Capítulo quatro - A Meia-Youkai Conta a Sua História
-Ela...ela também é uma hanyou!
Sim, Kagome. Eu tinha me enganado quanto ao cheiro dela. -respondia o hanyou. Ele agora estava sem reação. Olhava para baixo, absorto em seus pensamentos.
Satisfeitos agora? -disse a meia-youkai. Ela já não estava mais rindo. Mantinha a fisionomia séria. Por que ele parecia ter ficado tão abalado? Ele também era um hanyou, já sabia disso há muito tempo.
Flashback
Ela desviava dos golpes incessantes de uma espada. Um, dois, três golpes, que poderiam lhe ser fatais. Desta vez a espada não era de madeira, como usavam há alguns anos atrás. Era de verdade, e um erro poderia ser fatal.
-Pare de se desviar! Defenda-se ou ataque de uma vez, desviar diante de um ataque é sinal de covardia! -dizia a voz de seu adversário, ríspida, indiferente ao esforço da menina.
-Eu...eu estou tentando...É...muito rápido...Ah!
Ela caíra, e quando voltou a abrir os olhos, sentiu a ponta de uma lâmina espetar-lhe o queixo.
-Esse tipo de erro poderá ser o seu último numa batalha. Não deixe que o atacante perceba seus movimentos. Seja mais rápida e mais esperta que ele. Desviar na hora em que deve combatê-lo demonstra fraqueza, e não é isso que ensino a você. Quer ou não quer vencer aquele que tanto desgraçou a sua vida?
-Eu...-ela arfava, tentando recuperar o fôlego perdido no esforço -Eu quero! -disse por fim.
-Então dedique-se mais. Não é apenas o seu corpo e a técnica de seus movimentos que deve estar presente numa batalha, mas a sua alma em união com eles.
-Certo...Eu vou me dedicar mais...Eu prometo!-disse a pequena menina, que aparentava seus dez anos de idade, decidida.
Seu pai guardou a espada na bainha, e deu-lhe a mão para se levantar.
-Há uma coisa que eu preciso lhe dizer, minha filha. -falou pacientemente, enquanto caminhavam para fora da sala de combate.
-O que, papai? -respondeu ela, inocente. Apesar de ter ido mal no treino, estava feliz. Não era sempre que seu pai a pegava pela mão e falava com essa delicadeza. Eram raros momentos pai-e-filha como esse. Será que seria isso mesmo? Sua cauda negra e sedosa sacudiu um pouco.
-Sobre o ser que você irá enfrentar quando já tiver idade e preparo para isso.
-Ah...-ela desapontou. Sua cauda voltou a ficar quase encostada no chão por onde passavam. Então não era o tão aguardado momento pai-e-filha que ela esperava, o assunto era outra vez aquele maldito youkai que dizimara a sua família. -O que tem o maldito InuYasha, pai? -ela não deixou-o perceber a sombra de tristeza que pairava em seu rosto. Preferia irritada a triste, tristeza não a impulsionava a nada.
O pai abaixou-se até ficar com o rosto quase na altura da filha. Alguém lhe dissera que isso era bom em conversas com crianças. Nunca experimentara, afinal, a menina há muito tempo não era criada para ser uma criança, e sim uma guerreira. Nos poucos momentos que tinha como uma, sempre retornava para a dura realidade do treinamento. Mas nunca era tarde para ser um pouco o pai que nunca fora de verdade.
-Minha filha, eu sei que nunca fui um bom pai para você. Me desculpe. Mas diante da situação...-ele percebeu o olhar em brumas da filha -Eu sei que não há justificativa para isso. Mas entenda uma coisa, é necessário. Este youkai que nos fez tanto mal...Ele não pode continuar a solta neste mundo, causando a destruição de tantas famílias, e tantas mágoas como a que há no seu coração, ainda de criança.-ela torceu o pequeno narizinho. Detestava que falassem isso -Criança, sim. Eu nunca fui um pai, e você raramente é uma criança como a que deveria ser. Eu gostaria que um dia...Me perdoasse por isso.
Ela arregalou os olhos, e abriu a boca. Não estava entendendo, definitivamente não estava. O que era aquilo? Para onde fora o homem frio e de poucas palavras que era o seu pai, e por que colocaram aquela imitação barata de pai amoroso e arrependido em seu lugar? E, acima de tudo, não entendia por quê aquilo mexia tanto com seus sentimentos endurecidos pelos fatos...
-Ouça, Nayouko. Algo muito difícil espera-te lá fora, quando acabar seu treinamento. Algo que mexerá com seus sentimentos e ações, mas você deverá ser forte. Eu não digo forte apenas aqui -e pôs as pontas dos dedos na lua negra que ficava na testa da filha -Mas aqui -e colocou a mão no peito da menina, onde ficava o coração -Você descobrirá quem é, e pessoas que gostarão de você. Não será obrigada a viver de vingança e justiça quando sua missão acabar. Poderá ser...Você mesma. -ele concluiu. -Está me entendendo, Nayouko?
-Sim...-ela murmurou. Não estava entendendo nada.
-E mais uma coisa. InuYasha, o ser que você irá enfrentar...A verdade é que ele não é um youkai.
-Como não, papai? E todos os poderes que ele tem e usa para o mal? Como ele não poderia ser um youkai? -ela agora estava estupefata. Queria entender tudo aquilo, estava confusa com todos os acontecimentos.
-Ele não é um youkai. É um hanyou -diante da expressão de indagamento da filha, ele disse: -Um meio-youkai. Como você.
-...
Não, ela não acreditava! Então ele era...Como ela...Não podia ser! Até aquele dia, as únicas certezas que tinha eram que os youkais eram criaturas das trevas, que só faziam mal aos humanos, com a única exceção da sua mãe. O InuYasha incluía-se nesta regra, e isto explicava as ondas de assassinato que cometia por pura diversão e os ataques aos vilarejos, em busca da Jóia de Quatro Almas. E ela teria que detê-lo. Era uma meia-youkai pantera, estava certo, e tinha a certeza de que o inimigo a desprezaria por isso. Os youkais que eram seus parentes consangüíneos por parte de mãe não a deixavam esquecer esse detalhe...E os humanos que viviam em seu vilarejo também não. Acreditava que todos os meio-youkais como ela teriam as mesmas rejeições sociais entre os dois grupos de seres, e não maltratariam nem matariam nenhum dos dois grupos. Mas não: ali estava um youkai que matava os dois grupos da qual herdara o sangue: InuYasha.
Ela ergueu a cabeça, decidida em seus dez anos de infância perdida:
-Isso não importa. Eu irei matá-lo mesmo assim. Um meio-youkai que mata tanto humanos quanto os próprios youkais por mera diversão e não tem respeito por suas raízes não merece viver. Eu acabarei com ele.
Seu pai ficou a olhá-la com um misto de tristeza e orgulho. Tinha certeza de que a filha conseguiria livrar o mundo daquela ameaça. Mas ao mesmo tempo temia pela vida dela, e entristecia-se ao pensar que tão nova já tinha tal instinto sanguinário.
Num gesto inédito, aproximou os braços da filha e abraçou-a. A menina ficou mais surpresa do que comovida, sentimento que veio depois de um segundo naqueles braços que pela primeira vez demonstravam ser paternos. Sentira isso pela primeira e última vez na vida.
-Pronto -disse ele, afastando-a um pouco agora -Vá brincar. Richard (n/a: eu sei que é um nome nada oriental, mas já deu um trabalhão criar o nome da Nayouko, e já que gosto tanto do nome Richard, achei perfeito para o personagem '') deve estar te esperando.
-Está me liberando do treinamento?
-Sim -ele sorriu.
Ela abraçou-o mais uma vez e saiu correndo pela porta da casa afora, encontrar o seu melhor amigo nas colinas abaixo.
Fim do Flashback
Ela quase derramou uma lágrima ao lembrar que fora nessa tarde em que descobrira o outro lado de seu pai, que um grupo de youkais enviados por aquele maldito do InuYasha atacaram o vilarejo e mataram todos, inclusive seu pai. Ele morrera lutando, salvou várias pessoas, como a ensinara a fazer. Culpa do InuYasha, lembrou com mais força.
No que será que eles tanto pensam? -disse Shippou, olhando de InuYasha para a meia-youkai, tão absorta em suas lembranças que não percebeu o pequeno filhote ao seu lado.
Bem...Eu acho que você nos deve uma explicação.
Eu não devo nada a vocês, seu monge de araque. Por que não me matam de uma vez? Não preciso da compaixão de ninguém! -ela explodiu -E parece que matar é bem o seu forte, não é, InuYasha? Eu aposto que se divertiu muito dizimando vários vilarejos em busca daquela maldita Jóia!
Do que está falando? -perguntou o hanyou, saindo de seus pensamentos, já com a leve irritação -Eu não matei ninguém por diversão!
Não seja cínico! Por que não assume o que fez! Só por que está ao lado de alguns humanos? Que tipo de hanyou é você? Mata youkais e mata humanos por diversão sim, e agora está acompanhado de quatro deles, e mais um youkai filhote? O que será que eles devem ter para fazer com que você preserve sua vida um pouco mais, heim?
Mas que tipo de ser você acha que eu sou? -gritou ele.
O tipo de ser que matou o meu pai! -ela rebateu.
O silêncio pairou entre todos. "Então era isso", ele pensou. "Essa menina acha que eu matei o pai dela...Mas nunca a vi antes, não tenho noção de quem seja, ela ou o pai!"
InuYasha...O que...O que ela está dizendo?
Eu não sei, Kagome! Não metei nenhum humano por pura diversão! Não sou um meio-youkai bonzinho, mas também não sou cruel a esse ponto!
Não se faça de desentendido! -a garota gritou, enquanto duas lágrimas escorriam por seu rosto, que ela tentava desesperadamente limpar. O pequeno filhote ao seu lado fez isso por ela. A hanyou ficou a observá-lo por dois segundos antes de voltar a atenção para o grupo de pessoas à sua frente.
Nós não estamos entendendo nada, menina! Não matei seu pai, e se foi por isso que tentou me matar, perdeu seu tempo. Não sou um assassino.
Eu, no começo, não esperava que um...um hanyou, assim como eu, pudesse cometer tantos assassinatos, mas eu mesma vi quando você atacou a tribo da minha mãe!
Todos vocês, calma! Senhorita meia-youkai, isso tudo é um grande mal-entendido...
Chama a morte do meu pai de mal-entendido, monge?
...então nós gostaríamos que você explicasse alguns fatos que ocorreram nesta noite, e talvez possamos resolver tudo isso.
Resolver tudo isso? Ela simplesmente tentou me matar, Miroku! É uma lunática, uma hanyou doida!
Quem é você para me chamar de doida, Focinho de Cachorro? Não sou eu que ocasionalmente saio por aí torcendo o pescoço de humanos e estraçalhando youkais apenas por uns pedaços de Jóia e por que me faz rir!
Você está enganada, o InuYasha não é mau...Por favor...Vamos resolver isso... -implorou Kagome.
Humpf...-a hanyou olhou-a dos pés à cabeça, e viu que a humana que carregava os fragmentos da Jóia ainda segurava o braço do meio-youkai. Depois, disse, o rosto expressando um misto de sarcasmo e desprezo:
Ah, então é por causa dessa humana que você mantém seus instintos sanguinários controlados, InuYasha? Quem diria, um meio-youkai apaixonado por uma humana...Igual a seu pai, pelo que soube.
InuYasha e Kagome se entreolharam, corando os dois ao mesmo tempo, e ela tratou de largar seu braço rapidinho. O hanyou sabia que aquilo tinha um fundo de verdade...Por mais que não admitisse. Eles viraram as costas, e InuYasha, de braços cruzados, disse:
Não é nada disso, sua hanyou intrometida, ela é apenas a minha detectora de fragmentos!
Kagome virou irritada para ele, com os braços esticados dos lados do corpo e os pulsos ligeiramente levantados.
Eu não acredito que você disse isso novamente, InuYasha! OSWARI!
Ploft!
Hahahahah! Que comédia! Quem diria, InuYasha, o hanyou Cruel e Sanguinário, apaixonado por uma humana que o manda sentar! Se minha família estivesse viva, ela iria rolar de rir com isso! Hahahahah! -a hanyou sacudia a cabeça de tanto rir.
Cale a boca! Você tem muita coisa para falar, e é melhor começar logo, antes que eu arranque a sua língua com as minhas próprias garras! -InuYasha levantou-se, e já erguia a mão direita, ativando as garras de youkai.
A meia-youkai rangeu os dentes, estava óbvio que ela aceitaria o desafio, se não estivesse imobilizada pelo mantra. Miroku aproximou-se dela e disse:
Vocês podem se atracar o quanto quiserem, mas primeiro, responda-nos: Quem é você? Qual seu nome? De onde você veio? Por quê quer matar o InuYasha? Você tem namorado?
Mais um ploft! O punho de Sango estava sobre a cabeça de Miroku afundada no chão do casebre quando ela disse secamente, de olhos irritadamente fechados:
Responda logo.
A meia-youkai olhou para todos os presentes, ainda divertida pela situação inesperada. Aquele grupo não parecia ter nada de sanguinário. Resolveu responder.
Meu nome é Nayouko. Vim das terras próximas ao senhor feudal do sul. Como já sabem, eu...sou uma hanyou. Uma meia-youkai -ela olhou para InuYasha -Meu sangue youkai foi passado pela minha mãe, Maetsa, que era a princesa das youkais Panteras Negras nas colinas da Lua.
Colinas da Lua? -perguntou Kagome.
Sim...Era um terreno repleto de colinas que toda noite, não apenas no primeiro dia de cada mês, a Lua Cheia lançava sua luz sobre os picos das colinas. Elas eram iluminadas toda noite por essa luz, que guiava as youkais Panteras Negras para a caça e a fertilização da espécie.
Eu ouvi falar das youkais Panteras Negras -disse Shippou -Meus pais diziam que elas eram uma das mais ferozes espécies de youkais, e dominavam as Colinas da Lua há muitas e muitas gerações...
Das mais ferozes? Agora sabemos de quem ela herdou esse gênio...-disse InuYasha.
Deixe ela continuar, InuYasha. É o roto falando do maltrapilho...-rebateu Sango.
Bem. É isso mesmo o que o filhote de youkai disse.
Meu nome é Shippou. -corrigiu o pequeno youkai. A hanyou olhou-o por um momento irritada, mas depois pareceu que mudou de idéia, e disse:
Pois bem, Shippou. Foi o que você disse. A minha espécie vivia lá há muitos anos e, a cada primeiro dia do mês, no lugar da Lua Cheia, que permanecia todas as noites banhando as colinas, a Lua Nova deixava o céu da noite, antes iluminado por nossa luz-guia, completamente negro. Foi numa dessas luas que minha mãe conheceu meu pai.
Percebendo o silêncio e atenção de todos, ela continuou:
Minha mãe não era como as outras youkais, que desprezavam os humanos e seus sentimentos inúteis. Ela não. Minha mãe respeitava as duas espécies, para desagrado de suas colegas de grupo, que apenas tinham seus filhotes para a propagação da espécie, com outros machos que considerassem fortes e saudáveis. Então, em certa Lua Nova, minha mãe desceu até o vale que ficava ao pé de nossa colina, onde vivia o povoado do meu pai...Ela conheceu-o, apaixonaram-se...E, meses depois, eu nasci.
Quando minha avó, rainha das youkais Panteras Negras, soube que minha mãe havia manchado a honra de sua espécie tendo uma filha de um reles humano, ela ficou furiosa. Até que eu tivesse idade para caminhar sobre as minhas próprias patas, minha mãe vivia entre as outras youkais, que a desprezavam. Depois disso, minha avó castigou minha mãe com o exílio, expulsou-a das colinas da Lua como princesa renegada pelo clã. Minha mãe lutou. Não queria me deixar só. Achava que iriam me matar. Eu era pequena, não entendia muito da vida, mas...Escutei quando minha avó disse que não iriam acabar com a minha vida, simplesmente pelo motivo de que não mancharia as patas com o sangue da filha de uma renegada e um reles humano. Foi aí que percebi que não era bem-vinda naquele lugar.
Que horrível...Uma mãe fazer isso com a própria filha...-murmurou Kagome.
Para os youkais, isso não é horrível, Kagome...Eles tentam manter o sangue da espécie puro acima de qualquer valor moral ou maternal...-disse InuYasha. Aquilo que a outra hanyou estava dizendo fazia-o lembrar de si próprio...
Eu passei seis anos nas colinas da Lua. Elas apenas me abrigavam e me deixavam comer e participar dos rituais, mais nada...Minha avó dizia com freqüência que só não me expulsava dali por que não queria que eu manchasse mais ainda o sangue das Panteras Negras. Já que havia nascido e tinha a honra de ter o sangue delas, era preferível que vivesse por ali mesmo.
E o que aconteceu com sua mãe?-Kagome perguntou.
Ela morreu. Assassinada por outros youkais na floresta. Uma youkai pantera que não tinha muita experiência em batalhas foi um alvo fácil para eles.
Oh! Me desculpe, por favor, ter tocado neste assunto...
Ela olhou para a colegial.
Não precisa pedir desculpas, é a minha história. Minha mãe faz parte dela, devo contar o que aconteceu para que eu chegasse até aqui, e isso faz parte de mim. Continuando: Vivi lá -é melhor dizer que sobrevivi- até os seis anos. Nessa época, havia surgido uma onda de youkais malignos no vale, e que pretendiam tomar as colinas da Lua. Houveram rumores de que a Jóia de Quatros Almas estava lá, e que um grupo de youkais pretendiam assaltar o lugar em busca dela. Chefiados por você -ela apontou com a cabeça para o hanyou atento -Foi aí que você começou a destruir minha vida!
Eu já disse que não fui eu! Nunca havia ouvido falar das Panteras Negras até agora! -respondeu ele, indignado.
Diga isso para as centenas de youkais panteras que morreram naquela época, seu cínico! O grupo de youkais chefiados por você era muito maior do que o número de panteras, e muitas lutaram até a morte! As que sobreviveram fugiram para a floresta, e algumas se mantêm em grupo até hoje, para não morrerem, mas perderam a posse das colinas da Lua e a sua honra acumulada durante séculos, tudo por causa de uma maldita Jóia que você procurava!
Como você ainda consegue defender o grupo de youkais que te fizeram tanto mal, Nayouko? Elas não mereciam essa sua preocupação -disse Sango.
Elas foram a única família que eu conheci por boa parte da minha vida, gostando de mim ou não! Me deixaram viver lá. Isso bastou para que hoje eu estivesse aqui, falando com vocês, ou acham que uma criança de seis anos sobreviveria na floresta repleta de youkais como você? -e olhou para o InuYasha.
Eu já te disse que nunca conheci as Panteras Negras, nem nunca estive nas colinas da Lua! Será que não entende?
Mas eu vi! Eu vi você atacar a minha avó e matá-la! Eu vi você mandar seus comparsas irem atrás de mim, quando eu cheguei no topo da colina e vi o desastre que estavam causando! Eu vi você ir embora, depois de ter matado minha família a não encontrado Jóia alguma, em cima de uma pena gigante, cortando os fios dos youkais que controlava, para que não voltassem a vê-lo! Eu apenas escapei por que naquela época já havia controlado a Dança das Ilusões, e...
Espere aí! Você disse que ele foi embora numa pena gigante, e que cortou fios dos youkais que controlava? -interrompeu Kagome.
Sim. Eu suponho que seja um de seus poderes, não é? Controlar as pessoas por fios de marionete. -disse ela, cuspindo as palavras.
Acho que nós já sabemos de quem se tratava neste caso...-murmurou Miroku, olhando os companheiros.
Aquele maldito do Naraku! -gritou InuYasha, socando a parede da cabana, o que a fez estremecer, fora o buraco na parede -Foi ele! Eu não acredito que aquele maldito fez isso! Maldição! Me solta, Kagome, eu vou matá-lo!
Calma, InuYasha! Espere, vamos escutar o restante...
Você disse Naraku? -a hanyou voltou a falar -Foi ele quem me encontrou na floresta, enquanto eu fugia. Eu estava desesperada, dizendo que meu clã havia sido atacado, procurando ajuda...Havia uma mulher com ele, e eu acho que ela quis me matar...Segurava um leque, e quando estava para brandi-lo contra mim, Naraku parou-a e disse que o responsável por tudo aquilo fora você -tornou a olhar o hanyou -E que, se eu tivesse mesmo o sangue de uma youkai Pantera Negra, deveria vingar a morte da minha família. Me indicou a direção do vilarejo...E me deixou seguir caminho. Foi lá que encontrei o meu pai.
Que estranho, parece que o Naraku já sabia que isso iria acontecer...O fato de a Nayouko tentar te matar, InuYasha. Talvez por isso ele tenha usado a sua forma naquele ataque.
Ele pode ter visto no espelho de Kanna algum lapso do futuro -supôs Kagome.
Talvez... Mas o fato é que ele não pode usar minha imagem para fazer esses ataques! Há quanto tempo isso aconteceu, Nayouko?
Há onze anos.
Muito tempo depois que a Kikyou morreu com a Jóia...-murmurou InuYasha. Kagome ficou a observá-lo. A lembrança da morte de Kikyou sempre o deixava assim. Ela gostaria de saber exatamente o que ele sentia quando pensava nisso.
Depois eu soube quem era a sacerdotisa Kikyou, e que ela havia lacrado um ser chamado InuYasha na Árvore Sagrada que ficava perto do feudo oeste, isso há anos. Ela morreu com a Jóia...Mas alguns diziam que a Jóia havia voltado do outro mundo, não se sabe ainda por quê. E então uma horda de poderosos youkais começaram a vasculhar todos os lugares possíveis em busca deste poderoso amuleto.
Então foi isso...Depois da morte da Kikyou, Naraku ainda usou a minha forma para caçar a Jóia. Aquele maldito...Como pôde trazer tanta desgraça assim...-ele socou a parede mais uma vez.
Mas por quê? Quem na verdade é esse Naraku? -a meia-youkai perguntou.
Todos explicaram detalhadamente que era o meio-youkai Naraku, uma junção de poderosos e cruéis youkais que buscavam por uma alma corrompida. Explicaram todas as atrocidades que ele cometia, e como cada um ali fora atingido direta ou indiretamente por ele.
Nayouko processava todas aquelas informações rapidamente. Mas na verdade não entendia. O que aquilo queria dizer? Sentia a mesma sensação de quando seu pai a abraçara, sete anos atrás. Surpresa e desentendimento. Isso significava que...Todo aquele tempo...Todas aquelas mortes...Todo o treinamento que teve...A maior parte da sua vida, a sua grande motivação, tudo aquilo era dedicado à morte da pessoa errada? O responsável pela morte de seu clã, de seu pai, do vilarejo onde vivera, e sabia agora, pela desgraça de tantas outras pessoas, era outro? Ela fora enganada! Ainda quando pequena, ainda frágil depois de ter assistido tudo aquilo, ela fora enganada, usada durante anos como peça de um jogo! Imaginou que seu pai também morrera como peça deste tabuleiro em que vidas eram apostadas. Ele a treinara por vontade dela. Sua infância e adolescência fora desperdiçada com um treinamento rígido que tencionava a morte de uma única pessoa, e que agora descobria, era tão vítima quanto ela? Não, não podia ser...
Enquanto todos discutiam a atitude de Naraku, ela deixou uma lágrima escorrer, e secar sozinha na descida por seu rosto. Então era isso. Fora enganada e maquiavelicamente usada. Mas não deixaria isso assim. Agora sua vida tomava um rumo diferente: Naraku iria pagar pelo que lhe fez.
Ei -tentou chamar a atenção das pessoas que discutiam à sua frente -Ei! -eles continuaram num falatório alto e interminável - EEEIII! CALEM A BOCA QUE EU QUERO FALAR!
Silêncio total no casebre.
Quem é o responsável por este mantra que me prende? -perguntou, mais calma.
É o Miroku -respondeu Shippou.
Monge -ela direcionou sua fala a ele -Retire o lacre.
Como é que é?
Retire o lacre. Eu quero sair daqui! Já não há mais motivo para me deixarem presa, agora que eu já sei...Agora que eu já sei quem foi o responsável por isso. -concluiu.
Hummm...
Eu acho que ela tem razão, Miroku -disse Sango, tocando no ombro do monge -Temos de dar um voto de confiança para ela. Afinal, Nayouko sofreu tanto ou mais que nós.
É verdade, Miroku -concordou Shippou. Ganhou um sorriso da hanyou.
Solte-a, Miroku. Ela não irá nos fazer mal. -Kagome assentiu.
E você, InuYasha?
O meio-youkai olhou por um segundo para a também meia-youkai deitada à sua frente. Ela sustentou seu olhar com firmeza.
Pode soltá-la.
Está bem.
O monge aproximou-se do corpo da jovem e recitou um mantra de reversão. Shippou retirou o adesivo colado na cintura dela. A hanyou soltou um suspiro de alívio, experimentou mexer os braços. Sentou-se. Seus olhos, com a íris na cor roxa, brilharam mais. Ela se levantou, e retirou as gazes que cobriam seu machucado. Não restava quaisquer vestígios de que um dia ela fora ferida naquele local.
Obrigada -disse rapidamente, com a cabeça baixa. Esticou-se. Agora sim, estava tudo em ordem. Enquanto exercitava o corpo, jogando o longo rabo-de-cavalo de um lado para o outro, levou as mãos à cintura e perguntou:
Onde estão minhas armas?
Estão guardadas. E não pense que iremos devolvê-las até sairmos desta cabana fechada -disse InuYasha.
A desconfiança é um item essencial na sobrevivência dos hanyous -respondeu ela -Mas eu quero que as devolva amanhã. Foi meu pai quem forjou para mim.
Certo...-respondeu ele, contrariado. Ainda não ia com a cara daquela menina. Ela pareceu ler seus pensamentos, e soltou uma risadinha:
Ah, você ainda está chateado por uma garota que você julgava youkai, mas que na verdade era meia, ter ganhado de você na batalha, InuYasha?
Ora, sua...Eu ainda quero uma revanche! Consigo vencer hanyous metidas como você em qualquer hora e em qualquer lugar!
Que tal agora? Pode vir, eu poderia vencer você sem mesmo usar as minhas espadas! -ela ficou em posição de batalha, suas unhas cresceram, afiadas, e alargou o sorriso. Kagome percebeu que ela também tinha caninos grandes.
Pois que seja! IÁÁ! -InuYasha já partia para cima da hanyou preparando o Garras Retalhadoras de Almas, quando...
OSWARI! Ainda não é hora para vocês brigarem, InuYasha! Seja educado, hanyou ou não, ela é uma garota!
Não preciso da educação de outro hanyou -a teimosa meia-youkai cruzou os braços. Qualquer movimento brusco dela fazia seu rabo-de-cavalo sacudir-se harmoniosamente.
Ela é uma garota que tentou me matar, Kagome, como possivelmente você ainda irá me matar com este maldito kotodama! -reclamou o hanyou, apertando a esteira de palha sobre a qual caíra nas mãos.
Ai, como você é exagerado! Não diga besteiras! Vamos todos dormir que já é tarde!
Só mais uma coisa -InuYasha foi até a menina youkai, e ficou de frente para ela, encarando-a. Ela era um palmo mais baixa que ele, mas mesmo assim ergueu o queixo e sustentou o olhar ferozmente. -Os hanyous costumam trazer uma marca que caracteriza a sua espécie, já que não podem ser humanos totais ou youkais totais. No meu caso, são as orelhas de cachorro -ele conseguiu fazê-las mover para um lado e para o outro. -Se você é mesmo uma hanyou, que marca da sua espécie traz?
Ah, é isso? -ela suavizou a expressão. De trás dela, uma comprida e sedosa cauda negra surgiu, e ficou ondulando em torno de seu corpo. -Huum...Isso responde a sua pergunta?
Você...Tem uma cauda? -ele estava com os olhos um pouco esbugalhados.
Você tem orelhas no topo da cabeça, e eu tenho cauda. Estamos em pé de igualdade nessa, cãozinho.
Não me chame de cãozinho, sua, sua...Gata de lixo!
Como foi que você me chamou?
Os dois estavam em posição de ataque, Kagome segurando os braços de InuYasha para trás, e Shippou correndo e pulando atrás da cauda de Nayouko ("Que linda a sua cauda! Êêê, volte aqui!"), Miroku admirando o corpo da meia-youkai, e Sango sacudindo o pescoço do monge com as mãos. É, parecia que eles iriam se dar bem.
Continua...
