Capítulo 11
Dia 7 de Julho
Por mais um dos corredores cobertos por sangue coagulado, caminha um tranqüilo Dr. Kyron, exibindo a si mesmo um olhar de sucesso. Sua presença chama a atenção de um zumbi, mas nem isso lhe causa muita preocupação. Assim que o morto se aproxima para dar o bote mortal, a ponta do rifle do cientista entra em sua boca, parando-o
- Com licença.
Sem hesitar o passo ou alterar o rosto, ele pressiona o gatilho. A criatura tem sua cabeça consumida pelo raio incandescente e desmonta no chão, dando espaço para o doutor passar. Ele imediatamente encontra a famosa porta "Tyrant" e encosta-se na parede próxima. Ele olha para o relógio de pulso, neste momento seus olhos queimam em ansiedade.
- Dois minutos... He he...
No Gerador A, três criaturas acompanham a doutora, duas na parede e uma agachada no chão. Envolvidas por uma pegajosa saliva, as línguas vão lentamente se desenrolando e esticando rumo à Sayla, agonizantemente ansiosas por sentirem seu sabor. Ela fica desconcentrada, certo pânico não a permite raciocinar como deveria. No entanto, os dígitos do relógio se fixam em sua mente, lembrando-a de que não pode falhar na missão, ou outras pessoas pagarão o preço. Em segundos que parecem horas, a doutora, em uma árdua luta contra seus próprios músculos, ergue e aponta o rifle contra a besta parada no chão. Seus delicados, porém mortais, dedos pressionam o gatilho, várias e várias vezes. Quando morrem os barulhos do podre se estourando diante os raios incandescentes, só restam os pedaços inidentificáveis do inimigo esmagados ao chão. Sayla aproveita que o caminho está livre e corre para longe da parede, olhando atrás para acompanhar o movimento das criaturas em seu encalço. Em segundos, uma delas flexiona as pernas e salta alegre rumo à garota. A visão das garras se aproximando para lhe rasgar a frágil pele não é muito boa, a doutora recua em um salto giratório para ficar de frente com a ameaça e aponta o rifle diretamente em sua testa. Outro disparo percorre o ar, tirando a vida de mais um inimigo. Porém, Sayla está ficando sem sorte: ao voltar ao chão, o corpo do inimigo decapitado lhe derruba, prendendo-a devido ao peso. A última das bestas, percebendo o momento de fraqueza, se aproxima lentamente, soltando um de seus característicos sorrisos sádicos. As suas afiadas e contaminadas garras são cravadas no ombro da garota, fazendo-a largar o rifle e eclodir um forte berro de dor, que só serve para excitar ainda mais a felicidade da criatura.
No Gerador B, o Agente Z e o ciborgue se encaram, rodando lentamente pela sala, em sobrepassos. A face do rapaz, calma e impassível, é notavelmente forçada: gotas de suor gelado escorrem por seu rosto e pingam suavemente sobre o relógio de pulso, que ele, tomado por uma ansiedade secreta, não pára de olhar. Sem mais cerimônias, o titã de metal avança em uma face de ódio, inumana, contra o agente, erguendo a serra que toma o lugar de sua mão. Z firma os olhos no momento do golpe, iniciando um infalível salto lateral. Porém, nesse momento as forças do agente começam a lhe abandonar o corpo. Sem velocidade o suficiente, um profundo corte lhe atinge a perna esquerda. Estirado no chão e gemendo de dor, o agente se arrasta pelo chão, marcando-o com o sangue que encharca sua calça. O ciborgue fica parado, analisando a vítima que tenta se levantar. Z, fragilmente se mantendo em pé, apóia na parede e volta a olhar o relógio. Quarenta segundos restantes.
Ainda de cabeça inclinada, os olhos do agente vêem, sem querer, o ferimento na perna. Para alguns, isto seria motivo para pânico e tremedeiras, mas no rapaz o efeito é totalmente o contrário: A visão de o vermelho jorrando e tingindo o preto de sua calça desperta uma profunda ira, até então guardada a sete chaves em seu intimo. O Doutor Kyron arruinou sua vida, é a pessoa que ele mais odeia e despreza nesse mundo, tanto que Z se enoja pela simples lembrança de sua voz. Logo, que o cientista se safe da situação e alcance seus objetivos é algo que ele jamais irá permitir. Tomado por uma leve tremedeira, Z ergue a face com fúria, arremessando longe o suor da testa. O olhar tranqüilo, que algumas vezes chega a ser irritante, desaparece, dando lugar a olhos firmados em constante rigidez e pupilas contraídas numa anormal exaltação. Sorrindo de dentes rangidos, o agente se afasta lentamente da parede e cambaleia até o seu inimigo.
- Kyron não vai se livrar desta, eu não vou deixar. Pode vir, monstro!
De voltar ao Gerador A, o tempo vai passando e a besta ainda não deu cabo de sua vítima, que ainda se encontra presa ao chão. Ao invés de uma morte rápida, o corpo da garota recebe profundos cortes, em uma dolorosa sessão de tortura da perversa criança que é seu inimigo. A dor da cientista é tanta que seus olhos não possuem mais lágrimas a derramar, nem voz a soltar em suas cordas vocais, mas ela não deixa, em momento algum, o terror dominar sua fronte. A criatura aproxima novamente o rosto, desdobrando sua enorme língua que visa saborear um pouco mais da suave pele de Sayla.
De repente, uma idéia surge na cabeça da cientista. Tomada pela pressa e utilizando toda a força que seu corpo tem a oferecer, Sayla ergue lentamente a pata da aberração morta e, sem pensar duas vezes, joga-a contra a face da outra. Tomada pela dor do rasgo, a criatura se afasta e passa a se debater, disparando um estrondoso berro contra o teto. O tempo ganho é precioso e não se pode ser perdido. A doutora desliza com dificuldade pelo chão, saindo debaixo da besta que a prendia, e vai até o rifle de plasma. Assim que retoma sua arma, corre desesperadamente até a máquina cilíndrica que dá força à nave e se prepara para dar o tiro. Porém, neste momento o monstro volta a si e, percebendo a fuga da cientista, arremessa sua longa língua até as pernas da mesma, derrubando-a. Sayla, sendo arrastada pela aberração, desesperadamente olha o relógio. Cinco segundos. Não tendo escolha, ela mira sua arma para o inimigo.
- Você é muito teimoso...!
Na sala do Gerador B, restam cinco segundos. O Agente Z se coloca em frente ao grande gerador, mal agüentando ficar de pé, e espera calmamente. Não resistindo à agonia de seu abstrato instinto de fome, o ciborgue ergue a serra pronto para mutilar o homem à sua frente, recebendo como resposta o leve sorriso de triunfo na face do agente. Aliviado e contente de ver que seu plano dará certo, o rapaz fecha os olhos e agradece seu cansaço, por lhe dar a chance de um último esforço. E então, quando o momento da morte chega, Z se arremessa para longe, esperando que o melhor aconteça, enquanto seu corpo dolorosamente desliza pelo piso metálico.
A temível arma da máquina infectada se aproxima violentamente do gerador. Se a ação houvesse sido desferida um segundo antes, a serra teria destruído a máquina. Mas, para a felicidade de Z, o ciborgue paga o preço de seu atraso: a uma distância de quatro cm da colisão, uma redoma de distorção visual alcança a criatura, queimando lentamente a maioria dos componentes de sua couraça tecnológica, em um fantástico show de luzes. Ao que parece, Sayla conseguiu destruir o Gerador A e ativar o escudo eletromagnético. Inutilizado, o titã se desmonta ao chão, seus implantes neurais foram completamente dizimados.
No corredor de Tyrant, Kyron, ainda encostado na parede, olha o relógio, finalmente marcando 23h40min. Quando ele nota que nada ocorreu com a energia da nave, a decepção domina sua face. Discretamente rangendo os dentes, ele sorri e sai de perto da porta, voltando a caminhar pelo longo corredor. Colocando ambas as mãos dentro dos bolsos do jaleco e forçando os punhos, é a primeira vez que as coisas não saem de acordo com o planejado, nesta nave.
- Parece que eu vou ter que encontrar a chave.
Minutos depois, no corredor que leva às salas dos geradores, o silêncio continua predominando. Uma exausta Dra. Sayla fica sentada no chão, encostada na fria parede de metal. Por sua face, totalmente inexpressiva, escorrem lágrimas de desespero e tristeza: Além de agora estar infectada pelo veneno do T-Virus, também perdeu Z, com quem ela começava a nutrir certa simpatia. Sem a mínima vontade de se mover, ela apenas espera a morte lhe abraçar.
Não se passa 1 minuto e passos cambaleantes ecoam do corredor B, embora a doutora esteja tão imersa em seus pensamentos que nem note. Nisso, um igualmente exausto Agente Z se senta bruscamente ao seu lado, com um olhar neutro e rotineiro estampado no rosto. Sayla, em sua surpresa, vira o rosto na direção do rapaz, tão depressa que suas lágrimas são arremessadas contra ele.
- Z! – A garota o olha, sorrindo desajeitada. – Você ainda está vivo...
- É... Mas... – Ele responde com calma, enquanto olha para o teto. – Eu tive que usar o gerador para me salvar.
- O que importa é você está bem... A gente dá um jeito.
- Aliás, doutora... – Z bruscamente muda de assunto, ficando mais sério do que seu normal. – Eu quero que me diga a verdade. Você não é uma doutora comum, isso eu e Kyron pudemos notar.
A pergunta, tão repentina, deixa Sayla sem reação. Ela vira o rosto, hesitando e forçando os punhos, agoniada. Sem escolha, novamente se volta para Z e, de cabeça baixa, confessa:
- Eu não trabalho para a Umbrella, mas sim para a mesma agência que você, Z.
- A Correct? Por que ela faria isso? Eu sou mais do que suficiente para cumprir a missão. – O agente fita-a de canto de olho, surpreso.
- Eles queriam ter certeza. Apesar de suas habilidades, acharam que você é jovem demais e talvez não conseguisse finalizar a missão.
- Certos estão eles. Eu acabei contaminando a nave.
- Eu traí sua confiança. Não vai me matar? – Sayla desvia o olhar, apertando os joelhos.
- Não. Se você está dizendo a verdade, é bom que fique viva. Então... Todo aquele drama que você fez quando eu te salvei pela primeira vez... – Ele pausa e olha a cientista, continuando. - Foi encenação?
- Foi... – Novamente confessa, incapaz de encará-lo.
- Você tem talento. Digna da Correct. Enganar Kyron por um tempo não é muito fácil, também.
- Kyron... Por que você odeia tanto este homem?
- Heh... – Ele sorri de leve e prossegue, seco. – O que posso dizer? Ele é aquele que destruiu minha vida. Tirou de mim o que era mais precioso. É natural odiá-lo.
Sayla não sabe o que dizer, a única coisa em seu alcance é olhar para seu companheiro, com certo pesar. Lentamente pousando a mão sobre o ombro do rapaz, ela pela primeira vez sente a amargura de sua alma. Z permanece ali sentado, indiferente, ser frio é seu modo de enfrentar os problemas. Em um momento talvez impensado, a cientista se aproxima ainda mais do agente e dirige, suavemente, seu rosto para perto do dele. Ela fecha os olhos e Z, sem saber por que, faz o mesmo, virando-se para ela. As mãos do agente pousam sobre os ombros da garota e seus rostos ficam cada vez mais próximos, um momento em que o tempo praticamente pára. Seus lábios se tocam, mas, antes que a união se concretize, ambos recuam bruscamente, em uma hesitação mútua.
- Acho que não é uma boa idéia... – Sayla comenta enquanto vira o rosto, totalmente corada.
- Concordo... – Z responde ainda sério, mas talvez um pouco sem jeito.
O rapaz se levanta lentamente e ajeita suas vestes, sem olhar para trás, inquieto. A cientista continua sentada, fitando-o com um sorriso desajeitado. Se abraçando para enfrentar o frio, ela pergunta:
- Quando você irá me contar sobre o seu passado?
- Quando eu confiar totalmente em você. – Simplesmente responde, ainda de costas.
- Entendo... E agora, para onde vai?
- Para onde NÓS vamos. – Ele corrige, engrossando a voz. - Buscar o antídoto para você.
Sayla, espantada por Z ter percebido seu ferimento com tanta facilidade, não importando o quanto ela tenha tentado esconder, e ao mesmo tempo comovida com sua atitude, se levanta lentamente, colocando-se ao lado dele.
- Então vamos.
