Capítulo II - Cicatrice

Um gemido de dor ecoou pela masmorra abobadada, alto. Os lábios de Lúcio se alargaram em um sorriso, enquanto ele caminhou até o menino ajoelhado na pedra, afastando ainda mais as mechas negras de seu pescoço recém marcado. Um "M" em uma bonita caligrafia, circundado por floreios, estava desenhado na pele alva da nuca de Mikael, como uma tatuagem. Ele tremia, os olhos muito fechados, murmurando algo inaudível em francês. Lúcio se levantou, fitando o rapaz alto de cabelos vermelho-sangue que estava ao lado de Mikael, ainda sorrindo.

- Fez um bom trabalho. O pagamento será enviado amanhã, pode ir. – e o ruivo se retirou da masmorra, guiado por um servente. – Como se sente agora, Highwind? – deslizou o dedo frio pela marca, a delineando.

- Como uma ovelha, Sr. Malfoy. – o tom de voz mantinha a imponência, mesmo estando em desvantagem. Interessante.

- Sim, é o que você é. – ele se levantou, pousando os olhos no garoto ajoelhado. – Negra. Vá para seu quarto agora e tente dormir um pouco. Amanhã será um longo dia. – Lúcio se dirigiu à porta, murmurando algo para o mesmo servente que guiou o homem que o marcara, saindo logo depois.

- E com certeza você não será meu pastor… Sr. Malfoy. – Mikael se levantou, fechando os olhos. Como aquilo doía! Levou a mão até a fita que prendia a longa trança que tinham feito para não atrapalhar o trabalho e a desatou, ajeitando os cabelos para trás com cuidado. Nunca veriam aquilo. Nunca.

A luz entrava gradualmente pelo quarto, filtrada pelas cortinas escuras. Mikael abriu seus olhos, se descobrindo em uma enorme cama de dossel, entre veludos, sedas, nada que não estivesse acostumado. Apesar de Marrie aparentemente o odiar, ela gostava de manter toda a família em um luxo exagerado e decadente. Ele afastou as cortinas e se levantou, espreguiçando-se. Uma aia loira de cabelos extremamente compridos abriu a porta, murmurando poucas palavras em sua língua natal, francês, que o menino entendeu, ela seria sua "dama de companhia" de agora em diante. A serviçal o encaminhou para uma porta que ficava ao fundo da suíte e o banhou, vestindo-o em seguida em roupas de veludo negro com detalhes prateados. Quando foi trançar seus cabelos, Mikael a impediu, se lembrando instantaneamente da cicatriz, então foi guiado até o salão para tomar algo antes de ser apresentado a família e as regras. Um corredor de pedra iluminado apenas por tochas, uma escadaria em caracol, um pequeno salão de festas, mais um corredor, uma encruzilhada, a direita, a esquerda, "Mais rápido!", dizia a aia, degraus de mármore, paredes cobertas por tapeçaria antiqüíssima, outro corredor e finalmente! Teria que decorar este caminho rápido, mesmo sua mansão não era tão grande e Mikael estava com uma terrível sensação que não tinha visto nem um quarto do castelo.

Assim que entrou pela porta dupla finamente entalhada, a luz quase o cegou, seus olhos estavam completamente acostumados à escuridão dos corredores do castelo. As cortinas que fechavam pesadamente as enormes janelas de vidro estavam escancaradas, a claridade tomando conta do salão. Uma gigantesca mesa de uma madeira muito escura, agraciada com detalhes sobrenaturais, tomava conta do centro, onde estavam sentadas três pessoas. Uma mulher alta, longos cabelos platinados captavam qualquer resquício de luz, vestida em veludo vinho, a pele doentiamente pálida, os olhos cinzas baixados ao prato de fina porcelana. O homem à cabeceira, que reconheceu ser Lúcio, estava trajado em negro, em uma roupa tipicamente vitoriana, com rendas e babados brancos, altivo e imponente, sentado em uma cadeira ligeiramente diferente das demais, mais alta e maciça. E um garoto, com os cotovelos apoiados na mesa, enrolando algo em um talher de prata pesado, os olhos azul-acinzentados tediosamente fixados no que seja lá o que for que estaria em seu prato, os cabelos vinham-lhe até os ombros e contrastavam gritantemente contra o veludo negro de suas vestes. Havia numerosos divãs, cadeiras e mesinhas espalhados quase ordenadamente pelo salão, tudo em um tom acompanhando a madeira da mesa central. A lareira estava apagada, mesmo com o frio que fazia ali. Lustres de materiais metálicos extremamente lustrados, cristaleiras gigantescas, o carpete negro, tudo muito sóbrio e ao mesmo tempo luxuoso fez Mikael se sentir realmente no século XIX. A aia fez uma mesura e anunciou a chegada dele, o conduzindo a cadeira ao lado do menino e começando a lhe servir o chá. Um silêncio quase ensurdecedor estava implantado no salão, sendo interrompido apenas pelas leves batidas de porcelana e prata. E então a voz de Lúcio se levantou.

- Narcissa, Draco. Este é Mikael, o menino de quem falei a vocês. Espero que dêem bem. – fez um gesto a ele e depois recomeçou a tomar o chá. Os dois a mesa não fizeram sequer menção de terem o notado, até que o patriarca falasse. Então a mulher pousou seus olhos em Mikael e rapidamente os voltou à comida, como se ele fosse algo insignificante demais para a interessar. Draco virou o rosto apoiado nas costas da mão, o fitando por mais tempo, como que o analisando. Rosto, olhos, cabelo, roupas e, então, o prato novamente. Um frio na espinha do rapazinho, mais do que nunca se sentindo um intruso. Não pelo ambiente estéril e extremamente, até exageradamente, luxuoso, sim por que ninguém lhe fazia um comentário sobre seus cabelos ou roupas. Não que estes eram agradáveis de se ouvir, mas a quebra de rotina o deixou meio atordoado, só recomeçando a comer alguns momentos depois do ocorrido. O silêncio foi interrompido novamente pela voz de Lúcio.

- Você conhecerá hoje seu instrutor. Esteja às seis da tarde no salão leste. – e então se virou para a aia ao lado de Mikael. - Renascimento, Dominique. – se levantou com graciosidade. – Bem, estou indo agora. Bom dia. – e se retirou da sala em silêncio, empunhando uma fina bengala negra. Mais silêncio. A sala parecia um campo aberto, totalmente deserto. Nenhuma ajuda. Nenhum apoio. "Violaine...".