A Influência do Profundo - Capítulo 1
Semanas se passaram desde que Zero pôs um fim à vida de Kagai. Os habitantes do planeta mal notaram o perigo que foi enfrentado, o distúrbio no planeta foi considerado um mero fenômeno natural que só pode ser visto uma vez na vida e outra na morte. Zen desapareceu e Seishiro voltou para casa, embora em uma feição preocupada. O que restou foi um novo andarilho: Zero.
A figura escarlate agora caminha na grama ao lado de uma longa estrada, sendo ultrapassado por cada veículo apressado que passa por ali. A cada novo dia ele sente sua essência sendo esmagada lenta e cruelmente por uma aura muito pesada, negra, maligna. Por isso encara com um vívido olhar o vento que desliza amigável pelo corpo e puxa com leveza seus cabelos, o confortável sopro apaga essa preocupação.
Finalmente, ao fim da manhã, Zero se depara com uma pequena cidade. Em sua entrada, ele encara um enorme painel eletrônico preso por dois pilares de concreto, com um "DGM" piscando em um desengonçado sorriso vermelho. Ignorando os traços estranhos, o reploid adentra ali calmamente.
Ao custo de quinze minutos de caminhada, ele chega ao centro da cidade e nota como ela, apesar de simples e pequena, tem vida: a cada segundo as ruas altamente iluminadas são atravessadas por homens e mulheres, todos em passos leves e não se preocupando com absolutamente nada senão seus assuntos pessoais, como se não houvesse mais nada ao redor. Uma cidade típica por seu movimento, mas, talvez, incomum por sua paz oculta. Andando sem rumo por entre os pedestres, Zero pára ao encontrar um beco limpo e bem iluminado, encostando-se em sua parede para descansar a mente e deixar o tempo fluir.
Ao cruzar os braços e repousar os olhos, uma voz alta e prepotente lhe chama atenção. Assim que olha, vê um adolescente de óculos escuros cheio de tatuagens pelo corpo, caminhando pela rua em um gigante sorriso, que ilustra seu senso, sem fundamento algum, de superioridade.
- Ahuahuahua... Meu, esse tal de Hayato não vai ter nem chance. Todo mundo sabe que eu sou o melhor lutador dessa cidade – O rapaz comenta com seus dois colegas, ainda com seu inabalável sorriso de triunfo, sem nem imaginar o que lhe espera.
Ainda sem parar de se vangloriar, em seus passos o lutador some de vista. Zero volta a descansar, um pouco decepcionado, mas sorrindo leve, sabe que não vai demorar a algo estranho acontecer. Nem se passam dois minutos e um seco ruído de pancada se alastra pelos quarteirões. Aquele mesmo adolescente volta todo o caminho, mas dessa vez correndo o máximo que pode, tropeçando e derrubando tudo que há na calçada, um desastre natural.
- SOCORRO, ELE É UM MONSTROOOOOOO! – Ele grita, enquanto corre e chora como uma garotinha implorando pela vida.
Zero olha profundamente indignado. Nisso outro rapaz, também correndo, pára ao lado do reploid, olhando com uma curiosa e desligada decepção o outro que foge desesperado.
- Ah qual é, eu nem tinha começado...! – Reclama, seguindo com um longo suspiro.
É um jovem japonês, trajando roupas negras coladas no corpo e com uma bandana metálica na testa para proteger o rosto e prender seus rígidos cabelos espetados. Por algum motivo, ele percebe algo em Zero e começa a fitá-lo, curioso. O reploid devolve o olhar, não deixando de reparar na cicatriz na pele do olho direito do rapaz.
- Hnnnnn – O japonês vai se aproximando do guerreiro, analisando-o com uma face de pouca preocupação.
Do nada ele se afasta e executa um movimento brusco, sem motivo aparente, bem mais rápido que um humano qualquer. Atento, Zero firma os olhos e move seu braço direito. No mesmo instante, a lâmina de seu sabre já está ativada, cintilando próxima ao pescoço do suspeito.
- Huh? Que eu fiz, tio? – Mesmo parando para não ter a cabeça decepada, o japonês continua tranqüilo.
- Quem é você? – Zero pergunta, seco.
- Eu sou Hayato Kanzaki! – Cruza os braços e responde.
O guerreiro escarlate fita Hayato com um olhar de poucos amigos, óbvio que para ele a resposta ficou incompleta. O japonês suspira e sorri.
- Eu sabia que você era especial! – Em uma incrível rapidez e agilidade, Kanzaki tira da cintura um cabo de espada. Uma lâmina, também de plasma, é utilizada para repelir o sabre de Zero. – Te desafio para um duelo! – O rapaz salta e avança no ar com um corte vertical, utilizando a katana de plasma.
Sem tempo a perder, o alvo remove sua capa e enrola no braço em um único giro, usando-a para bloquear o golpe. Assim que Hayato retorna ao chão, Zero não perde nem mais um segundo e avança contra seu oponente, puxando o Z-Saber e desferindo um amplo corte horizontal. O japonês, ao nível do reploid, salta para escapar e, ainda no ar, utiliza outro golpe com sua katana. Zero, acompanhando muito bem os movimentos, joga o braço direito para a diagonal. As duas lâminas se chocam, uma forte expansão de luz abraça os arredores. Enquanto os dois lutadores trocam golpes e formam profundas cicatrizes nas paredes do beco, uma multidão se aproxima fascinada, mas negando que exista alguém comparável ao gladiador japonês.
Ambos continuam incansáveis, guiando suas armas sem reclamação. Ao mesmo tempo em que atacam e bloqueiam um ao outro, em um poderoso salto sobem aos telhados da loja ao lado. O japonês continua sorridente e claramente satisfeito com o desafio, enquanto o reploid se sente estranho: há alguns minutos estava desconfiado e não queria lutar, mas, agora, sente que a cada golpe eles entendem mais um ao outro, como se fossem irmãos. Finalmente cedendo ao espírito de batalha de seu adversário, Zero sorri desafiador enquanto abaixa para evitar um corte horizontal, retribuindo com um corte ascendente que faz Hayato recuar em um longo salto. O japonês fica calmo, vendo que com o salto irá ganhar distância e tempo para revidar, mas é ai que, inesperadamente, se engana: o reploid vira um borrão no ar e desaparece, surgindo logo à sua frente para desferir outro golpe. A surpresa é grande, mas Hayato não se deixa abater: coloca sua katana no caminho do sabre e, nisso, ambos, ainda no ar, disputam suas forças, envoltos pela iluminação de um poderoso campo energético. Os guerreiros então se impulsionam para sentidos contrários, subindo aos céus ao mesmo tempo em que brandem suas lâminas. Nos próximos segundos, tudo que os espectadores podem ver são rastros de plasma em forma de corte se chocando e gerando fogos de artifício nunca antes vistos, possuidores de um brilho mágico. Para terminar, puxam as espadas e se encaram, deixando-se levar pela gravidade e concentrando as forças ocultas de suas armas, que ganham vida, agressividade, e crescem. Com a aproximação, um último golpe, um último brilho que envolve quarteirões, tudo sem tocarem o chão. Quando o sabre e katana estão desativadas, do telhado os guerreiros escutam centenas de palmas de pessoas fascinadas com a demonstração. Após um recíproco sorriso, Hayato estende a mão para Zero.
- Qual é o seu nome? – O japonês pergunta, observando Zero mexer o braço.
- Zero. – Responde, apertando a mão do outro.
- Zero... Hnnn... Cara, você é muito bom!
- Você também não é nada mau.
O rapaz continua olhando e sorrindo para o reploid, sem soltar-lhe a mão. Zero fita-o, impaciente. De repente, Hayato aproxima o rosto, curioso.
- Nossa Zero... Você é muito tenso... – Irritante sem se dar conta, ou talvez bem ciente disso, faz o comentário enquanto cutuca com o dedo as ombreiras do guerreiro escarlate.
Zero quase o derruba com o olhar, soltando-se com força e indo para a borda do telhado. Ao mesmo tempo em que desce, desenrola a capa e a joga sobre o corpo. Enquanto ele parte, Hayato o observa do telhado, intrigado.
Quando a noite cai, Zero está em um outro beco, sentado em um canto tomado pelo falso conforto da escuridão. Há pouco, uma dor terrível começou a se alastrar por cada ponto de seu corpo, como se algo lhe estivesse confiscando a consciência. Para resistir a tamanho sofrimento, ele encolhe-se e agarra firme em si mesmo, ocultando um olhar já sem vida. Vozes frias, indecifráveis, mas notoriamente irônicas, ecoam por todas as direções de sua cabeça, perto de lhe entregarem um convite à loucura. Tremendo em semelhança a uma vara verde, ele sente que vai ceder.
Neste mesmo momento, Hayato se encontra caminhando pelas calçadas, sem nada de produtivo ou interessante para fazer. Tomado por tranqüilidade e distração, o repentino barulho de uma explosão de susto derruba o jovem na calçada. Como para qualquer um, até mesmo para ele, isso não é algo com que se brinque, ele se ergue o mais rápido que pode e corre em disparada para onde a voz do caos se expandiu, à dois quarteirões dali.
Lá, ele apenas vê os últimos estalos de vida de uma loja, consumida por chamas gigantes, mas, por milagre, ausente de vítimas. De repente, os destroços do local se erguem e voam pelas ruas, desintegrando-se enquanto uma imagem negra vai caminhando para fora do fogo, que arde em violência total. Um ser de armadura idêntica à de Zero, porém tão negra quanto a mais fria das sombras, fita Hayato com seus olhos assassinos reluzindo em um forte vermelho-sangue.
