Capítulo Seis

"O motivo"

(Wanda Scarlet)

"Ninguém é perfeito, cometemos nossos erros. E esse cavaleiro está cometendo um ao adiar o inevitável." dizia a si mesma em pensamento pela milésima vez. Por que ele não agia conforme suas ordens e acabava logo com aquilo? Aquela espera era uma forma de punição?

Não sabia.

Não queria saber.

Ele a encontrara. Depois de tanto fugir, ele a encontrara quando estava quase nos braços da morte. Mais motivos para conformar-se com seu destino, impossível! Tivera tempo para pensar enquanto o observava recuperar-se. No final, admitira para si mesma que o tempo de fugir havia acabado, definitivamente.

"Essa espera está me matando" pensou enquanto caía no sono. Não adiantava lutar como vinha fazendo, seu destino fora selado assim que ele a encontrou.

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O frio a acordara.

Seu corpo tremia da cabeça aos pés, mesmo enrolada no grosso cobertor. Tentou esquentar-se usando o cosmos, mas não conseguiu, o frio era tanto que roubava-lhe as energias. Levantou-se mantendo o cobertor ao redor de si, o tecido grosso arrastando no chão conforme caminhava até a porta. Abriu-a devagar, apesar de não saber se podia sair do quarto, resolveu arriscar-se.

Chegou na sala e a encontrou na penumbra, iluminada pelo brilho avermelhado vindo da lareira. Assim que avistou o fogo, não pensou duas vezes, foi direto para perto e sentou-se no chão quente junto a ela.

Estendeu suas mãos para as chamas tocando-as delicadamente sem que essas a queimassem. Podia sentir suas forças voltando conforme o calor do fogo passava para seu corpo pelo contato com as palmas. Amaldiçoava-se em pensamento pela fraqueza, era só o ar adquirir frio e logo vinha a dificuldade para concentrar seu cosmos. Porém, aquele frio estava difícil, por estar dentro de uma cabana não devia sentir tanto assim. Mas parecia que estava lá fora no meio de uma tempestade de neve de tão gelado ao seu redor.

"Assim é melhor"

O fogo devolvera um pouco de sua energia.

- Você demorou. – falou uma voz suave às suas costas.

Não precisava virar-se para saber quem era. Como suspeitou, ele tinha algo a ver com o frio que a despertara, pois sentiu o ar a sua volta aquecer-se aos poucos.

- Deveria adivinhar que era para eu sair do quarto? – perguntou seca recolhendo as mãos das chamas para enrolar-se mais ao cobertor que a envolvia.

- Uma guerreira sabe ler nas entrelinhas. – saiu de onde estava e atravessou a sala devagar até ela – Creio que sua mestra ensinou-lhe isso.

Aska virou o rosto quando ele sentou-se ao seu lado em frente à lareira. Não queria encará-lo.

- Ensinou. Mas como bem sabe, não sou mais uma guerreira.

- Uma vez que o foi, jamais deixará de ser.

Ficaram em silêncio durante um tempo. Até que Hyoga começou a falar, sem tirar os olhos das chamas:

- Eu não vim para te matar. – disse simplesmente – Essa não foi a missão que Athena me deu.

Encarou-o realmente surpresa.

- Então qual é?

- Descobrir a verdade. Toda a verdade sobre o incidente com a armadura de prata... – fez uma pausa e olhou para ela - ...e sobre a morte da amazona que a possuía.

Seus olhos sustentaram aquele olhar inquiridor dele sem qualquer sombra de medo ou intimidação. Conhecia-se bem demais para pensar em hesitar ou demonstrar fraqueza, muito menos para negar os fatos.

- E por isso veio atrás de mim. – não era uma pergunta, sim uma afirmação.

- E por isso vim atrás de você. – confirmou ele.

Não mudou a situação. Apesar dele não ser o cavaleiro designado para matá-la, isso não queria dizer que nenhum outro seria.

- Há quanto tempo você me segue? – nem por um instante fora ingênua de acreditar que fora encontrada na neve por ele simplesmente por acaso, o guerreiro já deveria estar seguindo seus passos há mais tempo.

- Desde que chegou à vila. – percebeu a expressão estranha no rosto dela – Está surpresa?

- Não com isso. – respondeu sincera e desviou o olhar para o fogo, começou murmurando – Só não entendo porque não deixou que eu... – a frase morreu na garganta, era uma pergunta tola de se fazer – O que quer saber de mim, cavaleiro? – perguntou com a voz firme.

- Apenas a verdade sobre o que houve com a armadura e a amazona.

Aska fechou os olhos e suspirou, ainda era difícil dizer aquilo.

- Eu destruí a armadura. – disse devagar com os olhos vidrados nas chamas.

- E a amazona?

- Já estava acabada antes, queimou junto com a armadura.

Ficaram ambos em silêncio, a moça sentindo seu coração acelerado pelas lembranças que as palavras evocaram em sua mente, era doloroso demais recordar a vida que jogara fora em virtude de um capricho seu.

- Isso é tudo? – ele rompeu o silêncio.

Ela baixou os olhos triste.

- Sim. – murmurou.

Realmente, era tudo. Sua vida inteira resumia-se àqueles dois acontecimentos trágicos e vergonhosos. Dali por diante foi só fuga, ir para o mais longe possível onde seu passado não a alcançasse. Demorou para admitir a si mesma, mas era impossível fugir do que fora. Como ele dissera: 'Uma vez que o foi, jamais deixará de ser'. E ela fora traidora de seus princípios naquele ato desesperado, uma outra vida em outro lugar não mudaria isso.

- Diga-me...Aska. – chamou-lhe a atenção, pronunciou o nome dela devagar propositalmente – Realmente quer que eu acredite nisso que me disse?

Imediatamente levantou o olhar para o rosto do rapaz.

- Como?

- Perguntei se você quer que eu acredite no que acabou de contar. – estranhamente um sorriso curvou levemente os lábios dele – É muito difícil aceitar sua versão dos fatos como sendo verdadeira quando a armadura encontra-se intacta sob custódia do Partenon e suas sacerdotizas na Grécia, sem contar que você está aqui na minha frente, sã e salva.

Encarava-o com os olhos muito abertos. Não imaginava que já houvessem descoberto sobre aquilo...

Sua armadura, de fato não havia desaparecido. Fora destruída por suas chamas sim, mas isso fazia parte do ritual de liberação do poder da prata transformando em algo mais forte. Confiara a nova armadura surgida aos cuidados de sua amgia Ange, sacerdotiza de Athena no Partenon. Mas parece que nem mesmo ela foi capaz de manter o segredo longe dos olhos e ouvidos da deusa.

- Eu fui encarregado de descobrir toda a verdade, não só a 'versão oficial'. – fez uma pausa antes de completar sério – Athena quer saber seus motivos para ter realizado aquele ritual.

Com o semblante trite, a moça baixou os olhos.

Ele segurou o queixo dela com a ponta dos dedos e a fez encará-lo.

- E desde que a vi pela primeira vez, também quero muito saber o que a levou àquilo. – falou suavemente.

Aqueles olhos azuis, por que a fascinavam tanto a ponto de hipnotizá-la?

- Quando a vi na vila vivendo humildemente feliz entre os aldeões, não acreditei que houvesse tirado proveito do poder da armadura. Eu te observei atentamente entre aquelas pessoas, contemplei suas boas ações para com eles. Mesmo não tendo nenhum vínculo com qualquer um, você os ajudou em tudo que pôde sem nunca pedir nada em troca. – soltou o rosto dela mas continuou fitando-a – Tudo pela simples satisfação de saber que fazia o certo, não é? Como alguém assim pode trair os ideais de Athena e cometer um crime contra sua honra guerreira?

Por um instante, se perdeu nos olhos dele. Mas logo desviou o olhar para as chamas.

- O que pretende cavaleiro? Se não veio ao meu encontro para me matar, nem me levar para Athena, qual é sua missão afinal?

- Eu já disse. Descobrir a verdade.

- Já sabe toda.

- Não. Não basta saber o que você fez. Falta o motivo para suas ações.

- E desde quando o motivo importa? – um sorriso melancólico surgiu nos lábios dela – Não existe motivo por trás da busca pelo poder, somente egoísmo. Eu abusei do poder de minha armadura por puro capricho, cavaleiro. Destruí a amazona dentro de mim traindo os princípios de uma defensora de Athena com esse ato.

- Para quê precisava daquele poder?

- Me sentir viva, eu acho. – riu um pouco ao lembrar o que conseguiu com aquilo, completou veemente – E não me arrependo. Faria tudo novamente se preciso fosse.

- Entendo... – murmurou Hyoga enquanto se perdia em meio a suas lembranças.

Ela lembrava-lhe muito a si mesmo. Também buscara um poder que o fizesse sentir-se vivo de alguma forma.

- O que Athena pretende fazer comigo, cavaleiro? – tirou-o de seus devaneios, ela sabia que usar o poder da própria armadura para satisfazer suas ambições é um crime grave entre cavaleiros e amazonas.

Encontrou o olhar inquiridor dela e sorriu enigmático em retorno.

- Por isso ela me enviou. – levantou-se dando-lhe as costas e caminhou sob o olhar atento dela até a cozinha enquanto falava – Athena não tolera injustiça, ela não quer os atos, quer o motivo por trás deles. Mas você está se recusando a dar-lhe isso... – e desapareceu na entrada do outro cômodo deixando-a sozinha.

(Wanda Scarlet)

Nota da autora: É, eu sei que além de ficar um tempão sem atualizar, ainda não fiz os dois se beijarem. Mas eu estou tentando gente! Agora que estou sem internet a coisa complicou mais ainda, só que farei o possível pra poder atualizar pelo menos uma vez por semana. E então? Será que deu pra esclarecer um pouco mais da Aska ou eu acabei fazendo com que o mistério aumentasse mais ainda? Ahh...antes que me esqueça. Partenon é o templo em honra à deusa Athena que fica na cidade de Atenas, se não me engano é o maior templo dela. Acredito que seja lá que fiquem as sacerdotizas da deusa né? Agora sobre a sacerdotiza chamada Ange e que é amiga da Aska, bem... vou deixar para apresentá-la na minha próxima fic de Saint Seiya onde darei uma atenção especial para essa personagem. Por enquanto fica o nome dela. (imagino que a Petit deva estar pelo menos dando pulinhos de alegria, ou irritação por ter mencionado a Ange em BOUND).

De qualquer forma...obrigada a todos por acompanharem.

Beijos

Wanda Scarlet