CAPÍTULO DOZE
Almofadinhas, Pontas e Rabicho
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Não era possível! Será que estava tão mal a ponto de ter alucinações? Pensou ter visto um canzarrão negro do tamanho de um urso encarando-o de dentro do dormitório. Seria um Sinistro? Talvez ele estivesse mesmo à beira da morte de tão cansado que estava... Ficou encarando a porta durante o que lhe pareceram alguns longos segundos até que ela abriu-se e ele se viu encarando um confuso Sirius.
-- O que houve, Aluado? Você abriu a porta e... Pelos balaços errantes! Como você está branco, Remo! Venha, entre. Está passando mal?
Remo viu-se arrastado até a cama de Tiago, onde ele e Pedro jogavam xadrez de bruxo casualmente.
-- Aconteceu alguma coisa, Aluado? - Tiago deu espaço para que o garoto se sentasse.
-- Não, eu... eu só estou cansado e um pouco dolorido, vocês... vocês entendem... Vou tomar um banho e já vai passar.
Ele levantou-se sob o olhar repreensivo dos amigos e rumou para o banheiro, carregando um robe amarronzado. Tomou um banho longo e reconfortante, ou melhor, deixou-se ficar embaixo da água quente até quase adormecer. Em seguida enxugou-se e vestiu o robe só conseguindo pensar em sua cama. Despertou totalmente, porém, assim que abriu a porta do banheiro. Voltou a fechá-la por puro reflexo.
Pelas garras do dragão! Será que ele já estava dormindo e esquecera-se de deitar? Tivera a clara impressão de que havia um cervo no dormitório, encarando-o ameaçadoramente! Que absurdo! Voltou a abrir a porta decidido e realmente não havia nada de estranho no que viu. Sirius e Tiago jogavam xadrez agora, e um amontoado de cobertas informou-lhe que Pedro provavelmente já estava dormindo. Suspirou aliviado e pôs-se a caminhar trêmulo até sua própria cama. Seu pijama estava embolado em cima da cama... embolado? Remo tinha certeza de que deixara seu pijama cuidadosamente dobrado, como sempre! Porém devia ter-se sentado em cima dele, sem querer, bobagem... Estendeu a mão para pegá-lo...
Remo não era um garoto de gritar por qualquer coisa, muito menos por um simples ratinho. Mas - depois das provações pelas quais ele tinha passado em uma única noite - era totalmente compreensível o fato de ele ter dado um berro que deixaria Lily com inveja. Um ratinho cinza e gordo saíra correndo de baixo de seu pijama e fora refugiar-se na cama de Pedro. O garoto cambaleou para trás e foi amparado pelos braços fortes de Sirius antes de esborrachar-se no chão.
-- Remo! Ai meu Pai! Matamos ele de susto, Pontas!
-- Aluado, fala comigo. Rabicho, ajude aqui! - Tiago ajudou o amigo a sentar Remo na própria cama enquanto o abanava.
O lobisomem estava de olhos arregalados, com uma das mãos na boca. Acabara de presenciar o rato transformar-se em Pedro! Isso realmente só podia ser um delírio, ou... De repente fez-se luz em seu cérebro. Mas não pode ser... é...
-- Impossível! - concluiu em voz alta. - Eu não acredito! - disse ele ainda de olhos arregalados enquanto tentava raciocinar. - Ora seus...
Inesperadamente Remo se levantou e começou a gritar, enfurecido.
-- VOCÊS SÃO LOUCOS? O QUE VOCÊS TÊM NESSAS CABEÇAS DE VENTO? QUASE ME MATARAM DE SUSTO! ACHEI QUE TIVESSE FICADO MALUCO! JÁ ESTAVA A PONTO DE TER UM TRECO!
Do mesmo modo inesperado que começara, tudo cessou. Ele deixou-se cair na cama e começou a rir. Os outros três encararam o amigo embasbacados.
-- Vamos! Transformem-se! Eu quero vê-los de novo! - disse Remo com os olhos brilhando, esforçando-se para sentar-se novamente e encará-los.
POC
Num piscar de olhos um Tiago sorridente transformou-se no cervo intimidador.
-- Aluado, esse é Pontas - apresentou Sirius e Remo recebeu uma reverência respeitosa do animal, retribuindo o gesto.
-- Muito prazer, Sr. Pontas.
POC
-- Esse aqui é o Rabicho - Sirius apontou o ratinho que corria em círculos à sua frente, parando para empinar-se nas patas traseiras.
-- Encantado, Sr. Rabicho - Remo fez outra reverência.
POC
POC
Os dois amigos estavam de volta e Tiago limpava a garganta.
-- Hum, hum. E este é o Almofadinhas.
POC
Um latido forte fez com que Remo sobressaltasse. Ele ia cumprimentar o cão quando recebeu o impacto de duas patas enormes no peito e caiu novamente na cama com Almofadinhas lhe fazendo festa. Baba por todo o rosto, pêlos negros esparramados pela cama cobrindo quase totalmente o garoto, que ria de se acabar.
Era impossível sentir dor quando tinha-se tantas outras coisas para sentir. A alegria contagiante dos amigos, a adrenalina da surpresa, o carinho, a dedicação, a amizade, a sua própria felicidade... Sentiu algo quente lhe descer pela face e soube que não era a baba do cão.
-- Sai de cima, Almofadinhas. O Remo está chorando! - Tiago empurrou o animal, fazendo-o cair com estrondo no chão.
POC
No instante seguinte Sirius ajoelhou-se ao lado da cama.
-- Perdão! Eu te machuquei, Aluado?
-- Não, seu bobo - Remo limpou as lágrimas que teimavam em escorrer por seu rosto risonho. - Só estou feliz demais... eu... nem sei o que dizer... aaaaaaah, obrigado...
Sua voz se partiu e ele deixou os soluços aflorarem, escondendo o próprio rosto com as mãos.
-- Oooooooooooooh! - os três já estavam em cima dele de novo em um abraço solidário de muitos braços.
-- Está bem, está tudo bem, podem me deixar respirar agora, sim? - eles se afastaram. - Vocês me enganaram direitinho, seus panacas babões. Agora, com o berro que eu dei ao ver o Rabicho eu teria acordado o castelo inteiro, então imagino que vocês tenham colocado um Feitiço de Imperturbabilidade na porta do dormitório, correto?
-- Positivo e operante, senhor - Tiago bateu continência.
-- Ótimo - Remo exclamou antes de mandar uma almofada vermelha pelos ares de encontro ao amigo, entortando seus óculos.
-- Ah, seu lobo safado! - a almofada foi devolvida com brutalidade.
No instante seguinte Pedro puxou o cobertor de sua cama revelando várias delas que logo foram distribuídas e o ar ficou coalhado de borrões vermelhos voando em todas as direções. Vez ou outra, para esquivar-se da pontaria dos amigos, eles transformavam-se e voltavam à forma humana com uma rapidez impressionante, até que todos desabaram transbordando felicidade.
-- Caramba! Olha a hora! - Tiago consultava o próprio relógio. - Uma hora da matina. Melhor a gente ir dormir, não acham?
Sirius esfregou as mãos, entusiasmado.
-- Verdade, amanhã será um loooooooongo dia. E a noite será ainda mais longa, heim?
-- Amanhã nós vamos conversar direito sobre isso, mocinho - Remo não conseguiu parecer tão sério quanto pretendia, levando uma travesseirada nas fuças.
Pedro bocejou longamente.
-- Concordo, concordo - ele parecia nem saber com o quê estava concordando e acabou levando três travesseiros de uma vez. Do jeito que caiu na cama ele ficou.
-- Boa noite - despediram-se todos apagando as velas.
Remo finalmente vestiu o pijama e enfiou-se debaixo das cobertas. Não estava totalmente despreocupado, na verdade. Amanhã tentaria fazer o que não fora capaz hoje: ralhar com eles. Mas por enquanto ele se permitiu curtir o imenso balão de felicidade que se enchera em seu peito e dormiu com o coração leve.
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O sol pálido daquela manhã de sábado já ia alto quando um garoto de cabelos completamente arrepiados acordou. Tiago espreguiçou-se e tateou a estante da cama em busca dos óculos. Assim que o quarto entrou em foco ele reparou na claridade do quarto. Agora que estava acordado, não sabia como podia ter dormido tanto com uma claridade daquelas invadindo o aposento. Consultou o relógio. Eram mais de dez horas da manhã, o que significava que eles tinham perdido o café da manhã. Depois de ouvir um protesto de seu estômago, o garoto deu uma espiada ao seu redor.
Nenhum deles tinha o costume de passar as cortinas ao redor da cama, então ele pôde ver, na cama à sua esquerda, Sirius, que tinha as costas nuas meio cobertas e metade de uma perna para fora da cama. Do outro lado do dormitório, Pedro era um calombo avantajado por debaixo das cobertas revoltas. Até aí não havia nada de anormal. No entanto, quando virou-se para analisar a cama à sua direita, deparou-se com uma cena inédita: Remo estava dormindo profundamente com as cobertas totalmente intactas sobre o corpo magro na mesmíssima posição em que se deitara. O rapaz tinha a boca ligeiramente aberta e uma expressão de absoluta paz no rosto de feições agradáveis.
Geralmente Remo era o primeiro a levantar-se e expulsar todos da cama para se vestirem logo e descerem para o café, mesmo nos finais de semana, o que explicava a incredulidade de Tiago.
Um gemido rouco lhe informou que Sirius despertava a seu lado.
-- Nham, nham, nham. Putz que fome!
-- Shhhhhh! - Tiago levou um dedo aos lábios e apontou Remo com a mão livre.
Sirius olhou, piscou, esfregou os olhos e voltou a olhar. Analisou a altura do sol tímido e murmurou:
-- Caracas! O Aluado está desmaiado uma hora dessas! Está respirando?
-- Claro, mané - sorriu Tiago. - Olha lá o peito dele subindo e descendo.
Sirius verificou o movimento suave e compassado e encolheu os ombros. Nesse instante ouviu-se um ronco. Ambos levaram a mão ao estômago ao mesmo tempo.
-- Foi o meu ou o seu? - inquiriu Sirius ao mesmo tempo em que Pedro se mexia, respondendo a pergunta.
O garoto gorducho piscou os olhinhos lacrimosos e deu um baita bocejo ruidoso.
-- SHHHHHHH! - repreenderam Tiago e Sirius, porém o estrago já fora feito.
Remo abriu os olhos normalmente, como se nem tivesse dormido. Passou os olhos pelos rostos que o encaravam e deu um longo suspiro. Por fim arregalou os olhos em espanto finalmente percebendo o significado de todo aquela apreensão.
-- Que horas são? - perguntou rouco se apoiando nos cotovelos.
-- Dez e meia - informou Tiago.
-- Ah não... dormi demais - gemeu o maroto.
Logo sua cama afundava com o peso dos outros garotos quando estes se sentaram.
-- Está tudo bem, Aluado? - perguntou Pedro.
As lembranças da noite anterior vieram com toda força e um sorriso espalhou-se lentamente por seu rosto.
-- Seus malucos inconseqüentes.
-- Assim eu fico tímido - Sirius encenou um olhar envergonhado arrancando risos dos demais.
Remo sentou-se na cama com dificuldade, sentiu as juntas preguiçosas novamente.
-- Está preparado para as aventuras noturnas? - arriscou o garoto de óculos.
O semblante de Remo anuviou-se.
-- Vocês não estão pensando em...
-- Sim! - responderam os três em coro.
-- Não! - retrucou Remo, ameaçador.
-- Xiiii, nem vem, Remo - Sirius torceu o nariz. - Já está mais que decidido e você não vai conseguir mudar nossa decisão. Nem perca seu tempo.
-- Isso mesmo - concordou Tiago cruzando os braços numa pose intimidadora. - Nós vamos fazer companhia para o Aluado e ponto final.
-- É - Pedro acenou com a cabeça para reforçar.
-- É ilegal, vocês sabem disso! - ameaçou Remo.
-- E quem vai nos denunciar, você? - provocou Sirius.
-- Alguém pode descobrir!
-- Ninguém vai descobrir se você não contar - ponderou Pedro.
-- Isso é loucura... - desesperou-se o lobisomem enterrando os dedos no cabelo.
-- Somos loucos então! - concluiu Sirius.
-- É muito arriscado...
-- O risco só deixa as coisas mais interessantes - os olhos de Tiago brilharam por trás dos óculos.
-- Mas... eu não valho o risco...
-- Como não? - indignou-se Pedro.
-- Humpt! Essa sua modéstia é irritante, sabia? - desdenhou Sirius.
-- Remo, meu caro, ouça bem - começou Tiago como se explicasse algo extremamente simples a uma criança particularmente burra. - Nada que você diga vai fazer nós desistirmos, isto é fato. Foi por isso que nós estudamos três anos e meio sem descanso e (pasme!) nós conseguimos! Não é agora que vamos jogar tudo para o alto.
-- Exato - concordou Sirius. - Nós já temos tudo planejado e sob controle, preste atenção. Tiago e eu escolhemos animais grandes e resistentes para poder te controlar e o Pedrinho aqui vai se encarregar de apertar o nó do Salgueiro Lutador para facilitar - Pedro estufou o peito e acenou afirmativamente. - Vai dar tudo certo, não há o que se preocupar, acredite!
-- Nós garantimos! - confirmou Tiago.
-- Palavra de maroto! - os três enfileiraram-se diante do amigo e colocaram a mão direita no peito num gesto solene.
Remo deu um suspiro resignado que os outros interpretaram como bandeira branca e também suspiraram aliviados.
-- Eu ainda acho que isso não vai dar certo... - eles fizeram muxoxos, no entanto Remo continuou: - mas de qualquer forma eu... eu agradeço.
Eles trocaram sorrisos que diziam muito mais do que palavras. Então houve um ruído grotesco.
-- Opa - Pedro levou a mão ao estômago. - Será que já tem almoço?
Todos caíram na risada.
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O resto do dia passou num piscar de olhos. Depois do almoço eles ocuparam o tempo na sala comunal com os demais grifinórios. Concordaram que seria melhor fazer as vontades de Remo para não dar margem a mais discussões e reservaram um tempo para os deveres de casa, deixando tudo em dia. O restante da tarde eles se divertiram jogando snap explosivo ou contando piadas para seus fãs - que não eram poucos. Lily parecia estar de bom humor e não se importou com a bagunça. Remo podia jurar que ela tinha rido de algumas das piadas, porém virava o rosto para outro lado a fim de que ninguém notasse. Principalmente Tiago, que lançava olhares compridos em sua direção, no que era completamente ignorado.
Quando o sol já esticava seus derradeiros raios coloridos, os quatro deram uma desculpa qualquer e atravessaram o buraco do retrato rumando para a enfermaria. Fizeram o caminho em silêncio já que Remo parecia muito tenso e pálido. Ele abriu a boca umas duas vezes para dizer algo, voltando a fechar novamente sem que conseguisse articular som algum. A Madame Pomfrey já esperava pelo garoto na porta da Ala Hospitalar carregando o que parecia ser o jantar do amigo e tinha pressa. Remo deu um sorrisinho fraco e acenou tristemente para os amigos, que devolveram sorrisos encorajadores. Sirius murmurou um "até mais" e Tiago piscou um olho marotamente.
Eles também estavam muito tensos e consultavam o relógio a todo momento, além de espiarem pelo teto encantado do Salão Principal. A lua apareceria a qualquer momento mas eles torciam para que demorasse um pouco mais. Engoliram o jantar e saíram apressados do Salão quando todos pareciam ainda estar chegando para comer. Sirius e Pedro ficaram no Saguão de Entrada esperando enquanto Tiago subiu para pegar a capa da invisibilidade. Os três entraram furtivos em um armário de vassouras no Saguão e vestiram a capa antes de sair para a noite escura do lado de fora. Algumas nuvens encobriam o brilho das estrelas, escapando somente uma ou outra para lançar sombras assustadoras no chão. Eles já tinham andado nos terrenos de Hogwarts durante a noite, mas nunca na Lua Cheia. Pedro parecia muito abalado, porém não se queixou de nada.
Assim que se aproximaram do Salgueiro Lutador, a árvore começou a mover-se e esticar os raminhos como se os ameaçasse.
-- Vai lá, Rabicho - Sirius deu um empurrão em Pedro por debaixo da capa.
No instante seguinte, um rato cinzento e gordo materializava-se em meio ao gramado e dirigia-se para a árvore desviando-se de suas insistentes investidas. Ziguezagueou até atingir um nó saliente no pé do tronco, apertando-o. Imediatamente o Salgueiro imobilizou-se.
-- Aí moleque!
-- Grande Rabicho!
Ouviram-se vozes perdidas na noite. Ainda com a capa, os dois rapazes seguiram o ratinho para dentro de uma passagem que abria-se logo ao lado do nó. Deslizaram por ela e caíram no chão frio de terra batida.
-- Lumos! - uma luz acendeu-se na ponta da varinha de Tiago e iluminou os rostos dos dois garotos.
À frente havia um longo túnel de teto baixo que levava até a Casa dos Gritos. Tiago dobrou a capa e escondeu-a próximo da abertura.
-- Cadê você, Rabicho? - perguntou Sirius.
Ouviram os guinchos baixos do bichinho e perceberam um vulto mais à frente.
-- Será que é melhor a gente já se transformar? - perguntou Tiago.
-- Talvez... pra ir mais rápido. É melhor do que ter que andar abaixado - Sirius deu de ombros. Realmente ele teria que andar um pouco curvado por ser mais alto que o teto.
-- É. Talvez seja melhor mesmo. Assim nós não correríamos o risco de Aluado sentir o nosso cheiro. Você sabe, cheiro de gente deve ser diferente do cheiro de animal para um lobisomem, não é?
Sirius encolheu os ombros novamente.
Logo cão, cervo e rato estavam vencendo o longo corredor em disparada. Descobriram que como animais não precisavam da luz da varinha. Eles sentiam e percebiam mais do que viam, guiavam-se por instinto. Conforme se aproximavam, puderam captar ruídos de algum ponto à frente.
Finalmente chegaram até a casa velha e abandonada. Saltaram para dentro derrapando e resfolegando tentando guiarem-se novamente. Mal perceberam a pontinha de luar que atravessava as frestas entre as tábuas pregadas nas janelas. Os ruídos vinham do andar de cima e eles subiram as escadas com agilidade. Estacaram no topo da escada ao ouvir um grito de sofrimento de fazer o sangue coalhar nas veias. O grito confundiu-se com um uivo e assim que terminou eles saíram de seu torpor. Almofadinhas ganiu sofregamente, girou a maçaneta de uma só patada e a porta à sua frente escancarou-se permitindo que eles espiassem para dentro do quarto.
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Dor. Era tudo o que ele sentia e pensava. Não, na verdade não era tudo o que ele pensava. Ele estava preocupado. Já passara por essa transformação inúmeras vezes, não era isso o que o preocupava. Temia por seus amigos. E se não desse certo? E se ele fosse agressivo com os animagos? Será que o lobo perceberia que eles não eram animais de verdade? Um arrepio percorreu suas costas dolorosamente.
Remo Lupin estava encolhido na cama, contorcendo-se e gemendo de angústia e de dor. Não deixava de encarar a porta fechada. Costumava trancá-la, porém essa noite achou melhor não fazê-lo para que os amigos não precisassem usar magia. Suas roupas estavam escondidas no andar de baixo para que ele não as rasgasse. Estava apenas com a roupa de baixo e seu queixo tremia de frio. Não só de frio. Embora a Lua estivesse escondida, ele podia senti-la. Sabia que ela estava lá fora, esperando, torturando-o com a pouca consciência que lhe restava em meio a tanto sofrimento. Seus músculos latejavam sua pele ardia, coberta de suor frio, seus ossos pareciam dilatar-se, forçando a estrutura aparentemente tão frágil de seu corpo. Porém o garoto tinha uma fibra impressionante escondida nessa aparência delicada. Não era á toa que ele suportava essas transformações todos os meses. Seus cabelos estavam grudados na testa e os olhos cravados na porta.
When you have no light to guide you
(Quando você não tiver mais luz para te guiar)
Tentou não pensar em nada. Tentou lembrar-se da alegria que fora a noite anterior, no entanto só conseguia pensar nessa angústia. "Oh, bom Deus! Que tudo corra bem. Saia logo, Lua impiedosa, Lua cruel. Acabe de uma vez com essa tortura. Acabe de uma vez com minha consciência.".
And no one to walk beside you
(E ninguém para caminhar ao seu lado)
Como que atendendo a esse chamado tão sofrido, uma raiozinho de luar atravessou as frestas da janela coberta de tábuas. Foi como uma facada perfurando sua pele. Não pôde conter um gemido mais forte. Mordeu o lençol, agarrou-o com força para não enterrar as unhas na carne. Abafou seus gemidos enquanto sua pele parecia que estava sendo rasgada para que o lobo fosse liberto de dentro dele. Suas pupilas dilataram-se e os ossos começaram expandir-se impetuosamente. Dessa vez não conseguiu abafar, soltou um grito terrível de sofrimento, um grito que acabou num uivo. Forçou-se a abrir os olhos novamente ao ouvir um ganido seguido de um estrondo.
I will come to you
(Eu virei até você)
Encarando-o da porta estavam um canzarrão preto de olhos claros ganindo em solidariedade à dor do outro, um cervo que bufava assustado e a sombra de um ratinho trêmulo que espiava detrás das patas do antílope. Foi a última coisa que viu antes de sentir sua consciência esvair-se.
Oh I will come to you
(Oh eu virei até você)
Os animais espantados assistiram a transformação do amigo, que caiu no chão ao lado da cama. Seu corpo contorcia-se terrivelmente em meio aos uivos e foi tomando uma forma diferente. Garras e presas afiadas, pelos grossos por todo o corpo. A única peça de roupa foi rasgada como papel. Um animal magro e maltratado caído no chão, aparentemente indefeso, porém por muito pouco tempo. O lobo pôs-se de pé com uma agilidade e força incríveis soltando um uivo alto e firme em saudação à Lua. Então encarou os animais, um misto de medo e fúria em seus olhos escuros de pupilas dilatadas. Com um rosnado rouco e assustador ele pôs-se a andar para o lado lentamente, sem diminuir nem afastar a distância entre ele e os outros que continuavam parados lado a lado. Ficaram-se encarando por algum tempo. O lobo rosnava e o cão gania sem mover um músculo sequer. O cervo simplesmente insistia no contato visual. Não demonstrar medo agora era muito importante senão o outro atacaria, pois estava com medo também, Pontas podia sentir isso no ar.
Almofadinhas soube que seria ele o mais indicado a tentar uma aproximação. Ainda ganindo e sem desviar o olhar, sentou-se nas patas traseiras abanando timidamente o rabo comprido e peludo. Esticou as patas dianteiras até deitar-se no chão, apoiando a cabeça numa pose de submissão. Não era mais uma ameaça. "Olhe para mim! Sou inofensivo!" ele parecia dizer. Em seguida, lentamente, foi arrastando-se no chão, aproximando-se.
Aluado estava confuso e assustado. Que cheiro era esse que sentia? Não era igual ao cheiro dos animais que já chegara a ver antes de ser trancafiado nesse lugar solitário. Lembrava-se do cheiro deles de muito tempo atrás e não era igual a esse. Mas também não era cheiro de humanos. Era... diferente. Diante do desconhecido, teve medo e pôs-se em posição de ataque, rosnando feroz e intimidador. Sua natureza agressiva tomava força dentro de si. Sentiu-se desarmar, no entanto, quando um deles rendeu-se. O outro estava em alerta ainda, porém não avançava e parecia não querer fazê-lo. Aquelas pontas acima de sua cabeça altiva pareciam bastante perigosas. Seriam mesmo uma ameaça? Na dúvida, encolheu-se mais para trás, ainda rosnando em aviso, enquanto o outro avançava. Deixaria ele alcançá-lo? Estava em desvantagem, afinal. Não seria prudente atacar um deles. Deixou-se alcançar, vencido pela curiosidade.
We'll be friends now and forever
(Nós seremos amigos agora e para sempre)
Almofadinhas finalmente chegou próximo o suficiente para alcançá-lo, sem que o lobo oferecesse resistência. Pôs-se sentado novamente e esticou o pescoço, farejando o outro, que também rendeu-se à curiosidade. Eles ficaram se analisado e se reconhecendo, um pouco receosos, até que Almofadinhas latiu alegre. O lobo assustou-se com o latido, mas já não tinha mais medo. Soltou um latido rouco seguido de um uivo. O cachorro brincalhão mandou a cautela às favas e fez festa para o novo amigo, seu rabo peludo agitando-se com vontade de um lado para outro.
Aluado, porém, ainda estava retraído por causa do cervo. Então Almofadinha tratou de apresentá-los. Foi até o cervo e brincou com ele, depois voltou até o lobo e fez festa para ele novamente. O cervo começou a aproximar-se e o cão ia de um para outro, latindo feliz, incentivando. "Brinque com ele também, venha!" Aluado aproximou-se reconhecendo o animal pelo seu odor peculiar. Não era tão festivo quanto o cão, mas era animado também. Sua linguagem era diferente: acenos de cabeça, movimentos do pescoço alvo e das patas no chão. Era divertido!
E o que era aquele calombinho cinzento e trepidante próximo à porta? Tinha cheiro e calor também. Foi até ele mas o bichinho fugiu ligeiro e assustado. Aluado gostou da brincadeira e perseguiu-o. Os outros animais ficaram apreensivos, colocando-se à frente, mas ele julgou que fosse parte da brincadeira. "É realmente divertido!" Driblou todos e chegou até a pequena bolinha de pelos encurralada num canto. O cão latiu e o cervo pateou o chão, mas ele apenas cheirou o animal amedrontado. Latiu e uivou baixinho para o bichinho. Queria brincar. "Vamos, corra de mim novamente!" Empurrou-o com o focinho e ele saiu em disparada guinchando alto por um socorro que não veio. Os outros entenderam a brincadeira e todos passaram a perseguir o ratinho pelos cantos do quarto, derrubando os móveis arranhados e quebrados pela fera que agora era tão dócil.
We all need somebody we can turn to
(Todos nós precisamos de alguém que nos transforme)
Quando Aluado demostrou interesse pela porta aberta, o cervo barrou sua passagem e Almofadinhas tratou de distraí-lo enquanto Pontas fechava-a com um empurrão de seu corpo castanho. Almofadinhas de longe era o mais espoleta. Começou a latir e perseguir o próprio rabo. Os outros ficaram observando interessados até o cão perder o equilíbrio e esparramar-se no chão completamente zonzo. Aluado gostou e quis experimentar também. Logo cão, lobo e rato davam voltas em si mesmos tentando abocanhar o rabo comprido. Pontas ficou só assistindo com seu ar superior, ou talvez só estivesse frustrado porque seu rabinho era demasiado curto para que ele entrasse na brincadeira.
Someone who'll always understand
(Alguém que sempre entenderá)
Cansados da perseguição o divertimento passou para brincar de morder Almofadinhas e depois, em tentar enfrentar o cervo, sempre tão empinado e alerta. "Tente me surpreender, seu babão!" ele parecia dizer. Era muito arisco, o danado! E que reflexos! Realmente divertido e desafiador. Vez ou outra, o lobo parava para descansar, espiando uma fresta da janela e uivando para o raiozinho tímido de luar que aparecia e desaparecia. Não se lembrava de já ter sentido o calor de uma companhia tão agradável e que não fugisse dele. Nunca se sentira tão contente e tão exausto.
And you need the strength to keep tryin'
(E você precisa de força para continuar)
I'll reach out and take your hand
(Eu te alcançarei e pegarei a sua mão)
Sentiu que a Lua o abandonava ao esquecimento por mais um dia. Deitou-se no chão ao lado de seus amigos também esgotados e nem percebeu a aurora. Adormeceu.
I will come to you
(Eu virei até você)
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Remo acordou assustado pela transformação. Estava trêmulo e amedrontado. Demorou a pôr os pensamentos em ordem até que percebesse um sentimento inédito depois de uma noite de transformação. Seria... felicidade? Satisfação? Percebeu então que estava nu no chão quente. Quente? Apoiou-se nos cotovelos só para perceber que estava deitado em meio a um amontoado de pelos curtos castanhos e longos pelos pretos, além de um tufinho cinzento encolhido entre eles. Pôs-se de pé tão rápido quando o seu estado físico lhe permitiu. Os animais se mexeram acordando. O ar da aurora estava gelado e uma névoa formava-se de sua respiração mesmo ali dentro do aposento. O garoto dirigiu-se para a cama com dificuldade e enrolou-se nos lençóis caídos ao lado.
POC
POC
POC
Seus amigos estavam ali, encarando-o, inteiros, sem nenhum arranhão e até pareciam felizes, excluindo-se o fato de que estavam exaustos.
-- Dia Aluado - Sirius espreguiçou-se e os outros bocejaram.
O garoto não sabia se respondia, se ria ou se chorava. Acabou tiritando de frio, sem conseguir Ter nenhuma das outras reações.
-- Onde estão suas roupas? - perguntou Tiago.
-- L-lá em b-baixo - seu queixo batia sem descanso.
-- Agüenta aí, Remo - o rapaz disparou escada a baixo e voltou logo em seguida com as roupas do amigo. - Como você está?
-- A-acho... acho q-que bem...
-- Então vamos. Rabicho, vá na frente vendo se a barra tá limpa. A Madame Pomfrey costuma vir te buscar aqui? Ou ela te espera lá fora?
-- Q-quando eu d-demoro a aparecer e-ela vem até aq-qui - o ratinho já descia a escada à frente.
Sirius e Tiago fizeram Remo apoiar-se neles para andar depois de vestir-se. A caminhada foi longa e eles aproveitaram para contar tudo o que acontecera. Remo se esforçava para lembrar-se, porém era inútil. Só se lembrava da sensação boa de quando acordara. E estava aliviado. Sentia-se leve como na noite anterior à transformação. Riu muito das piadas dos dois amigos sobre seu comportamento dócil.
Madame Pomfrey esperava Remo do lado de fora, por isso eles deixaram o garoto sair primeiro e assim que os dois se afastaram eles os seguiram cobertos pela capa. Pedro ia no bolso de Tiago para que eles tivessem mais liberdade de movimento.
Oh I will come to you
(Oh eu virei até você)
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N.A. Desculpem a demora... Os trechos são da música I will come to you – Hanson. Só peguei os versos que interessavam, é claro. Como é difícil achar uma música que fale pura e simplesmente de amizade, né? Próxima atualização sexta-feira (?).
Aline minha irmazinha do coração, já disse que você é adorável? Bem, você é! Ainda veremos as meias cintilantes do Prof. Dumbledore, não se preocupe
Tete Chan espero que tenha gostado desse capítulo, ficou bem grandinho, né? E mistério resolvido! Obrigada meeeeeeeesmo por comentar.
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Tiago: - Hum, Almofadinhas?
Sirius: - Chora, Pontas.
Tiago: - Você tem notado que a Amy está meio tristonha esses dias?
Sirius (pensativo): - Sabe que agora que você falou... é, ela tem estado meio pra baixo mesmo. Por que será?
Remo: - Eu acho que sei.
Sirius, Tiago e Pedro: - Por quê?
Remo: - É que ela tinha prometido postar duas vezes por semana e agora voltaram as aulas e, vocês sabem, ela vai ter um pouco mais de dificuldade pra cumprir isso daqui pra frente. Acho que ela vai ter que passar a fazer só uma atualização por semana...
Tiago: - Oh, entendo.
Pedro: - Mas como nós podemos levantar o astral dela?
Remo: - Bem, eu acho que o Almofadinhas poderia usar seus "poderes persuasivos" e...
Sirius: - Hum, já entendi, Aluado (Sirius limpando a garganta, olhando para os leitores e fazendo aquela – aquela – carinha de cachorro que caiu da mudança). Pessoal, vocês não acham que a Amy merece um pouquinho mais de reviews? A opinião de vocês é muito importante para ela, sabe... Nós temos nos divertido tanto com ela, e vocês? Heim?
Tiago: - Então, você acha que vai funcionar, Aluado?
Remo: - Bem, eu não sei quanto aos outros – e provavelmente eu vou me arrepender irremediavelmente por admitir isso – mas eu não consigo dizer não para o Almofadinhas quando ele olha desse jeito pidão...
Sirius: - Ah-há! Eu sabia! (Empertigando-se). Ninguém resiste ao meu charme.
Remo: - Pronto! Já me arrependi...
Tiago: - Irremediavelmente...
Pedro: - É...
