CAÍTULO DOIS
Expresso de Hogwarts
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Eles foram caminhando pelo trem, observando o interior das cabines, cumprimentando alguns alunos aqui e ali, arrancando suspiros sonhadores das garotas por onde passavam, até que encontraram uma cabine vazia, exceto por um malão com uma etiqueta onde se liam as iniciais: R. J. Lupin.
-- Ué! Cadê o Aluado? - perguntou Tiago. Sirius e Pedro deram de ombros. - Melhor assim. Sentem-se, rapazes.
Eles entraram e arrumaram seus malões no suporte. Sirius acomodou sua coruja, Kitha, castanha de olhos grandes e amendoados no banco ao lado da de Tiago, Willbe, de penas avermelhadas. Elas começaram a piar alegremente, como se conversassem. Todos se acomodaram e Tiago continuou, dirigindo-se a Pedro, que já fuçava a trouxa feita pela mãe.
-- Pedrinho, Sirius e eu estivemos combinando que não contaríamos nada a Remo sobre nosso progresso em animagia.
-- É. Vamos dizer que desistimos, certo? - completou Sirius.
-- Mas nós desistimos mesmo? - perguntou Pedro, esperançoso.
-- É claro que não, seu tapado - impacientou-se Sirius.
-- Vamos fazer uma surpresa para ele - Tiago esfregou as mãos, excitado. Sirius sorriu largamente e Pedro forçou um sorrisinho tímido.
Enquanto isso, Remo caminhava de cabeça baixa pelo corredor, já com suas vestes negras de bruxo e a insígnia vermelha e dourada presa junto ao peito. Seus sentidos aguçados perceberam uma fragrância peculiar em meio aos odores de doces que saiam das cabines, porém ele não sabia distinguir. O perfume foi ficando mais e mais forte à medida que ele avançava, tentando se lembrar de que se tratava. De repente, esbarrou em alguém e reparou um vislumbre vermelho antes de reconhecer a garota estatelada no chão. Lírios. Era perfume de lírios.
-- Ei, por quê você não olha... - começou a garota, irritada, até seus olhos passarem pelo distintivo e depois para o rosto do garoto. Sua boca se abriu de espanto. - Lupin? Você...
-- Sim, Evans. Eu sou monitor agora. E me parece que não sou o único - respondeu ele desanimado, estendendo a mão para ajudá-la a levantar-se. - Me desculpe, eu estava distraído - acrescentou gentilmente.
-- Não tem problema.
Lily estava um pouco desconfortável com a idéia de um maroto como monitor, mas dos males o menor. Pelo menos Lupin parecia ser o mais ajuizado e esforçado deles. Reparou que o garoto parecia muito pálido e frágil. Por fim, aceitou a ajuda para se levantar e sorriu simpática para ele.
-- Bem, então vamos para o primeiro vagão, a reunião já deve estar para começar.
-- Sim, vamos... E pode me chamar de Remo.
-- Tudo bem, Remo. Chame-me de Lily, afinal nós temos um dever em comum, agora.
Remo sorriu, sem muita vontade. E os dois começaram a caminhar em silêncio.
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Algumas horas depois, Sirius, Tiago e Pedro já estavam cobertos de pacotes vazios de feijõezinhos de todos os sabores, embalagens de caramelos, bolos de caldeirão e sapos de chocolate. A conversa já tinha-se esgotado, a viagem parecia não acabar nunca e Sirius parecia bastante entediado.
-- Olha, eu vou dar uma volta pelo trem para ver se encontro alguma garota interessante - falou, fazendo pouco caso das próprias palavras.
-- Eu também vou dar uma volta. Quero chamar aquela corvinal, que piscou para mim na entrada do trem, para sair - respondeu Tiago também sem muita empolgação.
Sirius abriu a porta da cabine, mas tornou a fechá-la rapidamente, encarando os outros com uma expressão de excitação doentia.
-- Seboso - disse ele simplesmente, fazendo os dois terem a mesma reação que ele.
Tiago e Pedro adiantaram-se e os três espremeram os narizes numa fresta da porta para espiarem. Caminhando distraidamente pelo corredor, encontrava-se um garoto de cabelos negros compridos e oleosos, pele macilenta e um nariz de gancho. Seus olhos eram negros e frios, e sua expressão era de puro desprezo e nojo. O garoto ouviu um sussurro indistinguível e, sem nenhum aviso, suas penas não o obedeceram fazendo-o desequilibrar-se e cair com tudo no chão. Seus olhos encheram-se de lágrima quando seu nariz bateu com todo o peso de seu corpo no chão. Sua expressão de dúvida foi logo substituída por ódio, quando ele reconheceu as risadas espalhafatosas muito próximas.
-- Vejam só! O Ranhoso não consegue nem se equilibrar sobre os próprios pés! - exclamou Tiago em meio às gargalhadas.
-- Também, olha só o tamanho da napa! - Sirius acrescentou, maldosamente, enquanto sorria sarcástico. Pedro rolava pelo chão da cabine de tanto que ria, segurando meio sanduíche em uma das mãos.
É claro que Lily não podia achar melhor hora para voltar da reunião. Ela conversava animadamente com Remo, que parecia um pouco mais solto, até que ficou paralisada com a cena que se desenrolava à sua frente. Remo também estacou, engolindo em seco. A princípio, Lily teve ganas de rir do tropeção de Severo Snape, mas logo percebeu o que se passava. Sem perder tempo, Snape pôs-se de pé com uma mão no nariz e lançou um feitiço que ricocheteou na porta da cabine recém fechada por Tiago.
-- Eu não acredito nisso! Nós ainda nem chegamos em Hogwarts e esses idiotas já estão se metendo em encrencas - a face de Lily tornou-se extremamente vermelha e ela começou a dispersar a pequena multidão de cabeças curiosas que emergiam de suas cabines, atraídas pelas gargalhadas histéricas de Tiago.
Enquanto Snape era repreendido pela mulher gorducha do carrinho de doces, Remo dirigiu-se para o vagão dos marotos. Ao vê-lo entrar na cabine, totalmente sem cor, Sirius começou a falar, entre risos.
-- Aluado, você perdeu! Tinha que ver a cara do Seboso... - porém o garoto interrompeu-se, erguendo uma sobrancelha e apontando com nojo para a insígnia no peito de Remo. - O que é isso? Certamente não é o que estou pensando, é?
Os outros dois garotos também interromperam suas risadas para encararem o amigo, estupefatos.
-- É exatamente o que você está pensando - respondeu o garoto, desanimado, deixando-se cair ao lado de Sirius. Este recuou teatralmente para trás, como se Remo tivesse uma doença altamente contagiosa.
Sirius, Tiago e Pedro trocaram olhares assustados antes de caíram na gargalhada. Remo emburrou, cruzando os braços.
-- Dumbledore está pirado se pensa que vai conseguir fazer a gente andar na linha com uma atitude dessas - disse Tiago, segurando a barriga e tentando controlar-se.
Enquanto isso, Sirius foi até a porta da cabine, bisbilhotar. Revirou os olhos e comentou baixinho, de modo que não pudessem ser ouvidos do lado de fora.
-- Ah, não... A Evans também foi nomeada monitora. Isso sim é um problema. Agora nós não vamos mais ter sossego mesmo. Ela vale por dois! Deve ser por isso que Dumbledore escolheu o Remo também... Com a Evans como monitora, não precisa de mais ninguém...
Remo fez cara de indignação, mas antes que pudesse dizer alguma coisa a porta foi escancarada e Lily entrou encarando-os, furiosa. O garoto baixou a cabeça e concentrou toda a sua atenção em mexer com os dedos nervosamente.
-- O que é que vocês pensam que estão fazendo? Nós ainda nem chegamos em Hogwarts e vocês já estão se exibindo! Como vocês podem ser tão idiotas e inconseqüentes, eu me pergunto. Onde já se viu tamanha irresponsabilidade? Quando é que vocês vão crescer, seus inúteis...
Começou o sermão. E estava só começando! Lily estava indignada, totalmente vermelha, praticamente fumegando. Os garotos encolheram-se em seus acentos e faziam cara de arrependimento fingido, exceto no caso de Remo, que estava realmente arrependido mesmo não sendo o autor da bagunça. E ele era o que menos precisava desse sermão!
Então Tiago teve uma idéia súbita ao encará-la enquanto ela gritava com eles. Ele olhava para ela com interesse, apesar de não estar prestando atenção em uma única palavra do que dizia. Estava reparando em como ela estava bonita, com seus cabelos acaju perfumados emoldurando seu rosto contorcido de fúria. Sim, ele sabia que ela era bonita, mas nunca tinha parado para pensar nisso, só reparava em como ela era teimosa e implicante, além de ser um tanto obcecada por regras.
Seus olhos brilharam de excitação e ele inconscientemente estufou o peito e bagunçou os cabelos, antes de se levantar e encará-la profundamente nos olhos verdes. Que olhos encantadores ela tinha! Sim, isso ele se lembrava de ter reparado na primeira vez que pôs os olhos nela, mas a segunda vez já fora por conta de uma discussão que tiveram e ele já não teve mais cabeça para reparar nisso. Como ela implicava com ele! Será que...
-- Lily, você quer sair comigo? - disse ele antes de pensar no que estava prestes a dizer. Talvez, se tivesse pensado melhor, não teria feito aquela pergunta justamente naquele momento. Ou talvez teria, mesmo assim...
Lily encarou-o de boca aberta, por ter sido interrompida no meio de seu discurso. Sua expressão era de ponto de interrogação. E não só a dela. Todos na cabine arregalaram os olhos. Uma garota que estava passando despreocupadamente pela porta da cabine entreaberta, estacou e fez com que duas outras garotas trombassem nela. Todos já estavam acostumados com os ataques histéricos da ruiva com os marotos, mas isso era novo.
Lílian demorou a perceber o brilho nos olhos de Tiago, mas quando percebeu, ficou ainda mais vermelha, parecia uma panela de pressão apitando loucamente.
-- O quê? - ela exclamou agudíssimo. Sua expressão de poucos amigos fez com que todos na cabine se encolhessem, até mesmo Sirius. Porém Tiago pareceu não ter percebido o perigo que corria.
-- Você quer sair co...
-- Não se atreva a continuar, Potter! - ela praticamente cuspiu o nome dele. Agora era Tiago que fazia cara de ponto de interrogação. Lily continuou, soltando faísca pelos olhos verde-esmeralda. - Nem se você fosse a última pessoa da face da Terra. Será que você prestou atenção em uma palavra do que eu disse? Heim? De como você é infantil e insuportável?
O queixo de Tiago já tinha despencado fazia tempo: tinha levado um fora daquela nanica maluca? Lily fez um gesto de impaciência e continuou sem abaixar o tom de voz.
-- Quer saber? Eu nem sei porque eu estou perdendo o meu tempo aqui, tentando colocar juízo na cabeça de vocês.
Dizendo isso, ela escancarou a porta e voltou-se para Tiago uma última vez, trincando os dentes.
-- Só mais uma coisa, Potter: é Evans pra você - e saiu batendo a porta em seguida. Quase atropelou as garotas que estavam totalmente sem reação no corredor. E pôs-se a andar bufando.
Se um alfinete caísse no chão daquela cabine, assustaria os quatro garotos encolhidos de olhos arregalados. O primeiro a sair daquele torpor foi Sirius que exclamou quase num sussurro, preservando sua cara de assombro:
-- O que foi isso?
Tiago olhou-o atrapalhado. Remo encolheu os ombros.
-- Um furacão, isso sim. Um furacão ruivo - disse Pedro depois de alguns segundos de silêncio, todo encolhido.
Sirius, sem aviso, caiu na gargalhada. Tiago olhou-o com os olhos faiscando.
-- Tá rindo de quê?
-- O Tiaguito levou um fora, kaaaaaaaa ka ka ka - Sirius agora ria descarada e descontroladamente, segurando a barriga com força. Pedro foi o segundo a começar a rir, solidariamente. Rolava de rir, literalmente. Remo tentou segurar a risada, emitindo sons nasais estranhos, antes de se render ao riso contagiante de Sirius. Tiago só aumentou ainda mais a tromba. Saiu da cabine batendo a porta e sobressaltando as garotas no corredor, que também seguravam risinhos debochados.
Lily entrou pisando duro na cabine em que deixara seu malão e encontrou Alice Flaherty e Frank Longbottom conversando animadamente. Alice era uma garota de estatura média, cabelos loiros cacheados até a cintura. Tinha um rosto redondo, sereno e bondoso. Era muito atrapalhada e esquecida às vezes. Frank era um setimanista alto e troncudo, tinha bonitos olhos cor de mel, e os cabelos castanhos bem curtos. Era muito gentil e aplicado.
É claro que no momento em que viram a cara de Lily eles se assustaram, Frank até se encolheu um pouco, inconscientemente. Alice levantou-se e segurou os ombros de Lily, encarando-a nos olhos.
-- Lily, o que aconteceu? Você está bem? Tá se sentindo mal? Quer que eu chame alguém? Quer que eu...
-- Chega! - Lily gritou, antes de se dar conta do que estava fazendo. - Me desculpe, Alice - corrigiu, sem jeito, num tom de voz que pretendia ser doce, mas que ainda mantinha resquícios de mal-humor. Abraçou a amiga e continuou, arrependida. - Eu estou bem, e você? Fiquei com saudades!
Alice, que tinha alternado suas expressões de descontração para espanto, apreensão, horror e mágoa, nessa mesma ordem, agora ostentava uma expressão mais suave.
-- Eu também, Lily, eu também...
Frank pigarreou, pedindo atenção.
-- Desculpem, meninas, mas já estamos chegando e eu tenho que pegar minhas coisas na cabine ao lado.
-- Oh! Me desculpe, Frank, nem tem cumprimentei...
-- Tudo bem... eu entendo... hum... Vejo vocês mais tarde então... Até logo.
Lily não pôde deixar de notar o olhar desconcertado que Alice e Frank trocaram, mas Alice logo voltou sua atenção para ela, novamente com olhar preocupado:
-- Sente-se, Lily, querida. Me conte o que aconteceu... Você parecia tão transtornada!
-- Ora, não foi nada de importante, depois eu te conto. Acredite! Agora temos que sair, o trem já está parando...
