiro que saía com violência, obrigando-o a falar.
Quando o homem meio que hesitante falou, todos olharam espantados para Aioria, que recuou sem fôlego, não acreditando no que ouvira. Seu irmão, Aioros, havia tentado matar a deusa e fugira, roubando a armadura sagrada de Sagitário. Encolheu-se ante os olhares acusadores, ficando com os olhos marejados antes de desatar a correr para fora.
- Não podem nos deixar aqui, sem realmente saber o que aconteceu! Somos a elite, não meras crianças!
Shaka deixou sua calma habitual, enfurecendo-se com o descaso do mestre de não avisá-los do traidor e mandá-los caçá-lo. Concordando, os outros o seguiram até o salão do trono, encontrando o mestre em suas vestes habituais, esparramando na poltrona escarlate. Ergueu-se ao vê-los entrar empurrando as portas pesadas. Sua voz soou enfurecida e diferente, mais metálica.
- Mas o que é isso? Mais rebeldes?
- O que deveríamos fazer por nos ignorar, senhor! – Milo elevou a voz, desafiante.
Uma pausa, e então a risada sarcástica do mestre preencheu o lugar, fazendo um frio percorrer suas espinhas. Nunca o viram agir daquele jeito. Mu estremeceu e engoliu em seco.
- Não os chamei para poupá-los da humilhação por um de vocês ser um traidor, apenas isso. Além disso, basta Shura para acabar com Aioros, ele conseguiu fugir daqui bastante debilitado.
- Então é verdade? Sagitário tentou matar a deusa? O que aconteceu com ela?
Os rapazes se agitaram depois da pergunta de Shaka, preocupados. Somente Mu estava parado, estático, encarando com medo o mestre, ficando um pouco atrás dos outros, cauteloso. O mestre percebeu, erguendo a mão para que se acalmassem, Áries sentiu uma corrente de ar frio percorrer seu corpo.
- Ela está bem, eu a protegi muito bem, como é o meu dever.
Nesse momento Shura chegou, carregando o capacete no braço esquerdo, anunciando que Aioros não sobreviveria até chegar à cidade mais próxima. O mestre ficou satisfeito, ordenado que todos voltassem para as suas camas e que mandaria um grupo de busca no dia seguinte para recuperar a armadura dourada.
Enquanto os meninos se retiravam, Milo ficou, olhando para o chão. Ao perceber que não os acompanhava, Camus parou na porta, voltando-se. Surpreso, o mestre viu o menino se aproximar de si, com uma expressão preocupada no rosto, esfregando as mãos uma na outra. Ele percebera também? Iria enfrentá-lo, o que Mu não teve coragem de fazer quando descobrira há apenas alguns minutos atrás?
- Mestre... Saga... Saga não teve algo a ver com essa traição, teve?
O homem relaxou os músculos, descerrando os punhos, encarando com ternura os dois imensos olhos suplicantes. Sentiu a carga maligna abandonar seu corpo, substituída pela melancolia. Apertou os ombros do garoto gentilmente, ele não os desviava de seu rosto, ou melhor, de sua máscara, não tinha medo dele.
- Não, Milo. Saga sumiu sem deixar vestígios ontem, mas não há provas que o liguem a esse crime.
A dor da mentira apertou em seu peito quando o viu exibir um largo sorriso aliviado. Fez uma reverência e se afastou, indo encontrar Camus em uma das portas para se retirarem juntos do salão. Solitário, andou até elas, fechando e encostando as costas, para escorregar ao chão. "Me perdoem..."
Na manhã seguinte, nada mais era o mesmo no Santuário. Ainda que o mestre voltasse a ser gentil, ainda que a deusa continuasse zelando-os. Inesperadamente, Mu anunciou que voltaria a Jamiel naquele mesmo dia, para nunca mais voltar ou dar notícias ao Santuário. Aioria não teria mais o reconhecimento que tinha como os outros cavaleiros sagrados, mesmo sendo poderoso, por possuir em suas veias o sangue do traidor.
Milo perdeu pela segunda vez alguém que amava. E o coração de Camus se fechou mais uma vez.
CONTINUA...
Março/2003
