Até a eternidade

Cap IV

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Sesshoumaru entrou no quarto. Kikyou estava encolhida contra uma parede, abraçando os joelhos e procurando um ponto perdido no chão. Não era a primeira vez que Sesshoumaru a via assim, como uma criança amedrontada numa noite de trovões. Por mais problemas que ele soubesse que ela tinha, ele desconhecia se havia uma verdadeira e única razão para aquilo, ou se eram apenas todos os demais problemas somados. Sorriu para a jovem que parecia nem ter notado quando ele entrou, e caminhou em sua direção.

Ajoelhou-se diante dela, para que ficassem na mesma altura. Ao notar alguém à sua frente, Kikyou ergueu seu par de olhos castanhos para Sesshoumaru. Sesshoumaru sentiu um aperto no coração, chocava-o de forma cruel como aqueles olhos, que já tanto haviam brilhado preencheram-se de uma névoa escura, tal como o céu em noites de tempestades.

- Oi. – Ele disse, com voz calma, sorrindo – Hoje é o nosso aniversário. Sete anos. Quer sair para comemorar?

Kikyou baixou os olhos mais uma vez. Passou alguns segundos calada, olhando para o chão. Sesshoumaru nada disse.

- Por que só agora você decidiu notar que eu existo? – Ela perguntou, com a voz baixa e sombria.

Ele espreitou os olhos, com ar de dúvida. Ele não tinha toda a certeza do mundo de que ouviria um 'sim', mas não havia sequer lhe passado pela cabeça aquela resposta.

- O... O quê? – Ele perguntou, sem entender.

- Eu passo dias e noites sozinha nesse maldito apartamento, é raro eu te ver em casa. Por que eu deveria comemorar? – Ela perguntou, com a voz dura.

Ele não acreditava que ela estava realmente falando aquilo.

- A culpa não é minha porque você se sente sozinha. Eu fui totalmente contrário que você largasse a faculdade, eu passei na creche e dizem que há quase três semanas você não surge lá. Eu dedico todo o meu tempo disponível única e exclusivamente à você, que história é essa de 'só notar agora que você existe'

- Única e exclusivamente? – Ela perguntou, incrédula – Você dorme cedo, acorda cedo, sai cedo, chega tarde, acha que o resto do seu tempo é o bastante para qualquer pessoa? – A voz dela estava alterada.

- Eu estudo, Kikyou! – Ele disse, levando o tom de sua voz até o nível do dela e levantando-se – E trabalho! Eu não posso passar o tempo todo com você, e você já é bem grandinha para entender isso!

- Então não venha me dizer que eu recebo a sua atenção! – Ela gritou, levantando-se. – Você não me liga, está em casa hoje por milagre, que tipo de atenção é essa?

- Kikyou... – Ele riu, era impossível que ela estivesse falando aquilo – Devem ter cerca de mil chamadas perdidas no seu celular. Minhas. Das suas amigas. Das coordenadoras da creche. Dos professores da faculdade. Da sua família! Não pense que eu não sinto o cheiro de cinzas no banheiro quando eu chego em casa, eu sei que você também queima as suas cartas.

- Ah! – Ela riu, com um ar incrédulo – Então suponho que você esteja dizendo que eu fico sozinha por escolha 'minha'? Acha que é vontade minha que as pessoas me desprezem?

- Quem te despreza, Kikyou? – Ele perguntou, impaciente – Ninguém! Você caiu num buraco sozinha e quer que alguém te ajude a sair, mas mesmo assim não aceita ajuda! Que mania é essa de achar que o mundo está contra você! É você que de repente se virou contra tudo e todos!

- Então... – Ela perguntou, enquanto de seus olhos jorravam duas grossas gotas prateadas – Você de fato acha que eu gosto dessa situação...? – Sua voz tornou-se embargada – Nem você vai me ajudar...?

Sesshoumaru baixou os olhos. Ela conseguira deixá-lo irritado. Por mais que a menção de ir até lá e abraçá-la estivesse quase em prática, ele não poderia. Já não era mais tão fácil conviver com Kikyou. Ele virou-se em direção à porta.

- Se você não quer que ninguém te ajude... – Ele disse, com a voz mansa – Então você precisa sair desse buraco sozinha. – E saiu.

Kikyou caiu de joelhos no assoalho. Olhou de olhos arregalados para Sesshoumaru, que já estava na entrada do apartamento, abrindo a maçaneta e saindo.

Sesshoumaru desceu as escadas. Esfregou o rosto e suspirou, buscando recuperar a calma. Chegou à rua, caminhando sem rumo. As pessoas andavam para lá e para cá, indiferentes aos seus problemas. Ele tentava, tentava e tentava, de todas as formas entender o quê levara a jovem, tão alegre e bem disposta àquele estado deplorável, que beirava a loucura. Era impossível que ela tivesse tantos problemas assim, e se tinha, por que não o deixava ajudá-la!

Essa dúvida latejou na mente confusa de Sesshoumaru por cerca de uma hora. Sentado num banco branco de praça, ele olhou para o céu azul. Nuvens negras o circundavam, provavelmente viria uma forte tempestade à noite. Já estava quase anoitecendo quando ele tomou nota de que deveria voltar para casa. Encostou a cabeça no banco e viu a imagem de uma barraca de flores, de cabeça para baixo. Uma senhora de longos cabelos grisalhos arrumava um ramalhete lindo, de delicadas flores roxas. Ele sorriu.

Ele odiava brigar com Kikyou, por isso, não adiantava ficar bravo que isso só pioraria as coisas. Foi mais ou menos isso o que ele pensou, enquanto subia as escadas e buscava pelas chaves, perdidas no bolso da calça. Entrando em casa, chamou pelo nome da jovem, cuja reação ele sorria sozinho em imaginar. Ela sorriria, perguntaria se o convite ainda estava de pé e eles sairiam juntos. Não obteve resposta. Chamou mais uma vez. Várias vezes. Buscou pelos cômodos da casa e nada. Era impossível que ela tivesse saído. As chaves dela estavam sobre a mesa e a porta estava trancada. Começou a ficar preocupado. Chamou mais e mais vezes, buscou em cada canto da casa, até ver um feixe de luz saindo por debaixo da porta do banheiro. Aliviou-se. Provavelmente ela estava no banho. Chamou por ela, para confirmar. Mais uma vez, não obteve resposta. Bateu na porta. Nada. Começou a ficar realmente preocupado. Bateu, bateu e bateu. Seguidas vezes. Tentou abrir a maçaneta e nada. A porta estava trancada por dentro. Forçou a porta. Kikyou nada dizia. Tentou manter a calma. Jogou-se contra a porta. Mais uma vez. E outra. Até o trinco ceder e a porta escancarar-se com um estrondo.

Gemidos roucos saíram de sua garganta. O ramalhete despencou de suas mãos, avermelhadas pelo tanto que batera. Seus olhos arregalaram-se, enquanto ele permanecia sem reação.

- Kik... – Foi o máximo que conseguira dizer, ao ver a jovem, que deveria receber as flores, sorrir e perguntar sobre o convite para sair estava encostada em um canto do banheiro de azulejos brancos, que as poucos tingiam-se de escarlate. O transe que o dominara passou, enquanto ele corria até Kikyou, abraçava-a e sacudia a jovem pálida.

- Kikyou... – Ele chamava desesperado r...

Passou alguns segundos implorando para que ela respondesse. Mas nada.

- Kikyou, por favor... – Ele sorria, meio incrédulo de que aquilo estivesse realmente acontecendo – Você não pode morrer...

Kikyou permanecia muda. Seus olhos castanhos entreabertos mantinham um rastro de lágrimas.

- Meu amor... – Ele soluçou. Não era um pesadelo, ou uma piada de humor negro de Kikyou. Ele chorou, enquanto abraçava-a. Um grito ecoou entre aquelas paredes brancas, que testemunharam tudo. 'Por quê?' Ele perguntou. Quem mais tinha o direito de saber do que ele?'Eu te amo' Murmurou baixinho. Mas ela já não mais podia ouvi-lo.

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Sesshoumaru recordava-se dos acontecimentos de meses antes, distraído. Estava sentado numa cadeira, na creche onde Kikyou costumava trabalhar e vez ou outra o levava junto. Estava totalmente alheio ao alvoroço das crianças naquele mundo de paredes amarelas. Riam, enquanto desenhavam distraídas, comparando seus desenhos com os dos outros colegas. Ele gostava de ir lá, e as crianças também gostavam. Quando não muito ocupado, ele podia pensar. Não que conversasse com alguém, mas o suicídio de Kikyou ainda era um enigma de em sua mente. Não podia ser por falta de amor. Ele a amava, certo? Nem por falta de amigos, como ele próprio lembrava-se de ter dito a ela... Então...?

- Senhor Sesshoumaru. – Uma voz doce e infantil preencheu seus ouvidos. Ele baixou os olhos, como se tivesse voltado para a Terra. Um par de brilhantes olhos castanhos o recebeu, com um sorriso. Era Rin. Uma menina de cerca de cinco anos, que ele e Kikyou adoravam. Era alegre, jovial, feliz. Quando a esterilidade de Kikyou fora descoberta, ela havia se tornado a principal – e praticamente única – opção para adoção. Ele sorriu para a menina.

- Sim, Rin? Diga.

A menina mordeu os lábios de empolgação. Ergueu uma folha de papel na direção de Sesshoumaru.

Os traços não eram perfeitos. No desenho, um anjo de cabelos negros sorria e acenava. Suas asas eram disformes e usava uma túnica azul. Ele sorriu novamente. Era Kikyou.

- Que bonito, Rin. – Ele disse, com um sorriso gentil para a menina – Foi você mesma quem fez?

- Fui! – Exclamou com orgulho. Seus olhos brilharam com o elogio – Eu sonhei com a Senhorita Kikyou essa noite! Ela era o anjo mais bonito de todos os anjos de 'toooodo' o céu! – A menina escancarou os braços, para dar uma idéia de proporção.

Sesshoumaru alisou a cabeça da menina. Que riu, feliz com o carinho.

- Quem sabe ela pousa na sua janela essa noite? Junto com todos os anjos do céu?

Mais uma vez, os olhos da menina cintilaram como estrelas, com a possibilidade de uma visita de anjos. De repente, seu sorriso desapareceu.

- Mas aí as meninas vão acordar, e vão ver os meus anjos e querer pegar para elas! – A menina reclamou. Sesshoumaru soltou uma risada.

- E para quê você quer tantos anjos, menina?

- Para virar 'anja'! – Ela disse, surpresa com a pergunta que parecia tão óbvia – Se cada anjo me der uma pena de sua asa, eu posso montar as minhas próprias asas!

Sesshoumaru sorriu novamente. A ingenuidade da menina tocava-o no fundo de sua alma. Ele observava-a, enquanto ela fazia gestos largos, caras e bocas para expressar seus pensamentos de forma clara.

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- E quando eu poderei voltar? – Kikyou perguntou, livrando-se da vertigem que a invadira.

- Agora. – Lúcifer disse. Kikyou arqueou uma sobrancelha

- O que eu mencionei sobre 'ser um demônio, poder ir e vir em quaisquer planos' é válido. Você pode ir para a Terra a partir desse exato momento, sem ser vista. Mas o estado material de uma hora começará apenas no instante em que você morreu. O que deve acontecer daqui a cerca de... – Ele fingiu contar, depois sorriu – Vinte minutos.

Passaram alguns segundos de silêncio. Kikyou girou os olhos, impaciente.

- ... Então? – Perguntou

Lúcifer riu. Ergueu o dedo indicador na direção dela.

- Vá. – Kikyou sentiu seu corpo ser tragado para trás, enquanto a gargalhada de Lúcifer ecoava em seus ouvidos. Era como uma queda, e ela mal podia abrir os olhos.

Finalmente parou. Sentiu que iria tombar, quando seus pés bruscamente tocaram o chão. Estava na Terra.

Caminhou em passos lentos. Estava num lugar demasiadamente conhecido e extremamente diferente. Tudo havia mudado, e ao mesmo tempo, tudo estava igual. As cercas em torno das pequenas árvores da calçada, as crianças que corriam felizes com balões em suas mãos. Os executivos que fugiam de seus escritórios para tomarem café...

Ela fechou os olhos. Sentia um certo calor em sua nuca. Em sua mente, pôde ouvir uma voz, uma prece. Era uma voz feminina, delicada.

'...E cuide da Senhorita Kikyou, que agora é um anjo seu. Não sei se o Senhor deixa, mas quando eu virar anjo, eu quero que ela seja minha mãe. Amém. '

Ela sorriu. Era a voz de Rin, orando por ela. Numa fração de segundo, Kikyou pôde transportar-se para onde Rin estava. A menina subia na cama, iluminada por um feixe pálido de luz que vinha da Lua. Deitou-se e cobriu-se até os ombros. Olhou perdida e esperançosa, para a janela à sua frente. Suspirou, fechou os olhos e acabou por adormecer.

Kikyou sentou-se ao lado da menina. Ela podia sentir a face macia da menina, mas sabia que esta não poderia senti-la, ou vê-la. Suspirou.

Em sua mente, projetaram-se imagens das coisas em que Rin pensara com veemência antes de adormecer. Ela viu a si mesma, voando, célere como um pássaro no céu azul. Atrás de si, vinham vários outros anjos. Sorriu, melancolicamente. Ela nunca pertenceria àquele mundo.

A menina sorriu adormecida. Sonhava com o grupo de anjos que a levaria para o céu, como um deles. De onde ela veria as pessoas na rua como pequenas formigas. De onde ela pularia para os braços de Kikyou, de quem sentia tanta saudade.

Kikyou baixou os olhos para a luz gélida da Lua que se desenhava no chão. Fazia um certo tempo que não se lembrava daquele dia.

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Kikyou caiu de joelhos no assoalho. Olhou de olhos arregalados para Sesshoumaru, que já estava na entrada do apartamento, girando a maçaneta.

- Volte... – Ela murmurou, para si mesma.

Sesshoumaru atravessou a porta, fechando-a atrás de si.

- Eu suplico... – Ela implorou, com voz embargada, ainda como um sussurro - ...Por favor, não vá embora...

A porta foi fechada. Kikyou passou alguns instantes parada, olhando a porta fechada, sem saber o que fazer. Abraçou o próprio corpo e chorou, copiosamente. Seus soluços a enfraqueciam, seu corpo dobrava-se à medida que seu pranto mais rasgava sua alma. Passou bastante tempo assim. Até que seu choro consumisse todas as suas forças. Ela deitou-se de costas, com um olhar vago para o teto. Tudo estava acabado. As amigas a desprezavam. Ninguém a entendia. E 'ele', justo ele, a calmaria da tempestade em que sua vida havia se transformado a havia rejeitado também. A única razão que ela ainda possuía para permanecer naquele mundo podre era ele, e agora, ele não a amava mais.

Passou bastante tempo assim. Como uma estátua, de olhar frio e vago. A mente nublou-se totalmente por mágoas, enquanto as sombras pouco a pouco engoliam seu corpo. Já bastava. Ela havia se rendido naquela batalha que lutava sozinha. Ela caminhou em direção à porta. Na mesa da sala, ela abriu um pequeno estojo com o material que usava na faculdade. Retirou o canivete, e foi até o banheiro. Trancou a porta atrás de si, escorando-se momentaneamente contra essa mesma. Sentou-se em um dos cantos. Soluçou furiosamente mais uma vez, enquanto abria o canivete. Olhou por alguns segundos para a lâmina que subia. Ela merecia vergonha, e não piedade.

Soltou um gemido breve, quando fez o primeiro corte. Quem ela pensava que era para sentir dor? Fez o segundo. Pronto. Tudo havia acabado. Na sua mente, formou-se a imagem do olhar frio de Sesshoumaru pouco antes dele sair. Grossas lágrimas caíram de seus olhos. A luz branca do banheiro rapidamente foi se apagando. Logo, ela não via mais nada. Já não respirava. E pronto.

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Kikyou apertou com força um dos pulsos com a outra mão. Fúria. Era aquilo que a invadia quando pensava no dia de sua morte, não tristeza. Quantas e quantas vezes ela vira refletido naquele céu fantasioso do Inferno o que realmente Sesshoumaru estava pensando naquele dia? Ah, ele a amava? A maior culpa era dele. Ele a fizera sentir-se indesejada. Ele que dizia todos os dias que amava, para depois roubar-lhe tudo. Ele que destruíra tudo que antes lhe era sólido para depois se arrepender.

Ela fincou as unhas na colcha azulada de Rin.

'Ele era o responsável pela morte dela.'

Kikyou estacou. Sentiu um forte formigamento em cada canto do seu corpo. Inspirou profunda e desesperadamente, enquanto o ar retornava para seus pulmões. Ela não havia notado, mas seu tempo já havia começado.


... Convenhamos... Esse capítulo demorou mto .-. ... está enorme o.o... eu já acabeia fic toda mas só vou postar esse cap por enquanto n-n/ (se esconde das pedradas ;-;)

Bom, no final das contas, o bomé que finalmente eu voltei xD Estou com muitas histórias pendente o-O Comecei recentemente o tal Lucius/Narcissa que eu havia comentado, mas junto veio também um Bellatrix/Sirius que não está ajudando... E ainda falta tomar vergonha na cara e pôr 'O Alvorecer da Lua Morta' no mínimo em hiatus, caso eu não continue ou simplesmente delete 8D (so sad...)

Sweet Ruby Moon: Pois é, nunca mais verei esse filme novamente 99 (morre xD) Também gosto mto de Sess/Kik, já estava com idéia deles dois para outra fic. A fic tá toda na cabeça, mas eu não queria colocá-los nela pois já tá na hora de variar um pouquinho de InuYasha ;-; (so sad...) Fico feliz que você esteja gostando nn Continue lendo ò.Ó

Bom o.o... É isso 8D

Bai bai o/