CAPÍTULO OITO
Animagia
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Mais tarde, na Sala Precisa, Tiago esfregava as mãos e caminhava de um lado para o outro:
-- Vocês entenderam tudo? Têm certeza?
Pedro balançou a cabeça afirmativamente, mas não parecia muito confiante. Sirius fez um muxoxo.
-- É claro, meu caro. Se bobear, eu entendi melhor que você.
Tiago não deu atenção à provocação do amigo. Seu coração batia loucamente de ansiedade.
-- Então é isso. Quem vai tentar primeiro? - disse parando em frente a Sirius e olhando-o diretamente nos olhos.
-- Olha, se eu não estivesse com a pulga atrás da orelha de curiosidade em saber qual será o seu animal, eu até me ofereceria. Mas...
Tiago suspirou resignado.
-- Tudo bem, eu começo.
Dizendo isso, o garoto parou no meio da sala, que hoje tinha apenas um sofá longo em uma das paredes e a lareira em outra. O amplo espaço vazio do centro do aposento era coberto em toda extensão por uma tapeçaria grossa e trabalhada.
O rapaz fechou os olhos e começou a respirar longa e compassadamente, ouvindo seus próprios batimentos cardíacos. Seu coração começou a desacelerar até normalizar. Então ele começou a se concentrar no animal em que iria transformar-se. Visualizou o cervo imponente em sua mente, na mesma posição do desenho de Lily, encarando-o. O desenho tomou vida em sua imaginação, começando a patear o chão e virar-se lentamente, como se desfilasse para ele, exibindo-se. Tiago prestou atenção a cada detalhe do corpo do animal separadamente e foi juntando-os como um quebra-cabeça. Depois disso, ele forçou cada minúscula célula de seu cérebro a concentrar-se na vontade de tomar exatamente aquela forma.
Durante todo esse tempo, seus sentidos tinham-no abandonado, deixando sua mente trabalhar com mais liberdade. Porém agora os sentidos voltavam com força redobrada. Os sons da noite tornaram-se repentinamente mais altos e perceptíveis. Seu olfato confundia-lhe com uma diversidade de cheiros fortes e inebriantes. Era doloroso continuar com os braços esticados, então ele flexionou-os. Suas costas enrijeceram-se e seus músculos contraíram-se. Sentiu-se consideravelmente mais forte e resistente. Tomou consciência de um peso a mais sobre sua cabeça, mas não era incômodo. Muito pelo contrário, fazia-o sentir-se estranhamente mais completo. Já não era mais confortável permanecer de pé sobre suas pernas e ele curvou-se para frente inconscientemente, caindo de quatro no chão com estrondo.
Assustou-se com o barulho que seguiu-se a batida de seus cascos no chão, reverberando pelo aposento amplo. Abriu os olhos, apreensivo, e encarou o ambiente com movimentos rápidos de seu pescoço. Observava a Sala Precisa com uma iluminação totalmente diferente, com pouca riqueza de cores. Apenas tons pastéis variados conforme a luminosidade que incidia sobre cada detalhe. As orelhas! Conseguia movê-las facilmente, ajustando-as para captar melhor o som. Sua mente trabalhava a mil.
Sirius e Pedro assistiram à transformação de Tiago em silêncio. A princípio curiosos, depois assombrados e então maravilhados. Pedro ainda conservava grande parte do assombro. Tinham diante de si um animal assustado, porém majestoso.
Sirius sorriu aparvalhado e começou a bater palmas com entusiasmo, fazendo o animal encará-lo, dar um passo para trás, desajeitadamente, e cair sobre as patas traseiras.
O garoto parou de aplaudir no mesmo instante em que o cervo voltava a transformar-se em um ser humano jovem e assustado, arfando, suando, até perder os movimentos e os sentidos, estirando-se no chão.
-- Tiago!
Correu até ele, acompanhado de um hesitante Pedro e ajoelhou-se a seu lado.
-- Tiago, acorde! - debruçou-se sobre o amigo e começou a estapear seu rosto enquanto chamava desesperadamente. - Não faça isso comigo, meu irmão!
Pedro, nem ele sabe como, teve um estalo e apanhou a varinha das vestes.
-- Enervate! - disse, apontando para o peito do rapaz estirado molemente no chão.
Seu corpo estremeceu violentamente e ele abriu os olhos tomando um grande sorvo de ar ao mesmo tempo em que erguia-se sobre seu tronco, quase esbarrando com tudo em Sirius.
Este recuou a tempo, fechou os olhos com força e deixou o corpo pender para trás, respirando aliviado.
Os três ficaram assim por algum tempo, respirando, tentando se acalmar, até que Tiago começou a sorrir. O sorriso logo transformou-se em riso e o riso em gostosas gargalhadas espalhafatosas que sacudiam todo o seu corpo, forçando-o a deitar-se novamente. Sirius logo fez coro a ele, dando socos no chão e esperneando-se, pois somente gargalhar não era suficiente. Pedro sorriu timidamente, ainda muito abalado e perplexo.
-- Eu consegui! Eu consegui! - gritava Tiago a plenos pulmões entre as gargalhadas.
Sirius tentou controlar-se para encará-lo, cheio de expectativa.
-- Então? Como foi?
-- Ma-ra-vi-lho-so! Maravilhoso! Foi... foi incrível. Não dá pra explicar, você tem que tentar, cara.
-- Sim! Sim! Eu vou tentar. Não! Eu não vou tentar... eu vou conseguir! Calma. Calma, Sirius - ele pôs-se de pé e passou a mão pelos cabelos, ajeitando-os nervosamente atrás das orelhas. Respirou fundo fechando os olhos.
Tiago e Pedro dirigiram-se ao sofá e começaram a observar o garoto que tentava relaxar, girando a cabeça e fazendo o pescoço estralar. Em seguida flexionou as juntas dos dedos compridos, provocando seguidos estalinhos. Isso o acalmava. Ficou imóvel por alguns instantes intermináveis, na opinião dos espectadores, porém ele próprio não sentia o tempo passar.
Pedro roía os dedos, pois já não tinha unhas. Tiago nem piscava. Fitava o amigo atento, tentando imaginar sua própria transformação através da dele. Porém tudo aconteceu muito rápido. Os pelos negros e volumosos, as orelhas pontudas, o formato do focinho, o rabo comprido e peludo, o corpo fofo e brilhante, tudo tomou forma de uma só vez, fazendo o enorme cão apoiar-se nas quatro patas com leveza. Era do tamanho e proporção de um urso.
O animal estirou a língua comprida e vermelha para fora, a respiração rápida e curta, o rabo balançando-se, demonstrando excitação. Com os olhos claros e profundos, encarou os dois garotos de olhos arregalados à sua frente. Inclinou a cabeça curiosamente para a direita e voltou a endireitar-se rapidamente. Agitou as patas dianteiras, divertido, e latiu inesperadamente.
Pedro deu um pulo de susto. Pareceu mais assustado ao ver o cão negro do que durante toda a transformação. Encolheu-se no sofá, quase engolindo a própria mão. Tiago sorriu ao ouvir o latido rouco, seus olhos cintilaram por trás dos óculos de aros redondos e ele escorregou pelo sofá, ficando de joelhos no chão.
-- Vem cá, garoto - disse, sorridente, batendo nas próprias pernas.
O enorme cão inclinou a cabeça novamente, latiu com mais confiança e saltou para frente. Correu cambaleante pela curta distância que o separava de Tiago, quase esmagando-o contra o sofá. O garoto estendeu suas mãos rindo e começou a fazer carinho no pelo fofo do animal. Percebeu que grande parte do seu volume devia-se à pelagem negra sedosa. O cachorro latia, mexia o focinho molhado e gelado insistentemente, relando-o vez ou outra na pele do amigo. O rabo tufoso, balançava-se freneticamente.
-- Isso, garoto! Isso!
Sirius, o cão, aproximou o focinho do rosto de Tiago e lambeu sua orelha, enquanto babava, fungava e bafejava ar quente.
-- Ei! Pare com isso! - disse o outro entre risadas, porém não afastou-se nem deixou de acariciar seu pescoço.
De repente, o animal afastou-se com a língua de fora, sentou-se nas patas traseiras e ergueu-se, com as patas diante do tronco. E foi exatamente nessa posição que apareceu Sirius, o garoto.
-- Uauuuuuuuuuuuu! - zombou ele, ofegante.
Seguiram-se mais e mais gargalhadas deliciosas. Só depois de cinco minutos eles pararam, segurando o abdome dolorido e enxugando os olhos.
-- Cara, você caprichou meeeeeeeeesmo no tamanho, heim? - Tiago exclamou.
-- Sou todo feito de músculos, o que posso fazer? - retrucou o outro, cheio de si.
-- Músculos e pelos, você quer dizer.
Mais um tempo foi necessário para eles se recuperarem dos risos. Foi então que eles repararam em Pedro, com os olhos vidrados, a boca ligeiramente entreaberta.
-- Ei, Rabicho, é a sua vez!
Pedro sacudiu a cabeça e focalizou o rosto sorridente de Sirius, que passava a mão diante de seus olhos.
-- Hãn?... O que foi?
-- O que foi, pergunto eu!
Pedro voltou a encolher-se no sofá.
-- V-você transformou-se em um S-Sinistro! - gaguejou num sussurro audível.
Sirius franziu as sobrancelhas e tornou a descontraí-las no mesmo instante.
-- Oh! É mesmo. Acho que sim... - disse divertido. Virou-se para Tiago, que ajeitava os óculos. - Não tinha reparado!
-- Sai pra lá, mal-agouro! - respondeu Tiago com fingido horror, afastando-se comicamente de Sirius.
Mais risadas e novamente Pedro não os acompanhou. Tinha as mãos juntas diante da boca e movimentava os olhinhos pequenos e lacrimosos de um rosto feliz para o outro. Parecia mesmo um ratinho acuado com seu narizinho pontudo.
-- Ah, qual é, Pedroca! Vai dizer que ficou com medo de mim?
Pedro sorriu nervosamente em resposta.
-- Iiiiiih! Desencana, Rabicho. Relaxa que agora é sua vez - Tiago incentivou-o.
-- E-eu não quero. Estou com sono, não vou conseguir me concentrar.
Tiago arregalou os olhos e verificou seu relógio de pulso mágico.
-- Gárgulas galopantes! - Sirius riu da imitação barata de Hagrid, o guarda-caça. - Já são onze e meia!
-- Beleza, vamos embora então. Mas amanhã você não escapa, Rabicho - Sirius apontou o dedo para a cara gorducha do outro em sinal de aviso.
Pedro engoliu em seco. O dia seguinte seria uma provação para seus nervos.
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A noite do dia seguinte não teve progresso. Pedro não conseguia se concentrar. Nem se acalmar ele conseguia! Ficava suando e tremendo, levando as mãos em direção à boca para roer as unhas, mas a maioria das vezes era interrompido bruscamente em meio ao gesto.
-- Pare com isso, Pedro! Quando você se transformar poderá roer as unhas e o que mais você quiser, mas agora concentre-se! - dizia Sirius irritado.
Ele e Tiago tentavam de tudo para ajudá-lo.
-- Respire conosco, Pedrinho - dizia Sirius enquanto Tiago fazia uma demonstração, seu peito subindo e descendo lenta e profundamente. - Inspira... respira... inspira... respira...
Porém o garoto logo descompassava, arfando descontroladamente em busca de ar. Eles tentaram fazê-lo acalmar-se comendo caramelos, o que realmente parecia estar funcionando. Mas depois de três pacotes inteiros, Pedro já estava sentindo dores desconfortáveis no estômago e suando frio novamente.
-- Ah! Eu desisto. E ele ainda acabou com os caramelos que compramos para o Remo! - Sirius jogou-se pesadamente no sofá, ocupando-o completamente com seu corpo comprido. Tiago sentou-se na ponta de um dos braços do sofá, a única parte que lhe restara, lançando olhares de desaprovação a Sirius.
-- Tudo bem - disse ele emburrado, agora encarando Pedro. - Vamos parar por aqui hoje, mas amanhã tem mais, Rabicho. Essa Lua Cheia vai TER que ser a última transformação solitária do Aluado, até porque eu e Sirius precisamos de mais treino também... E ai de você se não se transformar, Pedro! Nós vamos deixá-lo para trás, entendeu?
Pedro acenou várias vezes com a cabeça, antes de se permitir um gemido e passear a mão gorducha pela barriga saliente. Ele tinha que conseguir. Não podia ser deixado de fora das aventuras noturnas. Por que ele tinha que ser tão tapado? Os outros tinham conseguido da primeira vez! Parecia tão fácil...
Na noite seguinte, o garoto treinou sua concentração sozinho, enquanto Sirius e Tiago estavam no treino de quadribol e os demais colegas estudavam ou se divertiam na sala comunal. Era muito mais complicado do que ele imaginara ao assistir a transformação dos amigos.
Assim que seus amigos voltaram do treino, os três marotos se reuniram na Sala Precisa novamente. Rabicho mostrou-se mais esforçado, embora fosse visível que seria muito mais trabalhoso para ele do que fora para os outros. Sirius e Tiago eram muito atenciosos, não deixavam de estimulá-lo e ajudá-lo. Tiveram muita paciência com o amigo, embora Sirius muitas vezes tivesse que levar uns coices discretos de Tiago para não morder a canela de Pedro. Por vezes, ele chegava a arreganhar os dentes para o podre garoto, que se encolhia todo. Aquela foi a noite mais longa que eles já passaram estudando, mas tinha que ser a última.
Quando o sono começava a querer tomar conta e eles perdiam as esperanças, Rabicho finalmente conseguiu uma transformação completa. Foi uma festa, eles até se esqueceram do sono. O ratinho corria ligeiro, ziguezagueando por entre as patas dos outros animagos. Por vezes erguia-se nas patas traseiras, empinando-se todo em direção ao focinho dos outros, guinchando e mexendo os bigodes freneticamente. Mas era minúsculo em contradição aos companheiros.
Certa hora, quando o cão estava estirado molemente no chão, Rabicho passara o focinho gelado nas almofadinhas de uma de suas patas, esfregando os bigodes. No mesmo instante, Sirius tornou a aparecer no lugar do cachorro, rindo de se acabar.
-- Ei, Rabicho! Isso faz cócegas!
-- Desculpe - respondeu o garoto, todo tímido.
Tiago deu um sorriso zombeteiro.
-- Há! O Sirius tem cócegas nas almofadinhas!
E eles atiraram-se para cima do amigo, fazendo cócegas. Primeiro ele tentou resistir, se fazer de durão e tal, mas acabou se rendendo.
-- Chega! Me deixem... respirar - eles se afastaram para que o outro pudesse tomar fôlego.
Uma idéia passou pela cabeça de Tiago enquanto o encarava.
-- Sabem... Almofadinhas é um bom nome pra você, cachorrão...
-- É... - Pedro ficou pensativo.
Sirius ergueu uma sobrancelha e encarou-os.
-- Vocês devem estar BRINCANDO, não é? Almofadinhas? É muito... fofo - fez cara de nojo.
-- Isso mesmo! É perfeito! Está decidido... Você se parece mesmo uma imensa almofada negra peluda, de muito mal gosto, diga-se de passagem...
Tiago levou um soco não muito fraco nas costelas. O autor do "carinho" sorriu malicioso.
-- Está bem, eu serei o Almofadinhas, mas ainda falta o seu apelido, amigo chifrudo.
-- Eeeeeeepa! Chifrudo não! Olha o respeito! São galhos, não são chifres.
-- Ah! Besteira! É tudo pontudo e afiado... Pontas! É isso! Eu sou um gênio... - Sirius empertigou-se, estufando o peito. Porém teve que encolher-se com o soco também não muito fraco no lado.
-- Não MESMO! Não vou ser chamado de Pontas!
-- Ah, vai sim senhor! - Pedro finalmente fez-se ouvir, muito determinado. - Você sai distribuindo apelidos para nós e agora não quer aceitar o seu?
Tiago olhou-o embasbacado.
-- Até tu, Rabicho?
-- É isso aí! Apoiado, caro Rabicho. E está decidido - Sirius já se levantava e encaminhava-se para a porta, vestindo seu casaco. - Vocês vão ficar aí a noite toda? Vamos! Levantem-se garotas!
Tiago lançou-lhe um olhar mortífero, mas levantou-se, seguido por Pedro e os três deixaram o aposento com uma sensação de dever cumprido, às duas da madrugada.
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N.A. Esse é um dos capítulos que eu mais gostei de escrever dessa fic, espero que vocês também tenham gostado.
Nanda Rosadas que bom que você gostou! Fico muito feliz. É, eu descobri que não sou boa em prólogos, não é mesmo? Mas tudo bem. Eu fico super satisfeita em dizer que SIM, a Lily tem alguns poderes "especiais". Não pretendia mostrar muito dele nessa parte da fic (minha prioridade é animagia), mas vou tentar encaixar algumas pistas, ok?
Any Lemon bem, digamos que a Lily seja de alguma forma "especial" sim, mas vai demorar um pouco pra entender mais sobre isso. E quanto ao cervo, desde a primeira vez que li o 3º livro, eu amei a escolha do Tiago. Afinal, eles precisavam de animais grandes, intimidadores e ao mesmo tempo razoavelmente comuns. É claro que ele poderia ter escolhido um leão, para ter melhor resultado em dominar o lobisomem, mas vamos combinar que não seria nada discreto, não é mesmo? Um cervo não é o cúmulo da discrição, eu sei, mas é mais comum, além de ser muito ágil, forte e intimidador, com sua poderosa galhada. Acho que consegui esclarecer, sim? Qualquer coisa não hesite em perguntar, fico feliz em explicar.
Aline sim, eu sei que está tudo bem corrido pra vc. Dessa vez passa, mas não deixe de comentar esse! Você me ajudou muito a escrevê-lo, com suas críticas hehehe.
Próximo capítulo: segunda-feira (posso postar antes se por acaso receber, digamos, 5 reviews antes de segunda... uhuahuahuahuahua)
