Nem Tudo Que Parece É…

Decididamente, não aconselho ninguém a viajar de pó de Flu. Caí pela lareira do número doze do largo Grimmauld direto no chão com um estrondo monumental e todinha coberta de cinzas… e, como se isso já não fosse suficientemente ruim, a primeira coisa que vi quando ergui a cabeça foi o Remus, me olhando de olhos muito abertos.

Tentei sorrir ou falar, mas não era fácil, com a boca cheia de cinzas. Foi então que ele estendeu a mão, ajudando-me a me levantar. Com um ligeiro sorriso, me olhou nos olhos e comentou:

- Não vai ser difícil para ninguém acreditar que você é a Tonks. É tão atrapalhada como ela.

Aí então é que eu me engasguei de vez com o punhado de cinzas que ainda estava na minha boca. Cuspindo, sem conseguir imaginar uma situação menos romântica, perguntei, pasma:

- Como… como é que você sabe que eu…

Mas ele me interrompeu:

- Como é que eu sei que você não é a Tonks?

Anui com a cabeça, enquanto sacudia as cinzas do cabelo e das roupas. Então, ele continuou, embora perdendo o sorriso:

- Eu reconheceria você de qualquer forma. O seu olhar é inconfundível.

Fiquei olhando para ele durante uns segundos e depois me joguei nos braços dele, exclamando, com a voz embargada de emoção:

- Oh, Remus! Tinha tanta saudade de você! Agora, nós podemos ficar juntos, sempre!

A felicidade que me invadiu naquele momento foi tão grande, tão mágica, que a sensação que eu tive foi que o chão se esvaía debaixo dos meus pés e eu flutuava nos braços daquele homem que povoava todos os meus sonhos. Essa felicidade foi tão grande e intensa quanto a decepção que tive em seguida, quando Remus me agarrou pelos braços, me afastou e disse, abanando a cabeça:

- Não. Não podemos.

Foi como se o meu coração caísse até o chão.

- Q… quê? – Gaguejei, incrédula.

Remus respirou fundo antes de cuspir tudo que tinha para dizer, como se estivesse engasgado há muito tempo:

- Dumbledore me disse que talvez você cometesse essa loucura de encarnar a Tonks, mas eu nunca pensei que você tivesse coragem. Não, Mary, já chega, você vai voltar para casa e é agora!

Ergui uma sobrancelha, sem conseguir acreditar no que eu estava escutando:

- Eu pensei que você fosse gostar! – Disse, em voz sumida, cujo volume foi crescendo à medida que eu ia falando. – Eu fiz isso porque foi a única forma de ficar junto de você para sempre. Eu fiz o que fiz por amor e você tem coragem de me dizer que foi loucura e que eu tenho mais é que ir embora de vez?

- Mary… - Começou ele, tentando manter a calma, em contraste com o meu nervosismo latente. – Esse não é o seu mundo, esse não é o seu corpo, essa não a sua história. Ninguém consegue viver assim…

- Eu consigo! – Quase gritei, com lágrimas teimosas invadindo os meus olhos. – Por você, eu consigo! Com você, eu consigo!

Mas Remus continuou:

- O nosso mundo está em guerra, Mary! A Tonks é uma Auror! Por Merlim, você tem ideia do que significa você viver como uma Auror, sem o menor treinamento?

Baixei os olhos. Isso não tinha me ocorrido ainda. Mas uma coisa me ocorria, sim, por isso repliquei:

- Dumbledore não deixaria que eu corresse perigo assim. Com certeza, ele vai arrumar uma forma de eu aprender todos os feitiços necessários… e você pode me ajudar.

Ele suspirou e falou outra vez:

- Poder, posso. Mas não quero.

- Mas porquê? – Guinchei, com uma voz que não parecia a minha. Só então me lembrei que realmente não era a minha voz; era a de Tonks.

- Porque eu não quero que você corra perigo! – Nesse momento, Remus perdeu a calma e me olhou nos olhos, com um olhar brilhante, os olhos rasos de água, que ele lutava para que não rolasse pelas suas faces pálidas. – Esse não é o seu mundo, você não está preparada para viver aqui; e mesmo que estivesse, eu não ia querer que você ficasse por aí, à mercê de Voldemort e dos Comensais. Por favor, Mary, vá embora. Eu não ia suportar a ideia de que você estaria correndo perigo de vida só por me amar tanto. Se acontecesse alguma coisa com você, eu não ia me perdoar nunca. Eu posso conviver com muita coisa: com a licantropia, com o preconceito, com a pobreza, com a solidão… Mas jamais poderia conviver com a ideia de que o amor da minha vida morreu por minha causa.

Remus me soltou e se voltou de costas para mim, com os olhos baixos, fitando o chão. Senti um aperto no coração e não consegui mais conter as lágrimas. Então, era isso. Ele não me queria perto dele… por amor. Cheguei perto dele e o abracei por trás das costas, enlaçando a cintura dele e murmurando:

- Então me ajuda… Me ensina a lutar. Me ensina a ser uma boa Auror. Me ensina a me defender. Eu prometo que serei uma boa aluna e não vou deixar que Comensal nenhum me machuque.

- Mary… - Ele começou, voltando a olhar para mim, mas eu o interrompi, pedindo:

- Por favor, Remus… Se você me ama, não me deixe. Eu não ia suportar viver longe de você. Se você e ajudar, eu posso me defender contra os Comensais; mas se você me obrigar a não te ver mais, aí, sim, eu morro.

Ele olhou o teto, como se procurasse uma ajuda, e ficou assim por uns momentos. Como a ajuda não veio, respirou fundo e replicou:

- Muito bem. Quer ficar, fique. Eu vou te ajudar, porque eu não quero me sentir responsável pela sua… morte… ou ferimento, ou seja o que for. Mas… - Acrescentou, ao ver o sorriso que começava a se formar nos meus olhos. – Não alimente esperanças em relação a mim. Você sabe que eu nunca vou poder me casar nem com você nem com ninguém.

Voltou a baixar os olhos, enquanto eu, totalmente desorientada, gaguejei:

- P… porquê?

- Ora, Mary! – Ele exclamou, me olhando de novo. – Eu já tinha te dito que o nosso amor só era possível porque estávamos em mundos diferentes. Essa foi a única razão pela qual eu me permiti abrir o meu coração, você sabe disso!

Rolei os olhos, impaciente, e inquiri:

- De novo aquela história de que não me quer do seu lado nas noites de lua cheia? Remus, a gente já discutiu esse assunto um monte de vezes, eu…

Ele me interrompeu de novo:

- Eu não iria me perdoar se te atacasse ou te ferisse sem querer. – Falou, com voz firme. – Além do mais, você sabe que eu não tenho dinheiro para bancar um casamento.

- E eu não sou uma Auror! – Perguntei, com a impaciência e o desespero dilacerando as minhas entranhas. – Os Aurores não recebem salário?

- Você não espera que eu queira viver às suas custas, espera? – Perguntou Remus, calmamente.

- Porque não? – Inquiri.

Por um momento, julguei ver um leve sorriso bailando nos lábios dele, mas logo depois ele continuou:

- Eu jamais faria isso. Mary, porque você não procura um homem da sua idade, no seu mundo? Vai ser muito mais fácil.

- Fácil! – Gritei, perdendo a compostura por completo. – Se fosse fácil, eu não estaria aqui! Não tem ninguém no meu mundo que me faça sonhar como você faz, ninguém que faça o meu coração bater como bate quando eu estou com você, ninguém que me olhe com esse olhar que parece que me despe! Ninguém! E você nunca se preocupou com essa história de idade antes.

Ele fingiu não ter me escutado. Limitou-se a dizer, em tom vago, que pretendia exprimir firmeza mas tudo o que conseguia exprimir era uma profunda tristeza:

- Se quiser ficar, fique e eu te ajudo com os feitiços. Mas não espere demais. Amigos. É só isso que seremos.

Virou as costas e saiu da sala, sem conseguir disfarçar a infelicidade que o tinha invadido.

Só então vi o rosto roliço de Molly Weasley, que me olhava com ar triste e acabou dizendo:

- Eu escutei vozes exaltadas… Desculpe, Tonks, eu não pude deixar de ouvir o final da conversa. Você e o Remus… Eu não fazia ideia. Venha cá, querida!

Ela abriu os braços e eu me deixei cair neles, que se apertaram em meu redor num abraço cheio de ternura maternal. No colo de Molly, desabei, soluçando, perdendo totalmente as forças que me restavam.