Tempestade

Capítulo 6

Olhou para si mesmo, levantando os braços. Estava imundo. Passara a manhã inteira fazendo os preparativos da festa, de noite teriam homenagem a Dionísio. Sentou-se num banco de mármore, arrancando as botas e jogando-as num canto qualquer. Sorriu. Adorava aquelas festas, com muita música, muito vinho, muitas pessoas dançando, o ar vibrando a sua volta. Talvez o distraísse dos pensamentos nada agradáveis que andava tendo nos últimos dias.

Deixou os ombros caírem. Camus escapava-lhe como sabão. Passara a semana inteira fugindo de si. Quando chegava perto, ou pedia para falar-lhe, o francês apenas sorria e se desculpava, alegando que tinha tarefas a fazer. Tarefas, francamente. Parece que seu amigo estrangeiro andava ocupado demais ultimamente. O que ele pensava, que não o conhecia o bastante para saber bem o que se passava?

Suspirou cansado, não era hora para se preocupar com isso. Entrou na casa de banho para relaxar e se preparar. Saiu do cubículo onde tirara as roupas com apenas uma toalha em volta da cintura. O vapor tomava conta do lugar, deixando ver os feixes de luz que escapavam pelas janelas no alto da construção grega.

Havia mais alguém além dele, de costas, passando os dedos no longo cabelo liso para desembaraçá-lo. Sentindo sua presença, virou-se despreocupado e assustou-se, enquanto Milo abria um largo sorriso. Camus logo abaixou os olhos, corando levemente, o que o outro não pôde perceber através do vapor ao redor deles. Estavam a sós, o cavaleiro de Escorpião não sentia a presença de mais ninguém e agradeceu intimamente aos deuses, ali ele não lhe escaparia.

Aproximou-se sorridente do francês que continuava a desembaraçar os fios escuros, olhando para o chão para não ter de encará-lo. Quando chegou mais perto, ficando a menos de um metro de si, levantou o olhar, surpreendendo-se. Milo estava mais alto que ele, em que época deixara de ser o garoto magrelo e pequeno? Há pouco tempo jurava que o amigo alcançava-lhe o nariz apenas, agora era quase alguns dedos mais alto.

Olhando de longe pareciam ter a mesma estatura, mas Milo tornara-se mais encorpado. Ganhara mais músculos, o que era normal, já que adorava se exercitar em combates corpo a corpo. Camus nunca fora atraído por tal tipo de luta, sempre trabalhava a mente e a concentração, e graças a isso podia congelar uma área de proporções enormes em segundos, sem levantar um único dedo.

Continuou na sua análise silenciosa, até que Milo chamasse sua atenção, cumprimentando-o bem humorado. Apenas lançou-lhe um olhar de esguelha, antes de encostar as costas na parede e continuar a alisar o cabelo, murmurando um "oi". Soltou um suspiro resignado, conseguira escapar da presença do grego por uma semana, evitando tocar no assunto que mesmo depois de tantos dias o perturbava. Talvez ele já tivesse esquecido, mais facilmente do que ele. Esse tipo de coisa não devia incomodar mais Milo tanto quanto o incomodava.

De repente, o encarou bravo, deixando Milo confuso. Claro que não o incomodava, o tratara como um dos seus amantes passageiros. Seduzir era uma diversão para o cavaleiro de Escorpião, alguns beijos e apertões não fariam diferença, não é? "Olha só para ele, alegre, vindo tomar um banho quente para se preparar para a grande noite. A noite em que vai ser a estrela, que vai seduzir como é de seu feitio."

- Como está a preparação para a festa de hoje? – tentou manter a voz mais neutra possível.

- Está tudo perfeito – sorriu, alegre por quebrar o silêncio constrangedor – Acabamos de acertar os últimos detalhes. Estou exausto, vim relaxar na água quente um pouco, antes de começar a festa.

- Que bom. – lançou um de seus sorrisos tranqüilos.

O silêncio voltou a reinar entre eles. Pela primeira vez, Milo se sentia hesitante, olhar para o rosto plácido de Camus o confundia. Abriu a boca tomando um pouco de fôlego, quando finalmente decidira falar, Camus virou as costas e se dirigiu a piscina. Jogou o cabelo escuro para trás e deixou a toalha cair, antes de mergulhar o corpo na água quente. Engoliu em seco ao ver as costas do francês, baixando o olhar rápido quando viu o traseiro e as pernas torneadas. Esperou um pouco e entrou na piscina logo depois dele, aproveitando que estava de costas para si. Não seria nada agradável vê-lo no estado em que se encontrava...

- Camus...precisamos conversar sobre aquele dia...

- Que dia? – sua voz saiu indiferente como de costume. – Não sei do que esta falando...

- Sabe muito bem do que me refiro!

O francês levantou o olhar para Milo quando ouviu sua voz exaltada, voltou a baixar, passando água nos braços, tudo com a mesma calma.

- Não tenho a mínima vontade de falar sobre isso...

- Pois eu tenho!

Segurou o braço de Aquário bruscamente, fazendo com que o encarasse. Percebeu que conseguira quebrar sua fina camada de gelo ao notar uma sobrancelha tremer levemente. Não tentou se soltar, apenas deu uma risada sarcástica.

- O que quer que eu diga, Milo? Já disse naquele dia, você simplesmente ultrapassou os limites!

- Que limites? Por Athena, eu senti que você queria também! – o outro soltou uma exclamação, estupefato – A mais pura verdade, se não quisesse, não se deixaria ser acariciado daquele jeito nem se insinuaria!

- Por culpa sua e de suas brincadeiras! Não somos mais crianças, Milo.

Com um safanão, se livrou da mão que segurava seu braço. As duas vozes ainda ecoavam pelo recinto, vestígios da discussão que mal começava.

- Exatamente, não somos mais crianças. Não era brincadeira e sabe disso. Camus, por que tem tanto medo?

- Medo? Eu tenho medo de nada!

Por um instante Camus notou que estava alterado. Aprendera que era uma fraqueza, estar entregue a emoções que afloravam sem explicação. Por que tinha medo? Porque queimava, porque despertava coisas no seu corpo que não entendia e não queria entender. Se afastou e deu-lhe as costas. Milo suspirou e pendeu a cabeça para o lado, aproximou-se mais um pouco e pousou a mão no ombro descoberto de Camus, acariciando ligeiramente o lugar. Sentiu um leve tremor.

Aquela pele pálida, rosada pelo calor, nunca havia sido tocada, acariciada com luxúria, seu corpo nunca despertado. Aquário era puro, puro e frio... Porque por quase nada se exaltava ou emitia alguma emoção mais forte. E adorava aquelas discussões que fluía apenas entre eles, para vê-lo fumegar de raiva e adquirir um raro ar selvagem. Ah, e quantas noites depois daquele dia imaginara esse mesmo ar selvagem numa situação mais sensual. Aquele pensamento lhe tirava o fôlego. O doce murmúrio de sua voz quebrou novamente o silêncio.

- Porque só agora? Estamos juntos há três anos, e isso nunca veio a acontecer. Alguns abraços e beijos sim...mas era tudo tão inocente...

- Camus...eu não vou negar que sempre me senti atraído por você, de alguma forma. Desde que colocou os pés nesse santuário, tinha alguma coisa em você que me despertava inquietação. E mesmo me tratando friamente sempre senti carinho. Não era um carinho que eu sentia por Saga mas...

A menção do nome do cavaleiro de Gêmeos agitou Camus por dentro.

- Talvez sua última ida a Sibéria tenha mudado algo. Ficou muito tempo fora dessa vez, Camus. Dois meses. Sabe como me senti? Como procurei em cada corpo, seja feminino ou masculino sua presença, seu perfume? Sempre estamos tão juntos, tão perto um do outro, sem que nada nem ninguém interfira. E quando volta, não aturo que alguém se aproxime de você.

Aquário se virou assustado com o que dizia, encarando-o com os olhos azuis profundos arregalados.

- Percebi que o que tenho de você não me satisfaz. – o fitou longamente entre a farta franja escura antes de continuar – Percebi que quero mais. O quero todo, cada fio de cabelo, cada pedaço de carne, cada gota de sangue... Me entende, Camus?

As últimas palavras acabaram num sussurro, antes que a mão de Milo deslizasse do ombro para o braço, para puxá-lo para mais perto, tomando a boca do francês com sede. Interrompeu o beijo bruscamente, deixando o outro zonzo. Quatro cavaleiros entravam na casa de banhos, sentira seus cosmos e agora podiam ouvi-los falar alto e alegremente. Escorpião se afastou de Camus, que ruborizava visivelmente ao avistar Máscara da Morte, Afrodite, Aioria e Shura arrancando as toalhas para se atirarem na água.

O cavaleiro de Peixes olhou os dois, cada um de um lado, estranhando. Então sorriu e pediu com sua voz doce que Aquário esfregasse suas costas. Máscara imitou seu pedido, exagerando nos seus trejeitos, fazendo todos rir. O garoto de cabelos esverdeados enfureceu-se e jogou água em Câncer, dizendo que estava era com ciúmes. Antes de esfregar o pano nas costas de Afrodite como lhe fora pedido, Camus olhou por cima dos ombros do garoto, encarando indeciso Milo do outro lado, que apenas cerrou os olhos e suspirou virando as costas, saindo da piscina e prendendo a toalha pequena na cintura.

oOo

"...o quero todo...cada fio de cabelo...cada pedaço de carne...cada gota de sangue..."

Acordou sobressaltado com aquela voz sussurrada na cabeça, repetindo mil vezes as palavras de Milo. Esfregou a testa suada, afastando a franja. Sua mão tocou algo quente e macio, olhou para o lado. Afrodite dormia tranqüilo e bem coberto. Mirou a janela aberta. Já era de noite, e havia adormecido. Como não o deixaram participar da festa, Peixes pediu que ficasse com ele para não ficar sozinho enquanto os outros se divertiam lá embaixo.

Levantou-se e foi até a janela, ao longe se podia ver as tochas acesas, iluminando a celebração. O som da música e das vozes humanas chegavam nitidamente a casa. Fechou a janela e encostou-se na parede. A noite estava quente, perfeita para o que deveria estar ocorrendo a metros dali. Usava apenas uma leve túnica sem mangas que ia até metade das coxas, e ainda assim sentia um calor infernal.

Ficou tentando imaginar o que estava acontecendo, se imaginava junto com os companheiros, com quem Milo estaria naquele momento. Fechou a cara, repreendendo a si mesmo. O que estava pensando? Por acaso pretendia virar sua próxima vítima?

Sentou-se no chão, num canto do quarto às escuras, mirando algo pendurado perto da cama onde Afrodite dormia. Começou a lembrar de seu mestre, sempre tão polido e distante. Perto de terminar sua formação, ele o fizera sentar na sua poltrona em frente ao fogo, andando para lá e para cá na biblioteca enquanto fumava seu charuto. Proferindo palavras que escutara em todo o tempo que estivera com ele, que incutira na sua cabeça de vez como um cavaleiro de gelo deveria ser.

"Camus, uma coisa que você está cansado de saber é que devemos ser sempre frios, indiferentes, apenas proteger a nossa honra e a da deusa. Um cavaleiro que se preze não pode se render a essas paixonites fáceis, emoções tolas. Um rosto impassível e uma voz neutra é o que devemos manter".

Parou e o olhou, esperando ver no rosto do discípulo um sinal de que entendia, antes de continuar: "Controlar tudo é fundamental. No entanto, não podemos manter o controle do nosso corpo sempre, possuímos necessidades vitais. Comer, beber...sexo." Fez uma pausa e levantou uma sobrancelha para o adolescente. "Sexo...desde que, não haja sentimentos envolvidos. Não creio que nós cavaleiros, ainda mais nós guerreiros do gelo, possamos formar famílias. Elas nos prendem, nos fazem ficar fracos. Por isso a grande maioria de vocês é órfão".

"Eu poderia lhe dizer para deixar de desejar essas coisas, que ignorasse os apelos do corpo. Mas isso é papo para aqueles monges ingênuos. Lembremos que somos servos de Athena, estamos além dessas besteiras. Sei que a cultura grega que ainda se cultiva no Santuário é muito diferente da que vivemos aqui, mas terá de se acostumar..."

Na época olhava o mestre sem entender, e ele sabia disso. Mas guardava todas as suas palavras como aprendizado, nunca as esquecera como um aluno dedicado deveria fazer. O mestre chegou mais perto do rosto do menino, que recuou um pouco surpreso. "É apenas desejo carnal, Camus, nada além disso. Somos animais afinal, mas temos a vantagem de pensarmos, portanto seja esperto."

Camus levantou-se e foi até a cama, verificando se Afrodite dormia pesado. Mirou o objeto do lado da cama e voltou a olhar o garoto. Soltou um suspiro pesado antes de sair da casa de Peixes.

oOo

A raiva ruminava dentro de seu peito, tomou um gole generoso da sua taça cheia de vinho. Todos se divertiam a sua volta, bêbados, rindo, dançando e cantando. E apenas ele se mantinha no seu trono de pedra, carrancudo, mirando tudo aquilo com um ódio imenso. Era para estar fazendo o mesmo que eles, arranjar um belo corpo e se saciar. Acontecia que o único corpo que queria não estava lá.

Um rapazinho risonho de túnica esverdeada e leve, que mais parecia uma garota de tão delicado, se jogou no seu colo e começou a beijá-lo. Milo segurou sua cintura, acariciando-o, mas logo o agarrou firme e o afastou de si, levantando subitamente e deixando o pobre garoto desnorteado no trono.

Passou a andar no meio da turba, a esmo, sentindo a vibração do lugar, que não o contagiava, pelo contrário, o irritava. Que ironia, e preparara tudo aquilo com todo afinco, uma festa que sempre apreciara. Parou. De repente sentiu-se ser observado. Mais alguém fascinado pelo belo guerreiro dourado? Não tinha dúvidas disso, quando se virou, viu alguém encapuzado virar o rosto e se esconder.

Intrigado, pôs-se a procurar a criatura metida nas sombras. Foi abrindo caminho pelos casais afoitos e pelas colunas que se estendiam, formando um labirinto. Encontrou o ser vestido com uma capa negra dos pés a cabeça, observando um grupo que dançava em volta de uma fogueira. Milo sorriu e balançou a cabeça, se aproximando devagar, sem fazer barulho e tomando cuidado para que seu cosmos não o denunciasse.

Quando o estranho fez menção de se virar desconfiado, Milo pegou seu braço e o virou bruscamente, beijando-o, sem dar chance alguma de ação. O estranho arregalou os olhos e se debateu de surpresa, preso nos braços de Escorpião. O soltou da mesma forma que o beijou, rindo e lambendo deliciado os lábios, e depois chegou perto de seu ouvido.

- Calma... Estão todos bêbados, ninguém vai se importar com outro casal se beijando. – sussurrou provocante – Achei que não gostasse de "tradições idiotas".

Afastou-se um pouco e tirou seu capuz, revelando a costumeira face nervosa de Camus, rubra e emoldurada pelos cachos lisos que lhe caíam bagunçados sobre a fronte afogueada. O biquinho que adorava ver quando se irritava com ele. Segurou seu rosto feliz, enchendo-o de beijo nas bochechas e nos lábios.

- E eu...não gosto...mesmo...Quer parar com isso?

- Não...Ninguém mandou ser tão lindo.

Camus ruborizou até a raiz do cabelo ao ouvi-lo falar aquilo de forma tão sedutora. Escondeu o rosto com as mãos, para que não o visse naquele estado. Por Athena, o que estava acontecendo? Milo estava flertando com ele como fazia com suas conquistas banais, e ele ousava ruborizar? O cavaleiro de Escorpião ria deliciado da timidez do amigo. Agarrou sua cintura e o puxou para si, empurrando a cabeça de Aquário contra seu pescoço.

- O que está fazendo com a capa de Afrodite? Esta cheia do perfume dele...

Fez uma careta ao falar, vendo Camus apenas baixar os olhos envergonhado, sem responder. Olhou para o grupo dançante, iluminado pela fogueira. Não queria mais ficar naquele lugar com ele, era profano e pecaminoso demais para seu amado imaculado. E aquilo tudo já o estava irritando. Pegou a mão de Camus, puxou o capuz para cima de seus olhos, escondendo seu rosto e o levou embora, em direção ao Templo de Escorpião.

Sem visão, Camus tropeçava no caminho, sendo puxado insistentemente pelo companheiro. Só o largou quando entraram na casa, adentrando o quarto um tanto quanto exótico do grego. Em cores escarlates e negras, a cama grande era coberta de cetim vermelho. O francês balançou a cabeça, tinha de ser o excêntrico. Milo deixou-o na porta, indo pegar um pequeno escorpião negro que se encontrava na cama, para colocá-lo numa redoma de vidro, junto com mais três.

Virou-se para o amigo então, e sorriu. Ali, na luz direta pode vê-lo melhor, vestido com uma longa túnica cerimonial. Um tecido azul jogado por cima de um dos ombros, preso na cintura por um cordão dourado. Braceletes e uma espécie de coleira de ouro cravejado de safiras enfeitavam os braços, pulsos e pescoço, combinando com a bela cor bronzeada da pele. Os olhos estavam pintados de preto, destacando ainda mais o azul profundo da íris.

Era o próprio Adônis reencarnado, até os deuses podiam cair de amores por ele. Se já não caíram, como a muitos mortais naquele santuário. Estreitou o olhar e pressionou os lábios, estranhamente irritado. E como um reles mortal estava prestes a sucumbir. Não, estava acima disso, e podia provar.

- Zeus, está quente. Tire essa capa, Camus, deve estar morrendo de calor aí dentro.

O outro meio que acordou de um transe e olhou para si. Ah sim, a capa. Milo tirou os enfeites e os tecidos, ficando apenas com a túnica branca, e então virou a tempo de vê-lo depositar o vestuário negro numa cadeira próxima. Camus franziu a sobrancelha, estranhando a expressão um tanto estupefata do amigo, com a boca entreaberta. Olhou para si mesmo, havia algo de errado?

Milo soltou um gemido abafado e incontido, dando-lhe as costas e cobrindo a boca com as mãos. Vestia apenas uma túnica leve que mal chegava ao meio das coxas alvas, a visão das pernas delgadas e dos cabelos lisos e escuros espalhados pelos ombros quase descobertos. Como não podia não querer tê-lo desse jeito? E depois viria a discussão, a recusa, as feridas abertas.

Porque diabos o trouxera para seu próprio quarto? Não tinha pensado muito, a não ser deixar aquele lugar sufocante e ficar com a pessoa mais querida para ele. E agora tinha o próprio desejo presente naquele aposento, emanando toda a sensualidade que Camus possuía na sua inocência.

O francês continuou parado no mesmo lugar, mirando as costas de Milo, tensas por alguma razão. Um sorriso e sentimento de vaidade inexplicável tomaram conta de si, fazendo-o avançar um passo.

- O que foi, Milo?

Estremeceu ante a voz subitamente doce atrás de si. Mais alguns passos.

- Porque não olha para mim?

Alcançou o grego, passando os braços pela cintura dele, encostando a boca na orelha escondida pelos cachos macios.

- Eu não te agrado mais?

Tirou as mãos da boca, soltando um longo suspiro, antes de agarrar o braço do outro e trazê-lo junto para si, tomando os lábios de Camus. O guerreiro de gelo não se debateu nem se incomodou com a violência do ato, levantando os braços e envolvendo o pescoço de Milo, para que não o soltasse. O grego apertou o abraço, querendo estar ciente de que aquilo era real e que não iria escapar outra vez.

Aquário correspondia perfeitamente seu beijo e suas carícias, os pequenos gemidos misturados aos seus. Interrompeu o beijo ofegante, vendo Camus entreabrir os olhos, também sem fôlego e com as faces rubras. Dava-lhe mais beijos molhados, brincando com as línguas, enquanto o empurrava com delicadeza em a direção da cama. As pernas bateram na estrutura dela, fazendo-os perder o equilíbrio e cair no colchão, mas sem interromper os beijos e as carícias mútuas.

Por um instante, Milo se separou com relutância, se erguendo nos braços apoiados na cama, com Camus entre eles. Aquele lindo anjo caído, deitado displicente, de peito arfante e olhar puro, querendo tentá-lo a todo custo. Mas precisava resistir, apenas por um momento.

- Tem certeza de que quer isso?

Antes que fosse tarde demais, antes que o ferisse se arrependendo por ter se deitado com ele. A dor iria ser menor se recusasse agora, do que ter de enfrentar seu olhar acusador depois. Fechou os olhos para ouvir a resposta inevitável, e ouvindo nada, abriu-os. Camus permanecia do mesmo jeito, encarando-o indecifrável com aqueles enormes olhos azuis escuros, profundos como um oceano.

Viu dois braços se estenderem para si, junto com um sorriso sincero e doce. Seguido de um beijo, não mais que um roçar de lábios, mas que deixou seu coração aos pulos. Abraçou seu corpo com fúria, beijando seu pescoço.

- Não importa o que acontecer, eu não vou parar.

Passou as duas mãos por debaixo da túnica que não era mais do que um pedaço de tecido que o separava dele, arrancando um gemido alto do francês. Já não havia mais volta, a partir daquele momento estava entregue.

oOo

Agitou-se, acordando e abrindo os olhos com dificuldade. Sentia algo macio debaixo de si e um corpo quente junto ao seu. Focalizou o rosto sereno e sorridente de Milo, estava inclinado sobre si, acariciando suas faces e alisando seu cabelo. Esfregou os olhos, bocejando preguiçosamente. Notou que já era de manhã, o quarto era bem iluminado pela janela aberta.

Perceber também que ambos estavam nus debaixo daquele lençol foi rápido, ainda que continuasse com a confusão do sono. Estava feito.

- Milo? O que faz aqui?

- Como assim o que eu faço aqui? – soltou uma risadinha – Essa é a minha casa...

Olhou ao seu redor, constatando onde estava, as cortinas e móveis em tons avermelhados e negros. Ronronou ainda sonolento e pôs-se a sair da cama.

- Desculpe...

- Onde pensa que vai?

Furioso, Milo o puxou de volta para a cama, prendendo-o debaixo do seu corpo. Camus o encarou sem entender. Não era seu costume abandonar o local depois... Antes de amanhecer? O grego beijou-o antes que falasse qualquer coisa, explorando o interior da sua boca, e suspirava em resposta. Separou os lábios e passou de leve sua mão pelo peito do francês.

- Não quero que saia de perto de mim. – sorriu e se levantou – Vamos tomar um banho...

Sem pudor nenhum, andou nu até o banheiro, abrindo a torneira da generosa banheira . Camus se levantou, ficando sentado na cama, tentando ainda entender o que havia acontecido. Queria como o mestre o julgaria se soubesse o que tinha feito na noite anterior. Deitando-se com um homem, sentindo prazer com isso, pedindo por mais.

Não era à toa que Milo conseguia seduzir tantos, pensou com ironia. Escondeu o rosto com as mãos, juntando os joelhos. Depois virou o rosto, batendo com a tal redoma de vidro, com seus quatro pequenos e venenosos habitantes. Milo era exatamente como eles, perigosos. Envolvia sua vitima e a envenenava, até que ela não resistisse mais e se entregasse aos seus braços da morte.

Sentia cada gota daquele veneno penetrando sua pele, suas veias. E nunca acabando, sempre entrando lentamente e mais, matando-o aos poucos. Seus olhos vidrados nas pequenas criaturas se moveram, Milo voltava movendo-se sedutor, chamando-o e estendendo a mão. Instintivamente a aceitou sendo levado até a banheira cheia de água morna até a borda, caindo para fora e molhando o chão com o volume de seus corpos.

Sentado atrás de si, Escorpião afastou seus cabelos e beijou sua nuca, fazendo-o tremer de prazer. O puxou para perto, até que colasse suas costas em seu peito, e então começou a limpá-lo, com movimentos suaves como carícias, lhe tirando pequenos suspiros e gemidos involuntários.

Agora cada toque o sentia, cada toque o desejava, cada toque doía profundamente.

Com o abraço de Milo sabia que estava tudo perdido.

Nada mais seria o mesmo, e ambos mudariam, se tornariam totalmente diferentes do que costumavam ser. O destino que lhes esperava era de dor e sofrimento, que suas almas só contemplavam agora como um sublime sopro de prazer. Porque a paixão consome... e destrói.

Um pedaço de gelo se desprende do coração do guerreiro gélido, derretendo com o fogo do coração do cavaleiro latino.


CONTINUA...

Julho/2003