SEGUNDA CHANCE

CAPÍTULO 2:

Eram mais ou menos quatro horas da tarde quando Isaak subiu em seu barco carregando suas sacolas de compras. Havia demorado mais que o costume e por isso estava mal humorado, não teria muito tempo para continuar a trabalhar no motor velho do barco.

Quando comprou aquela "banheira velha flutuante" , como o antigo proprietário costumava chamar o barco, sabia que pelo preço baixo teria que fazer muitos reparos. Mas não reclamava. Até gostava de trabalhar em "sua casa" para deixá-la do jeito que queria.

Colocou os mantimentos sobre a pequena pia e escutou um choro baixinho. Quem seria? Procurando escutar de onde vinha o som, contornou a sala de armazenagem e viu agachada em um canto do convéns uma menininha de cabelos negros. Era Laura!

"Laura?" -ele a chamou e a menina ergueu a cabeça, mostrando os olhos inchados de tanto chorar. Isaak se abaixou e ficou diante dela, e reparou que ela estava com um olho roxo.- "O que houve? Quem te bateu?"

"Eu briguei na escola." -ela disse, fungando e limpando os olhos na manga da blusa.- "Eu bati em Sam Morgan hoje na escola!"

"Sam Morgan?" -ele espantou-se, o menino era da quinta série e mais alto, e gordo, que Laura.

"E mordi nele também." -ela continuou.- "E soquei a fuça dele!"

"Laura...por que?" -ele tentou aparentar ser sério, mas teve vontade de rir. Sam Morgan era um pivete que ninguém suportava de tão chato e mimado. E apanhou de uma menininha!

"Ele me chamou de esquisita...e disse que era maluca e...disse umas coisas feias sobre a tia Isabella...aí, fiquei brava!"

"As pessoas quando querem nos provocar dizem coisas sem pensar." -ele sentou-se ao lado dela.- "O que a sua tia acha disso?"

"Num sei...ela vai ficar brava quando me encontrar."

"Você...fugiu?"

"Sim...fiquei com medo e não esperei ela na escola. Como ela me pediu..." -a menina abaixou a cabeça e começou a chorar.- "E se ela ficar tão braba comigo e não gostar mais de mim? E me deixar sozinha?"

"Ei, ei." -ele protestou.- "Ela nunca faria isso! Sua tia pode ser chata, mas ela ama você! Nunca vai deixá-la sozinha!"

"Mas todos me deixaram...papai e mamãe morreram...e se um dia você for embora?" -ela o olha.- "Tá consertando o barco, mas quando terminar, você vai embora, não vai?"

"Eu...eu não sei.." -ele coçou a cabeça sem graça.

"Num quero que você vai embora."-ela disse triste.-"E nem a tia Isabella quer."

"Há..."-ele riu.-"Sua tia não gosta de mim. Ficaria até feliz se me visse pelas costas!"

"Não é verdade!"-a menina falou séria.-"Ouvi ela conversando com a Pansey...ela disse que te acha bonito!"

"Me acha bonito?"-ele surpreendeu-se e colocou a mão sobre o tapa-olho. Não se considerava bonito por causa da cicatriz.

"É..."-a menina olhou para os próprios pés.

Ficaram em silêncio e depois ele perguntou.

"Com fome?"

A lua já iluminava o céu e estava refletida nas águas do mar. O barco balançava como se estivesse tentando romper as amarras que o seguravam no cais e escapar para o alto mar.

As crianças haviam dito a Isabella que viram Laura indo nessa direção depois da briga na escola e de ter fugido. E conhecendo a menina, estava exatamente naquele barco. Caminhou decidida em direção ao barco, mas parou quando viu um homem aparecer no convés.

Hesitou um momento.

"Pretende passar a noite toda aí olhando?"-Isaak perguntou, apoiando os braços no parapeito do convés.

De onde estava, Isabella podia vê-lo muito bem. Os cabelos claros e rebeldes. O rosto atraente, usava uma camiseta branca que mostrava seus músculos fortes.

"Não vai responder?"

"Desculpe."-ela disse por fim, sua voz saiu preocupada.-"Laura está aí?"

"Sim. Suba!"

O sorriso dele a embaraçava, Isabella subiu com cuidado.

"Onde ela está?"

"Ela está dormindo."-ele respondeu com uma incrível calma.-"Depois que comemos minha lasagna congelada, devidamente esquentada no microondas, ela deitou-se na cama e dormiu. Estava exausta!"

"Ela deve ir para casa agora!"

"Isabella..."

Era a primeira vez que ele a chamara pelo primeiro nome e isso a desconcertou.

"Ela está cansada. Brigou na escola! Deixe-a descansar um pouco."

Isabella suspirou, ele tinha razão.Olhou para ele, estava sorrindo. O sorriso dele era provocante, e Isabella teve vontade de lhe dar um tapa. Estava muito preocupada com Laura, aflita pra ser mais exata e ele estava rindo.

"Quer tomar algo?"

"Gostaria de beber água."-disse seguindo-o, mas mantendo-se séria.-"O que Laura lhe disse sobre a briga na escola?"

"Não me disse muita coisa. Apenas que bateu em Sam Morgan."-eles entraram na cozinha e ele lhe serviu água.-"E pelo o que ela me disse, foi uma surra bem merecida!"

"Ela é uma menina!"-Isabella nem tocou na água e colocou o copo na pia.-"Não deveria ficar brigando como se fosse um moleque de rua!"

"Tem razão! Mas tem que admitir que a menina tem uma personalidade forte!"

Ela suspirou, e olhou desanimada para um ponto qualquer na pequena cozinha.

"Obrigada senhor Kolehmainen, por ter cuidado de Laura."

"Foi um prazer, pode ter certeza disso. Mas me chame de Isaak, por favor!"-ele encostou-se ao seu lado.-"Achei que depois do que houve hoje de manhã, você passaria a me tratar com menos formalidade."

"Como?"-ela se virou para ele.

"O nosso encontro."-ele sorriu.-"O Baile no Centro Comunitário!"

"Não me lembro se havia dito que era um encontro!"-ela ficou incomodada pela aproximação dele.

"Então...um passeio entre amigos."-ele completou após um breve silêncio.-"Reparou em algo?"

"O que?"

"É a primeira vez que conversamos sem brigarmos!"-ele sorriu.-"Desde que vim para cá, sempre que trocamos algumas palavras, acabávamos discutindo! Cheguei a pensar que não me suportava!"

"Não sei de onde tirou a idéia de que não o suporto!"-ela replicou.-"É uma pessoa boa, senão Laura não se simpatizaria tanto com você! Ela tem a capacidade de enxergar o melhor de cada pessoa!"

Ele não disse nada, ficou apenas fitando o chão como se refletisse o que ela havia dito. Ele não era uma boa pessoa! Por sua causa, muitas pessoas sofreram...inclusive Laura e Isabella.

"Posso te perguntar algo?"-Isabella disse de repente.-"Não vai se ofender?"

"Claro!"

"O...seu olho? Como foi que..."

"Que me machuquei?"-ele tocou no tapa olho, o sorriso sumira.-"Foi salvando um idiota de morrer afogado!"

"Desculpe, não queria ser indelicada! Acho melhor chamar Laura."

"Tudo bem!"-ele voltou a sorrir.-"O idiota era meu amigo! Não podia deixá-lo morrer, não é mesmo?"

"Então, Laura estava certa!"-ela retribuiu o sorriso.-"Você é legal!"

"Eu sou legal?"

"Foram as palavras dela!"-ela então reparou em algo, conversavam como se fossem velhos amigos.

Se fosse há alguns meses atrás, diria que esse quadro era impossível de ser imaginado.

"Lamento pelo incômodo que Laura possa ter causado."

"Nem pense nisso."-ele disse.

"Acho melhor acordá-la."

Isaak a surpreendeu ao tocar de leve seu rosto. No momento, seu olhar intenso a deixou imóvel. Queria se afastar daquele homem, mas algo a impedia.

"Parece ansiosa em ir embora."

"Não quero atrapalhar nada! Talvez queira descansar depois de um dia de trabalho e..."-Laura apareceu, esfregando os olhos sonolenta.-"Laura! Fiquei preocupada com você!"

"Desculpe tia Isabella."-a menina fez cara de choro.-"A senhora está brava comigo?"

"Não, não estou."-ela olhou para Isaak e disse.-"Vamos conversar sobre isso em casa, está bem?"

"Amanhã a gente ia nadar na praia pra senhora me ajudar com o trabalho da escola depois da aula. Vou ficar de castigo?"-perguntou ansiosa.

"A sua sorte é que é um trabalho de escola, senão estaria de castigo sim!"-ela levantou-se e colocou as mãos na cintura.-"Pegue suas coisas, vamos embora."

"Tá...o Isaak pode ir? Ele disse que ia me ajudar no dever de casa!"-os olhos dela brilharam ansiosos.

"Eu não sei...ele deve ter muito trabalho!"-pediu intimamente que ele não pudesse ir.

"Não tenho não!"-ele disse.-"Posso ir?"

Isabella não acreditava nisso. Ele se convidou!

"Claro!"-não teve muita alternativa.-"Três e meia passamos aqui!"

"Legal!"-disse a menina, indo buscar sua mochila e skate.

"Não precisava se incomodar e ..."

"Será um prazer!"-ele respondeu.

"Por que me olha assim, Isaak?"-perguntou nervosa pela maneira que ele a olhava.-"Não gosto disso! Nem as pessoas que são minhas amigas me olham assim!"

"Estava reparando em seu olhar!"

"No meu olhar?"-ela não entendeu.-"Não há nada de diferente nele!"

"Será? E por que parece que me olha como se estivesse interessada em algo mais do que uma amizade?"

"Está delirando!"

Isaak inclinou-se e deu-lhe um beijo rápido nos lábios.

"Ficou louco!"

"Não. E não é a primeira que me diz isso! Apenas tive vontade de beijá-la."

"Que isso não se repita!"-disse furiosa.

Assim que Laura apareceu, Isabella a pegou pela mão e foi saindo.

"Tchau Isaak!"-a menina acenou.

"Tchau...e até amanhã no pic-nic na praia! Certo, Isabella?"

Isabella suspirou exasperada. Desejou retrucar mais uma vez, mas decidiu ficar calada. Não queria que ele percebesse o quanto ficou perturbada pelo beijo.

E Isaak ficou parado no convés observando as duas sumirem na rua. O que deu nele? Não costumava agir dessa maneira com uma mulher! Mas o fato é que as palavras de Laura o estimularam, ficou feliz em saber que Isabella o achava bonito! E não resistiu a tentação de beijá-la! O que será que sentia por ela? Atração ou algo mais?

Continua...