CAPÍTULO VINTE E UM
Baile de Inverno
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- Isto é um elogio - disse Dumbledore calmamente. - Voldemort tinha poderes que nunca tive.
- Só porque você é muito... bem... nobre para usá-los.
- É uma sorte estar escuro. Nunca mais corei assim desde que Madame Gonfrei me disse que gostava dos meus abafadores de orelhas novos.
(Harry Potter e a Pedra Filosofal)
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A decoração do Salão Principal estava como nos anos anteriores, tudo branco como a neve encantada que caía do teto salpicado de estrelas e se desfazia antes de atingir os alunos e professores. Milhares de fadinhas reuniam-se em torno das luzes e as quatro longas mesas das casas haviam sido substituídas por várias mesas menores e um palco onde a banda The Hobgoblins tocava uma canção alegre.
Sirius, Tiago, Pedro, as gêmeas Jenkins e Heloísa Popkin entraram no Salão e puseram-se a cumprimentar seus conhecidos enquanto procuravam por Remo entre as mesas. As garotas pareciam desfilar por entre os demais alunos, atraindo olhares para si - em sua maioria olhares femininos e carrancudos.
Encontraram Remo e Lily numa das mesas ao lado do palco, conversando animadamente com mais dois casais: Alice e Frank, Marlene e Benji. Tiago teria expulsado os ocupantes da mesa ao lado se ela já não estivesse vazia, e eles acomodaram-se depois de cumprimentar os vizinhos pomposamente. Lily parecia muito concentrada em seu cardápio para tê-los notado.
Bastava que se ordenasse para seus próprios pratos e copos e eles enchiam-se da porção que desejassem. Durante o jantar iniciou-se então uma conversa descontraída em cada uma das mesas. Remo chegou até a virar sua cadeira de modo a não ficar de costas para seus amigos e poder participar das conversas de ambas as mesas. Lily pareceu não se importar com isso, estava muito concentrada em rir com suas amigas e saborear seu jantar. Assim que seu prato ficou limpo e a voz melodiosa do vocalista dos Hobgoblins iniciou outra música, ela virou-se para Remo:
-- Então, vamos dançar? Estou ansiosa!
-- Claro! - respondeu o garoto animadamente e levantou-se oferecendo a mão para ajudá-la.
Lily procurou por alguma reação suspeita do maroto, mas Remo estava risonho e bem descontraído. Conduziu-a ao meio do salão, no espaço reservado para dançar, onde já havia alguns casais dançando. Ela nem reparou no olhar apreensivo que seu acompanhante lançou para Tiago, mas pensou ter visto uma expressão estranha na face do outro. Porém essa noite ela não se preocuparia com Tiago Potter.
Sirius também notou a expressão de Tiago e resolveu tomar alguma providência:
-- O que vocês acham de irmos dançar também?
As garotas responderam com risadinhas e logo já estavam todos dançando. Tiago esticava o pescoço descaradamente para Remo e Lily e fazia questão de dançar ao seu redor enquanto Milka tagarelava.
-- ... realmente acho que você é um ótimo apanhador. E não sou só eu, não. Todas as garotas da Lufa-Lufa que eu conheço também acham isso. Os garotos também, eu tenho certeza, mas é claro que eles não dizem nada. Agora, só não deixe a Zilka saber que eu disse isso, porque ela não admitiria isso nunca! Sabe, ela é maníaca por quadribol e fica insuportável quando a Lufa-Lufa é derrotada. Nem sei como ela insiste em gostar do Black. Aliás, sim, eu sei. Afinal, quem não gosta do Black, não é?
-- É - concordou Tiago, sem nem saber do que se tratava.
-- Por favor, não me entenda mal. Eu acho o Black bonito, mas com você é diferente. Você, além de bonito e simpático, é o melhor jogador da escola, na minha humilde opinião. Seus reflexos são incríveis...
Em qualquer outra ocasião, esses elogios teriam causado uma superinflação de seu ego, porém na situação em que se encontrava, Tiago nem ao menos prestava atenção ao falatório desenfreado da oriental. Ele dava graças aos céus por ela ser baixinha e ele não ter que ficar fazendo muito malabarismo para vigiar um certo casal nos arredores. Se ele não estivesse acostumado a dançar, teria dado vexame. Mas a dança já era algo automático para ele e não houve problema algum.
A atenção de Tiago foi distraída, entretanto, quando ele avistou o Prof. Dumbledore dançando com Madame Gonfrei. O diretor estava muito elegante com a barba e o cabelo soltos caindo até a cintura sobre as vestes em vários tons de azul, que terminavam em botas cinza de salto alto e fivela. Assim que os avistou, Tiago aproximou-se do casal sorrindo, sem deixar de valsar, e pôde ouvir a voz aguda da professora de Adivinhação:
-- ... e a decoração ficou admirável como sempre, professor. Tenho que admitir que o senhor tem muito bom gosto. A propósito, já disse que seus abafadores de orelhas são fantásticos?
-- Ora, bondade sua, minha cara - respondeu o diretor tendo suas faces coradas pelo elogio. Só então Tiago reparou nos abafadores azul claro e peludos que ele estranhamente usava e foi impossível conter uma gargalhada.
Atraído pelo riso escandaloso do garoto, Dumbledore finalmente notou que estava sendo observado. Então, muito discretamente, o bruxo levantou a barra das vestes somente o suficiente para que Tiago pudesse ver as borboletas esvoaçantes de sua meia azul celeste esticada até o meio das canelas. Com uma piscadela por cima dos óculos de meia-lua, o diretor pôde presenciar o acesso de riso do rapaz piorar em intensidade enquanto se afastava novamente aos rodopios com Milka.
-- Mas o que é que tem tanta graça? - perguntou a garota, intrigada.
-- Nada não - respondeu o maroto, achando dificuldade em parar de rir. Pelo menos até avistar uma certa ruiva sorrindo encantadoramente para seu amigo...
-- Você me enganou direitinho com essa história de não ter um vestido "apropriado para a ocasião" - disse Remo falsamente chateado.
-- E quem disse que eu te enganei? - respondeu Lily olhando-o diretamente nos olhos. - Eu realmente não tinha! Esse vestido eu ganhei aos treze anos, ele era bem simples, acredite! Pedi para minha mãe mandá-lo para que eu pudesse dar alguns retoques e deixá-lo utilizável, sabe como é. Deu um trabalhão, tive que aumentá-lo por magia, já que fazia tempo que eu usei pela última vez.
-- Bem, então eu acho que você não teve tanto trabalho assim... - zombou o maroto, pelo que levou um beliscão frouxo no braço.
-- Claro que tive! Saiba que cresci seis centímetros desde os treze anos!
Remo deu uma risada gostosa e sincera.
-- Tudo bem, estou só brincando. Você fez um ótimo trabalho. Ficou deslumbrante! Veja quantos garotos estão me fuzilando com os olhos de tanta inveja!
Lily nem sequer se deu ao trabalho de olhar ao redor, podia quase sentir os olhares dirigidos a si, como se eles pudessem queimar sua pele. Porém estava ocupada vasculhando a expressão de Remo em busca de algum constrangimento pelo elogio. O garoto parecia sincero e descontraído, como nunca estivera antes! Claro que sua timidez estava lá, dentro daqueles olhos, mas só havia pureza e gentileza em cada gesto, em cada sorriso. Parecia bastante decidido, sustentando seu olhar com firmeza e carinho. Havia também um certo brilho nos olhos do garoto, mas ela poderia apostar que seus olhos brilhavam da mesma maneira, de satisfação. Não se lembrava de ter se divertido tanto antes.
Ela não pôde deixar de sentir um certo alívio por não ter identificado nenhuma das reações descritas por suas amigas. Gostava demais da companhia do garoto para arriscar perdê-la. Um sentimento puro como amizade poderia ser eterno, enquanto que se eles tentassem um relacionamento baseado em outros sentimentos, poderia ser desastroso caso não desse certo. Remo era um rapaz adorável. Bonito, inteligente, agradável, simpático, cheiroso, e tantas outras qualidades! Era simplesmente impossível não gostar dele. Poderia passar horas e horas conversando com ele e sentia que não se cansaria nunca. Isso só aumentava ainda mais o medo de perder sua amizade.
Lily acabou jogando toda essa desconfiança para algum canto escuro de sua mente. Não tinha porque se preocupar. Tudo não passava de caraminholas que Alice e Marlene tinham enfiado em sua cabeça para atormentá-la. Sorriu com doçura para o rapaz à sua frente.
-- Que bom que você gostou, Remo. Você também está muito elegante! Vou pedir para Alice tirar uma foto nossa pra guardar de recordação. Meu primeiro baile, dá pra acreditar? Minha mãe ficou eufórica com a notícia e me fez prometer mandar uma foto para ela. Queria saber quem seria o meu "príncipe encantado". Francamente, ela às vezes parece mais com uma adolescente sonhadora do que eu... Ei, olhe lá o Pettigrew!
Remo virou-se para onde Lily apontava e pôde ver Pedro valsando desajeitadamente com Heloísa. Eles até fariam um par bonitinho, se o garoto parasse de pedir desculpas a todo o momento por pisar no pé de sua acompanhante. Esta fazia caretas de sofrimento e reprovação a cada pisão e parecia prestes a desistir de dançar. Remo e Lily gargalharam.
Não muito longe dali, Sirius conduzia Zilka na valsa com perfeição e passos bastante complicados. A despeito disso, a garota tagarelava tal qual sua irmã, ao que Sirius simplesmente ignorava, ocupando-se em piscar discretamente para outras garotas.
-- ... uma assanhada, logo se vê. Não pode ver uma gravata que já quer logo agarrar. E aquela Dot Lunardelli então? Sujeitinha metida a besta que acha que tem o rei na barriga só porque saiu com você no começo do ano. Você acredita?
A menção de sua pessoa acabou atraindo a atenção do maroto.
-- O q... oh, sim, eu imagino - disse ele com cara de tédio. Ela já tinha falado mal de praticamente todas as garotas com quem ele já havia saído, algumas das quais ele nem se lembrava. Teve ganas de bocejar bem em meio ao discurso, mas lembrou-se que ainda não tinha beijado a garota e conteve-se.
-- Sim, ela andou espalhando isso para a escola inteira, além de umas outras histórias mirabolantes. A propósito, é verdade que foi ela quem terminou com você, com direito a tapa no rosto e tudo?
Agora sim, ele se lembrava da tal de Dot, não se esqueceria tão facilmente daquele tapa. Até que ela fora de alguma ajuda, mas não se sentia tentado a dar mais esse gostinho a ela.
-- Claro que não! - disse o garoto com os lábios torcidos em escárnio. Em seguida fez com que Zilka girasse ao redor de si mesma, talvez com mais força que o necessário, porém ela não reparou. - E eu tenho cara de quem apanha de mulher? Além disso, nós não éramos namorados para que ela pudesse terminar comigo.
-- Foi o que pensei. Ela inventou tudo isso só para aparecer. Garotinha nojenta, sem sal. Não sei o que você viu nela. E ainda teve a cara de pau de dizer que a Corvinal joga quadribol melhor do que a Lufa-Lufa!
Finalmente um assunto bem interessante. Sirius pensou que poderia tirar algum proveito da tagarelice de sua acompanhante, afinal. Entretanto tinha que ter muito jeito para fazê-la falar o que ele gostaria de ouvir.
-- Não! - exclamou com indignação. - Quanta pretensão! Imagine, dizer um absurdo desses sobre o time de sua casa!
-- Pois foi isso que ela disse!
-- Ah, mas então ela não entende nada de quadribol. Bem, eu digo isso pelo desempenho do time até o ano passado, porque esse ano eu não sei como é que vai ser, já que os três artilheiros se formaram...
-- Oh, sim. Foi uma grande perda, sem dúvida. Eles eram excelentes! Confesso que também fiquei preocupada, mas já está tudo resolvido. Muito bem resolvido, eu diria. Você vai ver.
-- É mesmo? Esses novos artilheiros devem ser realmente bons, você está tão confiante! - ele arriscou, tentando não parecer interessado demais.
-- Com certeza. Mas eu não posso te dizer quem são, não é?
Isso desapontou um pouco o maroto, pois ele não imaginava que ela ofereceria resistência logo de cara. Sendo assim, ele teria que apelar para seus poderes persuasivos.
-- Por que não? Pensei que eu fosse, de algum modo, especial pra você... - ele fez sua melhor cara de cachorrinho abandonado.
-- Claro que você é, fofinho - Sirius teve que se controlar para não rosnar para ela nesse momento pelo "fofinho". - Mas isso não muda o fato de que você joga no time adversário, meu bem.
Ignorando o "meu bem", ele logo pôde constatar que não seria tão fácil quanto ele supunha. Entretanto a dificuldade só tornava o joguinho mais... interessante.
-- Hummm, entendo. Então você não me diria nem mesmo se eu te desse uma recompensa?
-- Que tipo de recompensa? - perguntou ingenuamente a oriental, com seu rostinho angelical.
-- Talvez... talvez, quem sabe... um beijo? - propôs o maroto com um sorriso provocante, mas para sua completa surpresa, a garota soltou uma gargalhada que destoava terrivelmente com sua aparência inocente.
-- Sim, isso seria interessante, sem dúvida. Mas nós dois sabemos que você me beijaria com ou sem essa informação, não? - ela sorriu de um jeito predador. - Acho que não, fofinho. Vai precisar de muito mais do que isso pra arrancar qualquer coisa de mim.
De repente ela já não parecia tão ingênua assim. Ocorreu a Sirius que ela não abordara o assunto por acaso, como ele pensara. Pelo contrário, tinha previsto e planejado tudo, fazendo-o cair como um patinho. Ele estava bastante surpreso, mas decidiu continuar, pois estava bastante curioso para saber onde ela queria chegar.
-- Você é exigente - observou.
-- E você é esperto - ela piscou um olho com safadeza.
-- Quanto mais você sugere? - perguntou o grifinório tentando parecer inocentemente curioso.
-- Digamos que um pedido de namoro seria suficiente.
Sirius estacou, o que não foi de todo estranho já que a música tinha acabado. Definitivamente, não havia nada de inocente naquela garota. Olhando diretamente para seus olhos puxados, quase completamente escondidos, ele podia ver interesse e inveja em doses surpreendentes. Ela queria usá-lo, exibi-lo como troféu diante de todas aquelas garotas de quem falara mal, mas não bastava estar saindo com ele, ser só mais uma como as outras foram. Zilka queria ser namorada, a primeira namorada do grifinório. Será que a informação que ele queria valia isso? Afinal, ele poderia consegui-la de outra forma.
De repente ocorreu-lhe que ele poderia dar uma lição na lufa-lufa de que ela jamais se esqueceria... Ele daria o que ela queria, mesmo que por pouco tempo. Iniciou-se outra música e Sirius voltou a conduzi-la na dança com naturalidade, como se nada pudesse abalá-lo.
-- Quer dizer então que se eu te pedir em namoro você me diz quais serão os novos artilheiros da sua casa?
-- Sim - respondeu a garota simplesmente, com seu sorriso falso. - Mas tem que ser aqui, na frente de todos.
-- Claro. Pra que todas saibam que eu tenho dona, estou enganado? - ele observou o sorriso da garota aumentar lentamente, fazendo seus olhos se perderem em algum lugar entre as bochechas e as sobrancelhas. - Sabia que eu sempre te achei linda? E agora vejo que é bastante determinada também! Uma combinação perfeita, se me permite dizer.
Então inesperadamente ele parou de dançar e segurou uma das mãos da garota entre as suas.
-- Zilka Jenkins, você aceita ser minha namorada? - ele só torcia para ter acertado o nome, ignorando todos os olhares que suas palavras tinham atraído.
Os casais que dançavam ao redor deles até se esqueceram do que estavam fazendo e assistiam à cena boquiabertos. Tiago era um deles.
-- Sim - ela respondeu em voz alta, tentando em vão disfarçar sua satisfação exacerbada.
Sirius deu um meio sorriso safado antes de levar a mão pequenina até seus lábios sem deixar de encarar Zilka nos olhos. Em seguida puxou-a de encontro a seu corpo e beijou-a com uma certa brutalidade, que a garota entendeu como entusiasmo desmedido.
Depois de alguns longos segundos de paralisação, a platéia foi despertando e voltando a dançar, meio incertos - ou pelo menos os casais que sobraram, uma vez que várias garotas deixaram o espaço de dança emburradas ou até com lágrimas nos olhos.
A primeira coisa que passou pela cabeça de Tiago era que Sirius tinha sido vítima de alguma poção do amor e ele só se mexeu depois de receber um olhar matreiro e um sinal de ok do amigo, indicando que a situação estava sob controle. Porém nesse momento a música já acabava, dando lugar a uma mais lenta e romântica, talvez em homenagem ao mais novo casal de namorados. Milka também parecia um pouco chocada, já que até parara de falar.
Tiago sentiu-se ser abraçado pelo pescoço por Milka e enlaçou sua cintura automaticamente, apesar de ter a mente ocupada, voltada para outra direção, buscando desesperadamente com os olhos por Lily e Remo. Eles estavam também muito próximos agora e pareciam finalmente ter cansado de conversar.
She maybe the face I can't forget,
(Ela, talvez o rosto que não consigo esquecer)
A trace of pleasure or regret,
(Uma lembrança de prazer e de arrependimento)
Maybe my treasure or
(Talvez meu tesouro ou o preço)
The price I have to pay.
(Que eu tenho que pagar)
Remo estava muito satisfeito consigo mesmo. Tinha conseguido extinguir a desconfiança dos olhos perscrutadores de Lily. Sabia que ela tinha analisado cada gesto seu, procurando por algum sinal de sentimentos reprimidos. Comprometeu-se intimamente a convencê-la do contrário, embora sentisse um aperto no peito cada vez que ela lhe sorria com carinho, ou mesmo alívio. Estava certo de que todos os seus sentimentos podiam ser lido em seus olhos, como uma longa declaração de amor, esperando para ser notada. Se Lily não os enxergava, isso só podia significar que ela não queria ver. Tinha preferido fechar os olhos para isso, o que machucava ainda mais do que os próprios esforços do garoto em reprimir o que sentia.
She maybe the song that summer sings,
(Ela, talvez a canção que o verão cante)
Maybe the chill that autumn brings,
(Talvez o frio que o outono nos traz)
Maybe a hundred different things
(Talvez uma centena de coisas diferentes)
Within the measure of a day.
(Dentro da medida do dia)
Remo sentiu Lily aproximar-se ainda mais, talvez inconscientemente.
-- Gostei das músicas dessa banda. Nunca tinha ouvido - murmurou a ruiva contra seu pescoço, fazendo-o arrepiar-se por inteiro.
Vez ou outra seus corpos se encontravam sem querer e as sensações provocadas no grifinório eram intensas, apesar de seus esforços para ignorá-las. Lily soltou um suspiro e apoiou a cabeça no ombro de Remo, que se conteve para não suspirar também. Achou mais prudente não dizer nada. Não confiava em sua voz no momento.
She maybe the beauty or the beast,
(Ela, talvez a bela ou a fera)
Maybe the famine or the feast,
(Talvez a fome ou a festa)
Maybe turn each day into a
(Que pode transformar cada dia)
Heaven or a hell.
(Num paraíso ou num inferno)
Tiago não sabia o que pensar. Por que seus olhos eram atraídos quase que magneticamente para a monitora durante todo o baile? Por que ele tinha vontade de arrancá-la dos braços de Remo e beijá-la, mesmo que à força? Não! Não queria que fosse à força, queria que ela nunca tivesse o rejeitado no Expresso de Hogwarts. Quem sabe desse modo ele não teria simplesmente saído com ela e no dia seguinte eles voltariam a não se suportar... Ou ainda, gostaria de nunca ter pedido para sair com ela. Quem sabe assim continuaria achando Lílian Evans a mesma garotinha esquentadinha e encrenqueira que insistia em atrapalhar suas travessuras, em implicar quase que exclusivamente com ele...
She maybe the mirror of my dream,
(Ela, talvez o espelho de meu sonho)
A smile reflected in a stream,
(Um sorriso refletido em um córrego)
She may not be what she may seem
(Ela pode ser o que ela pode parecer)
Inside her shell.
(Dentro de sua concha)
E lá estava ele agora, sonhando com aquele sorriso meigo, com palavras carinhosas que nunca eram dirigidas a ele, com aqueles olhos encantadores que só brilhavam de irritação para ele. Só conseguia a atenção dela quando fazia algo errado, e nessas horas só se arrependia amargamente de ter desejado sua atenção. Não se lembrava de Lily ter sido doce com ele algum dia, nem mesmo a metade do que ela costuma ser com Remo. E por falar no amigo, como fora injusto com ele ao sentir ciúme! Lá estava o lobisomem, tendo a garota mais linda de Hogwarts nos braços e nem sequer tirando proveito disso. Remo estava com os olhos desfocados, aparentemente pensativo, nem parecia apreciar o perfume que Tiago imaginava ser inebriante. "Aluado" pensou Tiago e um sorriso fraco escapou por seus lábios.
She who always seems so happy in a crowd,
(Ela que sempre parece tão feliz na multidão)
Whose eyes can be so private and so proud,
(Cujos olhos podem ser tão particulares e tão orgulhosos)
No one's allowed to see them
(Ninguém pode vê-los)
When they cry.
(Quando choram)
Tiago nunca fora rejeitado daquela maneira, e tinha certeza que era por isso que desejava cada vez mais a afeição da ruiva. Mas nada do que fazia parecia funcionar com ela. Ela não se impressionava com seu talento no quadribol, não parecia apreciar sua aparência, seu bom desempenho nas aulas, sua popularidade e muito menos suas travessuras arrancavam risos dela, como fazia com metade de Hogwarts. Além disso, ela tinha esse ar de força, de auto-suficiência, de superioridade. Caso contrário, ele poderia conquistar sua admiração tornando-se seu herói, maquinando alguma situação de perigo para que pudesse salvá-la e ganhar a gratidão eterna da garota. Entretanto sabia que seria inútil. Ela nem mesmo precisava de consolo! Nunca a vira deixar-se abalar pelos xingamentos que recebia dos sonserinos. Tantas garotas desmanchavam-se em lágrimas diante das provocações daquelas línguas afiadas, mas Lily era inabalável, sabia dar a volta por cima com uma resposta na ponta da língua e erguer a cabeça com dignidade. Não lhe restavam caminhos, por que simplesmente não conseguia desistir?
She maybe the love that cannot hope to last,
(Ela, talvez o amor que não tem esperanças de durar)
May come to me from shadows of the past,
(Pode chegar até a mim por lembranças do passado)
That I remember till the day I die.
(Que eu me lembrarei até o dia de minha morte)
Remo tentou não se perder no perfume de lírios que emanava dos cabelos da ruiva e foi nesse momento que ele surpreendeu mais um olhar desamparado de Tiago. Sorriu levemente para o amigo e deixou o olhar vagar novamente, sem esperar pela resposta do outro a seu gesto. Já vinha reparando nas reações do animago para com Lily e poderia jurar que havia uma sementinha de algum sentimento novo para o garoto plantada em seu coração. Lembrou-se com um peso extra na consciência da dívida eterna e impagável que tinha para com os demais marotos, pela amizade incondicional que eles sempre lhe ofereceram de coração, sem esperar nada em troca. Mas ele não poderia viver sabendo que poderia ter ajudado um de seus amigos e não o fez em beneficio de si mesmo. Comprometeu-se mentalmente a regar essa sementinha para que ela viesse a crescer e gerar frutos perfeitos, mesmo que isso significasse arrancar metade de seu próprio coração. Ele abriria mão de seus sentimentos para que Tiago pudesse amar e fazer Lily feliz, felicidade essa que ele nunca poderia oferecer a garota nenhuma.
She maybe the reason I survive,
(Ela, talvez minha razão de sobreviver)
The why and wherefore I'm alive,
(O por que e onde eu estar vivo)
The one I'll care for through the
(A pessoa que cuidarei nos tempos)
Rough and ready years.
(e nas horas ruins)
De que adiantava ficar se martirizando, perguntou-se Tiago. Deveria estar enfeitiçado por aquela garota. Será que não fora ele a vítima de uma poção do amor? Não, Lily não parecia do tipo de pessoa que brinca com os sentimentos dos outros. Mas então por que ele sentia como se sua vida dependesse de um "sim" dela? Será que ela sabia que tinha toda essa influência sobre o maroto e se aproveitava disso para castigá-lo por ser tão desordeiro? Será que se ele mudasse ela o aceitaria?
Tiago sacudiu a cabeça, como que para se livrar desse pensamento. Não, ele nunca mudaria. Muito menos por uma garota. Estava muito satisfeito consigo mesmo. Esse era seu jeito, afinal, e se ela não gostava dele assim, então que o ignorasse! Ele não se importaria mais com isso. Tantas garotas desejando sair com ele e ela ficava fazendo-se de difícil, ora essa... Ele tinha mais era que fazer como Sirius, que não perdera tempo. Estava beijando Zilka desde que a música começara e ele devia estar fazendo o mesmo.
Me, I'll take her laughter and her tears
(Eu, levarei o sorriso dela e suas lágrimas)
And make them all my souvenirs
(E farei de todas elas meus suvenir)
For where she goes I've got to be.
(Pois para onde ela for eu tenho que estar lá)
The meaning of my life is she
(E o significado de minha vida é ela)
Antes que mudasse de idéia, Tiago afastou-se de Milka apenas o suficiente para encará-la. Segurou o rosto pequeno entre suas mãos e pode vê-la fechar os olhos lentamente, esperando. Também fechou os olhos e não pôde conter a imagem de outra pessoa em seus braços. Uniu seus lábios com delicadeza, fazendo a pobre Milka suspirar apaixonadamente. Colocou todo o seu coração naquele beijo, e suspirou ao abrir os olhos no final da música, deparando-se com dois olhos escuros ao invés dos verdes que desejava.
She,
(Ela)
She...
(Ela...)
-- Vamos, Milka? - Zilka estava logo a seu lado, com uma expressão satisfeita, trazendo Sirius pela mão.
-- Mas... a festa ainda nem começou... - Milka tentou protestar, mas a outra estava irredutível.
-- Para nós a festa já acabou. Vamos.
Ela nem esperou pela resposta. Fez questão de atravessar o Salão com Sirius em seu encalço, como um cachorrinho peso por uma corrente, atraindo olhares femininos furiosos. Tiago segurou a mão de Milka e seguiu os dois em silêncio para o Saguão de Entrada e pelo corredor, rumo à sala comunal da Lufa-Lufa.
Sirius e Zilka caminhavam à frente, de mãos dadas, conversando aos cochichos e rindo enquanto Tiago estava imerso em seus próprios pensamentos, sem ter o que dizer para Milka. Afinal, não tinha trocado mais que duas palavras seguidas com ela e sabia que a estava desapontando.
Enfim eles chegaram à tapeçaria que escondia a entrada da sala comunal e Zilka virou-se para Sirius com o semblante sério.
-- Agora você vai direto para sua sala comunal, entendeu?
-- Claro - respondeu o grifinório buscando os lábios da garota, mas ela esquivou-se.
-- Eu saberei se você não o fizer, fofinho.
Tiago fez uma careta, porém Sirius pareceu não se importar com o apelido.
-- Você não confia em seu namorado? - ele não deu tempo dela responder, calando-a com um beijo de desentupir pia, que fez Tiago e Milka se virarem, constrangidos.
Era a vez de Tiago se despedir, apesar de não saber exatamente como agir. Milka estava com a face rosada e olhava para a mão que Tiago segurava.
-- Vamos, Milka - ordenou sua irmã.
Milka levantou os olhos para encarar Tiago.
-- Tchau - disse ela num murmúrio.
Tiago deu um beijo em sua bochecha.
-- Boa noite - disse o garoto e pôde ver os olhos de Milka brilharem com lágrimas não derramadas.
Assim que as duas sumiram por trás da tapeçaria, Sirius passou um braço nos ombros de Tiago e ambos começaram a fazer o caminho de volta.
-- Pontas, tenho uma novidade quentíssima pra você. O Mark vai ter um treco quando souber.
-- O quê?
-- Sabe quais serão os novos artilheiros da Lufa-Lufa?
E como Tiago apenas fez cara de dúvida, Sirius continuou:
-- Os trigêmeos Zeller, do segundo ano.
O queixo de Tiago caiu.
-- Trigêmeos? Caramba! E será que eles são bons mesmo?
-- Bom, isso nós só vamos saber realmente quando jogarmos contra eles, mas a Jenkins estava bastante confiante a respeito disso. E suponho que o fato de serem trigêmeos ajude também, não é mesmo?
-- Foi o que pensei...
-- Sim, mas vamos deixar pra nos preocuparmos com isso depois. Vamos voltar para o baile, pois ainda temos muita festa pela frente. E muitas garotas também.
-- Heim? Nós vamos voltar? Mas você não...
-- Pontas, meu amigo, você realmente não acreditou naquela palhaçada de namoro, não? Ou será que você pensou que eu poderia ter me apaixonado por aquela mexeriqueira?
Tiago não respondeu. Estivera tão imerso em seus próprios pensamentos com Lily que nem reparara direito no grande absurdo do que ocorrera essa noite com o melhor amigo. Sirius continuou:
-- Não, meu caro, desse mal eu não sofro. Sou vacinado. O dia em que eu me apaixonar, pode me internar no St. Mungus, por favor. Eu só fiz essa ceninha toda para conseguir essa informação sobre o time adversário e pra calar a boca dessa garotinha futriqueira e tagarela. Nós ainda teremos notícias dela, não se preocupe. Você acredita que ela me fez prometer escrever para ela todos os dias das férias?
-- Não acredito! E agora? O que você vai fazer?
-- Bem, se tudo correr bem, amanhã nós já teremos terminado - ele esfregou as mãos e sorriu de lado. - Boa caça, amigo.
Nesse momento eles entraram no Salão Principal e Tiago sentiu-se contagiado pelo sermão cafajeste de Sirius. Não se aproximou mais da mesa de Lily e Remo e foi para o jardim três vezes durante o restante da festa. Cada vez com uma garota diferente. Sirius provavelmente tinha superado-o em quantidade, porém isso ele só saberia com certeza na manhã seguinte quando o efeito da bebida - que Mundungo tinha contrabandeado para o baile - passasse...
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N.A. (suspiro) Ai, ai (outro suspiro)... gente, eu estou emocionada! A música é She - Charles Aznavour e eu achei-a perfeita para Lily! Espero que vocês também tenham achado. Esse capítulo deu muito trabalho, sabe... Eu já tinha escrito ele e já estava no capítulo 23 quando perdi o arquivo! Ai que susto! Tive que refazer ele inteirinho! Mas, acho até que ficou melhor que o anterior. Agora, pra quem odiou a Zilka, quem está querendo esganá-la, aguardem o próximo capítulo uhuahuahuahuahua.
dark angel pois é, eu tenho trauma de autoras que demoram séculos para postar, por isso não gosto de fazer isso com vocês, acho muita maldade! Que bom que você gostou desse capítulo! Ai, eu não gosto de maltratar eles, sério! Às vezes escapa uma ou outra maldade, mas eles são marotos, se recuperam muito fácil e ainda conseguem rir de tudo. Está aí, finalmente o baile, espero sinceramente que você tenha gostado, depois de tanta enrolação de minha parte, né! Beijo.
Rodrigo Black Potter você por aqui! Quanto tempo, achei que tinha me abandonado! Que bom que continua acompanhando. Eu fico pensando sobre essa história do Dumbledore saber da animagia e eu estou tentada a acreditar que ele sabia, sim. Afinal, ele sabe de tudo! Como não saberia dessa travessura? É, acho que você tem razão... Beijão e continue acompanhando!
Mione Lupin também amo o Dumbledore, ele é fantástico! Pois é, acho que esse é o ponto: ele sabe, mas prefere não interferir, desde que a travessura seja saudável, não é mesmo? Se fosse alguma coisa grave ele teria tomado providências, mas se tratando dos nossos amados marotos... é isso aí, beijos pra vc.
LeNaHhH Uau, que bom que eu te agradei com o capítulo! Sim, o Dumbledore é um maroto de primeira! Eu sei como é ficar ansiosa por uma fic, eu estou ansiosa por muitas no momento, portanto tento fazer vocês não sofrerem - como eu sofro - atualizando regularmente. Tudo por vocês! Beijos.
Mila está adorando? Que ótimo! Brigada pelos elogios, fico feliz que esteja agradando. Continue acompanhando! Beijo.
Tete Chan oh, provas são desgastantes, eu entendo que você tenha se esquecido da minha fic... snif... brincadeira, aí está o baile! Será que ficou bom? O que me diz? Valeu a pena esperar? rsrsrs nway (sim, estou copiando sua expressão XD) estou aguardando você atualizar sua fic! Cadê? Heim? kissus pra vc também.
Aline adorei sua (risada maléfica) haha, muito boa mesmo. Eu sei que você se diverte com o Dumbie, suas senhas, balinhas de limão e as vestes combinando! Amizade marota é perfeição, é claro. Eles são perfeitos, então a amizade deles é perfeita. O Rabicho não é perfeito, então ele está fora dessa afirmação, vc entende... rsrsrs kis, my dear.
Nessa Reinehr eu já te disse que estava preocupada com seu sumiço, né, pois é, eu estava... que bom que vc riu muito, muito, muito hahaha. Sim, o Dumbie seria um perfeito maroto, não há dúvidas quanto a isso. Ele é fantástico! O Remo é espertinho, né? Sugerindo linhas como detenção! É um maroto mesmo... Beijão, Nessaaaa.
É, vocês se esforçaram bastante! 8 reviews! Mas eu fui boazinha com vocês também, né... postei dois capítulos de uma só vez, olha como eu sou boazinha! Próxima atualização: sábado.
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No próximo capítulo...
-- Bem, eu já terminei de comer, vamos Pontas? Tenho que caçar minhas meias pelo dormitório ainda.
-- Não só as meias, não é? - disse Tiago limpando a boca em um guardanapinho de papel. - Cuecas, gravatas, e uma infinidade de outras coisas que você espalhou por todos os cantos! Vamos. Vocês vêm?
Remo levantou-se em resposta, enquanto Pedro enfiava mais duas bolachas na boca e enchia as duas mãos antes de segui-los. Porém antes que deixassem o Salão Principal, duas garotas idênticas entraram pela porta, parando assim que os avistaram. Uma delas, a que usava os cabelos soltos, meio despenteados, estava com uma cara horrível de raiva e indignação. Cruzou os braços e encarou Sirius como se o desafiasse a se aproximar. Porém foi exatamente isso que o maroto fez.
