Capítulo 1 - Desaparecida.

Em meio ao entorpecimento da semiconsciência, a única coisa que pudera distinguir fora a dor excruciante em todo o corpo. O ar fugia de seus pulmões à medida em que o torpor se dissipava e seu sofrimento se intensificava. A cabeça era o que mais lhe doía, não conseguia formar um único pensamento coerente.

Com extremo esforço, moveu as pálpebras. A visão embaçada, mesclada à escuridão, impediram-na de reconhecer qualquer coisa ao redor. Piscou algumas vezes, mas a falta de qualquer luminosidade a impossibilitou de definir o lugar onde se encontrava.

Podia sentir o solo de pedra duro e frio sob suas costas, o ar úmido e um odor musgoso. Ouviu próximo a si um som constante de gotas pingando ao chão. Tentou se virar, mas não conseguia nem respirar regularmente, quanto mais se mover. O ambiente gelado se assemelhava às masmorras de Hogwarts.

Aos poucos, o sentimento de confusão foi dando lugar às lembranças dos acontecimentos recentes.


Dias Antes...

Hermione Granger encontrava-se, no momento, em um congresso de odontologia. Ao lado de sua mãe, que palestrara no dia anterior, assistia a uma palestra ministrada por seu pai.

Sua função como auror consumia todo o seu tempo. Ser uma agente do Ministério da Magia era uma carreira complexa, a qual se dedicava com afinco. Sempre fora uma pessoa que empenhara-se ao máximo no que fazia, dedicando-se integralmente; tanto que até se esquecia de sua vida fora do trabalho. Harry e Rony eram os únicos amigos dos tempos de Hogwarts que ainda mantinham algum contato que não fosse por correspondência bruxa.

Todos ficaram muito abalados após a guerra, embora tenham vencido e Harry tenha finalmente derrotado Voldemort. Perderam muitos amigos, entre eles, Dumbledore. Hogwarts não fora mais a mesma após a morte do velho bruxo, embora a Profª McGonagall tenha sido uma diretora tão distinta quanto seu antecessor. Seus sexto e sétimo anos foram os mais conturbados de todos, mas passaram, enfim. Guardara boas lembranças.

Estava há muito tempo sem ver os pais. Por isso aceitara o convite para acompanhá-los quando, em uma das ligações semanais, sua mãe mencionara a convenção anual em Nova York, da qual seus pais participavam todos os anos.

E ali estava ela, após pedir uma semana de dispensa ao Ministério.

Depois da conferência, seu pai fora convidado a se juntar com colegas de profissão para uns drinks. Hermione aceitou a sugestão de sua mãe para jantarem no restaurante do hotel.

Depois de uma refeição agradável, a jovem resolveu que deveria descansar um pouco, já que retornariam a Londres na manhã seguinte.

Enquanto caminhava pelo hall bem harmonizado e iluminado, a moça sentiu de novo uma sensação esquisita de arrepio na base da nuca, a mesma que sentira enquanto ouvia seu pai mais cedo.

Estava ficando paranóica. Devia ser o cansaço.


Hospedara-se há três dias no resort. Não estava se divertindo. Observar o alvo era sua única função no momento. Não entendia como alguém poderia assistir, sem dormir, aquelas palestras entediantes. Tomar uns drinks no bar do hotel estava fora de questão. Tinha que ficar de olho nela até aquela chatice terminar. Pelo menos a garota era bonita... Poderia ser pior... Ter de ficar vigiando uma baranga por dias seguidos.

David era um tédio só. Ficava 24 horas por dia trancado naquele quarto, examinando aqueles malditos arquivos. O cara já devia ter gravado na memória até a cor da calcinha da guria! "Pensando bem, não me importaria de ter essa informação", sorriu, maliciosamente.

A dissertação, enfim, terminou, para seu máximo alívio. Os espectadores iam levantando-se e retirando-se aos poucos do espaçoso salão, pelas grandes portas duplas localizadas próximas do lado esquerdo do palco. Ouvia murmúrios contidos e pedaços de conversas dos mais próximos, grupos que dialogavam enquanto se dirigiam para a saída. Mas sua atenção estava focada nas duas mulheres, que ele seguia de uma distância segura.


O ex-Mestre de Poções, que há dois anos deixara de lecionar em Hogwarts, permanecia acomodado na cadeira de espaldar alto. O amplo escritório mostrava uma decoração refinada.

O ex-professor mantinha um olhar vago, não focando nenhum ponto específico do cômodo. Parecia perdido em pensamentos, no vazio frio que se tornara sua alma.

O bruxo voltara a residir na Mansão Snape. Tinha que conviver com seus demônios de qualquer forma, não adiantara fugir de seu passado; da dor, humilhação e solidão que vivera naquela casa; do dia em que resolvera abraçar a escuridão e servi-la. Voldemort podia ter perdido sua batalha contra o bem e morrido pelas mãos de Potter, mas vencera seu ex-Comensal quando o obrigara a matar a única pessoa que lhe estendera a mão. Dumbledore lhe dera o benefício da confiança e Snape confiara sua vida ao bruxo, que fora o mais próximo de uma família que o Mestre de Poções tivera.

Severus lembrava-se vividamente. O filho de James Potter estava em seu quinto ano na Escola de Magia e Bruxaria quando os indícios de que você-sabe-quem estava se reerguendo rapidamente, e convocando seu séquito de seguidores, começavam a se manifestar.

A sensação era de que a escuridão se apossava do mundo; o mal se alastrando, conforme a intensidade do poder de Voldemort crescia.

Ganância; corrupção; atentados. A violência da humanidade alcançando extremos. Muito ódio, frieza e crueldade. Horrores cometidos contra inocentes. Não pairavam dúvidas sobre a influência do Lord das Trevas.

O coração humano, quando aberto para o mal, é facilmente manipulável, e os mundos, tanto o bruxo quanto o trouxa, estavam se deixando levar pelas sombras.

Harry também estava caindo, deixando-se dominar por sentimentos sombrios, afastando-se de Gina e de seus amigos. Ele havia perdido Sirius em seu quinto ano e Dumbledore no seguinte. Pensara não ter muitos motivos para lutar contra o ódio que crescia em si, nem contra a intenção de vingança inconseqüente.

Então, o garoto se lembrou, com pesar, da devoção de seu pai à sua família, tentando protegê-los; do amor de sua mãe ao sacrificar-se por ele; de Sirius; de Dumbledore; do acolhimento dos Weasleys; de Neville Longbottom e seus pais semi-mortos; de seus amigos, que também viam seus destinos entrelaçados com aquela guerra, e contavam com ele. Lutando por um futuro, um futuro do qual ele também queria participar, com ela. O que aconteceria com Gina se ele não assegurasse que existiria um futuro? Ele a amava! Sentiu-se egoísta por pensar apenas em sua dor.

Por ela, por seus amigos, por todos que se sacrificaram e ainda se sacrificariam naquele confronto.

E fora isso que derrotara para sempre Tom Riddle; esperança, lealdade e amor. De todos que se importavam.

Snape mantivera-se recluso desde então, depois de terminado esse interlúdio.

Estando dominado a maior parte do tempo, não pudera fazer muito para saldar sua dívida de vida com James Potter, e sendo uma dívida bruxa o que o mantinha preso ao filho de Potter, ele estaria preso ao moleque até pagá-la, já que não podia retribuir pessoalmente a um morto. O fedelho estava vivo. Teria chance de pagar algum dia. Era uma questão de honra bruxa.


Um homem distintamente vestido em um terno de corte impecável, sentou-se, só, a uma mesa do requintado restaurante. Sentiu a aproximação do maître que lhe ofereceu a carta. Ele fez o pedido rapidamente, concentrado na mesa a uma distância bem mais que confortável da sua, onde duas mulheres conversavam distraidamente e também faziam seus pedidos.

Estava terminando seu café, quando notou que concluíam o jantar. Após pagar a conta, retirou-se em direção ao hall e postou-se em um local onde poderia observar os elevadores. Avistou a moça caminhar para o local observado. Tirou o celular do bolso interno do sobretudo escuro. Esperou e depois de dois toques, ouviu a voz fria atender do outro lado.

- Ela está subindo.

Ouviu um clique.

- Que cara antipático! Desligou na minha cara!


Em frente à porta de sua suíte, após ter certeza de que não havia ninguém espiando, recitou o feitiço que destravaria a segurança do quarto. Cuidado nunca seria demais.

Já em suas acomodações, após as abluções noturnas, preparou-se para dormir.

Inconscientemente vinha rememorando as poucas aulas de Adivinhação que tivera. Ela nunca apreciara o curso, sempre considerara Profª. Trelawney uma farsante, tanto que o abandonara, porém, uma vez aprendido algo, ela não o esquecia. Podia se lembrar da Profª. Trelawney lecionando sobre os tipos de sonhos e seus significados. Contudo, não conseguira classificar o sonho estranho que tivera na primeira noite, quando se instalara no resort, mas lembrara-se dele com freqüência durante os próximos dois dias de estadia. Não entendia a necessidade que tinha de reconhecer a face do homem de cabelos negros. Sua mente lógica analisou a situação por um ângulo prático: deveria ser uma manifestação tardia de toda a tensão que sofrera com o temor por todos que amava.

Era melhor esquecer, e tentar descansar. Voltaria para casa na manhã seguinte. Usaria o último dia de sua licença para recuperar o ânimo e então voltar a aturar os desmandos do ministro, quando retornasse a sua função, no início da semana.

Quando finalmente deitou a cabeça sobre o travesseiro, suspirou de alívio. Estava realmente exausta.

Em pouco tempo, entrava inconsciente no Mundo dos Sonhos. Seu corpo totalmente relaxado e ela indefesa, desavisada para o perigo.

Desde que Hermione entrara no quarto, olhos tediosos analisavam sua jovem presa, que se deslocava inadvertida pelos próprios aposentos, alheia ao perigo que a espreitava.

Com passos silenciosos e estudados, igualáveis aos de um felino, o vulto aproximou-se do leito. A bruxa já dormia há algum tempo e ele esperara pacientemente pelo momento certo. Ouviu a respiração suave e regular que indicava um sono tranqüilo, mas não por muito tempo.

Sem perder tempo, pressionou um pano macio contra as narinas e boca da garota adormecida, que após vários segundos acordou sobressaltada devido ao corte brusco de oxigênio. O tecido fora embebido em uma poção especial, semelhante ao clorofôrmio trouxa, com a vantagem de ser mais forte.

Com o reflexo natural de uma agente treinada pelo Ministério, Hermione tentou deslizar a mão para baixo do travesseiro, onde sua varinha se encontrava. Sua mente deturpada agira mais rápido que seu corpo, pois notara que seus movimentos estavam lentos, certamente um efeito causado pelo lenço branco, impregnado com uma substância nociva, que seu atacante trazia nas mãos e que continuava comprimido contra seu nariz e boca.

O atacante entendeu sua falha tentativa de movimento e percebeu seu intento. Segurou seus pulsos, sem grande dificuldade, e só então a jovem auror fitou o rosto de seu agressor. Ele trajava-se inteiramente de negro, nenhum pedaço de pele exposta. Vestia uma capa com capuz. Não conseguiu ver nada de seu rosto. Sua face estava oculta pelas sombras, e ela enxergou somente o vazio da escuridão.

Antes que a garota soubesse até mesmo o que lhe aconteceria, retornava à inconsciência. Dessa vez, a um sono forçado e nulo, distinto do sono natural, agradável e regenerador, que promovem sonhos tranqüilos.

A figura alta e elegante sobressaía acima do corpo inerte da moça. Abaixou-se e com um esgar de asco levantou-a em seus braços.


Sempre fora atormentado por sonhos terríveis. Quando em casa, nas férias ou nos feriados natalinos, seu sono era uma interminável cadeia de cochilos interrompidos pelo menor dos ruídos. Então, geralmente demorava até se deixar levar novamente pelo Homem da Areia, para o Mundo dos Sonhos. A expectativa apavorante de que ele pudesse entrar em seu quarto e castigá-lo, como na maioria das noites em que bebia, era o suficiente para mantê-lo sempre alerta.

Em Hogwarts não era diferente, mas já era um jovem; não mais tão criança e inocente. Quando despertava, seus olhos juvenis arregalados e assustados, ele sabia que poderia voltar a dormir sossegado. Nem mesmo O Monstro ousaria atacá-lo ali. Porém, nem mesmo essa noção de proteção temporária aquietava seu coração, que batia descontrolado, ao acordar sobressaltado pelos ruídos noturnos, normais em um castelo antigo cheio de seus mistérios e fantasmas como aquele em que estudava.

Com o passar dos anos, após se formar, a falta de sono não se justificava apenas por seus pesadelos e medos da época de sua juventude aflita e torturada; e sim pela culpa.

Pelo terror constante que era viver sob o julgo do Lod das Trevas; que pagava lealdade com tortura.

Livrou-se de um mostro para servir a outro.

A princípio, esse conceito estava entorpecido em sua mente, dominada pelo ódio e desejo de vingança; perdido nas brumas de uma lógica distorcida.

Até que sua consciência começou a abrir uma brecha pelo torpor; causado pela dominação que Voldemort exercia sobre seus Comensais, por toda sorte de sentimentos destrutivos arraigados em sua alma.

E assim, os rostos começaram a assombrá-lo. Pessoas que ajudara a torturar e matar, a quem redirecionava toda sua raiva e revolta. Indivíduos que caçara; como um animal irracional sedento de carnificina.

Pesadelos banhados em sangue.

Gritos de dor e agonia.

Convivia, hoje, com os fantasmas de seu passado violento. Com a culpa e a vergonha.

Entretanto, esta noite havia sido diferente... Não sonhara. Tinha certeza, mas acordara no meio da noite; sua pele pálida, mais fria que o normal, banhada em suor; seu corpo tremia com uma terrível sensação de angústia. Porém, a discrepância da situação consistia no fato de que sabia não ser pelos motivos habituais, e sim por um sentimento inquietante de preocupação.

Parecia que algo ruim acontecera.


Hogwarts... Dias depois...

A respeitada diretora de Hogwarts, Minerva McGonagall, encontrava-se em sua sala esperando a visita de um dos ex-professores da escola. Tinha um semblante pesado, onde se lia extrema preocupação e cansaço.

Severus Snape adentrou o recinto, sua expressão tão taciturna quanto as vestes negras que oscilavam às suas costas. Acomodou-se no assento de frente à diretora, logo após cumprimentá-la.

- Notícias, Profª McGonagall? - inquiriu o outrora professor de Poções, com uma imperceptível nota de impaciência em sua voz.

- Infelizmente nada, ainda, Profº Snape. Falei com o ministro esta manhã, parece que o Ministério não tem nenhuma pista concreta sobre o paradeiro de Hermione. A jovem desapareceu em circunstâncias realmente misteriosas. Os membros do Conselho suspeitam de antigos aliados de Voldemort. Os que ainda não foram identificados.

A diretora suspirou, preocupada.

- Ninguém no hotel foi vitimado por poção do sono ou feitiços de memória. Nenhuma espécie de magia foi identificada no local, segundo consta nos relatórios do Ministério. Não houve mais nenhum desaparecimento no estabelecimento, todos foram examinados e interrogados pelos aurors. Os pais da srta. Granger passam bem, apesar de abalados pelo desaparecimento da jovem, - Minerva relatou, reflexiva.

- Scrimgeou... é um inútil! - exasperou-se Severus. - O que os antigos partidário da causa de Voldemort ganhariam seqüestrando a srta. Granger, agora, que a guerra terminou e eles não têm nenhum forte aliado? Não se arriscariam a expor-se ao Ministério por simples vingança contra apenas uma auror. E como conseguiram entrar em seus aposentos sem feitiços? Uma auror treinada, deveria ao menos saber enfeitiçar um aposento com magia de proteção.

- Também receio que as investigações estejam seguindo o caminho errado, Profº Snape, - a diretora comentou pensativamente. - E não faço idéia de como conseguiram levá-la sem magia, e nem do motivo.

Minerva McGonagall olhou-o diretamente nos olhos, com uma expressão ao mesmo tempo branda e severa.

- Chamei-o aqui porque... Preciso de um favor, Profº, - declarou, hesitante.

Continua...


N/A: Fofis, aqui está o primeiro capítulo (óbvio '¬¬)... E a mamãe aqui, só manda o próximo, com pelo menos cinco comentários (mercenarismo na área -)!

Agradecimentos mais que especiais às simpaticíssimas Sandy Mione, Sheyla Snape e Marie Verlaine.

Críticas positivas ou negativas serão igualmente bem vindas e aceitas!