Outro Mundo, Outro Corpo, Outra Vida
Não seria preciso ser a Trelawney para profetizar como seriam os meus primeiros tempos naquele mundo mágico que não era o meu, com um corpo que não era o meu, vivendo uma vida que não era a minha. Remus estava certo, como sempre: tudo aquilo era demais para mim; outro mundo, outra língua, outra cultura, outra imagem, outra vida… e a guerra! Uma guerra ignóbil por motivos que eu não entendia. Sede de poder? Vontade de "purificar" a raça? Sem dúvida, a comparação entre Voldemort e Hitler nunca me parecera tão perfeita como agora, ao viver no meio de todo aquele clima de tensão.
Se pelo menos Remus parasse com aquela ideia absurda de que a única coisa que poderia existir entre nós dois era apenas amizade… Mas não. Eu ia ter que me conformar com a ideia e me contentar em sermos somente bons amigos… Mas sem perder a esperança. Afinal de contas, ninguém sabe o dia de amanhã, não é?
Na verdade, a presença de Remus conseguiu tornar suportável a minha presença ali… apesar do sentimento terrível de estar perto dele e não poder beijá-lo, abraçá-lo, amá-lo, falar de todo meu amor… Sempre que eu tentava, ele me respondia com evasivas. Quando eu pegava mais pesado, a resposta era a mesma que ele tinha me dado no dia que eu cheguei no mundo dele: "Sou velho demais para você, pobre demais, perigoso demais"! Que coisa, parece mocinho de novela mexicana, credo! Cada vez que ele me falava essas coisas, eu ficava irritada; mais do que isso, ficava deprimida. Eu estava ali por causa dele, para ficar perto dele e ele sabia disso, mas me rejeitava… Mas eu tinha decidido: mesmo que ele jamais voltasse a me olhar como mulher, pelo menos eu estaria do lado dele… como amiga… e como aluna. Sim, Remus se transformara de novo em professor de Defesa Contra as Artes das Trevas, só que a sua única aluna era eu, que precisava urgentemente aprender a me defender, para poder encarnar devidamente a auror Tonks.
Essas aulas eram os únicos momentos minimamente felizes daquela fase louca e depressiva que eu estava vivendo. Muitas vezes quis desistir, baixar os braços e me conformar que jamais conseguiria viver na pele de Tonks, mas quando chegava a hora das minhas aulas particulares com o meu Professor Lupin, as coisas mudavam.
Ele sempre se comportava da forma mais profissional possível, cuidadoso e preocupado, mas sempre com o cuidado de não ser mal interpretado, de não me dar esperanças de… de algo mais. Eu, por meu turno, não me dei por achada. Sou muito orgulhosa e não ia me rebaixar de jeito nenhum, por maior que fosse o meu amor por ele. Se era uma relação profissional que ele queria, era uma relação profissional que ele teria... e eu me esforcei demais para mostrar para Remus que merecia estar ali e para não decepcionar a confiança que Dumbledore havia depositado em mim.
Dumbledore se tornou um pilar imprescindível na minha vida, apesar das poucas vezes que eu o via. No meio daquela guerra toda, descobriu-se que Voldemort provavelmente havia dividido a sua alma em sete pedaços, cada um incluso num objeto diferente a que se chama Horcruxes, numa arte de magia negra terrível: para cada Horcruxes ser criado é preciso matar um ser-humano antes. Um arrepio percorreu a minha espinha quando Dumbledore me falou dessa história com uma calma espantosa por trás dos óculos de meia lua… Mas a calma dele me transmitia calma, também, me dava paz. Eu me sentia segura quando estava do lado dele, como se Dumbledore fosse o avô amigo e sábio que eu nunca tive.
Graças à força e confiança dele, eu fiz progressos espantosos nas minhas aulas particulares de Defesa Contra as Artes das trevas. O próprio Remus confessou que jamais imaginaria que eu fosse capaz de evoluir tanto em tão pouco tempo. A minha força de vontade era maior do que tudo e eu investira todas as minhas energias naquelas aulas.
A única coisa errada comigo era o fato de eu não conseguir usar os poderes de metamorfomaga. Não havia ninguém que pudesse me ensinar. Queria tanto poder mudar a cor do cabelo… ser de novo loura ou ruiva, ter cabelo comprido ou ondulado… Estava cansada daquele cabelo curto e castanho. Logo eu, que sempre detestara me ver de cabelo curto! Acabei me conformando. A verdade é que, no fundo, nunca me esforcei muito. Queria mudar de vez em quando, sim, me dava aquele frenesi que me deixava louca para testar os meus poderes. De que servia ser metamoformaga se todo mundo sempre me via igual? Sempre de cabelo curto e cor de rato. Depois de algum tempo, porém, isso deixou de constituir um problema por mim; tinha coisas bem mais importantes para pensar… como as aulas de DCAT, a Ordem da Fénix, o trabalho de auror e a guerra.
Aprender a conjurar um Patrono (da mesma forma que Harry aprendera) não foi exatamente matéria fácil. Bem mais difícil ainda se revelou pelo fato de eu não conseguir pensar em nenhuma memória feliz, principalmente com o bicho-papão transformado em todos os meus entes queridos – o próprio Lupin incluído - mortos na minha frente. Eu tinha que conseguir! Não só para me defender dos Dementadores, mas também porque o jeito dos membros da Ordem se comunicarem uns com os outros era conjurando um patrono.
Era difícil, muito difícil. Até que, ao terceiro dia de tentativas, quando já achava que jamais seria capaz de conjurar um patrono, pensei nos momentos mais lindos e românticos que passei com Remus e gritei do fundo dos meus pulmões:
- Expecto patrono!
Num ápice, uma nuvem de prata saiu da minha varinha em direção ao bicho-papão, tomando uma forma que me fez corar violentamente – senti as minhas faces em fogo - e deixou o próprio Lupin sem jeito: grande e com quatro patas… um lobo perfeito!
Remus olhou o chão, atrapalhado e só conseguiu murmurar:
- Acho que conseguimos.
Não pude deixar de sorrir perante aquele Remus sem graça, mas foi então que me lembrei de algo. Assustada, levei uma mão à boca e depois falei:
- Remus… eu… presumo que o patrono da Tonks não fosse um lobo…
Ele me olhou, confuso. Só então parecia ter se lembrado que o patrono é único para cada pessoa.
- Não… - Gaguejou. – Não era…
- Então! – Exclamei, aflita. – Se o patrono de cada um é pessoal e intransmissível e serve para identificar a pessoa, como é que alguém vai acreditar que eu sou a Tonks se o meu patrono é diferente do dela?
- Calma. – Pediu Remus, erguendo uma mão e pensando rapidamente. – Um patrono pode mudar… mas é em casos muito raros…
- Que casos? – Inquiri, inquieta.
- Um choque emocional, por exemplo.
Suspirei e só então comentei:
- Isso ninguém duvida que eu tenha tido. Basta olhar o jeito que eu ando nos últimos dias. A Tonks nunca foi tão pouco alegre, aposto.
Lupin parecia não me escutar. Imerso em seus pensamentos, eu o escutei murmurar:
- Sirius…
- Quê? – Indaguei. O que teria Sirius a ver com um patrono mudado?
Ele me olhou e disse com voz firme:
- O Sirius se foi graças a Bellatrix. A Tonks estava lutando com a Bellatrix antes do Sirius e ela me disse que se sentia meio culpada de não ter acabado com a tia antes que ela fizesse o Sirius cair por aquele véu.
Uma vaga de esperança me invadiu. Eu entendia o que ele estava querendo dizer, mas, ainda assim, quis confirmar:
- Você está querendo dizer que eu posso alegar isso…
- …como motivo do choque emocional. – Ele continuou. – Sim. Ela não estava muito bem, mesmo antes de você aparecer.
Suspirei, mais aliviada. Começava a me sentir preparada para enfrentar a guerra e mostrar para todo mundo que merecia a oportunidade que havia sido me dada.
E foi então que, no dia seguinte, eu percebi que Dumbledore também acreditava que eu estava pronta. Ele me chamou de novo no seu escritório e disse, naquela voz calma e impassível:
- A sua hora chegou. Amanhã você começa o seu verdadeiro trabalho de auror. Você não vai mais ter que ir ao Ministério à toa. Artur Weasley me disse que estão recrutando aurores para patrulhar Hogsmeade. Eu sugeri você.
