Capítulo 12
Dia 8 de Julho
A luz de um longo corredor abafa as trevas de um ar mórbido e pessimista. Atravessando por essa nuvem de falsas impressões, Z e Sayla prosseguem. A moça, fraca e cambaleante, vai andando apoiada aos ombros do companheiro, que a guia sem hesitar e mostra, naquele olhar obstinado, o sentimento de que nunca irá desistir. Ambos aceleram os passos ao máximo, pois as trevas já caíram: uma horda de zumbis avança bestialmente ao seu encalço, soltando longos gemidos ao que mancham a limpidez do chão com suas babas de ânsia por comer. Nada pode sair errado, é possível escapar perfeitamente à distância que eles estão, mas o inconveniente sempre dá um jeito de atacar. Sayla, cada vez mais exausta pela infecção, não resiste: Suas pernas lhe traem e os passos vão falhando, até que o belo salto alto que lhe acomoda o pé escorrega no chão metálico. Ela cai.
Z pára no mesmo instante e agacha-se para ajudar. Porém, antes que possa sequer tocá-la, ele sente uma mão, pútrida e gélida, lhe agarrar o ombro e puxá-lo com tudo ao chão. Caído, tudo que vê é um zumbi que surgira do nada, horrendo e despedaçado, que agora avança contra o seu pescoço. O agente segura a cabeça da criatura com todas as forças, lutando violentamente para não ser mordido, rolando várias vezes pelo chão. Enquanto isso, para semear o pânico na alma do rapaz, os outros zumbis vão avançando cada vez mais rápidos pelo corredor, todos olhando o belo corpo de Sayla, imóvel sobre o gelado do piso prateado. Z posiciona perfeitamente as mãos no rosto do zumbi. Com um reflexo de fúria em rosto, ele desfere um puxão, partindo o pescoço da aberração. Imediatamente saca o rifle disparador de plasma e, levantando-se em um salto imponente, mira os outros, quando estão prestes a jogarem-se ao corpo da cientista.
- SAYLAAAAA!
O clique do gatilho é ouvido, várias vezes, invocando uma chuva de raios esverdeados que atravessam e iluminam ainda mais o corredor, levando consigo a cabeça de todas as criaturas, que desmontam abaixo. Z guarda a arma e aproxima-se da amiga. Fitando-a com alívio e alegria, ele abaixa-se e a apanha gentilmente em seus braços. Ao continuar o caminho, firme como um cavaleiro, os olhos de Sayla se abrem na visão de uma flor, no que ela mira o rapaz com um sorriso cristalino.
- Z... Por que não me carregou assim antes?
- É que eu tenho muita vergonha.
Não muito longe dali, Kyron também caminha por um corredor, totalmente despreocupado, com as mãos nos bolsos enquanto assovia em uma tranqüila troca de olhares com o teto. De súbito, próximo a um cruzamento de caminhos, ele quase leva um susto: Três zumbis voam pelo corredor perpendicular, como penas. O cientista apenas olha, coçando sua pequena barba, esperando para ver quem mais vai surgir. Um homem. Um homem grande e esbelto, trajando um sobretudo todo rasgado e destruído, natural de olhos azuis e cabelos dourados e erguidos. Kyron reconhece a figura, não podendo deixar de sorrir de canto. É o chefe da operação, que Z havia explodido durante a fuga da prisão, há cerca de três dias.
- Wallace... Ramon Randy Wallace... O que fez consigo mesmo? – O doutor pergunta, em um tom terrivelmente irônico. O outro vai se aproximando lentamente, em um andar forte e pesado, furioso.
- Eu sobrevivi. – Dito, ele puxa o braço e desfere um golpe com as costas da mão contra a cabeça de Kyron, mais do que tudo querendo separá-la do pescoço.
- Menino esperto. – Abaixa, desviando por pouco do golpe. – Soube usar direitinho a amostra do vírus que eu te dei.
Sorrindo triunfante, o cientista recua, vendo o titã caminhar em sua direção para novamente atacar, e puxa seu rifle. Apontando-o contra Wallace, Kyron espera o momento perfeito, ainda recuando, e, sem hesitar, lhe manda um tiro bem contra a cabeça. O sujeito, bem longe de um mero zumbi, apenas vira o corpo para o lado, vendo, a salvo, o raio de luz passar bem diante seus olhos. Porém, quando volta sua atenção ao corredor, Kyron já está muito longe.
Z e Sayla, após muito andarem, batem os olhos em uma porta, a da sala de armas, e ela é assustadora: enorme, espessa, ao lado de um painel piscante que a mantém trancada. Se re-equiparem é a coisa mais necessária agora. Assim, Z coloca a doutora delicadamente sobre o chão e aproxima-se do dispositivo, sorrindo de olhos semi-cerrados, como se aceitando um bom desafio. Começa a bater nele impiedosamente com o cabo do rifle, olhando torto para a luz vermelha, até ela decidir cooperar e se fazer verde. O agente pressiona um dos botões e a porta abre-se aos dois. Sayla só olha.
- Eficiente. – Ela diz quase rindo.
- As coisas funcionavam assim no século XX.
Segundos de silêncio e olhares, na presença de um estranho clima de alegria. Z caminha até a cientista, puxando-a delicado para que fique em pé novamente, e segue para dentro da sala, uma vez mais servindo de apoio para a companheira. Assim que adentram, as lâmpadas são ativadas e, com seus calorosos raios de luz, revelam mistérios guardados pelas sombras: armas, muitas armas, de todo tipo que alguém poderia imaginar, guardadas em prateleiras metálicas espalhadas por longas fileiras. Mas isso, embora essencial para a sobrevivência desses dois, não é o mais importante no momento.
Exausta e dolorida pela ação do vírus, Sayla senta-se encostada em uma parede vazia, bem devagar para que não sinta dor. Seus olhos mergulham em um infinito marasmo, pessimistas, mas mudam, quando Z também se senta, bem ao lado dela, encostadinho ao braço. Uma expressão de surpresa se coloca no belo semblante da moça. Sem jeito, ela pousa a cabeça no ombro do rapaz.
- Você tem agido bem diferente comigo... – Sayla aprecia, com uma voz baixa, mas viva.
- É mesmo? Eu não tinha notado. – Responde, forçando indiferença. Bem no fundo, a pergunta lhe mexeu.
- Z, você havia dito que não confiava em mim... Por que está se arriscando?
- Pare de fazer perguntas.
- Ah... Então você gosta de mim... – Ela fecha os olhos, pela primeira vez sorrindo com alegria, confortável na ternura silenciosa do agente, que nunca sentira antes.
Z não diz mais nada, e nem poderia: Quando move o rosto para olhá-la, vê que já está dormindo em um sono profundo, feliz, até lembrando uma criança. Levanta-se, após gentilmente a colocar deitada, e vai até as prateleiras. Em um andar decidido, ele apanha uma série de armas, espalhando-as ao corpo pelos encaixes da roupa, e segue até a porta. Antes de sair, dá uma última olhada para a companheira.
- Descanse... Quando abrir os olhos, tudo vai estar acabado.
O agente desaparece da sala, que logo se lacra em um leve atrito metálico. Sayla continua ali no canto, deitada, dormindo como se sobre uma pequena nuvem, descansando nos sonhos que lhe invadem a mente. Atravessando essas paredes do sono, um desejo chega ao nosso mundo. Um desejo de olhos fechados, mas coração aberto.
- Z... Eu não quero te perder...
A esse ponto, Kyron, escorregadio e veloz, já está em um outro canto da nave. Um salão enorme, que espalha um inconfundível cheiro de morte pelos corpos de entranhas expostas estirados aos bancos tombados. Perto de uma das paredes coloridas à sangue, o doutor espera de braços cruzados, encarando um elevador que desce. Neste momento, passos estrondosos começam a estremecer o chão. O cientista expande um sorriso.
- Ele chegou.
A porta do salão vai amassando ao impacto de murros, até ceder e desprender da parede, voando para dentro. A impotente figura de Wallace surge do corredor, adentrando no local e indo na direção de Kyron. Este continua de costas, esperando, e descruza os braços. O gigante pára bem próximo, dirigindo-se ao doutor com uma voz de desprezo:
- Você já tinha tudo planejado.
- Claro que tinha. O maior erro da Umbrella foi o de ter me contratado.
O elevador se abre, bem quando Wallace corre para desferir um soco. Kyron não pode deixar de ser escorregadio: Quando o golpe está prestes a lhe esfarelar os ossos, ele vira-se, olhando a criatura bem nos olhos, e desvia passando ao lado. O titã, em seu impulso descontrolado, adentra com tudo no elevador. O doutor avança e aperta um dos botões, o que faz a porta se fechar e o transporte subir, livrando-o do grande perigo. Caminha então para a saída, olhando para um cartão que acaba de pegar nos bolsos da roupa do sujeito.
- Que otário...
Num corredor espiral, um ciborgue-zumbi vaga sem rumo com a ajuda de suas partes biônicas, buscando algo que lhe cure da maldição da fome e podridão, sem nem saber que logo encontrará. Seu sensor capta algo vivo se aproximando, uma presença muito veloz rasgando pelos círculos do corredor, implacável. O monstro logo ativa seu canhão de partículas, ansiosamente esperando que ele apareça. Eis que, tão rápido que pessoas comuns não entenderiam o que acontece, a figura surge. É o agente Z, que, saltando para a vista do zumbi enquanto aponta-o com uma pistola, aperta o gatilho. O raio laser percorre tudo até o monstro e atravessa a boca de seu canhão, explodindo-o em uma intensa tempestade de sangue.
O rapaz não dá qualquer tempo para a criatura respirar: imediatamente avança enquanto puxa um cabo da cintura, saltando para a cabeça do inimigo. Tudo que este consegue ver é uma lâmina de plasma fincando rumo aos seus olhos, para então sua consciência desligar e o enorme corpo desmontar à força da gravidade. Z, guardando a arma, continua seu caminho, indiferente.
- Bem melhor.
Vinte minutos se passam. Kyron aproxima-se da porta "Tyrant", com as mãos no bolso do jaleco e assoviando com muita felicidade, como no fim de um belo dia. Puxando o cartão, ele o passa velozmente no leitor, que produz um ruído agudo em anuncio ao seu sucesso. O cientista aperta um dos botões no painel, abrindo a porta, e finalmente adentra, sem nem fechá-la, talvez por pressa, talvez por pura intenção. Lá dentro, apesar do ambiente escuro e desorganizado, com mesas e armários repletos de frascos e tubos de ensaio, o doutor se sente muito à vontade, sorrindo enquanto caminha para duas pequenas maletas brancas jogadas no chão.
- Ahá! Achei vocês.
Ao se curvar para apanhar os dois objetos, um clique de arma ecoa pelo recinto. Kyron levanta e vira-se, ainda com triunfo na face, já sabendo quem é que lhe ameaça: O agente Z, sentado sobre uma das mesinhas e apontando-lhe a pistola, fitando com orbes em chamas, crente de que dessa vez o inimigo não escapará.
- Acabou. – Z confirma. Seu dedo coça para apertar o gatilho.
- Não... É agora que o jogo se torna ainda mais interessante.
De repente, a parede começa a receber golpes muito poderosos, amassando-se violentamente diante toda a força. Em poucos segundos, ela se rasga em forma dum enorme rombo, dando entrada a uma figura forte e enorme, loira, que tanto Z quanto Kyron conhecem muito bem. Wallace acaba de chegar para a reunião.
Na sala das armas, acaba de se esvair a tranqüilidade que se firmara com tantas raízes. Os sonhos macios e límpidos que sorriam para Sayla são invadidos pelo lado mais negro dos pressentimentos, eliminando tanta luz em um vortex de trevas. A garota, que antes dormia em pose tão gostosa, agora se contorce com os pesadelos, soltando leves gemidos de sofrimento. Não se sabe o que ela vê, mas é certo que não resistirá muito tempo. Ela chega ao ápice, e desperta.
A cientista se ergue desesperada, em chamas de pânico, erguendo o braço para tentar agarrar o ar. De seus olhos, arregalados e trêmulos, descem cascatas de lágrimas. O choque passa rápido, seus orbes voltam ao normal e ela baixa a mão, movendo a cabeça na procura de Z. Quando Sayla vê que o companheiro não está mais no recinto, seu corpo gela e a cabeça embaralha. O que fazer? Ela tem a resposta. Levanta-se do chão e, não cedendo às pernas cambaleantes, aproxima das estantes de armamentos. Puxa dali duas pistolas, que guarda à cintura, e um rifle de partículas. Volta-se para a grande porta metálica do recinto e caminha até ela, devagar. Sua mão pousa sobre o painel, hesitando apertar o botão, mas, cerrando os olhos, ela força os dedos. A saída se abre.
- Me perdoe Z... Mas... Eu não posso... Te deixar sozinho.
