CAPÍTULO QUATRO

Dia do trote

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Lily teve o mesmo sonho naquela noite. Barulho de cascos se aproximando lentamente. Agora ela já sabia para qual direção olhar. Ficou com receio, afinal estava na Floresta Proibida que era enfestada de criaturas perigosas. Deu um passo para trás e apontou a varinha para o arbusto. Poderia ser um unicórnio, ou um centauro, mas como saber? Porém logo todos os seus músculos relaxaram. Do meio dos arbustos, surgiu a cabeça de um cervo jovem, a julgar pelo tamanho de sua galhada. Lily levou a mão ao peito e deixou escapar um suspiro de alívio, sorrindo para o animal que retribuía seu olhar profundamente. Estendeu a mão em sua direção e caminhou com cuidado para não assustá-lo. O cervo deu um passo para frente revelando seu pescoço alvo e as patas dianteiras, sem deixar de encará-la nos olhos, porém antes de tocá-lo, Lily foi brutalmente sacudida.

-- Lily! Lily acorda, pelo amor de Deus! - abriu os olhos e deparou-se com os rostos assustados de Marlene e Alice. - Ufa! Até que enfim! Pensamos que tinha desmaiado ou, sei lá...

Lily teve vontade de esganá-las naquela hora, mas recuperou a sensatez a tempo. Respirou fundo e levantou-se para tomar um banho. Logo estavam as três descendo para o Salão Principal. Foram sentar-se num dos extremos da comprida mesa da Grifinória, próximo à mesa dos professores.

Enquanto isso, na outra ponta da mesa os marotos comiam e riam animadamente. Quando chegou o correio, duas corujas pousaram em frente a Tiago. A primeira delas era uma fêmea cinzenta que Tiago reconheceu como sendo de sua mãe. Sirius também reconheceu e começou a desamarrar o embrulho que ela trazia, sem sequer consultar o amigo.

-- Ah! Sabia! Tortinhas de morango! Eu amo sua mãe, Tiago!

Pedro passou a língua nos lábios, lançando olhares de cobiça para as tortinhas. Tiago simplesmente sorriu, enquanto abria o Profeta Diário, que fora entregue pela outra coruja. Aceitou uma tortinha oferecida por Sirius, que distribuía os docinhos para os demais, enquanto dava uma rápida olhada nas manchetes.

-- E aí? Alguma novidade? - perguntou Sirius, sem muito interesse.

-- Um desaparecimento, um ataque a monumento trouxa e gigantes descontrolados... Não, nenhuma novidade - concluiu fechando o jornal e passando para Remo, que tinha a testa franzida. Apesar de ser Tiago quem recebia o jornal, ele não costumava ler. Era muito mais fácil deixar que Remo lesse e contasse depois para eles.

Tiago apanhou um envelope endereçado à sua mãe e prendeu-o na perna da coruja cinzenta enquanto ela bebericava seu suco. Assim que saciou a sede, a coruja levantou vôo graciosamente.

Alguns minutos se passaram até que a Profª. McGonagall, uma senhora de aspecto muito severo e um coque apertado no alto da cabeça, passou por eles entregando os horários das aulas.

-- Bom dia, querida professora - exclamou Sirius com empolgação, recebendo um olhar de censura por cima dos óculos da professora.

-- Bom dia, senhores. Espero que seja realmente um bom dia - disse ela, estendendo o olhar para cada um dos demais garotos antes de continuar com sua tarefa. Não precisava dizer mais nada.

-- História da Magia nas primeiras aulas de segunda-feira? Ninguém merece... - lamentou-se Pedro.

-- Tome, Sirius - Remo finalmente havia terminado a leitura e passou o jornal para o amigo, como sempre, aberto na página das cruzadinhas.

-- Valeu. Vou guardar para a aula de História da Magia.

O professor era um fantasma com a fala incrivelmente monótona. Parecia um aspirador de pó velho que insistia em funcionar. A matéria podia até ser interessante, mas o Prof. Binns não conseguia prender a atenção dos alunos e parecia nem se importar com isso. Na verdade, Lily duvidava que ele sequer repararia se ninguém fosse para a aula.

A ruiva reparou, irritada, que passarinhos de papel enfeitiçados voavam de um para outro no fundão. Os marotos conversavam por bilhetinhos porque a sala estava em silêncio, exceto pela ladainha do fantasma. Quem não estava dormindo, estava fazendo alguma outra coisa totalmente inútil, mas prestando atenção mesmo só Remo e Lily. Ou melhor, estavam tentando prestar atenção, pois o farfalhar dos bilhetinhos era realmente muito irritante.

"A gente tem que tomar cuidado, você ouviu a McGonagall. Ela vai estar de olho..." a caligrafia era corrida e um pouco relaxada se comparada com a da resposta que Tiago recebeu, mas ainda assim muito caprichada.

"Novidade (leia sarcasticamente)! E desde quando isso é motivo pra gente se comportar?" a letra de Sirius era bastante inclinada para a direita, muito fina e floreada.

"E HOJE É UM DIA ESPECIAL! DIA DO TROTE NOS PIRRALHOS!" letras grandes e garranchosas feita pelos dedinhos roliços de Pedro.

"Sei que é inútil tentar dissuadir vocês dessas brincadeiras, mas é minha obrigação, vocês sabem..." as letras de Remo eram graciosamente pequenas e arredondadas, motivo de piadas dos demais por ser um tanto afeminada, na opinião deles.

"Falou o Sr. Monitor agora. Faz o seguinte: finge que não está lendo."

"MAS, ENTÃO? O QUE VAI SER?"

"Bem, ainda não tivemos oportunidade de dar uma escapadinha até Hogsmeade, mas eu ainda tenho uma bomba de bosta. Só uma, portanto temos que ser precisos."

"Onde está aquele grande bosta do Seboso? Será que dá pra pegar ele?"

"Como você é previsível, Sirius (revirando os olhos)... Mas será que vocês não poderiam parar com esses passarinhos? Estou tentando prestar atenção!"

"SE LIGA, ALUADO, É AULA DE HISTÓRIA DA MAGIA! AH! O NARIZ DE GUARDA-CHUVA MERECE MUITO MAIS DO QUE UMA BOMBA DE BOSTA, ACHO QUE DEVERIAMOS GUARDAR ALGO MAIS GRANDIOSO PRA ELE!"

"Estou bestificado! Grande Pedro! Essa bombinha solitária será pra os primeiranista desavisados mesmo. Tem um bando deles na última sala do corredor e temos que ser discretos."

"Não sei ser discreto, vocês sabem, eu chamo atenção mesmo sem querer (o que posso fazer?), mas nesse caso vou fazer um esforço."

"EU E O SIRIUS DISTRAÍMOS O PESSOAL E VOCÊ FAZ O SERVIÇO SUJO (E FEDIDO), TIAGO."

"Pelas barbas de Merlin! Será que vocês não poderiam parar com esses bilhetinhos? A Lily não pára de olhar para cá e ela não é negligente como eu com suas obrigações de monitora."

"A Lily, é? Que intimidade é essa?"

"Ui ui ui, estou morrendo de medo!"

"Relaxa, Aluado, hoje é só o primeiro dia de aula, ainda tem muito tempo pra você se preocupar. E muitas idéias pra gente aprontar uhuahuahuahuahua."

"Beleza, beleza, vamos parar então. Mas não por causa da cabelos de fogo. É que já vai bater o sinal. Concentração agora, marotos, concentração."

Lily lançou olhares de reprovação para o fundão, de onde vinham risadas e olhares furtivos na direção da monitora. Remo, depois de algumas tentativas frustradas de fazê-los desistir do que estavam tramando, debruçou-se sobre o pergaminho de modo que seu cabelo escondeu todo o seu rosto e continuou a fazer anotações.

-- Nesse mato tem coelho - comentou Lily desconfiada, fazendo Alice sobressaltar-se, estivera cochilando. Marlene tinha um filete de baba no canto da boca e arfava silenciosamente do outro lado da garota.

Nesse momento o sinal tocou fazendo Marlene pular na cadeira e todos começaram a arrumar suas coisas. Sirius, Tiago e Pedro espreguiçavam-se, bocejavam e atiravam as coisas na mochila sem pressa alguma. Remo, ao contrário deles, parecia querer sair o mais depressa possível. O Prof. Binns deixou a sala atravessando o quadro-negro. Lily foi saindo um pouco mais à frente, mas mantinha os ouvidos atentos e os passos lentos. Marlene e Alice ficaram gratas por isso, pois estavam sonolentas.

Os quatro garotos saíram da sala sem pressa nenhuma. No fim do corredor, alguns primeiranistas deixavam a sala e andavam em bando, meio assustados, meio sorridentes. Remo continuou andando, seguindo os demais quintanistas para o extremo oposto do corredor, onde havia uma escada. Andava sem pressa alguma também, mas evitava por tudo no mundo ter que olhar para trás.

Pedro e Sirius pararam mais à frente da porta da sala escondendo, disfarçadamente, um Tiago que mexia em sua mochila. Ele retirou a bomba e executou um rápido feitiço, em seguida fez com que ela flutuasse no ar na altura de seu abdome.

-- Perfeito, vamos.

Eles foram andando e de vez em quando olhavam para trás para analisar o efeito de longe. A bomba não ficara invisível, mas camuflara-se incrivelmente. Seria preciso prestar muita atenção para realmente vê-la, ou chegar muito próximo. Os primeiranistas aproximavam-se inocentemente, conversando. Não reparariam até que fosse tarde demais.

Foi difícil resistir ao impulso de olhar para trás, mas eles tinham que ser discretos. Foram se afastando calculadamente até alcançar Remo.

-- Que aula temos agora? - perguntou Sirius, com seu costumeiro sarcasmo.

-- Defesa contra as Artes das Trevas - informou Tiago quase entediado, porém com um leve resquício de riso no cantinho da boca.

Eles já tinham quase alcançado as escadas quando...

BUM!

Todos olharam para trás. Era impressionante o estrago que uma única bomba podia fazer quando se tratava de pessoas tão pequenas! Meleca e fedor para todo o lado no corredor. Uns três alunos assustados e melecados na altura do rosto.

Roncos de riso mal contido por parte dos três garotos.

-- Como esses nanicos são sem noção! - exclamou Tiago já longe de tentar conter o riso.

-- O que está acontecendo aqui? - era a monitora-chefe, uma setimanista Corvinal que apontava da porta da sala que os garotinhos tinham saído.

--Vam'bora - Sirius disse derrapando ao fazer a curva para a escada.

-- Ei! Vocês! Voltem aqui!

Mas já não havia ninguém no corredor. Os quatro andavam apressados de encontro à multidão que transitava pelo corredor abaixo, rindo de se acabar. Mesmo Remo não podia deixar de rir.

-- Vocês não têm jeito mesmo - ele balançava a cabeça de um lado para o outro.

-- Caracoles! Vocês viram a cara deles? - perguntou Tiago, tirando os óculos para esfregar os olhos, enxugando as lágrimas.

-- Não, eu não vi. Era impossível com toda aquela meleca - gargalhou Sirius, segurando o lado do corpo.

-- Nem quero pensar naquelas bocas abertas de espanto. Eca! - Pedro achava dificuldade em acompanhar o ritmo dos outros, ainda mais rindo daquele jeito.

Só Remo percebeu uma certa ruiva que os encarou furiosa quando passaram pelas garotas, apesar de ela nem saber o que tinha se passado. Ele sentiu-se corar com a repreensão de seu olhar e parou de sorrir.

Eles chegaram na sala de Defesa Contra as Artes das Trevas antes mesmo que o professor. Acomodaram-se mais à frente na sala. Essa era uma das matérias mais interessantes, na opinião dos marotos. Eles tinham muita afinidade com o professor além de facilidade com a matéria em si. Os sonserinos também demonstravam grande conhecimento no assunto, porém as duas casas faziam aula separadas e a grande diferença era que os marotos eram muito mais carismáticos do que qualquer sonserino, então todos faziam de conta que somente eles eram o grande destaque.

Alguns minutos depois o Prof. Quintino Trimble entrou na sala de aula pela porta que a ligava à seus aposentos carregando uma generosa pilha de livros em seus braços.

-- Bom dia classe! - disse ele sorrindo por detrás dos livros até que... - Oooooooops!

Foi tudo para o chão, inclusive o professor, que tropeçara nas próprias vestes. Enquanto o restante da classe se ocupava em rir da situação, Remo, que se sentara na primeira carteira e estava mais próximo, levantou-se e foi ajudá-lo a recolher os livros.

-- Oh! Obrigado, Sr. Lupin, obrigado. Coloque os livros na estante do fundo, por favor. Não, não, está tudo bem, eu me levanto sozinho, obrigado - ele tinha os cabelos louro escuros mesclados de branco cortados bem curtos e um jeito meio avoado e estabanado. Era muito inteligente e simpático, apesar disso. Só lhe faltava um pouco de atenção. - Bem, crianças, é muito bom revê-los. Vejo que cresceram alguns centímetros - acrescentou jovialmente, esticando o pescoço para Tiago. - Como está seu pai, Srta. Flaherty?

-- Heim? Oh! Hum... muito bem, obrigada - Alice ficou vermelha com a atenção e pôs-se a analisar as próprias unhas.

Remo já colocara os livros na estante e voltava para seu acento.

-- Então está bem. Vamos ao que interessa. Hum... hoje nós vamos fazer alguma coisa mais simples, em consideração ao clima de férias que não quer se desfazer tão rapidamente - ele espreguiçou-se longamente arrancando risadas descontraídas da turma, que logo cessaram quando o professor voltou a falar. - Como eu estava dizendo, vamos aprender alguma coisa bem útil em um duelo: o escudo. É bem simples, acreditem. Alguns de vocês já devem conhecer, mas em todo caso está em nosso programa. Alguém conhece?

Três mãos voaram para o teto, pertencentes a Remo, Tiago e Sirius. Lily só não revirou os olhos em consideração a Remo. Pedro prendia a respiração e se esforçava para puxar pela memória, mas logo desistiu, respirando cansado.

-- Sim, sim, eu já imaginava. Qual é a palavra utilizada para executá-lo, Sr. Black?

-- Protego, professor - respondeu o garoto, com o peito estufado diante da oportunidade de se exibir. Tiago ficou um pouco desapontado por não ter sido questionado, mas logo teve sua quota de atenção.

-- Ótimo! Cinco pontos para a Grifinória. E o que ele faz, Sr. Potter?

-- Ele nos protege de azarações simples, professor - respondeu o rapaz engrossando a voz. Arriscou uma olhada para Lílian enquanto bagunçava o cabelo, mas a garota bufou e não o encarou.

-- Excelente! Mais cinco pontos para a Grifinória. Sr. Lupin, por favor, venha até a frente, vamos fazer uma demonstração para seus colegas.

Remo já esperava por isso. O Prof. Trimble tinha um certo xodó por ele e o chamava quase sempre para demonstrações práticas. Levantou-se levemente corado e pôs-se ao lado do professor, que ainda se dirigia à classe.

-- Observem bem, crianças. O Sr. Lupin vai tentar me desarmar e eu vou bloqueá-lo, sim? - virou-se para Remo agora, que concordou com a cabeça. - Pode me atacar.

Bem, se já estava ali na frente mesmo, deveria fazer serviço bem feito. Encarou o professor por alguns segundos, ambos com as varinhas erguidas e então disse claramente:

-- Expelliarmus!

Talvez por Remo ter feito um certo suspense, o professor foi pego de surpresa e sua varinha voou de sua mão antes que ele reagisse, caindo na carteira de Lily. O professor ficou desconcertado, porém não mais que Remo, que ficou roxo.

-- Me desculpe - murmurou, sem jeito.

O professor sorriu para ele, enquanto Lily lhe devolvia sua varinha.

-- Não tem porque se desculpar. Eu me distraí, pra variar... Obrigado, Srta. Evans. Hum... bem... vamos tentar diferente. Eu te ataco e você se protege, tudo bem? Você sabe executar o escudo?

-- Sim, senhor - Remo concordou prontamente, apesar de tímido.

-- Ok, vamos lá então. Atenção... Expelliarmus!

-- Protego! - Remo proferiu quase no mesmo instante que o professor e o jato de luz vermelha que veio em sua direção foi repelido, acertando uma das estantes ao lado do quadro-negro.

-- Perfeito! - exclamou o Prof. Trimble concertando o estrago na estante com uma aceno de varinha. - Perfeito! Obrigado, Sr. Lupin, muito bom, como sempre. Dez pontos para a Grifinória! Agora vamos todos praticar. Levantem-se e formem duplas, por favor.

Quando todos se puseram em pé o Prof. Trimble agitou a varinha novamente e as cadeiras encolheram-se para os cantos da sala, deixando um amplo espaço vazio onde eles puderam passar o restante da aula praticando.

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O almoço correu normalmente e todos deixaram o Salão Principal muito satisfeitos. No caso de Pedro, com os bolsos cheios de sobremesas. Os marotos dirigiram-se para a sala comunal da Grifinória onde poderiam esticar as pernas por alguns minutos antes de se dirigirem às masmorras. Tiveram que expulsar alguns alunos mais novos de suas poltronas favoritas diante da lareira, que no momento estava apagada devido ao extremo calor que fazia. Quando já estavam preguiçosamente acomodados, um setimanista alto e magro aproximou-se deles. Mark Brown era capitão do time de quadribol da Grifinória, além de artilheiro.

-- Olá rapazes, como foram de férias? - Remo abriu a boca, preparando-se para responder, porém não houve tempo. - Ótimo. Eu só queria avisar que sexta-feira nós faremos uma seleção para o outro batedor e goleiro, já que Connolly e Ryan se formaram ano passado. Tratem de não pegar nenhuma detenção, ok? Principalmente você, Sirius.

Tiago e Sirius se entreolharam com sorrisos marotos. Tiago era apanhador e Sirius era um dos batedores do time.

-- Fica frio, Mark - Sirius abanou a mão displicentemente enquanto apoiava uma das pernas no joelho da outra.

-- É, pode ficar sossegado, a gente não vai sair por aí correndo atrás de encrenca - completou Tiago.

-- O problema é que a encrenca costuma correr atrás da gente, você sabe - continuou Sirius. - Veja o Seboso, por exemplo, vive desfilando no nosso nariz, praticamente implorando para ser azarado.

-- Mas não se preocupe, vamos ser cuidadosos.

O garoto se permitiu um leve sorriso antes de voltar a encará-los seriamente:

-- Beleza. Às sete horas no campo, então. A gente se vê por aí.

Algum tempo depois todos estavam nas masmorras. O Prof. Arsênio Jigger era muito enrugado, de pele leitosa, como se passasse tempo demais debaixo d'água. Sirius costumava dizer que ele tinha uns duzentos anos e que se recusava a morrer e ter que deixar de infernizar os alunos. Ele era o diretor da Sonserina, porém era muito severo com qualquer aluno que fosse, independente da casa. Ou quase, porque ele não tirava pontos de sua própria casa, costumava só distribuir detenções para os sonserinos enquanto tirava pontos com uma facilidade incrível dos demais. Ele passara uma poção relativamente fácil nesta tarde e todos estavam suando e afrouxando as gravatas, com os rostos vermelhos devido à proximidade de seus caldeirões.

-- E então, Tiago, o que vai ser hoje? - perguntou Sirius, que já tinha aberto dois botões de sua camisa por baixo das vestes negras.

-- Estou pensando no clássico, o que acha?

Sirius concordou com um sorriso torto, esfregando as mãos. A turma toda estava dividida em duplas, como de costume. Remo e Pedro estavam mais atrás dos dois garotos. Lily e Alice estavam a um lado deles enquanto Snape e Avery estavam do outro. Sirius e Tiago lançavam olhares furtivos para o lado de Snape e mantinham as cabeças juntas.

-- Bom, ele tá desconfiado, temos que estar preparados, sabe... - Tiago continuou, depois de perceber os olhares carrancudos do sonserino na direção deles.

-- Sei. E qual você acha que será a reação dessa vez?

-- Você é que é bom nisso, não eu - Tiago acrescentou o ingrediente final no caldeirão e acenou para o outro misturá-lo.

-- Ok, eu digo que ele vai virar o nosso caldeirão dessa vez.

-- Então temos que estar preparados. Já está pronta?

-- Está prontinha - uma fumaça pálida e inodora desprendia-se do caldeirão quando Sirius apagou o fogo. - Pode mandar ver, Tiago.

Tiago apontou a própria varinha para o caldeirão e sugou com ela toda a poção. Em seguida olhou para Sirius e piscou.

Sirius então encheu o caldeirão novamente com o que parecia ser água suja, em seguida apontou a varinha para o fogo brando que aquecia o caldeirão de Snape e Avery. Snape acrescentava o último ingrediente de sua poção com um cuidado extremo quando percebeu alguma coisa errada. Sua poção estalou e soltou uma baforada de fumaça verde ocre. Imediatamente ele espiou para o fogo de seu caldeirão, que triplicara em intensidade. Em seguida, como por um reflexo adquirido através dos anos, ele voltou-se para Sirius em tempo de vê-lo com a varinha apontada.

-- Oh! - Sirius fez uma expressão cômica de surpresa levando uma das mão teatralmente à boca.

Snape grunhiu contraindo o rosto horrivelmente de fúria e sem pensar duas vezes derrubou o caldeirão dos dois grifinórios com um nada discreto movimento de varinha. A água suja espalhou-se pelo chão da masmorra depois de ensopar as vestes de Marlene, que trabalhava à sua frente com uma garota sonserina.

-- Olha o que você fez, seu idiota - Tiago falou alto, apontando uma Marlene histérica que parecia esperar que seu corpo se enchesse de bolhas ou furúnculos ou qualquer outra coisa terrível.

-- Ora, seu... - Snape rangeu os dentes, porém foi interrompido pela voz asmática do Prof. Jigger.

-- Sr. Snape, o que significa isso?

Severo ficou branco na mesma hora, arregalou os olhos para sua própria poção, que formava uma densa nuvem de fumaça verde pegajosa, depois olhou Marlene, que era socorrida por Lily e Alice, em seguida passou o olhar para o rosto enrugado do professor.

-- Detenção, Sr. Snape. Detenção. E não preciso de uma amostra de sua poção para dar sua nota. Que decepção! - ele voltou as costas para o garoto que parecia ainda mais decepcionado que o professor, além de furioso. - Quero amostras de suas poções em minha mesa já. E podem se retirar. Sr. Snape, o senhor fica para limpar essa bagunça.

Snape lançou uma última olhada para Sirius e Tiago, que enfiaram os nós dos dedos na boca para conter as risadas. Tiago segurava um frasco com a amostra para o professor e balançava debilmente de modo que ele pudesse ver. O sonserino rosnou para eles, arreganhando os dentes e provocando ainda mais acessos de riso dos dois garotos que deixavam a sala.

-- O que foi? - perguntou Tiago na maior cara de pau para Lily, que estava parada em frente à porta e parecia ter captado o que ocorrera.

-- Cínico - disse ela, empinando o nariz e virando-lhe as costas.

-- Já reparou que ela só ralhou comigo? - perguntou Tiago depois de algum tempo encarando o movimento dos cabelos da ruiva.

-- Isso é óbvio! Porque eu sou praticamente um santo - respondeu Sirius alisando o próprio peito.

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Depois do jantar, estavam todos reunidos na sala comunal jogando snap explosivo, bexiga, ou somente jogando conversa fora. Quer dizer, todas as pessoas normais, porque Remo Lupin estava lendo um livro de Defesa contra as Artes das Trevas com a testa franzida, fingindo não ver alguns terceiranistas passarem mal ao inalarem uma substância borrifada discretamente por Sirius e Pedro enquanto Tiago parecia anotar as reações em uma prancheta.

-- É, cara, acho que esse negócio tá vencido mesmo - disse Tiago assim que os outros dois se aproximaram. - Nós fizemos a essência no terceiro ano! Falei pra você, Sirius. Olha lá aquelas bolhinhas roxas que estão brotando no pescoço daquele pigmeu ali.

-- Aquilo são espinhas inflamadas, Tiago, seu lento - retrucou Sirius dando um tapa na nuca do outro.

Tiago malhou a prancheta na cabeça de seu agressor bem no momento em que Lílian chegou até eles.

-- Ei, vocês dois, deixem pra se agredir no dormitório quando não tiver ninguém mais vendo, sim? - disse ela sarcasticamente. - Aproveitem e acabem com a raça um do outro pra poupar-nos de uma vez por todas dessas criancices. O que é isto?

Ela tinha apanhado o borrifador que Sirius largara sobre uma das mesinhas e ia levando para o nariz para cheirá-la.

-- Não! - Tiago agarrou o borrifador antes que ela conseguisse cheirar e abraçou-o contra o corpo. - Não é nada, Evans.

-- Sei. Se não é nada, por que não deixou que eu cheirasse? - ela cruzou os braços em frente ao corpo numa pose intimidadora, porém Tiago não precisou responder.

-- Lily, já está na hora da ronda, não está? - Remo deixara o livro de lado e levantava-se do sofá.

Lily deu uma última olhada fulminante para Tiago e virou-se para Remo.

-- Sim, Remo. Eu vou subir para colocar minhas vestes, já volto. E diga a seus amiguinhos para guardarem isso, seja lá o que for.

-- Tchau, Lily - arriscou Tiago galantemente, antes que ela se virasse.

-- É Evans pra você.

Lily saiu em direção às escadas. Remo olhou para os amigos reprovadoramente e já ia dizer algo quando Tiago virou-se para Sirius de um jeito delicado, afinando a voz:

-- Oh! Remo, querido, já está na hora da ronda?

Sirius fez uma reverência exagerada, retirando um chapéu imaginário da cabeça antes responder polidamente.

-- Sim, Lily, minha cara. Deixe-me acompanhá-la - e ofereceu o braço para Tiago, que aceitou mordendo o lábio inferior. Os dois suspiraram olhando languidamente para os rostos um do outro antes de caírem da risada junto com Pedro.

Remo já nem lembrava mais o que ia dizer. Ficou vermelho e deu um sorrisinho tímido para os amigos.

-- Eu... eu já vou indo, rapazes - disse quando recuperou a seriedade. - E guardem essa essência de atordoamento, ok? Deve estar vencida mesmo.

-- Hum, Aluado? - chamou Tiago. - Nós vamos fazer uma excursão para a cozinha, com a capa da invisibilidade daqui a pouco, portanto se vocês trombarem em nada...

-- Somos nós - emendou Sirius, apontando o próprio peito com um sorrisinho torto.

-- Isso mesmo. Não se preocupe, nós vamos guardar alguns petiscos pra você - Tiago piscou.

-- É, afinal, você não tem culpa de ser monitor - consolou Sirius, como se o amigo estivesse no fundo do poço.

Remo balançou a cabeça de um lado para o outro tentando não sorrir. Em seguida dirigiu-se para Lily, que acabava de descer. Eles tiveram que patrulhar os corredores do castelo para ter certeza de que todos estavam recolhidos em suas salas comunais. Lily parecia decida a não mencionar o que acabara de acontecer, para alívio de Remo, e eles passaram o tempo todo contando sobre suas vidas. Ou melhor, Lily relatou sua vida toda para Remo, que limitava-se a fazer alguns comentários e sorrir nos momentos certos. Era um perfeito ouvinte, Lily tinha que admitir.

-- ... E tem também a minha irmã, Petúnia. Nós não nos parecemos em nada. Não que eu seja bonita, mas ela é meio loira, com um pescoção comprido e cara de cavalo, além de ser muito rabugenta - Remo deu umas risadas gostosas diante das caretas que Lily fazia ao descrevê-la. - É sério! Além disso, ela não tolera magia. Eu me divirto em assustá-la, sabe, ficar ameaçando fazer coisas esquisitas com ela, mencionar coisas do nosso mundo quando ela está com o namorado. Petúnia não poderia ter arrumado melhor namorado. Eles são perfeitos um para o outro.

-- Ela é mais velha que você?

-- Sim, dois anos mais velha. Mas parece que tem sessenta anos! Não sei, acho que ela sente um certo ciúme por eu ser uma bruxa e ela não, por isso não ligo muito para as coisas que ela fala. Na verdade sou a única bruxa da família e meus pai se orgulham muito disso. Acabam me paparicando demais, o que enfurece Petúnia.

Lily deu um suspiro com um quê de tristeza, mas logo já estava sorrindo bondosamente encarando Remo.

-- Mas veja só que tagarela que eu sou! Só assim pra eu falar desse jeito: achei alguém mais tímido do que eu! Pensei que não existisse!

Remo deu um sorrisinho retraído confirmando ainda mais a conclusão de Lily.

-- Vamos! Conte-me sobre você, sobre sua vida, sua família. Não é justo você só ficar ouvindo.

-- Eu gosto de ouvir. Não sou de falar muito mesmo - ele encarou o chão, suspirando. Tinha medo de que essa hora chegasse. O que diria? - Bem, minha vida não é tão interessante quanto a sua. Sou filho único e moro no campo, isolado de tudo e de todos. Nunca fui para a escola antes de vir para Hogwarts por ser muito longe. Meu pai me ensinava em casa de noite, porque passava o dia todo fora trabalhando. Nunca tive vizinhos, amigos, primos com quem brincar. Brincava sozinho no quintal, depois de ajudar minha mãe com as tarefas de casa. Aprendi a me refugiar nos livros, deixar minha imaginação correr solta nos contos e romances que meu pai me trazia toda semana. Era disso que eu vivia, de imaginar. Você pode entender então o motivo de eu ter me apegado tanto à essa escola e aos meus amigos...

-- Puxa vida! Nunca imaginei isso. Eles devem ser muito importantes mesmo pra você...

-- São. E sempre vão ser. Só por aceitarem ser meus amigos eles já fizeram muito por mim. Minha infância só começou de verdade aos onze anos, quando eu os conheci e comecei finalmente a acreditar que fazia parte do mundo. Eu sei que você deve me achar um babaca por não repreendê-los tanto quanto devia, mas eu simplesmente não posso. Eu juro que tento, sutilmente, passar alguns corretivos neles. Mas não surte muito efeito, já que eles sabem que eu também me divirto com suas travessuras.

Eles continuavam andando. Remo levantou o rosto para encarar a monitora. Lily tinha os olhos brilhantes e a expressão mais doce e compreensiva do mundo.

-- Nunca achei que você fosse um babaca - ela tinha vontade de abraçá-lo e de chorar de tão comovida que estava, mas conteve-se em observar a gratidão do garoto em seu olhar tão triste. Sentia que ele escondia grande parte de sua vida, que tinha algo ainda maior e mais terrível do que isso que ele acabara de contar, mas teria que conquistar sua confiança primeiro e era o que ela faria. Comprometeu-se intimamente a ajudá-lo, mesmo que fosse somente com sua amizade pura e sincera.

Seus pés pararam automaticamente assim que eles depararam-se com o quadro da Mulher Gorda de vestido de seda rosa que guardava a entrada para a sala comunal. Ocorreu-lhes que talvez não tivessem dado a atenção que deveriam ter dado à ronda, porém estavam com os corações leves e tranqüilos.

-- Senha? - perguntou o retrato.

-- Bubotúbera - responderam juntos e sorriram. Remo acenou para que ela fosse primeiro e seguiu-a para o aposento vazio.

-- Boa noite, Lily.

-- Boa noite.

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N.A. Bem, me desculpem pela demora. Gostaria de agradecer pelos reviews que recebi, muito obrigada mesmo! Continuem comentando! Sem previsões para a próxima atualização. No mais tardar segunda-feira, mas vou tentar postar antes.

Lini já te disse isso, mas você sabe que sem você essa fic não existiria, não é mesmo? Continue me insentivando e eu continuo escrevendo, blz? Bjoka

mayara que bom que você está gostando! Não se preocupe, mais pra frente tem um capítulo só para o Mapa do Maroto, mas vai demorar um pouquinho hehehe. E sinto muito, vou judiar bastante do Tiago uhuahuahua. Mas ele sobrevive...

Flavinha Greeneve pois é, a Lily tá meio estressada mesmo... culpa do Tiago! E quanto ao Remo, nós sabemos que ele vai ter muitas alegrias daqui alguns dias, não é mesmo!

Mah Potter pois é, parece que o Tiago finalmente "enxergou" a Lily. O Remo é um verdadeiro artista e quanto ao Nick, ele já está acostumado, eu acho...

Bjos para todas e continuem comentando, please!