Capítulo 10: Encontros e Desencontros

Richard estava certo quando disse que ela jamais viajara por nenhuma Era, e justamente por isso Nayouko não estava preparada para o baque que sentiu quando caiu no fundo do poço, nos tempos atuais. Não sabia que esse tipo de viajem resultava em doloridas escoriações no ombro esquerdo, nem lascas em sua roupa de guerreira. Ok, mais um prejuízo que iria parar na conta de InuYasha, e ela cobraria depois, com certeza.

Mas não deveria pensar nisso agora. Sair do poço foi muito fácil, bastou um pulo. O lugar não era muito diferente do Sengoku Jidaii. Estava numa espécie de templo, como aqueles de sua Era. Nayouko notou alguns objetos estranhos, que pareciam ser variados daqueles que já vira... Anotou mentalmente que iria verificá-los na volta. Primeiro, tinha de buscar o InuYasha.

Ali o cheiro dele estava mais forte. E também de água e sal. Alguém chorara. Muito.

"Não são as lágrimas daquele baka... Logicamente são da Kagome. Por quê raios os seres humanos são tão sensíveis assim? Isso um dia ainda resultará na extinção da espécie deles..." pensou, enquanto saltava da borda do poço e abria a porta do templo.

Nayouko levou outro baque, menor do que quando caiu no outro lado do poço. Mas que raios de mundo seria aquele?

"Ka..kami..." Ela murmurou, quando viu mais adiante da casa o tráfego contínuo de carros. Que criaturas seriam aquelas, que pareciam serem feitas de aço? E na velocidade que corriam, dava muito a entender que fugiam de uma guerra, ou iam para uma. Observando melhor, notou que eram um tipo de carroça, mas sem bois nem rodas de madeira. Em vez disso, uma roda preta que os humanos giravam, dentro do veículo, e outras quatro, que pareciam movê-lo, embaixo dele. E tudo tão rápido que somente os sentidos aguçados da hanyou podiam captar.

Sentiu um leve raio de raiva transpassar seu corpo, quando um dos motoristas tocou a buzina. Ficou tentada a retalhar aquela carroça barulhenta em vários pedacinhos.

As casas também eram diferentes, todas brancas ou cinzas, no formato de caixas empilhadas. Como eles conseguiam viver uns em cima dos outros? E no meio de todo aquele barulho e fumaça? Ela sorriu internamente, pensando que se o Sesshoumaru, meio-irmão de InuYasha e que era averso aos humanos, visse isso, ele teria certeza absoluta de que essa raça não pensava muito e era inferior.

Largando todas as outras especulações, Nayouko entrou na casa de Kagome.

Encontrou a sala completamente vazia. E mais objetos estranhos. Tentou farejar InuYasha, mas o que sentiu mesmo foi o aroma de um dos seus alimentos favoritos...

...Oden!

"Dane-se o InuYasha", pensou, enquanto se encaminhava mais do que rapidamente para o cômodo de onde viera o cheiro. "Ele sabe se cuidar muito bem! Oden, Oden!"

Seu sansei costumava fazer oden nos dias mais frios de inverno, quando ainda treinava na montanha. Aquele cheiro lhe trazia ótimas recordações, tanto emocionais quanto gustativas.

Encontrou a cozinha vazia, ou melhor, ocupada com os mais diversos aromas alimentares que podia querer. Bem no meio da bancada de mármore branco, surgiu-lhe a visão do paraíso: uma enorme tijela, cheinha de oden. Nayouko não pensou duas vezes: armando-se de um par de hashis, atacou a soberba iguaria.

Quinze minutos depois, sentada em cima do balcão, com os joelhos na altura do rosto e as pernas cruzadas na altura dos tornozelos, ela lambia as pontas dos dedos, manhosa depois de comer. Sua cauda balançava preguiçosamente, em ondas lentas, atrás de si. Aquele era um hábito que herdara de suas familiares.

Sua calma foi pertubada quando escutou um grito, que viera do portal da cozinha. Um garotinho humano, aproximadamente dez anos, apontava-a com o braço esticado, tremendo por inteiro. Seus olhos, arregalados, demonstravam choque com a figura de Nayouko, enquanto gaguejava. Uma idéia ocorreu a Nayouko: aquela criança humana era incrivelmente parecia com...

-MAMÃÃÃÃÃEEEE! TEM UMA GAROTA ENTRANHA NA COZINHA! Ela...ELA TEM UMA CAUDA! -ele completou, enquanto saía correndo em busca da mãe.

-Ei, moleque, espere! -Nayouko, ainda com os hashis nas mãos, saltou da bancada e correu atrás do menino. Passos começaram a serem ouvidos no interior da casa.

-Souta, mas o que...-um velho, quimono branco e azul-escuro, saiu de dentro de um aposento, no corredor. Ao deparar-se com Nayouko, e sua cauda tremulante, ele recuou, mas antes disso levou mão à dois papéis que ela reconheceu como sendo pergaminhos sagrados. Aquele, mesmo vestido diferente, deveria ser o monge da região.

-Ka...Ka..Kagomeee! Outro daqueles youkais!-disse, atirando os pergaminhos e passando correndo por ela. Antes que Nayouko pudesse despedaçá-los, os pergaminhos grudaram em seu rosto. Nayouko sabia as conseqüências que os Pergaminhos Sagrados surtiam em youkais e hanyous. Não era nada fatal, algo comarado a um choque, dependendo do poder do inimigo, apenas o bastante para distrair o ser mágico. Já preparando os músculos do rosto para a desagradável onda de choque místico, ela tentou arrancar os papéis de sua face. Passados dois segundos, nada aconteceu. Nayouko finalmente conseguiu arrancar os pergaminhos, mas irada do que já se sentia com aquela confusão. Monge fajuto! Não havia nem vestígio de energia mágica ali. Eram simples papéis!

Ela correu na direção de onde o velho fora, e deu de cara com uma mulher, anda mais parecida com Kagome, porém mais velha. Não restava dúvidas de que ela a mãe da colegial.

A mulher não demonstrou choque, nem medo. Apenas recuou, tonta com o baque que a hanyou lhe dera. O velho e o menino a apoiaram, ambos espremidos contra uma parede. A mulher piscou três vezes, e depois seu olhar cruzou com o da hanyou, uma em cada extremo da sala.

-Você é uma das pessoas pertecentes à Era que Kagome visita? -perguntou docemente a senhora.

-Sim...eu...-como Nayouko lidava com alguém assim? Numa...família? A mulher estava-a trantando bem, mesmo tendo topado com ela e causado pânico em seu filho e sogro.

Notando o desconforto da garota-de-cauda, a bondosa senhora deixou suas perguntas de lado, e apenas disse:

-Desculpe o comportamento do meu filho e do senhor Higurashi. Eles estão acostumados apenas com o InuYasha, não é muito comum outros seres virem visitar a Kagome... Diga-me, qual seu nome? -perguntou docemente.

-Nayouko -ainda desconfiada pela mudança de reação entre as três pessoas à sua frente, a hanyou não se moveu. Medindo as palavras, disse: -Eu vim buscar o InuYasha e a a Kag...

Nessa hora, o hanyou e a colegial apareceram no alto da escada, com as faces vermelhas, principalmente Kagome. InuYasha estava atrás da menina, já alerta para saber qual for ao problema que os interrompera...

-Mamãe! Que gritos foram esses? -a colegial, preocupada com a sua família, e ao mesmo tempo sem ar pelo que acabara de lhe acontecer, desceu a escada aos pulos. Mas parou na metade, agora realmente visualizando a cena: -Na...Na...Nayouko!

-O quê? Gata-de-lixo? -gritou InuYasha, também descendo a escada ainda mais estrondosamente do que Kagome. Seu rubor de ter de encarar a todos depois do que acontecera com ele a Kagome no quarto de um jeito tão repentino, transformara-se imediatamente em irritação profunda pela causa da interrupção ser a hanyou.

-Focinho de cachorro! Vai se arrepender por ter me feito vir até aqui procurar um cãozinho como você! -ela já estava afiando as garras de novo, quando InuYasha saltou do meio da escada em sua direção. Como Nayouko saltara também, os dois se encontraram no ar e mudaram de posições. Agora Nayuko estava ao pé da escada, em posiçõa de luta, e InuYasha no outro extremo da sala, sacando a Tessaiga. Nayouko pegou suas espadas de três lâminas. Ambos avançaram ao encontro do outro, num grito de guerra. A Tessaiga e as Espadas de Três Lâminas chocaram-se, provocando um retinir de aço agudo.

-PAAAREEM... Vocês vão destruir a minha casa! InuYasha... OSWARI!

CAPLOF! Enquanto estava estatelado no chão, frustrado por ser mais uma vez interrompido no meio de um ataque, InuYasha levantou o rosto vermelho de raiva.

-Kagome...Por quê fez isso? Essa hanyou maldita me provocou!

-Há! Foi você que começou, focinho de cachorro. E considere-se grato, eu não costumo lutar com youkais e hanyous que são imobilizados no meio da luta por uma humana.

-Ora sua...-ele levantou-se rapidamente, e já brandia a espada outra vez, ao passo que Nayouko fazia o mesmo, quando...

-OSWARI! (Caplof!) Eu quero explicações! -Kagome, que ainda estava no meio da escada, via sua família encolher-se cada vez mais contra a parede, e decidiiu que era a hora de pôr um fim naquilo, temendo que sua casa não fosse resistir ao acerto de divergências dos dois hanyous. Estava tudo acontecendo muito rápido, primeiro o InuYasha derrubando a porta de seu quarto, tomando-a nos braços e declarando seus sentimentos, seguido ao beijo que ela esperara praticamente desde o primeiro dia em que notou que amava o hanyou que agora se encontrava nocauteado no chão pelo kotodama. Dez gloriosos minutos depois, mais uma gritaria na sua casa a obrigou a separar-se do hanyou de um modo tão brusco que chegou a doer, e fez com que corressem para a escada, apena para encontrar a maior rival em lutas de InuYasha. É claro que, automaticamente, os dois começariam uma nova richa, ali na hora. Kagome, irritada porque InuYasha parecia ter esquecido dos fatos de dez minutos atrás, e ainda acompanhando as esculturas de argila, as porcelanas, cristais e quadros serem vítimas daquele combate desmedido, nem notou que nasciam chamas de irritação atrás de si, e seus olhos tomavam uma forma opaca mais assustadora do que os dois combatentes. Portanto, tratou de tomar o seu posto. Seja lá qual fosse.

-Nayouko-cham... -tentou começar, educada.

-Por quê "cham"? Baka combinaria melhor com ela! -protestou o hanyou, apoiado numa perna.

-Oswari! (Caplof!) Eu já disse que quero saber o que está acontecendo aqui! Nayouko-cham, você disse que veio aqui procurar o InuYasha... porquê?

-Ora -a hanyou respondia, embainhando as espadas -Eu esra a única que podia passar pelo poço-come-ossos. Aquele mongem, e a exterminadora estavam preocupados com vocês. Depois de toda aquela cena no lago -dito isso, as faces da hanyou tomaram uma colocaração levemente vermelha já que fora ela que começara tudo aquilo.

-Ah... Bem... E por quê você não nos avisou que estava aqui, Nayouko?

-Segui o cheiro de InuYasha. A casa aparentemente estava vazia. Enquanto eu procurava por vocês, vi...

-Eu a peguei devorando todo o oden que a senhora preparou, mamãe. -disse Souta, até agora calado. Nayouko, ao escutar aquilo, acenou loucamente para que o menino ficasse quieto, mas não adiantou. Em seguida, sabendo que transgredira uma das poucas leis de boa educação que realmente sabia, ela virou a cabeça mais corada ainda, deixando de encarar a todos.

-Eu gosto de oden, e daí? -respondeu bruscamente -Não sabia que esse moleque iria me interromper.

Por um momento, a família de Kagome, a colegial e o hanyou silenciaram-se. Depois, todos caíram de exasperação, com uma gota da cabeça, diante da confissão da hanyou.

-Na...Nayouko, porque...-Kagome tentava entender toda a história.

-Souta, porquê você assustou a senhorita Nayouko dessa maneira, só por causa de um oden? -a mãe da colegial encontrou os olhos do filho, mais espantada do que brava. -Não se faz isso com visitas.

-As visitas é que não fazem isso com os donos da casa -retrucou InuYasha, emburrado.

-Venha, senhorita Nayouko! -a mãe de Kagome, num gesto doce e ao mesmo tempo decidido, atravessou a sala e pegou a mão da hanyou -Eu tenho mais alguns quitutes na geladeira, e alguns bolinhos de arroz guardados no forno...Acho que a senhorita vai gostar!

Completamente pega de surpresa, mais até do que pelo irmão da Kagome, Nayuko só conseguiu articular uma frase coerente quando já estavam na porta da cozinha.

-Não..eu...muito obrigada, mas é que eu realmente preciso...

-Hum...Acho que não sobrou muita coisa do jantar...-ignorando a enorme tijela vazia onde guardara o oden, e o rosto consternado da hanyou, ela continuou as portas dos armários, da geladeira, do forno, até encontrar, em cima do fogão..

-Hum... Acho que isso aqui vai ter de servir, talvez goste também. Chama-se Coop Nudles.

-Aquela comida amarela! -InuYasha, que estivera na frente da fila que acompanhara a mãe de Kagome e a hanyou até a cozinha, parou diante da cena, fazendo com que Kagome, seu avô e Souta chocasem-se entre si, como num descarregamento. A mãe de Kagome estava entregando um copo fumegante daquele macarrão delicioso de nome complicado para a hanyou, que aceitava mais por educação do que por qualquer outra coisa -Mas eu adoro essa comida amarela! Kagome ela não merece um copo só para ela! -ele dizia, com uma expressão desesperada nos olhos.

-InuYasha...depois eu arrumo um Coop Nudles para você, tá bem...-a colegial argumentava com uma gota na cabeça -InuYasha...!

-Me dá isso aqui! Eu já freqüento a casa da Kagome há mais tempo, não é justo que você ganhe um copo de comida amarela só para você! -ele tentou tomar o copo das mãos da hanyou. Nayouko, porém, segurou-o firme e estendeu o braço o mais alto que pôde.

-Alto lá, Focinho-de-Cachorro! Isso agora é meu, tire o olho da minha comida! -Ela desviava das mãos de InuYasha, mas, como ele era decididamente mais alto que ela, isso impunha bastante vantagem.

-Sua uma ova! Isso é da casa da Kagome, e ela é minha mulher agora, então também é meu! Devolva!

-Nunca!

Kagome saiu totalmente daquela atmosfera de brigas por comida. Então ele dissera. "Minha mulher", fora o que ele disse. Talvez não fosse exatamente o que esperava, mas compreendia que, para InuYasha, aquilo significava muito. "Minha mulher"...será que se acostumaria com isso?

Sorrindo, continuou a observar os dois hanyous brigarem pelo alimento, Nayouko saltando para fora do alcance de InuYasha, comendo o macarrão e olhando vitoriosa para o outro hanyou, que bufava e perseguia a irmã de espécie.

De volta ao Sengoku Jidaii...

-Você me paga, hanyou maldita.

-É você que tem que me pagar por ter perdido meu precioso tempo para ir atrás de você...focinho de cachorro!

-Repita isso, se quiser perder os seus dentes! -ele respondeu, erguendo o punho para a hanyou, enquanto ela apenas exibia os caninos salientes em desafio.

-Ai, Kami... Será que isso não acaba? - Kagome murmurou para si mesma, revirando os olhos para o céu azul da outra Era, enquanto se apoiava na borda do Hone Kui no Ido. Os hanyous passaram a viagem inteira assim, e nem quando ela presenteou InuYasha com um CoopNudles de queijo ele ficou quieto. Muitos oswaris foram gastos em vista de acalmar o hanyou, mas, até onde podia ver, isso só servira para irritá-lo ainda mais. Kagome ficou pensando se um kotodama para Nayouko-cham não resolveria os problemas. A imagem da hanyou de feições angelicais e temperamente vulcânico sendo atirada ao chão por um "Oswari!" foi divertida...mas imaginar a reação que Nayouko teria a isso não foi nem um pouco confortável.

-Ei, Kagome, o que foi? -InuYasha perguntou, já com os pés bem firmes na grama que cercava o Poço Come Ossos.

-Ah...Hã? O quê? Ah, tá...-ela acordara do devaneio ao ver que aidna estava com uma perna dentro do Poço e outra na grama do Sengoku.

-Acorda e vamos logo. Temos de avisar aos outros que chega...

-KAGOMEEE! INUYASHA, VOCÊS VOLTARAM! - bradaram ao longe. Lá estavam Shippou, Sango, Miroku

-Ué, mas quem... Ei, Miroku, Sango! Shippou-cham! - os olhos da menina brilharam ao ver que todos estavam bem. No meio de uma crise de choro e outra, na Era Atual, ela preocupara-se com a segurança de seus amigos. Com o que estariam fazendo, como estavam reagindo àquela bomba de verdades dita pela hanyou. Ficara feliz de ver que todos estavam ali, pelo menos exibindo um sorriso.

Súbito, Kagome corou. Enquanto todos corriam na sua direção e Shippou pulava em seu colo, ela viu mais ao longe, andando vagarosamente, um homem que lhe era estranho. Não... Mais especificamente, parecia um jovem samurai. Vestia um diáfano quimono branco, ornamentado de pequenos losangos azuis, brilhantes e dourados, uma espada que pendia-lhe da cintura e irradiava um poder que ela nunca vira antes em uma arma assim. Caminhava devagar, postura ereta, por sobre a relva verde e úmida da manhã. Seus cabelos de um castanho muito claro, quase louros, refletiam o Sol e voavam junto com o vento, e conforme a brisa mudava de direção, eles iam e vinham sobre o rosto, formando uma cortina dourada e misteriosa. Kagome esqueceu-se de que estava na companhia de todos, e apenas sentiu o sangue subir-lhe ainda mais no rosto quando o estranho samurai parou a três metros do grupo, e focalizou-os com os olhos de orbes cinzentas. Céus, que olhos. Ela não conseguia desviar deles.

O mais estranho foi que, quando ele finalmente parou, as boas-vindas também estancaram. Todos pareciam encarar o jovem espadachim, em especial...

...Nayouko.

-Quem é você? -InuYasha foi o primeiro a acordar do momento silencioso, e pôs a mão na bainha da Tessaiga. Não gostava de estranhos que chegavam até ele assim tão casualmente. Podia não conhecê-lo, mas não gostava do jeito como perscrutava o seu grupo, e o principal, não gostava do jeito como Kagome parecia vidrada na figura do estranho. Isso já era, por si só, motivo suficiente para que ele o recebesse sem nenhuma confraternização. O samurai apenas encarou-o de forma demorada, os olhos parecendo tocar em seu espírito. InuYasha ignorou a tensão que isso causava, e puxou a Tessaiga dois centímetros da bainha, repetindo a pergunta.

Antes que o sujeito respondesse, Miroku entrou em sua frente. Droga, ele adoraria uma chance de comprar briga com aquele cara!

-Er...Calma, InuYasha! Bem... esse aqui é o Richard-sama. Ele é amigo da Nayouko-sama. Não, é Nayouko? -ele perguntou ansiosamente, virando o rosto para a hanyou, que estava sem expressão. Por essa o hanyou não esperava.

-Amigo... da gata-de-lixo? -InuYasha perguntou para si mesmo, ainda focando o samurai. A resposta da hanyou foi um bom murro em sua cabeça, que gerou um galo.

-Eu já disse que não quero que me chame disso, focinho de cachorro! - Nayouko fulminava o meio-youkai com o olhar. Era o fim da picada, ser chamada de gata-de-lixo perto de Richard! Quando estivessem sozinhos, ah, aquele hanyou mal-educado veria só... Ainda vermelha com a provocação de InuYasha, Nayouko olhou para Richard.

Ele apenas ergueu uma sobrancelha ao escutar o "gata-de-lixo". O que aquilo queria dizer, pensou, dividido entre a graça e a dúvida. Como foi que uma richa mortal, uma jura de morte e vários anos de treinamento com objetivo de vingança foram reduzidos a uma troca de insultos e provocações? Esse lado de Nayouko ele não conhecia tão bem... Deu um meio sorriso ao pensar na reação da garota. Dois meio-youkais que tiveram seus caminhos cruzados pela maldição da Jóia, e que por um engano passaram a se odiar... Mesmo sendo desfeito o engano, o confronto entre as duas personalidades continuava. Era sintetizado agora pelos "gata-de-lixo" e "focinho de cachorro". Richard não precisou observar muito InuYasha para perceber que este possuía um temperamento igual ao de Nayouko. Um pouco mais ou um pouco menos explosivo, talvez... O atrito entre as duas índoles só poderia gerar duas coisas: ou muito devastação, que ele não duvidava, já acontecera; ou a união de dois seres que eram movidos pela mesma causa. A segunda opção era menos provável, mas não impossível.

Richard prestou atenção na outra garota, que voltara junto com eles. Seria a mulher Kagome, que fugira para a outra Era, seguida por InuYasha. A exterminadora e o monge lhe contaram toda a história dos dois, que parecia ser de uma complexidade incrível. Primeiro um meio-youkai é lacrado pela sacerdotiza que amava e que acreditou ter sido morta por ele, depois o mesmo se apaixonava pela reencarnação da sacerdotiza morta, que tempos depois ressurgiu num corpo de barro e queria vingança, e o já dito meio-youkai convivia com a dúvida se amava a sacerdotiza ou sua reencarnação, e se a mesma sacerdotiza ainda o amava ou queria apenas uma fria vingança. Como lidar com aquilo? Richard não duvidava que uma situação dessas fosse acabar daquela forma, as verdades sendo jogadas para todos os lados de forma brusca, por Nayouko... Isso o levou a pensar em quando a hanyou começara a entender de sentimentos humanos, algo que sempre ignorara, ou fingira ignorar e não ter a menor importância. Talvez um convívio mais prolongado com aquele estranho grupo, formado por youkais, hanyous e humanos, pudesse fazê-lo entender melhor.

-E você seria InuYasha. -respondeu simplesmente, encarando o hanyou. Este aprumou a coluna, ainda com a mão na espada, atitude hostil. Richard não diminuiu o sorriso. Já ouvira falar sobre as façanhas da Tessaiga, e não duvidava de que seria muito interessante combatê-lo um dia, presenciar todo o poder do Canino de Aço. Mas não estava ali para isso.

-Exato -o hanyou respondeu, encarando o samurai, sem desviar os olhos. Lembranças do dia em que perseguira a hanyou pela floresta e roubara-lhe o pingente em forma de Meia-Lua vieram à sua cabeça. Um hanyou não tinha muitos amigos. E aquele era o único que ouvira Nayouko falar. Então... -Amigo da Nayouko -repetiu -Foi você então que fez o pingente de Lua para ela? -perguntou deliberadamente.

-Pingente de Lua? -os outros perguntaram.

-Idiota, cale a boca! -Nayouko virou-se no mesmo lugar, e estava pronta para dar outro soco no hanyou, quando Richard aproximou-se dela. Levantando o rosto para encará-lo, viu que ele puxava com o dedo o fio de lã verde, escondido na gola da veste de guerreira, onde ninguém poderia vê-lo. Mas ele sabia que estava ali. Levantou o dedo prendendo o cordão, até que o pingente prateado aparecesse, ofuscando a todos com seu brilho, a luz do Sol que refletia nos contornos da Lua e nas pequenas pedrinhas de rubi. Nayouko, de forma automática, escondeu os pingente entre seus dedos, desviando o olhar do de Richard. Este não soltou o pingente, apenas segurou a mão de Nayouko entre as suas e estendeu a pequena e pesada Lua entre elas.

-Então você o guardou -disse, baixinho, mergulhando nas orbes violetas da hanyou. Nayouko sentia suas mãos aquecerem-se no calor das mãos de Richard, que segurava levemente seus dedos em torno da Lua.

-Eu... disse que quardaria. -ela respondeu. Sentiu o olhar de Richard tornar-se doce, abransivo.

-Sim, você disse...Que bom. E que bom que voltou bem -Ele lutava desesperadamente contra a vontade de abraçar a hanyou com força, liberando toda a preocupação que sentiu ao pensar que sua Nayouko estava numa Era diferente, onde não poderia protegê-la. Depois de tanto tempo longe, a idéia de perdê-la era forte demais para que pudesse ignorar a apreensão que sentia. E o alívio de ver que ela voltara bem, bem o suficiente para discutir e trocar ofensas com InuYasha, foi como um sopro quente na gélida imensidão da angústia.

Richard sabia bem como Nayouko iria se sentir caso a abraçasse no meio de todos. Então, limitou-se a prender suas mãos levemente entre as suas e soltá-las depois, deixando para desviar o olhar por último. E encarou a garota que voltara com ela.

-Você deve ser Kagome-sama. Hajimemashite -disse, sorrindo, para quebrar o gelo da situação. Todos pareceram acordar, inclusive a colegial, em cuja cabeça apareceram uma dúzia de gotas.

-Aa..ah.. sou! -ela cumprimentou o samurai com uma trêmula curvatura tradicional. Ao levantar-se, percebeu o olhar cruciante de InuYasha, e contrariando o céu resplandescente de luz, pareceu que a noite caía.

-Kagome! -ele disse, quase rosnando. Imediatamente, caminhou para o lado da menina, passou o braço pelas costas dela e afastaram-se um pouco do local. Richard, Nayouko, Sango e Miroku observaram o casal afastar-se, todos com ar de interrogação, e inclinaram-se para escutar os sussurros dos dois:

"Pensa que eu não vi o jeito que você olhou para ele?"

"Mas eu não olhei para ninguém!"

"Não admito que o paquere bem na minha frente! Ele é cúmplice daquela hanyou maldita, e eu não confio nela, e nem nele se quer saber!"

"Mas eu não...InuYasha, deixe de ser bobo!"

"Você é minha mulher, Kagome! Como se já não bastasse o Kouga!"

Nayouko sussurrou para Sango: "Quem é Kouga?"

"Um dos pretendentes da Kagome-cham"

"Ah.." respondeu a hanyou, ainda não convencida de fato.

"Mas eu não tenho nada com o Kouga! Não admito que fale isso de mim!" Os ânimos começavam a esquentar, porque a coloração da pele da colegial ficava mais rubra a cada frase, e os dois gesticulavam abertamente.

"Não minta! Aquele lobo fedido sempre deu em cima de você!"

"Eu nunca dei confiança para o Kouga, seu idiota! Não tem motivos para ficar com ciúmes!"

"Ciúmes! Eu?" o hanyou espalmou a mão no próprio peito, em gesto de defesa "Isso não é verdade!"

"Não tem direito de falar isso!"

"Tenho sim! Você é minha mulher, e..."

"Tá parecendo o Kouga! Não sou mulher de ninguém, sou simplesmente Kagome!" os dois inclinavam-se um para o outro, impulsionados pela discussão, mas tentando ao máximo manter o som da conversa baixo. Os sussurros inflamavam cada vez mais.

"Ah, é sim, e não quero que você fique olhando para desconhecidos que nem aquele tal de Richard...O que você viu nele?" disse, já num tom de ofensa e choro.

"Grrrrr...InuYasha... OSWARI!"

CAPLOFT!

"OSWARI, OSWUARI, OSWARI!" a colegial gritava, enquanto o hanyou abria uma pequena cratera no chão. Todos que escutavam a "conversa" apertaram os olhos a cada oswari. Durante cinco segundos, enquanto a poeira baixava, ela arfou e arfou. Depois, acalmando-se, voltou para onde o grupo estava, jogando os cabelos caídos na testa para trás, e exibindo um sorriso nos lábios.

-Sobre o que falávamos? -disse, logo depois virando o rosto para trás e fuzilando o hanyou com o olhar, já que este se levantava.

Todos: gota

-Isso sempre acontece? -Richard murmurou no ouvido de Nayouko.

-Sim...É aquele kotodama...Uma longa história que depois te explico.

-Bem..Kagome-cham, o que aconteceu na sua Era? Será que você e o InuYasha... -Sango e Miroku cercaram Kagome pelos lados, encurralando a colegial:

-Vocês se acertaram? De verdade? O que aconteceu? -perguntavam ansiosamente.

-Bem...er...Eu...O InuYasha...-Kagome tentava encontrar uma resposta, e não conseguia esconder um sorriso sem nexo no rosto. Miroku e Sango, obsevando bem aquele "sinal", entenderam toda a história.

-Aquele InuYasha...Eu sabia, ele sempre teve esse espírito...Safadinho... -Miroku riu, pensando obviamente em coisas nada pudorosas. Sango e Kagome entraram em contraste num fundo negro, cada uma com uma gota. A sobrancelha de Sango tremia por causa do disparate do monge. Gesto que durou muito pouco, pois soube como extraviar a consternação com um bom tapa no rosto do monge pervetido.

-Não foi nada disso, seu tarado! A Kagome não faria uma coisa dessas. Você pode falar o que aconteceu se quiser, Kagome... Não precisa contar para nós agora.

-Certo... - a colegial respirou aliviada. Mas voltou a prender o ar dentro dos pulmões quando viu que Miroku desistira de perguntá-la para interrogar InuYasha. Ele estava no momento agachado perto do hanyou, dando amigáveis tapinhas nas costas do meio-youkai estendido no chão, e sorrindo maliciosamente. InuYasha, sem forças depois da série de oswaris, limitou-se a socar o monge com uma mão.

Ela respirou fundo o ar florestal misturado ao cheiro da sopa e ouviu o crepitar da madeira. Certo, não se deixaria contaminar por aquilo. Uma atmosfera confortável era sempre a primeira a ser pega desprevinida. Enquanto todos apreciavam o jantar da senhora Kaede, gratos mais uma vez pela hospedagem (a cabana fora reconstruída pelos moradores da aldeia. Eles continuavam imaginando que fora o ataque de algum youkai, e Nayouko não se esforçara para desiludí-los) sem custos. A noite caíra preguiçosamente, e por causa do calor, todos estavam do lado de fora da cabana. Parecia que alguém andara saltando pelo céu, enfeitando a escuridão com pequenos pontos brilhantes. As constelações eram visíveis, e cortejavam os últimos vestígios da Lua. "Lua Nova", Nayouko pensou. E isso não conseguiu animá-la muito. Mas esqueceu os detalhes e voltou a observar seu redor.

Sango e Miroku terminavam de comer, enquanto o pequeno youkai raposa brincava com Kirara. InuYasha e a humana Kagome não deixaram a discussão de mais cedo interfirir naquela melosidade. No mínimo, pensou Nayouko, revirando os olhos, porque os dois estavam sentados na soleira da cabana, quietos, Kagome com a cabeça encostada no ombro do hanyou, e este com o braço passado pelos seus ombros. De olhos fechados, pareciam apenas sentir a presença um do outro, e não se importarem com mais nada. Nayouko riu internamente ao pensar que, e em nenhum dos muitos anos em que treinara, poderia imaginar um "Cruel Yukai" abraçado à uma humana daquela forma.

Ninguém ali estava sozinho, ela pensou, enquanto contemplava as estrelas um pouco distante do grupo, sentada na macia relva. Todos pareciam ter alguém. A exterminadora e o monge, a garota e o hanyou... Por mais conturbadas e tempestuosas que fossem as relações entre eles; estavam ali, juntos. Mas ela não precisava de ninguém, lembrou, com força. Tinha a si mesma. Sempre fora conscienciosa de que poderia contar unicamente com ela mesma, e com mais ningué...

Não conseguiu completar o pensamento, porque nesse exato instante, Richard passou pela sua frente e sentou-se ao lado, o quimono farfalhando de leve. De onde ele teria saído, ela pensou, virando o rosto na sua direção. E por onde teria andado? Não que não houvesse percebido a presença dele. Mas estava tão entretida nos seus pensamentos... Richard invadira não apenas sua privacidade mas também seus devaneios.

-Boa noite -ele disse, com exagerada cordialidade. -Admirando a Lua?

-Também. -ela respondeu, voltando a atenção para o céu. -O que está fazendo aqui?

-Companhia, não posso? -ele sorriu, mas seus olhos estavam sérios. Resplandeciam desafio. Nayouko não pôde evitar encará-los por um longo segundo, mas forçou-se a deslumbrar a noite outra vez -Está perto da Lua Nova. O que pretende fazer?

-O de sempre. Vou me afastar, não quero que ninguém descubra. E não conte -ela disse, com um tom de voz mais ríspido, tentando trair a estranha sensação de paz por ele estar perto. -Se InuYasha e os outros souberem...

-Não fariam mal a você -disse, sem esperar a hanyou terminar sua fala -Não desejam isso.

-Pode ter certeza que o InuYasha sim -ela sorriu misteriosamente, pensando nas tantas batalhas que tiveram -Esse hanyou não supera o fato de ter perdido para mim. Ou quase totalmente.

Richard suspirou. O prazer que Nayouko tirava das batalhas e transpunha nas conversas era algo que a fazia sentir bem. Lutava incrivelmente, e saber que era muito boa nisso servia como um solo seguro, um assunto fiel e que não poderia conduzi-la por caminhos sem respostas.Não raramente ela fugia para esse tipo de diálogo quando queria na verdade falar de algo mais profundo. Simplesmente não se permitia.

A bola que Shippou conseguira para jogar com Kirara foi parar aos pés da hanyou. Antes que rolasse colina abaixo, ela enrolou-o com a ponta da cauda, puxou-a para si e arremessou para o pequeno youkai. Este já vinha correndo em busca do brinquedo.

-Obrigado, Nayouko-cham! -ele disse, sorridente e agradecido. Nayouko abrandou o olhar, e comprimiu os cantos da boca num discreto sorriso. Shippou sempre a tratava bem, e um pouco daquela alegria de criança permanecia nas pessoas quando estava por perto. Quando o menino foi embora, chocou-se com InuYasha, que, por incrível que pareça, estava com uma flor de sakura atrás das costas, e caminhava na direção de Kagome. A flor caiu quando Shippou deu de encontrou às suas pernas, e dois segundos depois levou um soco na cabeça, do hanyou frustrado. Ele entregou a flor para Kagome de forma muito rápida e sem romantismo, já que a surpresa fora estragada, e ignorou o choro de Shippou. Kagome começava um discurso em defesa do pequeno youkai quando recebeu a flor, e os dois voltaram a mergulhar naquele rio de melosidade.

Richard acompanhou todos os fatos atentamente, e percebeu mais ainda quando Nayouko teve de se controlar para não sorrir.

-Como foi que você entrou num grupo desses, Nayouko? -Richard perguntou de repente, olhando a cena. Nayouko teve de levantar o rosto para encará-lo, pronta para uma discussão. Ela não sabia exatamente a resposta para isso, portanto estava disposta a atacar para de defender. Mesmo com Richard, essa sempre fora uma reação natural da hanyou. Mas viu-se frustrada, pois quando fixou os olhos do rapaz, encontrou um brilho de descontração -Eles divertem você, não é?

-Ah... - Surpreendida com a pergunta, Nayouko desviou o olhar para as estrelas -Isso não importa. -ela decidiu. Gaguejar não adiantaria -Estou com eles apenas por causa de Naraku. Fica mais fácil procurarmos assim. E também os fragmentos, é lógico. Esse maldito fica mais poderoso a cada vez que consegue um. Temos de tirá-los dele.

-Achei que também quisesse os fragmentos da Jóia -ele interpôs.

-Não os quero mais. Pensei que fossem necessários para enfrentar InuYasha, mas este hanyou não chega aos pés de mim -disse, levantando um pouco mais o queixo, em óbvio sinal de orgulho. Richard pensou se seria verdade, mas não duvidava. Nunca vira InuYasha numa luta, mas sabia boa parte das técnicas de combate de Nayouko. Ela decididamente era mais poderosa do que aparentava ser.

-E esse no seu peito não conta? -ele perguntou. Nayouko sobressatou-se, esquecera de que Richard podia ver os fragmentos graças ao treinamento de seu sansei. Ela podia apenas sentí-lo, mas ele via claramente esse indício de energia. Nayouko enfureceu-se. Sabia que InuYasha e os outros poderiam pensar que sua força vinha inteira do fragmentos de Jóia, que Nayouko não seria nada sem ele. Ela voltou-se e encarou Richard, seu cabelo acompanhou seu corpo no súbito movimento; e ela poderia esbofetear o rapaz por lembrá-la disso.

-Eu não preciso dele para nada! Esse fragmento não importa para mim, posso tirá-lo quando eu quiser! -dito isso, ela pôs-se de pé, e colocou o punho no local onde seu coração batia mais forte, ameaçando retirar o fragmento ali mesmo para provar o que dissera.

Ao contrário do que imaginava, Richard continuou parado no mesmo lugar.

-Esse fragmento te mantém viva -ele disse. Ela sabia que era verdade. Sabia, mas lutava para ignorar. Não aceitava que sua vida pudesse depender de um simples pedaço de Jóia entravado no seu peito! Irritada e contrariada, ela olhou acidentalmente para os olhos de Richard. E o que viu neles a deixou consternada.

Estavam sombrios. O par de orbes pareciam chumbo cinzento, um campo desertado onde a névoa pairou, e tragava a sua alma. Tão sombrios e sem vida que Nayouko temeu ter exagerado.

Richard também se levantou.

-Pensa que eu não sei que se esse fragmento for arrancado de você, a sua vida vai junto? Que eu não passei os últimos anos me preocupando que a pessoa que te deu o fragmento pudesse tirá-lo quando bem entendesse? Que ele não foi posto em você para que, quando quisessem tomá-lo de volta, fizessem sem remorso nem piedade alguma? E que você pudesse morrer em busca de vingança? -ele caminhava a curtos passos na direção de Nayouko, sua voz profunda e e grave, demonstrando uma nota de irritação. Inalterável. A presença dele parecia crescer cada vez mais, cobrindo e esmagando qualquer voltade de revidar. Nayouko apenas ficou parada, vendo-o se aproximar. No entanto, ele parou a poucos centímetros dela, e encarou a hanyou -Esse fragmento não interfere no seu poder, Nayouko, se é isso que quer saber. Não te faz ficar mais ou menos poderosa. Ele apenas...está aí. Não dá força, nem agilidade, nem vigor. Você é a mesma de sempre. A única coisa que ele faz é irradiar vida. A sua vida. Isso é tudo -ele passou a mão pelos cabelos, mal acreditando no que dizia -É só, e incrivelmente tudo.

Nayouko passara há muito do estado de aturdida para consternação geral. Richard raramente usava aquele tom de voz em conversas, apenas quando tratava-se de um assunto muito sério, que o preocupava. Imaginou por quanto tempo ele não convivia com esta hipótese, de que o ser que lhe dera o fragmento pudesse tomá-lo, e assim junto a vida de Nayouko. Ela viu-se dividida dolorosamente entre a o alívio de saber que era forte mesmo sem o fragmento, e a dúvida sobre o que a preocupação de Richard queria dizer exatamente.

Ainda estava perguntando-se isso quando ele se aproximou mais.

E perguntou novamente quando viu que o chumbo dos olhos cinzentos, agora tão perto, dissolveu-se, dando lugar à uma névoa de doçura.

E a pergunta começou a dissipar em seus lábios quando Richard inclinou-se para ela, e ela levantou o rosto centímetros de encontro ao dele.

A bola de Shippou novamente interveu-se. Tão rápido como começara, o momento acabou, e ela deu as costas a Richard, consciente do que estava prestes a fazer, as faces querendo pegar fogo de tão quentes. Ele apenas inclinou a cabeça para o lado, deixando os cabelos cobrirem seus olhos para logo depois serem jogados de volta para cima da cabeça por sua mão. Entre irritado e frustrado, ele que gostaria de ter posto um soco na cabeça do pequeno youkai, desta vez.

-Desculpa, Nayouko-cham! A Kirara não sabe para que direção jogar a bola, e... -afobado, Shippou corria para buscar seu brinquedo, mas parou ao ver as expressões da hanyou e do samurai. Sensível como era em todas as situações, percebeu logo o que estava acontecendo -Nayouko, você o o Richard-sama, iriam mesmo se...

-Iríamos o quê? -Nayouko disse, a voz controlada, mas num tom que traía seu estado.

-Ahh... Nada! -Shippou achou melhor ficar na sua. Nayouko era boa com ele, mas não devia abusar. Pegou sua bola e afastou-se em passinhos rápidos -Des... Desculpe interromper! -e voltou correndo para a cabana.

Nayouko ainda estava exaltada pelo que acontecera. Ao mesmo tempo que as emoções a invadiam, ela podia lembrar-se do calor das faces que Richard, quase tocando as suas, de seus lábios cada vez mais próximos um do outro, do perfume embriagante de seus cabelos caindo sobre o seu rosto enquanto ele inclinava-se para encontrá-la... No segundo seguinte fora jogada de volta à realidade, e relutava em acreditar no que quase fizera. No que quase fizeram.

-Eu... Eu preciso ir -ela disse, ainda sem encará-lo. Começou a andar, porém não foi muito longe. Richard a segurou levemente no ombro.

-Nayouko!

Eles se encararam por um instante. E foi cruzando os olhares que as palavras fatalmente morreram, levando Richard a soltar a hanyou, que continuou seu caminho.

Feudo Oeste, Montanha do Eterno Algoz: Castelo de Naraku.

Kagura andava de um lado para o outro, cruzando várias vezes a mesma sala sombria e desabitada, a não ser por ela e duas outras almas.

"Droga, quanto tempo mais eu vou ter de agüentar a presença delas?" resmungou, internamente. Sabia que a única coisa não controlada ali eram seus pensamentos. Olhou de soslaio para a mulher de formas curvilíneas, sentada no banco à sua frente, de pernas cruzadas. Não traía seu porte elegante.

-Não acha que vai gastar o chão andando dessa maneira, como uma barata tonta, querida? Sabe que daqui até lá embaixo é uma grande queda... -a mulher oculta nas sombras riu, sua voz fria e sem emoção, a não ser o sarcasmo.

-Ahh, Naraku... -desta vez Kagura falou em voz alta, abrindo seu leque e abandando-se, enquanto voltava a andar com mais vigor ainda -Eu não vou tolerá-las por muito tempo! Maldição, aonde ele foi?

-Sabe, mana, detesto a decoração deste lugar. Coisa mais pobre, quem foi que fez estas paredes? Esse Naraku não tem nenhuma imaginação! -outra voz, mais solta e melodiosa, falou, enquanto sua dona passava um fino dedo de unhas decoradas sobre a parede. Descreveu um traço na poeira, que depois limpou, enojada, na roupa -um corpete perolado.

-Essa outra não fica atrás...-Kagura resmungou, revirando os olhos e voltando a andar e abanar-se -Fútil.

-Do que me chamou, senhorita Kagura? -ela disse, numa voz musical. O seguinte tom foi mais profundo e ameaçador -Devo lembrá-la que estamos aqui por ordem do Naraku.

-Mas, irmã, você é mesmo uma fútil. Está aqui apenas por que sabe mais. -a outra voz, oculta nas sombras, disse desdenhosamente. Não parecia se importar que a irmã arqueasse as sombrancelhas num sinal de desagrado, e murmurasse o seu nome como numa ameaça.

-Iiniri...

-Querem mesmo que eu diga porquê estão aqui? -Kagura, com a paciência esgotada por aturar as duas irmãs, estava a ponto de confessar tudo. Porém, neste momento, a porta do cômodo foi arrastada para o lado com um ruído agudo. Um homem, de longos e cacheados cabelos negros presos no alto da cabeça, de feições angulosas e vestido apenas com um quimono casual, azul de estanpas indefiníveis; entrou, sem fazer barulho algum além de seus passos.

-Naraku -num misto de alívio e ódio, Kagura abaixou seu leque -Leve essas duas daqui, ou então me mate! Não as suporto mais falando no meu ouvido! -ela disse, encaminhando-se corajosamente para ele.

-Paciência, Kagura, é a alma de toda a operação -a voz gutural de Naraku penetrou na alma de cada uma das mulheres, e fez com que a youkai do Vento parasse e estreitasse mais o olhar. Oculta pelas sombras, Iiniri aguçou sua atenção. Não havia dúvidas de que a presença maligna do youkai, ou seja lá que ser ele fosse, era fora do normal. Começou a pensar se teria sido mesmo coerente arriscar sua garganta daquele modo pelo seu objetivo. Em parte. Um lado de Iiniri ansiava pela chance de mostrar do que era capaz. E por eliminar alguns humanos e meio-youkais xulos, por quê não?

Naraku continuou a congelar a alma das presentes com sua voz. Disse, enfim:

-Agora, senhorita youkai-butterfly...Vá! -e como num passe de mágica, a parede que separava o cômodo do frio ar das montanhas lá fora desceu, em um movimento da sua mão. Kagura controlou os ventos cortantes para que não a atingissem. Iiniri finalmente sau das sombras, e sua irmã afastou-se em passos largos e elegantes da ponta do cômodo. As duas irmãs butterfly posicionaram-se lado a lado, encarando as poderosas rajadas de vento.

Iiniri abriu suas asas, longas, negras, com manchas verde-escuro nas pontas, e que degradavam para o verde-musgo, até chegar no verde-esmeralda intenso, quase em suas costas. As manchas negras pintavam estranhos e aterrorizantes desenhos, faziam curvas, traços retos, pontos isolados, e quase pareciam querer fugir de suas próprias figuras para o ar em que batiam. As asas da youkai ocuparam quase todo o espaço da pequena sala, e sua irmã afastou-se. Quando Iiniri estava a ponto de levantar vôo, Naraku fez com que sua voz transpassasse as barreiras do vento.

-Um momento, senhorita butterfly... A senhorita fica.

-Como? -Iiniri olhou para Naraku sobre o ombro, um leve traço de incredulidade na voz.

-Me ouviu bem, Iiniri. Senhorita Sakurako, se puder fazer o favor de tomar a frente... -Naraku, parecendo estar constantemente se divertindo com a situação, fez um floreio curto demonstrando o caminho.

-Você vai querer mandar a minha irmã numa missão, ao invés de mim? -Iiniri falou, num tom precisamente controlado, recolhendo suas asas e caminhando na direção de Naraku, a longos passos. Suas botas verde-escuro, quase negras, fizeram barulho no chão -Quem você pensa que é? -ela disse, demoradamente, já encarando o youkai.

-Cuidado com suas palavras, Iiniri...Lembre-se que elas podem ter umm preço caro -exibiu um sorriso, enquanto estalava os dedos. No mesmo instante, um grito, um grito como nenhuma das três mulheres jamais ouvira, cortou o ar, fazendo com que o coração das duas irmãs parasse. Aquilo horripilava, encurralava, enchia o ambiente de angústia e deixava-as sem opção. Era o grito de uma criatura presa, desesperada, sem esperanças. Uma criatura largada nas trevas de si mesma.

-Mãe! -Sakurako gritou, e já estava prestes a atacar Naraku quando Kagura a impediu.

Iiniri fechou os olhos com força, tentando ignorar o grito. Seria impossível realizar qualquer ação naquele momento. Não pediu para Naraku parar com que raios que tortura estivesse fazendo com sua mãe e seu pai. Não ouvira seu grito. O Rei dos youkais borboletas jamais gritava. Iiniri sabia que ele poderia morrer, mas jamais daria o prazer ao inimigo de escutar sua dor.

No entanto, sua mãe...

Sem modificar sequer um músculo em sua feição; impassível como rocha mesmo diante da dor da mãe, ela abriu os olhos e encarou o ser malévolo à sua frente.

-Sakurako, vá -ela limitou-se a dizer, sem sequer olhar para a irmã. Ainda encarava os olhos frios e cruéis de Naraku. Uma crueldade obsessiva, psicopática; foi o que ela viu ali.

-Certo -Sakurako respondeu, sem tentar controlar os ímpetos que tinha de atingir Naraku com um golpe profundo, doloroso e fatal. Mas sabia o que podia acontecer se fizesse isso. Portanto, apenas livrou-se das mãos de Kagura, abriu suas asas em tons de preto, vermelho e rosa, e partiu, para a imensidão angustiante do ar.

-Você vai me pagar por isso, Naraku -ela murmurava, enquanto punha distância entre o castelo e si própria -Vai pagar pelo o que está fazendo comigo e minha família!

Iiniri pensava o mesmo. E, enquanto internamente jurava causar uma morte sangrenta e cheia de dor a Naraku, deixou que ele pusesse uma mão em seu ombro num tipo bizarro de amabilidade, e lhe explicasse sua tarefa.

Continua...

N/A: Kami-Sama, finalmente! Aff, tenho tanta coisa para falar!

A começo de que eu fechei o capítulo antes do tempo. Eu escrevi, escrevi... As idéias foram vindo em ondas cada vez mais crescentes, e aí, PÁ: Relendo, vi que dava muito bem dois capítulos. O décimo ficaria grande demais!

Por isso, antecipei meus planos e o Capítulo 10 saiu do forno mais cedo, ainda assim quentinho. Agora, é claro, os agradecimentos:

Não, senhorita Bia Potter; o primeiríssimo agradecimento não vai ser seu, não! Só porque me deu de presente a personagem que vai estrelar em bons capítulos, indefinidamente; me deu idéias para o capítulo 10 (recentemente passadas para o 11, por exesso de tamanho!); é a minha beta-reader; acompanha todas as aventuras da Nayouko de primeiríssima mão e ainda é a pessoa com quem eu mais converso de InuYasha no colégio, ou seja, me impedindo de explodir de vontade de falar e fazendo com que eu escapasse de um bom puxão de orelha da minha mãe, esta que não tolerava mais a palavra "InuYasha" dentro desta residência; e dá o maior apoio para a nossa querida hanyou Pantera Negra. Ok, tudo bem, mediante as circunstâncias, eu posso escrever um bom e merecido AGRADECIMENTO, em letras maiúsculas mesmo! Valeu D

À minha querida Nora Roberts, onde quer que esteja, pelo simples fato de existir.

Ao Ken Follet, por me fazer aprender o significado de "idiossincrasia".

À Artis Lasair, que andou me explicando como postar minha fic no todos vocês, um grande beijo!

Abraços da Carol S.M. )

Próximo capítulo: A Transformação de Nayouko