O guia da coleira
por A. Black
(com comentários absolutamente necessários de T. Potter)
Muito bem, Tiago, sua idéia mirabolante funcionou. O Ted sentiu uma enorme necessidade de me consolar. Na verdade, eu acho que ele estava louco para sair correndo do pub e fingir que não me conhecia. Por algum motivo estranho, ele me chamou para jantar. O que eu faço agora? Danço a macarena?
Sabe, Andie, eu acho que você tem que deixar de ser tão negativa. Você já conseguiu a parte mais difícil, que foi fazer ele te convidar para sair. Agora você tem que mostrar aquilo que há de melhor em você. Quando for ao jantar, você vai dizer que já superou o fim do seu antigo namoro. E graças a ele. O Ted, com certeza, vai ficar balançado.
Claro, ele vai ficar tão balançado que vai cair da cadeira...
Andie...
Ok, eu fico quieta. Ele fica balançado. E daí?
Daí que você tem que tentar seduzi-lo! E você não quer que eu também te ensine a seduzir um cara, né? É querer demais da minha boa vontade.
Mas eu chamei você justamente porque eu NÃO sei seduzir alguém!
Merlin, por que eu? Certo, Andie. Primeiro, você tem que estar deslumbrante. Use um vestido, não há nada mais feminino que vestidos. Algo que seja um meio termo entre ingenuidade e luxúria.
Ingenuidade e luxúria? Tiago, o que a Lily tem feito com você?
Você quer ou não ajuda!
Certo, continue...
Não exagere na maquiagem. Mas destaque seus olhos. Eles são o que mais chama atenção no seu rosto, você deve valorizar isso.
Já pensou em abrir uma consultoria de moda?
Andie, você está tentando me deixar irritado ou é só impressão minha?
Já me calei...
Ótimo. Quando chegar lá, tudo o que você tem a fazer é ser você mesma. Nada de artifícios ou ardis. Eu tenho a forte impressão de que o Ted já gosta de você.
E eu tenho a forte impressão que você bateu com a cabeça. Depois daquele espetáculo no Três Vassouras, o Ted certamente acha que eu sou louca.
Bem, eu tenho certeza absoluta que a Lily é doida, mas nem por isso deixo de gostar dela, certo?
Isso é o que você diz...
Seja como for... Qualquer coisa, eu vou estar lá também. Então, não se preocupe, certo? Eu dou um jeito se alguma coisa der errada...
É o que eu espero... Mas, espera aí... Que história é essa de "eu vou estar lá também"?
Capítulo 02: O milagre da chuva
- Tiago, é sério, você precisa MESMO ir?
Eu assenti com a cabeça. Andie não tinha entendido ainda toda a complexidade da situação. Esse encontro selaria todo o destino amoroso dela. E, como eu estava tendo uma vida amorosa muito turbulenta, achei que seria inteligente cuidar para que pelo menos a minha amiga não tenha que sofrer a mesma coisa que eu sofro com a Lily.
Se bem que o Ted é muito diferente da Lily, mas...
Em todo caso, eu não tenho mesmo muito que fazer no castelo hoje à noite. Remo está ocupado com Lily, estudando. Sirius – eu acho – está ocupado com Marlene, apanhando. Pedro está ocupado com Magdalene, lanchando. Então, eu vou me ocupar com a Andie e o Ted. Espiando.
- Mas Tiago, e se o Ted desconfiar?
- Ninguém vai desconfiar, Andie. Confia em mim. Eu vou estar disfarçado.
Ela suspirou, como se estivesse se sentindo muito aliviada pelo meu desprendimento. Vejam só... É domingo de noite, e cá estou eu, cuidando do bem estar dos meus amigos quando podia estar descansando! Eu sou mesmo incrível.
Passos ecoaram no corredor da torre dos corvinais e eu decidi voltar para debaixo da minha capa, no mesmo instante em que Sirius dobrava a esquina e entrava em nosso campo de visão. Meu palpite de que ele estava tentando convencer Marlene a sair com ele foi por água abaixo.
- Hei, Andie! – ele cumprimentou a prima, alegre – Aonde você vai a essa hora toda arrumada?
Antes que ela pudesse responder, Adriane e Marlene apareceram das sombras da entrada da torre e estacaram ao ver quem estava ali. Sirius, por sua vez, apenas sorriu. Eu senti vontade de dar um tapa nele para ver se ele acordava. Aquilo não ia dar certo. Mas, pelo menos, agora eu estava certo.
Entretanto, para surpresa e consternação da platéia, que esperava um pequeno escândalo com o qual poderia se divertir um pouco (Tudo bem que Sirius é meu amigo, mas eu ainda sou um maroto, certo?), Adriane simplesmente passou direto por nós, enquanto Marlene olhava de Andie para Sirius e de Sirius para Andie novamente.
- Muito bem, Black, vamos ter essa bendita conversa de uma vez por todas. – ela suspirou, dispondo-se a seguir meu amigo.
Estreitei os olhos e, tão logo os dois desapareceram pelo mesmo caminho que Sirius tinha vindo – Marlene guardando uma boa distância do meu caro amigo – deixei a segurança da capa e me voltei para Andie, um tanto atônito.
- O que está acontecendo aqui?
- Sirius mandou uma carta para Marlene pedindo para conversar com ela. Na verdade, ele não entrou em muitos detalhes, só pediu "ajuda" para alguma coisa. Ela e Adriane tiveram uma pequena discussão acerca de que ajuda Sirius poderia querer, mas Marlene acabou aceitando conversar com meu primo. Você sabe o que Sirius está planejando?
Meneei a cabeça rapidamente.
- Ele não me falou nada sobre carta, ajuda ou conversa. Na verdade, ele tem evitado o assunto "Marlene" porque isso suscita o "Remo mode sarcastic on". E, acredite, às vezes Remo consegue ser mais irritante que eu, Sirius ou Pedrinho juntos.
- Sempre pensei que Remo era o mais comportado de vocês...
- Essa é a imagem que ele quer passar, assim, todos creditam a ele uma moral que, obviamente, ele não possui. Ele é o pior dos marotos. O cérebro criminoso por trás de todos os nossos grandes planos, o...
- Acho que é o suficiente, Tiago. Sinto-me imensamente honrado com tais títulos, mas receio que tais tipos de confissões deveriam ficar restritos às pessoas certas. – Remo estava encostado à parede, um sorriso divertido nos lábios – Como verdadeira mente criminosa dos marotos, minha identidade e capacidade devem ficar ocultas, a fim de preservar minha integridade física e assegurar que a culpa de todas as peças pregadas aqui no castelo recaiam sobre as bem amadas costas dos meus caros amigos Pontas, Rabicho e Almofadinhas.
- O que você está fazendo aqui? – perguntei, surpreso – Não estava na biblioteca com a Lily?
- Ela já foi dormir. E acredita candidamente que o namorado está fazendo o mesmo. Eu que, no entanto, não sou tão ingênuo, decidi seguir Sirius, que estava com uma atitude muito suspeita desde hoje de manhã e acabei chegando a você no exato momento em que você delatava todo nosso terrível segredo.
Andie riu, me observando.
- Acho que agora compreendo sua posição...
Remo se aproximou, curioso.
- O que está acontecendo aqui? Eu tive a impressão de ter visto Sirius e Marlene caminhando lado a lado agora a pouco. Pensei até estar diante de uma alucinação... Afinal, desde que ele acabou com Adriane, ela o tem repelido vigorosamente.
Algumas coisas têm que ser ditas aqui em favor da Lene. Eu a conheço há mais tempo do que sou capaz de me lembrar, afinal, éramos vizinhos em Godric's Hollow, um vilarejo bruxo não muito longe de Hogsmeade. Mesmo quando meus pais decidiram morar em Londres, eu não perdi contato com ela, afinal, tendo a mesma idade que eu e sendo uma bruxa, ela também veio para Hogwarts. E caiu na Corvinal.
Nós éramos amigos. Por tabela, ela se tomou amiga dos outros marotos. E ela sempre me defendia quando a Lily vinha com quatro pedras na mão. Então, por tudo isso, se pode concluir que ela é uma boa pessoa, certo?
Continuando... Antes de toda aquela confusão com Bellatrix e Lílian, quando eu e a anta – ou eu deveria dizer o cachorro? – do Almofadinhas tivemos que passar uma semana inteira como garotas, ele já estava dando em cima de Marlene. E ele tinha até um plano supostamente infalível para conquistá-la.
Ela é artilheira do time de quadribol da casa das águias. Uma artilheira muito boa por sinal. E o Sirius, por sua vez, é batedor do nosso time. Um excelente batedor, diga-se de passagem. Deu para perceber que o plano dele envolvia balaços, uma queda espetacular e um salvamento mais espetacular ainda, diante de toda uma platéia ensandecida na final do campeonato?
Por sorte, antes de isso acontecer, ele estava com Adriane, e, como ele mesmo diz, a semana que passamos como "Teresa" e "Sarita" teve certos efeitos colaterais que o impediram de tentar ficar com as duas ao mesmo tempo. Eu não conseguiria sobreviver se o Campeonato fosse cancelado por causa de um "acidente" causado pelo Sirius...
Só que agora ele tinha acabado com a Adriane... Logo, estava livre para voltar ao alvo Marlene. Mas isso não era da nossa conta agora. O campeonato tinha terminado, nós tínhamos vencido... Então ele podia fazer o que bem quisesse.
Esse assunto acabou por me lembrar da minha namorada e eu me voltei novamente para Remo, que estivera até ali com Lílian.
- A Lily estava de bom humor? Ela me deixou algum recado?
Remo meneou a cabeça.
- Ela não estava exatamente com humor. Estava cansada. Acho que a Lily tem se esforçado demais nos últimos tempos.
Cruzei os braços.
- Eu que o diga. Ela nunca tem tempo para mim...
- Escutem vocês dois... Daqui a pouco o Ted vai chegar e eu não quero ter que explicar para ele o que vocês estão fazendo aqui. Então, se importam de "desaparecer"? – Andie perguntou, nervosa.
Meu caro amigo, que só sabia muito superficialmente sobre o que estava acontecendo daqueles lados do castelo, arqueou a sobrancelha.
- Andie, perdoe-me a intromissão, mas o que o professor Tonks estaria fazendo aqui a essa hora e por que você teria que explicar a ele a nossa presença aqui?
- Ela está tentando seduzir o professor. – eu respondi, procurando minha varinha no bolso.
- Ela está tentando seduzir o professor. – Tiago respondeu, enfiando a mão no bolso.
Eu posso com um negócio desse? Isso era para ser SEGREDO! Se essa história cai na boca de Blenheim Stalk, eu estou FRITA. Ela, juntamente com a Skeeter, é a maior fofoqueira desse colégio e, para completar, é minha colega de dormitório. E Tiago vai e me sai com uma tirada dessas na frente da entrada da minha torre, onde qualquer um poderia se esconder.
Remo, obviamente, me olhou surpreso. Mas não havia censura nos olhos dele e sim um brilho de divertimento. Merlin, por favor, fulmine neste exato instante Tiago Potter.
- Bem, Andie, você tem um gosto um tanto... Peculiar... Seduzir um professor... Bem, podia ser pior... Ele podia ser bem mais velho que você... Aí, temo que seu príncipe encantado fosse preso por pedofilia...
Revirei os olhos.
- A culpa não é minha. É do Ministério. Eles deveriam ter mando um professor gordo, velho e feio. Não o Ted!
- Talvez o Ministério esteja muito preocupado com o que está acontecendo lá fora nos últimos tempos para pensar na possibilidade de uma aluna se apaixonar por um professor porque ele não segue o padrão etário da categoria... – Remo respondeu, sorrindo.
Detesto quando estou errada. Mas, de qualquer maneira, eu não pretendia dar o braço a torcer. E Ted realmente chegaria a qualquer momento.
- Que seja, que seja... Agora, dá para vocês sumirem?
Tiago olhou para mim, coçando a cabeça.
- Esqueci minha varinha no dormitório... Sorte eu estar com a capa de invisibilidade. Vou usar uma das passagens para Hogsmeade e de lá aparato para o restaurante do Tod. Como vamos a um lugar trouxa, acho que não vou precisar dela mesmo...
- Você sabe onde é o restaurante do irmão do Ted? – perguntei, curiosa.
Remo sorriu.
- Ele levou a Lily lá algumas vezes, antes dela começar com a "paranóia para os N.I.E.M.", como ele chama. Bem, eu vou procurar o Sirius antes que ele faça alguma besteira. Tenham uma boa noite e Andie, lembre-se que você ainda é aluna dele. Espere até o ano letivo acabar para "atacar", sim?
- Eu não vou atacar ninguém, Remo Lupin. – eu respondi, com meu tom mais perigosamente irritado.
Ele apenas sorriu novamente enquanto Tiago me desejava boa sorte e sumia por debaixo da capa de invisibilidade. Cinco minutos depois, pela quarta vez aquela noite, passos ecoaram no fim do corredor. Eu dei um passo para as sombras, tentando evitar mais uma interrupção na minha interminável espera.
Dessa vez, entretanto, era Ted. Ele não demorou a me ver e fez um sinal com a mão para que eu o seguisse. Eu obedeci e entramos na primeira sala de aula vazia que encontramos, que, por sinal, era a sala de Estudo dos Trouxas.
Ted tirou um laço do bolso e estendeu-o para mim.
- O professor Dumbledore pediu que fôssemos discretos na saída. Isso é uma chave de portal. Vai nos deixar direto no escritório do meu irmão. Eles já estão nos esperando.
Eu assenti e ele estendeu a mão para mim. Foi um pouco estranho dar a mão a Ted, mas, antes que eu pudesse pensar naquilo com mais clareza, senti uma puxada na altura do umbigo. Fechei os olhos e, quando os reabri, estava, obviamente, em um lugar completamente diferente.
As paredes eram brancas, bem diferentes das paredes de pedra com as quais eu estava acostumada. Provavelmente era aquilo que Ted chamava de paredes cimentadas. Havia uma coisa parecendo um pêndulo no meio do cômodo, e dela provinha toda a parca luz. Quando cheguei mais perto, percebi que aquilo era uma lâmpada. Ted tinha mostrado uma delas em suas aulas.
Os trouxas são realmente engenhosos. Por alguns instantes, eu esqueci todo o resto ao meu redor e observei com atenção o escritório de Tod Tonks. Havia documentos empilhados de qualquer maneira sobre a mesa, objetos estranhos cobertos de letras e símbolos numéricos (mais tarde vim a descobrir que aquilo era uma máquina de escrever e uma calculadora simples), um telefone (Ted também os mostrara na sala), um rádio quase do meu tamanho e alguns discos empoeirados jogados a um canto.
- Vamos? – Ted perguntou depois de ter me dado um tempo para explorar o ambiente.
Eu assenti e logo saímos do escritório por uma porta de vidro fosco. Aquele lugar era realmente fascinante. Não demorou para que um rapaz um pouco mais velho que meu professor se aproximasse.
Os mesmos cabelos escuros, o mesmo ar inteligente... Tod era muito parecido com o irmão, embora tivesse os olhos mais escuros, quase negros. Ted tinha os olhos claros, quase da cor do mel. Eu já disse que adoro mel? Quando era pequena, vivia cantarolando uma musica ridícula para acabar com os nervos das minhas "pobres irmãs". Eu queria ser uma abelha pra pousar na sua flor. Ah, amor... Ah, amor...
Bellatrix sempre ficava possessa... Acho que era por causa disso que eu gostava tanto da música...
- Boa noite, Ted! E essa deve ser nossa encantadora senhorita Black. Sejam muito bem vindos ao Les Poisson.
Eu me senti corar ao ouvir o "encantadora". Será que Ted tinha falado de mim para o irmão? Talvez tivesse comentado que me encontrara toda descabelada e histérica, bêbada e febril por causa de um fim de namoro. Senti meu rosto esquentar um pouco mais, dessa vez, de vergonha.
Ted abraçou o irmão e eu segui um pouco atrás deles até uma mesa que tinha uma plaqueta de "reservada" em cima. Era uma mesa bem afastada, com dois pares de velas acesas, junto a um janelão de onde se podia avistar a rua lá fora. Percebi que estávamos num salão de primeiro andar.
Tod puxou a cadeira para mim e eu quase tropecei na cortina, que se arrastava no chão e atrapalhava um pouco. Mas eu, obviamente, não ia reclamar. Sorri, agradecendo e me sentei. Ted sentou-se à minha frente e Tod tirou um menu, sabe-se lá de onde e entregou para o irmão, ao mesmo tempo em que colocava guardanapos nos nossos colos.
- Fiquem à vontade, eu volto num instante para saber o que irão pedir.
- Simpático o seu irmão, não? – eu perguntei, observando o menu, que estava à frente do rosto de Ted.
Ele murmurou alguma coisa como resposta, sem tirar aquela coisa da frente para me olhar e eu decidi observar os outros clientes. Numa mesa não muito afastada da nossa, um homem de bigode exageradamente grande, boina e uma capa ridícula e surrada brincava com um prato cheio de uma coisa verde e de aparência um tanto doentia...
Desviei os olhos no instante que aquele homem ridículo levantou a cabeça. Em outra mesa, um casal conversava animado e, em cima da mesa, uma galinha estava deitada. Uma galinha viva. Olhando para mim de uma forma não muito satisfeita.
Eu mordi os lábios de leve, virando-me novamente para Ted, que ainda se entretinha com o Menu.
- Ted?
- Oi? - ele se voltou para mim com um meio sorriso.
- Se a comida estiver envenenada, você volta depois da morte para pagar?
Eu percebi que ele tinha engasgado com a tentativa de não rir. Passaram-se alguns poucos segundos antes dele abaixar o menu e olhar diretamente para mim.
- O que te faz pensar que a comida esteja envenenada?
Cocei a ponta do nariz. Achei melhor não apontar a sopa-gosma verde. Não seria muito delicado com o irmão dele. E eu tinha a sensação de que havia algo de errado com o cara do bigode. Decidi então desviar minha atenção para a galinha.
- Você já teve a sensação de olhar nos olhos de uma galinha, e ver um crocodilo à sua espera?
- Perdão?
Eu apontei para a galinha obviamente muito mal passada que nossos vizinhos de mesa tinham recebido. Ela continuava a me observar obstinadamente, como se a qualquer momento eu pudesse baixar a guarda e ela pudesse pular em cima de mim e devorar minhas entranhas.
Dessa vez ele não conseguiu se controlar. Escondeu o rosto no guardanapo que Tod tinha colocado em seu colo e a risadas abafadas dele ecoaram por todo o restaurante. Troquei um olhar nervoso com o senhor de bigode. Alguns instantes depois, ainda vermelho, Ted novamente me encarou.
- Meu irmão tem uma granja atrás do restaurante. Aquele casal vai levar sua nova aquisição para o sítio deles. E, antes que eu me esqueça, aquilo não é uma galinha. É um galo de briga.
Dei de ombros, tentando esconder meu embaraço.
- Pelo menos eu acertei quanto ao ar hostil que ele obviamente demonstrou contra a minha pessoa.
Uma coisa muito cretina de se dizer, mas eu estava forçada a fazer algum comentário como resposta e eu certamente não ia comentar sobre a minha total e completa falta de capacidade para as ditas "prendas domésticas". Confundir uma galinha e um galo de briga? Só eu mesma...
Ted apenas sorriu novamente. Dali a pouco, Tod se aproximou com um enorme prato de alguma coisa que parecia boiar em um molho vermelho. Eu tinha certeza que ninguém tinha pedido nada, mas...
- Especialidade da casa! Aproveitem bem! – Tod exclamou – Filé de frango à parmegiana com macarrão cabelo de anjo. E muito molho!
Sorrindo, Tod bateu nas costas do irmão e logo se distanciou para tratar de outros clientes. O senhor de bigode olhava fixamente para nossa mesa, talvez se perguntando por que ele preferira a sopa verde em vez da "especialidade da casa". No entanto, quando ele notou que eu o notara, abriu uma página de jornal e mergulhou atrás dele.
Pisquei os olhos, confusa. Aquilo era o Profeta Diário? Não podia ser... Tudo bem que não estávamos muito longe de Hogsmeade, mas duvido que algum bruxo iria trocar a cerveja amanteigada por um restaurante de nome francês que servia comida italiana e galos vivos de briga...
A não ser que... Mas ele tinha dito que ia estar disfarçado. Sem chamar atenção. E aquele bigode estava chamando MUITA atenção. Aquele não podia ser Tiago. Podia?
- Andrômeda? – Ted me chamou, já tendo em mãos uma colher prateada e um garfo, onde uma braçada de macarrão já aguardava para ser servida.
- Pode me chamar só de Andie. – eu respondi, empurrando meu prato para que ele me servisse – Obrigada por me trazer aqui, professor.
- Ted. – ele sorriu. – Pode me chamar de Ted, Andie.
Senti vontade de estourar fogos de artifício. Tínhamos enfim passado do "senhorita Black"? ALELUIA!
À primeira garfada, eu decidi que, definitivamente, tinha julgado muito precipitadamente nosso anfitrião. Aquele molho era uma delícia, o macarrão era uma delícia e os filés de frango à milanesa com finas fatias de queijo derretido e ainda quentinho sobre eles eram, decididamente, uma das coisas mais deliciosas que eu já havia provado.
- E então, ainda acha que a comida está envenenada? – Ted me perguntou, servindo de uma generosa porção de macarrão.
- Depois do terceiro prato podemos discutir isso. – eu respondi, tentando enrolar os fios de macarrão e enfiá-los na boca todos de uma vez.
Ele riu, mas de repente, a porção de macarrão que ele segurava com o garfo e a colher simplesmente desabou no prato dele, provocando uma grande mancha vermelha na blusa branca que ele usava.
Eu parei com meu garfo no meio do caminho entre o prato e a boca, com um fio de macarrão ainda pingando molho no canto da boca e observei-o, incerta se ria ou se me preocupava. Ted se levantou, sem graça.
- Eu já volto, Andie. Pode continuar comendo.
Ele saiu tentando limpar a camisa com um guardanapo e se sujando ainda mais no processo. Eu poderia ter dado um jeito com minha varinha, mas ele simplesmente saiu correndo antes mesmo que eu pudesse dizer alguma coisa...
Suguei o fio de macarrão que ainda pendia pelo meu queixo e lambi o molho que tinha ficado nos cantos da boca. E, novamente, meu olhar foi atraído para o senhor do bigode. Ele estava me observando com um sorriso divertido nos lábios. E piscou o olho para mim, por trás das lentes grossas de uns óculos enormes.
Definitivamente, aquele era Tiago. Eu não acredito...
Eu me preparei para me levantar e ir tirar satisfações com ele no exato instante em que ele mergulhava novamente atrás do Profeta Diário. Disfarçado, hein? Eu mereço...
Com alguma dificuldade, eu consegui me levantar, só que, no processo, acabei me enrodilhando – de novo – nas cortinas que se arrastavam até debaixo da mesa. Me segurei nela para não cair e, embora eu tivesse conseguido manter o equilíbrio, a mesa oscilou perigosamente.
E aí começaram os momentos mais constrangedores da minha vida.
Quando a mesa quase virou, as velas simplesmente escorregaram pela trilha de molho que o pequeno acidente de Ted tinha causado. E caíram por trás da mesa. Em cima das cortinas.
Fiquei parada por alguns instantes até me enfiar debaixo da mesa, que, descobri naquela hora, era de pedra. As bordas douradas da cortina estavam se desfazendo em cinzas. Sentei no chão, com a mesa a me cobrir, e comecei a tentar sapatear o fogo. Poucos segundo depois, tive que retirar meus sapatos. A sola deles estava se derretendo.
Eu voltei a atenção para os meus pés e para a meia branca, agora cheia de cinzas. Demorei algum tempo nessa observação e teria continuado nela se não começasse a sentir um calor estranho... Levantei novamente a cabeça. E mordi meus lábios até sentir o gosto do sangue.
Aterrorizada demais para fazer alguma coisa, eu assisti ao fogo subir lentamente pela cortina, ao mesmo tempo em que fazia um buraco no chão de madeira. A toalha da mesa sob a qual eu me abrigava começou a crepitar. E logo eu estava no meio do inferno.
Se, na hora em que as velas tinham caído, eu tivesse chamado a atenção de alguém, isso não estaria acontecendo. Senti o cheiro de fumaça e alguns gritos desencontrados. Engatinhei para fora do meu esconderijo.
O fogo tinha se alastrado rapidamente por todo o salão, que era todo feito de madeira, com exceção das mesas. Eu ouvia a voz de Tod gritando algo incompreensível de um ponto além da fumaça. Provavelmente das escadarias que levavam àquele primeiro andar.
- O que foi que eu fiz? – resmunguei para mim mesma, em pé, no meio de toda aquela confusão, tentando respirar apesar da fumaça.
Bem, o que eu tinha feito era um tanto óbvio... Eu simplesmente tinha colocado fogo no restaurante do irmão do Ted. Isso zerava todas as minhas chances de ter algum relacionamento com meu querido professor. A não ser que ele me levasse à justiça por ser atrapalhada demais. Aí, eu o veria todos os dias até ser condenada a pagar pelo prejuízo. E, como eu não tenho dinheiro e os Black obviamente me renegariam depois daquela vergonha...
Acho melhor me jogar no fogo e virar Andie à la flambé...
Foi quando vi, através da fumaça, luzes fosforescentes. Provavelmente era o escritório de Tod. Me encaminhei para lá, tentando desviar dos focos de fogo, rezando para que não desabasse nenhuma viga em cima da minha cabeça. Afinal, àquela altura, o teto também já crepitava...
Não era o escritório de Tod. Era a cozinha. Estava vazia, panelas jogadas no chão e o fogo já começando a corroer tudo lá por dentro. Havia uma chaleira sobre o fogo, fervendo.
Fervendo? Peraí... O que apaga o fogo? Água! Eu preciso de água!
Corri para a chaleira e voltei para o salão, derramando a água fervente sobre todos os focos de chamas pelos quais eu passava. Mas aquilo não estava sendo suficiente. De início, eu conseguia apagar, mas logo o fogo voltava com força redobrada.
Voltei para a cozinha e enchi a chaleira de novo. E voltei para o salão. Voltei para a cozinha. Voltei para o salão. Voltei para a cozinha. Voltei para o salão.
- Andrômeda, sua maluca!
Era a voz de Tiago. Eu me virei, ainda derramando a água da minha chaleira. Tiago estava em um nicho – o mesmo que eu supusera ser a entrada para as escadarias – sem bigode e com seus óculos normais. Atrás dele, Ted tossia, tentando ver através da fumaça. Eles não podiam se aproximar de mim – aquela área estava totalmente tomada pelo incêndio.
- Esperem aí que eu vou apagar o fogo! – gritei, apesar de sentir minha garganta totalmente seca.
Acabei de despejar o conteúdo da chaleira e voltei para a cozinha. A torneira tinha explodido com a pressão por causa do calor e agora a água jorrava, fumegando, enquanto o fogo se alastrava lá dentro.
Enchi minha chaleira com certa dificuldade, queimando as mãos por conta da água estar quente, e voltei para o salão, começando a apagar o fogo no caminho até a escadaria. Tiago começou a pular e parecia estar arrancando os cabelos.
- Sua louca, o que pensa que está fazendo? – ele gritou, irritado.
- Apagando o fogo, oras! – eu respondi, no mesmo tom.
- VOCÊ É UMA BRUXA, ANDRÔMEDA! USE SUA VARINHA, DROGA!
Parei por um instante. Tinha estado tão ocupada com a chaleira que me esquecera completamente de que eu era uma bruxa. Tateei o bolso da saia atrás da minha varinha. Por que eu não tinha pensado naquilo antes?
Ergui a varinha e gritei o primeiro feitiço que veio à minha cabeça. De repente, nuvens começaram a aparecer do nada junto ao teto, trovões e relâmpagos ressoaram nas paredes e uma tempestade desabou em cima da minha cabeça.
A água caía violentamente, encharcando tudo. Meu cabelo estava encharcado, minhas roupas estavam encharcadas, e se antes eu pensava em morrer queimada, agora eu tinha certeza que ia era me afogar...
Pouco a pouco, a força da chuva conseguiu vencer o fogo. Para mim, tinha se passado muito tempo, mas, meu relógio só contava quinze minutos quando as nuvens se dispersaram e a chuva parou. Mas eu tive certeza de que ainda não tinha acabado. Fechei os olhos diante dessa certeza.
Meu coração batia desesperadamente. O que faltava acontecer agora? Não era suficiente eu ter colocado fogo no restaurante?
Não, não era o suficiente. Ainda faltava o golpe final. Senti uma mão pousar sobre o meu ombro. Comecei a suar frio, enquanto rezava para qualquer deus acima de mim que aquilo fosse rápido e indolor...
- Andie, você está bem? – Ted perguntou, me observando preocupado.
Logo atrás dele, Tiago também se aproximou, olhando o estrago que eu tinha provocado. Por algum motivo estranho, senti uma vontade insana de gargalhar.
- Eu vou abrir um negócio! - eu falei com meu tom mais morbidamente bem humorado - Funerária Já Era: a sua desgraça é o nosso lucro! Vou ganhar rios de galeões, especialmente depois que me associar aos melhores clubes de bailarinas comensais!
- Você não precisa da ajuda de comensais para provocar um belo estrago, Andie... – Tiago observou.
Coloquei meio palmo de língua para fora e cruzei os braços, emburrada. Ted me encarou e virou-se para Tiago e depois me encarou de novo.
- Ela está bem. – Tiago suspirou, balançando a cabeça de um lado para o outro.
Sorri cansada, ensopada e extremamente desejosa de voltar para meu dormitório, cair na cama e dormir até o final do ano feito a Bela Adormecida dos contos de fadas mordentes que minha mãe costumava ler para mim.
- Alguém se machucou? – eu perguntei finalmente
Ted meneou a cabeça.
- Não se preocupe com nada, eu já falei com Tod e vou resolver as coisas.
Troquei um olhar com Tiago.
- VOCÊ vai resolver as coisas? – eu perguntei, cruzando os braços – Está querendo dizer que vai arcar com toda a bagunça que eu fiz?
Tiago cruzou os braços, como se dissesse que o que eu tinha aprontado era muito mais que uma bagunça. Ted, por seu turno, apenas sorriu.
- Eu também tive minha parcela de culpa. Além disso, fui eu quem convidou, logo, eu pago a conta.
- Tempos modernos, Ted... A gente racha a conta. – eu pisquei o olho, embora estivesse cansada demais para discutir – Como você pretende pagar isso tudo? Provavelmente vão ter que reconstruir o restaurante.
Foi a vez dele me piscar o olho.
- Nada que um bom passe de mágica não resolva. Agora, você volta para a escola com Tiago. Prometi ao professor Dumbledore que você voltaria cedo. Eu tenho que resolver alguns detalhes ainda.
Não havia muito mais a fazer. Cabisbaixa, eu apenas segui Tiago para a rua, onde ainda havia um certo movimento. Seguimos para um beco e de lá, aparatamos não muito longe da entrada de Hogwarts. O castelo nos recebeu no mais completo breu.
- Eu vejo você amanhã. – Tiago sussurrou quando nos encontramos diante da entrada da minha casa – Boa sorte.
Eu assenti. Eu ia mesmo precisar de muita sorte...
Pessoal, não vai dar para responder as reviews agora... Tenho que sair, ir para a faculdade, estudar... prova essa semana... Beijos!
