Capítulo 2 - Vidência

Demorou algum tempo para se recuperar da densa névoa de dor latejante que ofuscava sua mente, e da imobilidade, causada pela angustiante sensação de não ter ossos, apenas uma massa dolorida.

Restava, no momento, somente o efeito doloroso dos músculos enrijecidos, tensos, envolvidos por uma ardência; como se houvesse praticado exercícios físicos incessantemente, e a pressão, agora suportável, no cérebro. Seus pulmões pareciam mais dispostos a receberem oxigênio, mas sua garganta estava seca e seus lábios ressequidos.

Considerou as hipóteses e deduziu que, se fossem torturá-la, o mais lógico seria fazê-lo enquanto estivesse consciente ou a ação não teria propósito. O que a levava a concluir... Que eram efeitos colaterais o que sentia.

Não conhecia as sensações, porém, estudara sobre os sintomas decorrentes da exposição prolongada a certas poções... no seu caso, certamente a sonífera. E pela intensidade da dor, deveria estar desacordada há mais de um dia, talvez dois ou três.

Agora, contando com a nitidez de seus pensamentos, não se recordava de ter despertado em nenhum momento após ter sido dominada pelo homem de negro em seu quarto.

Com notável esforço, arrastou-se pelas pedras frias que compunham o chão escuro.

Atingindo seu objetivo, simples à primeira impressão, mas dificultoso para alguém em suas condições, ergueu-se e recostou-se contra parede, tentando afastar-se ao máximo da goteira demasiado exasperante.

À sua frente, uma pesada porta de madeira, confeccionada de grossa camada de carvalho, destacava-se por sua imponência na espaçosa cela. Era bem antiga e lascada, embora mostrasse claramente que somente poderia ser derrubada por um gigante forte como Hagrid ou por meio de magia.

As lembranças dos fatos anteriores a sua atual situação serviram para distraí-la de onde se encontrava: em mãos desconhecidas, sem sua varinha ou qualquer outro meio de se defender. Entretanto, aquela insistente goteira somente contribuía para atormentá-la com essa constatação.

"A única bruxa de toda Hogwarts a passar com notas máximas em todos os exames."

"A mais jovem auror a ingressar no Ministério da Magia e já condecorada por bravura. ", bufou, exalando indignação.

"Como!"

Como fora pega desprevenida? Como aquele homem conseguira burlar seus feitiços de segurança? Não continham nenhuma brecha!

Como viera parar ali?

E quem? Também era uma boa pergunta. Suspirou, perguntas sem respostas. Pensara em diversas possibilidades, mas não chegara a nenhuma conclusão. E como odiava não ter respostas.

As frestas da porta se iluminaram, e de repente o ambiente pareceu ficar mais claro. Assustou-se ao ouvir a ultrapassada fechadura de metal velho se destrancar com um clique alto, seguido dos rangidos das dobradiças enferrujadas se movendo.

Com os batimentos cardíacos acelerados e adrenalina se espalhando por seu ser, divisou um indivíduo alto e magro, trajado completamente de negro. Se não fosse pela parca iluminação, provida por uma varinha, ele poderia se misturar às sombras que ela não o perceberia.

Esforçou-se para se levantar com o apoio da parede de pedras musgosa às suas costas, ignorando o protesto de todos os seus músculos, quando o homem adentrou um passo no que ela considerava sua cela.

Sentiu-se aliviada pela idéia de que ele, certamente, não poderia notar que tremia incontrolavelmente. Não seria prudente que expusesse seu medo.

- Vejo que acordou - bradou friamente a voz profunda.

Hermione sentiu um calafrio percorrer sua pele, enregelando-a. Viu-o se aproximar e retesou-se. Preparou-se para lutar, uma resistência inútil, sabia, mas não se renderia passivamente.

A figura sinistra parou a alguns passos da jovem.

A bruxa se conservou alerta, porém a expectativa se tornava angustiante a cada segundo.

Então, reparou em um movimento atrás do intruso. Uma bandeja surgiu, flutuando, diante de seus olhos, seguida de um elfo doméstico de aparência maltratada, vestido em farrapos.

Depois de depositar, por meio de magia, a bandeja a seus pés, a pequena criatura se retirou em silêncio, seguindo o indivíduo desconhecido, que não dissera nem mais uma palavra.

Quando, por fim, percebeu-se sozinha, ouvindo a porta novamente se trancar, permitiu-se relaxar.

Sondou os alimentos que lhe foram oferecidos, um prato de sopa e uma jarra de barro de aspecto suspeito que, descobriu depois, continha água, e fresca. Sua garganta formigou e sua boca salivou, sedenta. Sentiu a contração do estômago, revelando o quanto igualmente faminta estava.

Bem... provavelmente não havia nada nocivo na pequena refeição, pois poderiam desacordá-la diretamente, sem se utilizar de subterfúgios. O homem era um bruxo mais forte do que ela e armado com uma varinha, e ela estava fraca e desarmada.

Levou a jarra aos lábios ressecados e contraiu os olhos ao senti-los racharem. Tentou ignorar a ardência dolorosa enquanto saciava sua sede. Apesar da fome, forçou-se a se alimentar lentamente, era doloroso receber alguma substância em seu estômago depois de dias, e seria bem possível que ele rejeitasse.

Apoiou a cabeça na parede e fechou os olhos. Sentia-se um pouco melhor. Mas ainda atormentada por perguntas.


O professor sonserino permaneceu impassível diante da afirmação, como se já soubesse o que diria a bruxa.

- De quê se trata? - indagou, indiferente.

- Creio que já tenha ouvido falar de Ágata Chubb - a professora mais afirmou do que perguntou. Sabia que meio Mundo Bruxo a conhecia.

- Obviamente - respondeu Snape, à pergunta retórica, sem lhe dedicar muita importância.

- Ela poderá ajudar a solucionar o rapto de Hermione. Com seu auxílio, naturalmente, professor - começou, hesitante.

- E por isso... eu deveria entender quê...? - incitou friamente, não estava gostando do rumo que o diálogo tomava.

- Ágata tem os meios, e o senhor, professor, usará desses meios para encontrá-la e resgatá-la. Esperemos que incólume - continuou Minerva, duramente, deixando claro que não toleraria discussões. Ele tinha que fazer algo por si mesmo, e por alguém.

O Mestre de Poções sentiu seu interior revolver-se ante a menção da última parte. Que absurdo! Não deveria se preocupar tanto com a impertinente menina. Ela estar viva seria o suficiente. Alguns arranhões não seriam nada. Até merecia, para deixar de ser uma grifinória insolente, sabe-tudo e intrometida.

Snape permaneceu pensativo. Analisando as opções. O que não diminuía sua apreensão.

- E os outros membros da Ordem? - questionou, tentando se mostrar impassível.

- Estão todos cientes da situação, e fazendo o possível - a diretora relatou.

- Qualquer um deles está mais apto para a missão que quer incumbir-me - o Mestre de Poções declarou impacientemente.

- Nenhum deles têm a sua experiência Prof. Snape - Minerva concedeu.

- Confiará a mim a vida de sua aluna grifinória preferida, McGonagall? - disse com amargura.

- Guarde seu sarcasmo Prof. Snape. Está mais do que na hora de parar com lamentações infundadas. O senhor não teve culpa dos incidentes decorrentes naquela época - e com um tom mais brando emendou - e eu confio em seu julgamento - finalizou, quase suavemente, notando a surpresa disfarçada no semblante austero do bruxo.

- Por quê? - retorquiu, desafiante.

- Porque Dumbledore confiava.

Severus mostrou-se desconfortável, assim como Minerva.

- A Ordem continua, apesar da ameaça principal que originou sua criação ter sido destruída. E como nova líder, estou solicitando sua cooperação para resolver o caso, já que não recebi uma carta sua de desistência em minha mesa. O senhor pode recusar a missão, certamente, se conseguir fazê-lo com a consciência tranqüila. Como eu disse, é um pedido, não uma exigência - a professora voltou a manifestar-se imparcialmente.

Ele poderia voltar para casa e continuar afundando-se em pensamentos trágicos e sombrios ou atender a solicitação da velha arrogante.

No que se transformara sua vida? Um mar de lamentações?

Ainda se sentia em dívida com os que falhara. Estava absolutamente fora de sua personalidade. Nunca fora de se lamentar ou preocupar-se com o quê os outros pensavam.

Quando se tornara tão patético?

E ainda, aquela insistente inquietação sempre que McGonagall mencionava a garota.

- Pedindo dessa forma, diretora, torna-se difícil recusar - comentou sarcasticamente.

- Então, se estamos de acordo, Ágata o aguarda, professor - terminou, entregando-lhe uma folha de pergaminho amarelada.

Severus Snape leu a folha antes de guardá-la em um bolso interno das vestes. Era um endereço em Hogsmeade.

Ele levantou-se e caminhou em direção a porta, retirando-se do recinto.

A atual diretora de Hogwarts manteve-se fitando a porta, mesmo após a saída do ex-professor de Poções, perdida em pensamentos. Guardava uma forte intuição, que estava para ser confirmada... ou não. Parecia quase impossível que o frio Prof. Snape fosse... Bem, se estivesse equivocada, achariam um outro modo de resgatar a jovem auror e descobrir quem representava uma nova ameaça, se não ao Mundo Bruxo ou Trouxa, à sua inestimável ex-aluna. Hermione Granger fora uma grande colaboradora para a paz entre os mundos, ela lutou com inesgotável coragem e bravura.

Todos os membros da Ordem deveriam proteger uns aos outros. A união formava uma força poderosa. Tiveram bem mais aliados na Segunda Grande Guerra Mágica do que na primeira, mas o que realmente contara para o sucesso fora a fiel aliança.


O Mestre de Poções seguiu para o átrio de entrada do castelo. Em um dos diversos corredores ornamentados com quadros, alguns falantes, outros apenas curiosos e observadores, ele esbarrou em uma figura conhecida. "Excelente! Estou com muita sorte hoje", analisou, sarcástico.

- Olá, Prof. Snape! Não é uma surpresa vê-lo aqui - sentenciou Sibila, com sua conhecida entoação rápida e inquieta. Mesmo quando alegre, ou em qualquer outra situação, sua voz mantinha aquele tom agitado, que a fazia parecer lunática. - Estava ciente de sua visita hoje. As cartas me disseram - completou com um sorriso, na opinião de Snape, bizarro.

- Profª. Trelawney. Perdoe-me, mas estou atrasado para um compromisso urgente. Com sua licença - o ex-comensal comunicou inexpressivamente, avançando alguns passos e seguindo o seu caminho.

Estacou abruptamente ao sentir um aperto forte em seu antebraço, impedindo-o de prosseguir. Virou-se impacientemente, pronto para passar uma descompostura na inconveniente dama.

- Professora, eu... - começou, carrancudo; porém, foi interrompido por Sibila antes de concluir a sentença.

- "A perspicácia da Serpente e a coragem do Leão. Lados opostos a se completar, para dar à luz ao poder de conter" - a Mestra de Adivinhação proferiu com uma voz anormalmente rouca e sombria.

Exibia uma aparência, se possível, mais sinistra. Aquela mulher era medonha!

- Sempre deve haver um equilíbrio entre trevas e luz... É a lei do Universo, professor. Siga "A Verdade" e encontrará sua alma.

Severus estava atordoado com a incoerência daquela louca. No instante em que iria aconselhá-la a procurar a ala psiquiátrica de St. Mungus, ela soltou seu braço. Em seguida ajeitou o aro dos óculos fundo de garrafa sobre o nariz, piscou duas vezes e indagou confusa:

- O senhor não estava de saída professor?

Snape segurou-se para não lançar os braços ao alto e exclamar algo não lisonjeiro. "Essa mulher é insana!", grunhiu internamente, enquanto caminhava com passos duros, exasperado e indignado por perder seu tempo.


N/A: Pessoas, eu considero aconselhável dar uma olhadinha no capítulo anterior, pois a maioria das cenas são continuações, e pode ficar meio confuso com as idas e vindas. Qualquer dúvida, garanto resposta imediata!

Agradecimentos: à minha fiel leitora Marie Verlaine (Obrigada pela review fofa!).

Críticas positivas ou negativas serão igualmente bem vindas... e aceitas!