- Estás a gozar?

- Não estou, não!

- Leon, sabes que monstros não existem!

- Então o que é que eu vi ontem à noite? Um cão que comeu demasiada sopa?

- Sei lá, um lobo muito grande, ou algo assim…

- Sim, mas eu nunca ouvi falar de lobos que tentam arrombar portas aos encontrões!

- Sim, está bem…

Leon estava no Templo com Anne, e tentava explicar-lhe o que tinha acontecido, mas Anne não acreditava que um monstro peludo e enorme tivesse atacado Leon num dos seus momentos íntimos.

- Se não acreditas, olha para a Danielle – teimou ele.

Danielle também estava chocada. Encontrava-se muito calada e sempre perto de grupos grandes, mesmo que não os conhecesse de lado nenhum. O que se tinha passado na noite anterior não a magoara fisicamente, mas tinha deixado marcas profundas na sua mente. Tudo aquilo que ela combateu quando era pequena, quando tinha medo de olhar para debaixo da cama, todo o seu receio do escuro, tudo tinha desaparecido quando a finalmente convenceram de que monstros não existiam. Mas, após o sucedido, tudo tinha mudado para ela.

- Ok, ela está um pouco transtornada. E depois?

- Tu estás é com ciúmes de eu ter começado a andar com ela sem te dizer nada!

- Pronto, lá estás tu com essa treta dos ciúmes! Estou farta de ti! Achas que lá por seres o gajo "todo bom" da escola que toda a gente tem de ter inveja da Danielle, ou ciúmes? Eu só te digo uma coisa: ESTOU FARTA!

E, após ter gritado, Anne afastou-se rapidamente, lançando olhares irados a todos por quem passava.

Leon suspirou. Já não era a primeira vez que eles se zangavam, mas também não iria ser a última. Lembrou-se da última vez que se tinham chateado. Anne tinha nas mãos o trabalho de biologia, que consistia numa réplica exacta dos órgãos reprodutores das plantas, em vidro, e vinha a conversar com Leon. De repente, Danielle surgiu vinda do nada e saltou para o colo de Leon, que se desequilibrou e agarrou o braço de Anne, que também caiu. Os 25 minutos seguintes foram passados a apanhar todos os cacos de vidro que estavam espalhados pelo corredor, uma vez que os estames não aguentaram o choque.

Um grito agudo e perturbador acordou Leon para o presente. Levantou-se e tentou descobrir a origem do grito, assim como o seu motivo. Não foi difícil.

Parecia que todos os estudantes estavam fora das salas, correndo e gritando. Uma massa de corpos saía do edifício 1, que continha a maior parte das salas. Então, Leon viu muitos deles a apontarem para as janelas. E foi então que ele viu.

Criaturas semelhantes àquela que ele e Danielle tinham enfrentado na noite anterior andavam pelas paredes e saltavam pelas janelas, como insectos grandes e peludos.

Leon correu para o portão da escola, procurando fugir, mas encontrou-os fechados e trancados.

Do lado de fora, um homem com cabelo e olhos azuis observava as caras de pânico dos alunos com uma cara divertida, como se tudo aquilo fosse uma piada. Rodava nas mãos um porta-chaves.

Leon empurrou e foi empurrado até chegar ao portão.

- Hey, o que raio estás tu a fazer? Dá cá a chave!

O homem olhou para ele, com uma expressão de delicada incredulidade.

- Só tu é que sais.

- Não. Se é a mim que tu queres, tens de nos salvar a todos!

- Pois, pois. Já sabia. És tão previsível! – Comentou o homem. Sabes, é que eu tenho algo aqui que é capaz de te fazer mudar de opinião.

E Leon viu-as. Danielle e Anna estavam amarradas a um poste.

- Se as queres salvar, só tu é que sais – foi a proposta do homem.

Leon não tinha escolha.

- Ok.

O homem aproximou-se e abriu o portão apenas o suficiente para uma pessoa passar. Leon passou pela abertura e o homem trancou de novo a porta.

- Bem…

O homem ergueu a mão esquerda, na qual estavam gravadas nas costas da mão umas runas que Leon nunca tivera visto.

Imediatamente Leon flutuou, preso por uma força invisível e poderosa.

- Agora, vê! Vê as consequências da sua decisão!

As criaturas tinham finalmente chegado aos estudantes. Leon fechou os olhos, mas a força invisível fê-lo abri-los. Era uma visão aterradora. As criaturas não demonstravam misericórdia por ninguém. O sangue escorria pelo chão. Corpos dilacerados, tanto pelas garras como pelas presas das criaturas, estavam espalhados pelo chão, uns sem vida, outros ainda a se mexerem, mas todos eles rendidos ao seu destino. A morte.


Do topo do edifício, o homem de cabelo vermelho estava de pé no centro de um símbolo pintado a vermelho no chão. Estava completamente nu. Uma tatuagem vermelha e laranja, representando um dragão, espalhava-se por todo o seu corpo, desde a nuca, enrolando-se pelo torso, e terminando no seu pé esquerdo. A tatuagem brilhava, como se estivesse em fogo.

E então, o homem disse:

Que o sangue dos inocentes

Percorra o meu espírito

Enchendo de ódio e medo

Todas as minhas mentes

Eu juro a Kaedo

Que pelo sangue iniciada

Pelo sangue será terminada.

Ao longe, na escola, os corpos dos estudantes chacinados desfaziam-se em pó vermelho, que se reunia num único tentáculo de poeira. Esse tentáculo unia a entrada da escola ao corpo do homem, enchendo todo o ar por onde passava de um cheiro sangrento. A tatuagem do homem brilhou, e tornou-se ligeiramente mais nítida. O dragão que a tatuagem representava expirou uma nuvem de fumo negro e uma das suas garras saltou do corpo do homem, que apenas disse:

- Longa vida à morte.