Tempestade
Nota: O texto se encaixa entre os capítulos 12 e 13. Contém lemon.
Interlúdio
"so, grow, libido, throw dominoes of
indiscretions down
falling all around in cycles, in circles
constantly consuming
conquer and devour
'cause it's time to bring the fire down
bridle all this indiscretion
long enough to edify and
permanently fill this hollow"
- Soa um tanto como você, fria e destruidora. E obrigado, realmente estou cansado da viagem.
Foram as palavras que disse antes de passar por ele e entrar no quarto do discípulo. Viu cerrar a porta em fronte a si e permaneceu parado ali. Levantou o braço, pronto a bater na madeira, mas desistiu, deixando os braços penderem ao longo de seu corpo.
Sim, justamente como era, como sempre fora e como deveria continuar sendo. Havia algo de errado? Como deixar nada nem ninguém ter importância na sua droga de vida?
Aquela tinha sido a última conversa dos dois. Semanas depois, duas cartas chegaram endereçadas a ele. E agora se encontrava diante das duas imensas portas, esperando que o guarda anunciasse sua presença.
Outros cavaleiros de ouro estavam presentes no mesmo templo, mas não todos. Milo e Afrodite ainda estavam em missões, Aioria e Máscara da Morte acabavam de chegar das suas. A vinda de Mu o intrigava, a de Shaka o enervava, e o leonino tinha um olhar estranho. Sabia o que a presença deles significava, não era preciso que lhe dissessem.
Seguiu para o salão assim que sua entrada foi permitida. Ajoelhou-se diante do trono, ficando afastado alguns passos. Vestia sua reluzente armadura dourada, a capa esparramada no chão, ao seu redor. Como o silêncio se prolongou, elevou o rosto alvo, encarando a figura sentada altiva no altar, a máscara fria e sombria.
- Camus. – disse em tom respeitoso, acenando ligeiramente com a cabeça – Teve notícias de seu discípulo, o Cisne?
- Sim, meu senhor.
- Oh, então sabe o que está para acontecer. – olhou para o cavaleiro, tentando perscrutar o que se passava através do rosto impassível. Nenhuma tensão, tremor, dúvida. Sorriu. – Não impediu que viesse até o Santuário. – era uma constatação.
Saga ficou intrigado. Aquário realmente não havia feito com que Cisne deixasse de se integrar aos outros garotos de bronze. Não o havia impedido de enfrentar os cavaleiros que mandara para matá-los. Não o impedira de trair o Santuário. Nem ao menos o impedia de ir até ali, onde doze casas e a elite de Athena o esperavam. À morte certa.
O que pretendia? Ou simplesmente pretendia fazer absolutamente nada? Sua risada metálica reverberou pelas paredes.
- Eu o conheço, Camus.
O aquariano ergueu uma sobrancelha, como se rebatesse de forma desafiadora, "Mesmo?". Gostava disso, "ele" gostava disso nele.
- Sim, conheço. – cruzou os dedos de uma mão na outra, os cotovelos apoiados no trono – Você não dá a mínima para tudo isso. Para Athena, para nossas crenças, para as crenças deles. – fez um gesto a esmo com a mão – Na verdade, nunca deu.
"Uma criança incrédula. Mas eu confio nela, mais do que em muitos guerreiros fiéis a mim. Qualquer um que ouvisse o que acabei de constatar para depois dizer que confio em tal cavaleiro, me acharia louco.
"É interessante a sina que parece perseguir os homens que vestiram a armadura de Aquário. Estiveram sob a constelação de Ganimedes, o garoto mortal tornado imortal para ser destinado a servir, por toda sua eternidade. Você não dá a mínima, órfão de várias maneiras, a única coisa que lhe restou foi a honra. Jurou sobre ela, porque nada mais importa, não mais que sentimentos fúteis, que pessoas, que sua existência."
O francês permaneceu quieto, ouvindo sem se alterar um milímetro. Então curvou o canto da boca, esboçando um sorriso. Gêmeos ponderou, aquele gesto significava que estava certo, ou algo escapara? A mesma muralha, os olhos azuis eram impossíveis de ler.
Ergueu-se, não desviando o olhar da máscara, como se pudesse ver através dela. Apontou para a cortina espessa e escarlate, que se estendia atrás do trono.
- Está certo, eu não acredito. Assim como não acredito que Athena esteve ali por treze anos.
Saga arregalou os olhos, olhando ligeiramente para trás. Voltou-se lentamente para o cavaleiro, soltando uma risada metálica.
- Mas não dá a mínima.
- Minha função é apenas guardar minha casa. Com sua licença, my lord.
Reverenciou o homem, dando a volta, deixando os aposentos. Ouviu uma comoção logo depois, alguns corredores dali, reconhecendo a voz dele. Sentiu o cosmos dos outros que se aproximavam do local e se apressou. A cabeça baixa, receoso de encontrá-lo, mas também um pouco ansioso.
Parou. Seus olhos se encontraram.
Talvez Kyoko estivesse errado. Algo importava.
oOo
"run, desire, run sexual being
run him like a blade to and through the heart
no conscience, one motive...
to cater to the hollow"
Podia sentir o olhar dele sobre si, quase tocável, quase quente, como sabia ser os dedos sobre sua pele. Seguiu-o sem pestanejar quando pediu que fossem juntos até sua casa. Desciam as escadas em passos calmos, em silêncio.
O jantar de momentos antes fora perturbador para todos. Depois de anos, estavam reunidos ali novamente, mas nada voltaria a ser o que costumava ser.
Nada voltaria...
Ambos eram parecidos tanto quanto eram díspares. Como as duas crianças que eram acabaram envolvidos a tal ponto? Odiava a implicância dele, a mania de se envolver facilmente, um amante cada noite, sua falta de disciplina, o jeito como o sufocava.
E lembrava-se muito bem que o grego não suportava sua frieza, sua racionalidade cética e petulante, a falta de tato, sua insensibilidade.
Eram órfãos, mas Milo conhecera a mãe. Podia lembrar de como era, como foi perdê-la. Passara seis anos em treinamento cercado de outras crianças, teve amigos.
Ele teve Saga...
O que tinha? O que teve? Não lembrava de seus pais, deixado à porta de um orfanato com poucos meses de vida. Não se importava com a companhia dos padres e das outras crianças. Sem olhar para trás os deixara. Assim como deixara o garoto que o levara para a Rússia. Ele era perfeito para um cavaleiro de gelo, perfeito para o que o mestre precisava.
Era?
Porque não podia deixá-lo como fizera com os outros? Doía quando o deixava, quando tentava, quando países os separavam. Por quê? Como se o veneno já estivesse espalhado por todas as suas veias, por anos e anos, contaminando. Como seus esforços a manter-se longe de sua causa fossem inúteis, apenas um olhar ou toque os jogavam abaixo. Como se os deuses brincassem e rissem de seu desespero. Algo como aquilo deveria ter esfriado ou os destruído, e certamente destruía cada parte de seu ser. Mais do ser que costumava ser antes de pôr os pés no Santuário como o cavaleiro de Aquário.
Acordando de seus devaneios, percebeu que estavam na entrada da oitava casa. Perguntou sobre seu servo, sentindo a falta da presença do homem mais velho que costumava cuidar dali. Milo murmurou uma desculpa, dirigindo-se direto para o quarto e se jogando na cama. Da porta observou rapidamente o aposento, como se recordava que era. Ainda em tons de negro e vermelho, oferecendo uma sensação de calor. A seda rubra sendo bagunçada pelo peso do corpo do grego.
Acendeu as lamparinas, sentando-se em um divã em seguida e esperando que falasse.
Sua missão fora a de destruir a lendária ilha de Andrômeda, Kyoko não confiara nele e mandara Afrodite atrás. Um homem que fora seu amigo de infância fora morto por suas mãos.
Essa não era a batalha que deveriam travar, à qual haviam nascido predestinados a lutar. Eram cavaleiros de Athena lutando entre si, se destruindo, criando caos. O novo mestre, quem quer que fosse, havia minado suas próprias forças antes que a verdadeira guerra se anunciasse.
Asgard estava se agitando, sentira um cosmos poderoso sobre a terra dos nórdicos. Os avisos do antigo mestre ecoavam na sua mente. Morreriam.
- Sinto muito.
A voz rouca percorreu sua espinha, fazendo-o sobressaltar-se e encarar o homem do outro lado do quarto.
Seu único pupilo, o que iria fazer? Sabia o que tinha de fazer, havia uma guerra à frente. Cisne não estava pronto, mas então essa seria sua última tentativa.
Viu o grego entrelaçar os dedos e mordiscar os lábios, um gesto de nervosismo.
Não importava mais...
Andou até o centro do quarto e pediu que se aproximasse, o grego o obedeceu com um ar confuso.
O veneno havia contaminado, sem cura, sem antídoto.
Ele fez uma observação sobre sua altura e riram, o som da risada espontânea, característica dele, enchendo seus ouvidos. Então percebeu que parara de rir, os vestígios do sorriso ainda ali no rosto, a mão quente tocando sua face. Os grandes olhos azuis percorrendo seus traços, a expressão contemplativa.
Morreriam, e não importava mais.
Seu corpo se impulsionou para frente, quebrando a distância. Soltou a fivela, vendo a pele bronzeada aparecer sobre seus olhos, reconhecimento e desejo trespassando seus sentidos.
Não podia agüentar mais...
O gosto salgado sob sua língua como néctar, uma prova do que sabia ser maravilhoso. Do que gostaria ter esquecido, mas apenas assombrava como seu pior pesadelo.
- O que está fazendo?
A pergunta atingiu-o em cheio, em um baque.
- Não me quer?
Estremeceu de medo, ele o olhava estupefato. O cenho franzido, o que se passava nos seus olhos, desgosto? Era tarde demais? Havia esfriado e as palavras nos últimos anos eram mentiras? Se ele respondesse que não e que acabara, não saberia o que fazer.
- Por quê?
A pergunta apenas engatilhou o fogo, fazendo-o finalmente provar os lábios. Seis anos não foi suficiente para fazê-lo esquecer da sensação, seu interior gritando de júbilo ao ser retribuído.
Por quê?
Porque havia esperado demais por algo que não aconteceria.
oOo
"screaming
feed me, fill me up again
temporarily pacify this hungering"
As túnicas e os mantos jaziam como um monte no chão de mármore, tiradas rapidamente como peças incômodas. Seu corpo empurrado com pouca gentileza contra os lençóis de seda escarlate, o peso sobre si bem vindo.
A boca quente percorrendo sua pele branca, queimando, marcando com dentes. As mãos fazendo o mesmo trabalho, apertando e correndo pelos seus braços, ombros, pernas. Abrindo e preparando, e logo preenchendo.
Ouviu a própria voz reverberar pelas paredes, gritos e gemidos, misturados aos do amante. Doía como o inferno, ardia e queimava. Mas também o fazia tremer com o mais doce êxtase.
- Mais...
Sua voz saia com dificuldade, rouca e trêmula. Seu pedido foi atendido prontamente, sentindo ir mais fundo e sua cabeça dar voltas e mais voltas. Sua boca foi tomada, tocando sua língua com urgência. Logo seu corpo foi tomado por espasmos, pouco depois sentiu seu peso sobre si novamente, a respiração quente e ofegante contra seu pescoço.
Com relutância ele se afastou, ajoelhando-se na cama, diante de si. Viu-o com um braço sobre os olhos, a boca entreaberta e vermelha. O cabelo úmido e bagunçado se estendia pelo lençol desfeito, sua mão sobre o peito marcado, subindo e descendo com o ritmo da respiração ainda pesada.
Sentindo uma mão percorrer e erguer sua coxa, retirou o braço dos olhos, encarando o grego. Seus olhos ainda febris, olhando-o intensamente, o cabelo escuro revolto emoldurando a face redonda.
- O que foi?
- Nada. – disse em voz rouca, dando de ombros – Apenas imaginando se isso é um sonho.
Observaram-se durante longos minutos, antes que Camus se erguer e sentar na cama. Encostando seu ombro no dele, umedecendo os lábios e encostando as cabeças.
- É real.
Milo inspirou profundamente, cerrando os olhos e se achegando mais ao outro. As mãos do francês percorreram a maciez do lençol de seda, os dedos reconhecendo a textura lisa.
- Quantos se deitaram aqui depois de mim?
- Não sei... Mas todos tinham sua voz, pele, seu cabelo, sua boca...
Virou o rosto do aquariano para si, roçando seus lábios nos dele. Fugiu do toque, baixando a cabeça sobre seu ombro.
- Mentiroso. – murmurou.
Mordiscou a pele bronzeada das suas costas, a língua provando o suor. Seus dedos tocaram o peito, o abdômen, seguindo mais para baixo, tocando-o e fazendo-o gemer contra seu ouvido.
Mais, queria mais do seu veneno.
Beijou o grego com sofreguidão, apoiando suas mãos nos seus ombros e fazendo-o se deitar. Passou uma perna por cima dele, pressionando seus quadris, gemendo ao contato íntimo.
Até que seu corpo estivesse tão cansado que não pudesse mais se levantar, até que seus olhos se fechassem, até que pacificasse sua fome. Até que preenchesse o vazio.
E então poder deixar para trás...
CONTINUA
Outubro/2005
