Capítulo 3

- Oi, Kamus, como estão as coisas por aqui? - Afrodite perguntou com toda a sua habitual animação.

Kamus estava ajoelhado ao lado de uma barraca, martelando um speck na terra, e nem se virou ao ouvir a voz do amigo.

- Pra ficar péssima ainda vai ter que melhorar muito. - Disse secamente.

Afrodite ficou de cócoras ao lado dele.

- Quer ajuda aí? Eu já terminei por lá e todos foram se trocar para as atividades do dia.

- O que é que a gente tem hoje? - Perguntou, ainda seco, sem encará-lo.

- Hoje é o Torneio de Handebol. Quem tirar o primeiro lugar hoje sai com uma boa vantagem pra cima dos outros. Quem fizer mais pontos até o final da semana ganha. - Comentou ele, animado.

Kamus terminou de bater o speck e põs o martelo de lado, passando as costas da mão pela testa a fim de limpar o suor.

- Quem é que vai jogar pela sua equipe, Kamus?

O outro não falava nada, apenas olhava fixamente para a barraca com um leve quê de irritação.

- Sabe ao menos quem é o capitão da equipe?

- AFRODITE, QUER PARAR DE FAZER PERGUNTAS! - Kamus virou-se subitamente, cheio de raiva.

O grito do amigo pegou Afrodite de surpresa, fazendo-o cair sentado.

- EU ESTOU ME LIXANDO PRA ESSA MERDA DE EQUIPE DE HANDEBOL E PRA MERDA DO CAPITÃO DA EQUIPE!

Afrodite ficou em silêncio por um instante.

- Não grite comigo, Kamus! - Devolveu firmemente em voz alta, quase gritando. - Eu não fiz nada pra você que justifique você gritar comigo!

- VOCÊ ESTÁ AQUI ME ENCHENDO O SACO POR CAUSA DESSA DROGA DE JOGO! EU NÃO SEI, TÁ LEGAL! AGORA SOME DAQUI, AFRODITE, EU NÃO ESTOU MUITO AFIM DE CONVERSA!

Afrodite piscou. Que tipo de agressividade era aquela? Aquilo não era típico do Kamus! O que teria acontecido com ele? Ah, deixe o rabugento aí! Afrodite jogou os cabelos para trás do ombro, colocando-se de pé e espanando a poeira da bermuda.

- Eu não sei o que deu em você, cara. - Disse calmamente. - Mas se gritar comigo mais uma vez sem motivo, pode esquecer que somos amigos. - Afrodite, sem esperar resposta, deu-lhe as costas e começou a se afastar

Kamus ficou vendo o amigo se distanciar. Estava arrependido. Onde estava com a cabeça para gritar com um dos seus melhores amigos? Infelizmente, ele era orgulhoso demais para voltar lá e pedir desculpas. Pelo menos agora.

- Por que você gritou com seu amigo?

Kamus virou-se. Conhecia aquela voz, mas seus ouvidos recusavam-se a acreditar que era ele.

Miro sentou-se na beirada da lona, ao lado de Kamus. Diferente de antes, falava de forma amena, quase inexpressiva.

- O que te importa? - Kamus foi curto e grosso.

- Nossa, desculpa, velho rabugento. - Ainda calmo. - Mas eu pensei que você fosse gentil pelo menos com os seus amigos.

- Ah, do que você sabe! - Só então Kamus virou o rosto para encará-lo. Notou que ele já usava uma roupa mais leve e o uniforme de handebol de cor amarela clara com o número 7 estampado nas costas por cima da camiseta branca.

Miro deu de ombros.

- Só sei que eu não trato os meus amigos assim. - Ele apoiou as mãos no chão e colocou-se de pé. - O jogo vai começar daqui a pouco. Você precisa de ajuda para montar a barraca?

- Não, EU já terminei de montar, arigatou. - Falou em tom seco, dando ênfase no "eu".

- Como quiser. Depois a gente precisa delimitar os espaços. De qualquer forma, você vai ir assistir o jogo de handebol? - Ele estendeu a mão para Kamus. - Vamos jogar contra a equipe daquele amigo seu que você acabou de dispensar.

Kamus ignorou a mão, levantando-se sozinho.

- Você vai jogar, não é?

- Sou capitão.

- Então não conte comigo, não estou afim de ver nossa equipe perder de lavada.

Miro piscou.

- Como é que é! Você duvida da minha capacidade!

- Sim. - Kamus ergueu os ombros, falando tranqüilamente. - Você parece não saber nem como se segura uma bola!

Miro avançou um passo na direção dele, irritado.

- Por que não vai lá conferir, querido monitor? - Echeu as últimas duas palavras de ironia.

- Vou pensar. - Sorriu pelo canto da boca.

Ele estendeu o dedo indicador na direção do nariz de Kamus.

- Você estará lá! E eu vou lhe provar que eu sou o melhor jogador de handebol do mundo! - Miro se virou, afastando-se a passos duros, deixando Kamus sozinho ali.

Kamus nada fez a não ser acompanhar o rapaz com os olhos. Inspirou fundo e expirou. De quem fora aquela bela idéia de acampamento de esportes?

Miro praticamente voou pela grande área, jogando a bola com tal força que ela explodiu contra a rede do gol, quase arrebentando-a.

- PONTOO, MIRO! - Gritou Shura, dando tapinhas nas costas dele enquanto corriam para formar a defesa.

- Hehehehe, se continuar assim, a gente já ganhou! - Miro se livrou da franja insistente que caía em seus olhos

- É!

O jogo estava em 15 à 8 para a equipe Aquário. Miro era mesmo um jogador fantástico, Kamus tinha que adimitir. Todas as fintas dele eram perfeitas, enganando às vezes até os jogadores do seu próprio time. Sem falar que ele marcara 11 dos 15 gols. A equipe de Afrodite certamente perderia aquele jogo.

Kamus estava encostado em uma das vigas que sustentavam a cobertura. Já havia trocado a roupa suada e suja de terra por uma mais leve. Talvez depois ainda caísse na piscina. O jogo corria animado, com as meninas de todas as equipes gritando histéricamente ao seu lado sempre que Miro fazia algum gol. Ele porém não prestava muita atenção no jogo e muito menos no no capitão com quem seria obrigado a dividir uma barraca. Vez ou outra, dançava os olhos pela torcida, tentando encontrar Afrodite.

Afrodite decidiu dar uma volta. Explorou todo o lugar, até descobrir, atravessando o pomar, várias pedras imensas espalhadas. Subiu na mais alta, que ficava levemente debruçada na encosta do alto barranco. Dava para ver um mar de campos verdes e pomares de outras fazendas, casinhas e pastos. O céu parecia ainda mais azul em contraste com aquele verde todo. Ficaria um bom tempo sentado ali, admirando a paisagem. Pensava em toda a confusão que havia acabado de acontecer.

Miro fez mais um ponto e começou a correr para o seu lado do campo. As meninas gritaram histericamente. Ele pôde decifrar alguns "Fica comigo, Miro!" entre os berros. Seus olhos localizaram Kamus. Este nem lhe dava atenção, olhava atentamente para a torcida. Parecia procurar alguém.

Bufou, inconformado. Kamus não dava a menor atenção para ele? Como ousava?

- MIROOOO!

A bola que Shura jogou passou zunindo ao lado da orelha esquerda de Miro, saindo pela lateral. Um jogador do outro time se adiantou para a bola.

- MIRO, CONCENTRE-SE! - Gritou Aioria.

- DESCULPA, NÃO TAVA PENSANDO!

Miro fez ainda mais 3 gols antes do final da partida. O resultado foi de 19 x 12 para a equipe Aquário, que tornaria a jogar às 4h da tarde do mesmo dia, para decidir quem ganharia o torneio de Handebol.

Quando o jogo terminou, Miro varreu as laterais da quadra com os olhos. Kamus não estava lá. Bufou novamente, cansado e com raiva.

Kamus saiu de lá um pouco antes do jogo terminar. A piscina estava vazia. Abriu o portão da grade e despiu a camiseta, jogando-a sobre uma das cadeiras, retirou o tênis e as meias. Precisava esfriar a cabeça. Estava mesmo muito irritado sem motivo. Ainda não tinha falado com Afrodite. Queria se desculpar com o amigo. Pulou, sentindo o corpo refrescar-se com a água gelada. Atravessou a piscina a braçadas largas várias vezes. Talvez tivesse sido melhor ter escolhido natação, como Mu. Depois de Basquete, era o esporte de que mais gostava.

Ficaria ali até que mais alguém aparecesse.

Miro foi até o vestiário junto com o resto do time. Sentia os cabelos grudarem na nuca e na testa, incomodando-o. Ao chegar, debruçou-se na pia e jogou bastante água gelada no rosto. Seria besteira tomar banho àquela hora, posto que teriam mais um jogo mais tarde. Talvez uma piscina não caísse mal.

- Ei, turma, vocês vão assistir o jogo entre Áries e Virgem? - Perguntou Aioria, retirando a camiseta do uniforme.

- Claro! Precisamos ver se eles são bons mesmo, não é, Miro? - Comentou Seiya, rindo.

Miro ainda estava debruçado na pia, sem se mexer, os olhos fixos no ralo, as gotas d'água escorrendo pelo seu rosto.

- Miro?

- ...

- Ow, morreu! - Shura deu um tapa na cabeça dele, afim de acordá-lo.

- Ahh! como é que é! - Ele levantou-se com energia. - Posso saber por que me bateu!

- Por que você tava dormindo com a cabeça enfiada nessa pia! E ae, vamos ver o próximo jogo?

Miro passou a mão pelos cabelos.

- Ah, vão vocês! - Miro cruzou o vestiário, indo em direção à porta.

- Como assim? Onde você vai?

- Nadar. - Disse simplesmente, abrindo a porta. - Mas eu não quero ninguém indo lá me amolar, ouviram bem? - Fechou a porta.

Todos se entreolharam.

- Miro estressado? - Comentou Shura. - Tem alguma coisa errada...

Miro caminhou por todos os lugares da chácara, procurando o desgraçado do Kamus. Só faltava procurar na piscina. Riu sozinho. Aquele branquelo numa piscina? Se estivesse, certamente sairia mais vermelho que um camarão!

Kamus boiava, olhando para o céu distraidamente. Tantas coisas pra pensar! As notas de química e física haviam caído, pouco, mas haviam caído. A briga com Afrodite começava a pesar em sua consciência. A culpa era toda do tal Miro, Afrodite não tinha nada a ver com isso. Na verdade, a culpa de tudo aquilo era da droga daquele acampamento! Onde é que estava com a cabeça quando deciciu ouvir Shaka?

Estava com os ouvidos sob a água e não ouviu o barulho da grade sendo aberta.

Fechou os olhos. E agora teria que dividir aquele espacinho da barraca com aquele moleque sem educação! Dividiriam aquela barraca em dois, com arame farpado se necessário! E se ele ousasse ultrapassar a linha estabelecida, as coisas iriam realmente ficar feias!

Sentiu uma movimentação na água. Quando fez menção de colocar-se de pé, sentiu seu abdomen ser impulsionado para baixo e sua cabeça afundou repentinamente. Sua boca encheu-se de água e ele acabou engolindo-a pela boca e nariz, na ânsia por ar. Começou a debater-se e logo em seguida colocou-se de pé. Sua cabeça, que estava abaixada, doía e ele não conseguia parar de tossir.

- Que... - Terminou de tossir, depois ergueu os olhos. O que viu piorou ainda mais o seu humor, que já não estava dos meslhores. - EM QUE DIABOS VOCÊ ESTAVA PENSANDO?

Miro nada falou, os braços cruzados no peito nu, sua cara fechada numa expressão séria e insatisfeita que poria medo em qualquer um. Menos em Kamus.

- Então é aqui que você estava? Por que não foi ver o meu jogo?

- Mas eu fui. Ah, e você joga muito bem. - Disse sem emoção, nadando para a borda e saindo da piscina.

- Ah, você assistiu alguma coisa? - Disse , seu sorriso e sua voz cheios de ironia. - Por que tudo o que eu vi foi você procurando alguém naquele mundaréu de gente!

- Hm, mas eu vi um pouco sim e você joga bem. - Continuou, no mesmo tom. Pegou sua camiseta e seus tênis.

- Onde você vai?

- Vou me secar, posso? - Falou secamente.

- Não, não pode enquanto não me jurar que vai assistir o meu jogo às quatro da tarde de hoje! - Ele também saiu da piscina e caminhou até ficar na frente de Kamus.

- Por que quer tanto que eu vá ver você jogando, droga! - Kamus já estava muitíssimo irritado. pousou a mão no ombro dele e empurrou para o lado num pedido mudo de que queria passar.

- Porque você fica achando que eu não tenho capacidade pra nada! - Miro saiu da frente dando-lhe espaço, mas continuou falando firme atrás dele. - Eu sou muito bom nisso!

- Eu sei, eu vi. - Sem emoção, sem se virar, abrindo o portão de arame.

Miro ficou em silêncio. Kamus ia em direção ao vestiário. Quando ele já estava bem distante, Miro correu e segurou firme na grade.

- PARA O SEU BEM, É BOM VOCÊ DAR AS CARAS POR LÁ! EU QUERO VER VOCÊ PRESTANDO ATENÇÃO EM MIM NAQUELE JOGO!

Kamus nem sinal fez. Fingiu que não era com ele.

- Faltam 2 minutos de jogo! Miro, ainda dá pra você fazer mais um ponto! - Gritou Shura, passando a bola.

Miro jogava com energia. Não via Kamus. O desgraçado não aparecera! Sentia raiva. Dessa vez(e somente dessa) ele não queria se mostrar. Ele queria descontar a sua raiva por Kamus na bola e no gol. De vez em quando errava a mira e acabava acertando em cheio a barriga do goleiro da Equipe Gêmeos, fazendo-o gemer de dor. O jogo estava um pouco mais acirrado que o último, 13 a 12, e ainda dava tempo de um último gol.

- VAI, MIROOO! - Seiya gritou, arremessando a bola.

Miro a pegou no ar com destreza, fez a finta e com um salto sobre-humano furou a defesa e enterrou a bola bem entre as pernas do goleiro.

O juiz apitou, anunciando o fim da partida.

A equipe aquário invadiu a quadra, aclamando os jogadores, principalmente Miro.

- Miro, você estava fantástico! - Fez charminho uma menina.

- Sim! Miro! Miro! - Gritava outra.

- Sai comigo! - Diziam as mais ousadas.

Miro empurrava todo mundo, tentando abrir passagem entre aquele povo todo. Sua camisa colava nas costas e no peito, seu cabelo incomodava os olhos e a nuca. Queria um banho, e desses bem demorados.

- EI, MIROO! - Gritou-o Seiya. - A GENTE VAI LÁ COMEMORAR COM AS MENINAS, TÁ AFIM!

Miro forçou um sorriso.

- NÃO, EU PRECISO DE UM BANHO!

Se afastou da gritaria e da multidão, em direção ao vestiário. No meio do caminho já despiu a camiseta. Arrependeu-se quando sentiu o cabelo repicado pinicar as costas.

Quando empurrou a porta, ouviu um barulho de chuveiro ligado. Quem seria? Estava todo mundo comemorando, até quem era de outras equipes! Quem estaria lá?

Mais para o fundo, por trás de um paredão, havia cinco boxes enfileirados com portas de plástico fumê . O chuveiro ligado estava no quinto boxe. Se aproximou devagar. Iria só dar uma espiada em quem estava tomando banho. Quem era o cara que não estava comemorando? Isso era estranho, posto que, aparentemente, o único mal humorado do acampamento era ele.

Miro havia esquecido do segundo mal humorado.

Quando estava quase se aproximando, o chuveiro se desligou e a porta se abriu lentamente. Kamus saiu, a mão estendida pra pegar a toalha no suporte preso a parede.

Os dois se encararam fixamente, tão surpresos que não sabiam nem o que falar. Kamus notou quando os olhos de Miro escorregaram por seu tórax indo parar no seu...

- EIII, O QUE VOCÊ FAZ AQUI! - Kamus acordou de seu transe momentâneo, enrubescendo violentamente devido à sua atual condição, terminando de pegar a toalha e enrolando-a rapidamente na cintura.

- Esse vestiário é para todos, sabia? - Disse ele, aparentemente sem se preocupar com a situação embaraçosa.

- Sabia sim, mas o que você veio fazer aqui!

- O que é que VOCÊ está fazendo aqui! - Miro avançou. - Pensei ter dito que queria você lá naquele jogo!

- Sinto muito, eu precisava lavar meu cabelo, e isso leva tempo. - Ele sorriu sarcasticamente. - Acabei perdendo a hora!

Miro fechou os punhos.

- Ora, seu... - Disse entre dentes. - Por que você não foi!

- Já respondi.

- Mas... mas... - Ele começou a respirar apressado. Tentava manter a calma.

- "Mas" nada. Eu não fui e boa! Qual foi o resultado? - Perguntou com pouco caso, deixando claro que aquilo não lhe era importante.

- Eu... eu não...

- Você está bem suado, imagino que tenha feito muitos gols. - Kamus sorriu sem sinceridade, passando por ele e indo alcançar suas roupas num balcão do outro lado.

Miro não disse mais nada. Entrou no box aberto até onde há pouco estava Kamus e abriu o chuveiro, se enfiando embaixo dele de tênis e bermudas. Deixou a água escorrer pelo rosto, para disfarçar as lágrimas de ódio que se formaram em seus olhos azuis. Prestou atenção. Quando o som da porta do vestiário se fechando foi ouvida, deduziu que estava sozinho.

- IDIOTA! - Fechou o punho e deu um murro contra a parede do box. - POR QUE É QUE VOCÊ NÃO CONFIA EM MIM!

O som das palavras ecoou pelo vestiário, mas elas não foram ouvidas por ninguém. Miro permaneceu ali, na mesma posição, durante um bom tempo. Só terminou o banho quando percebeu que logo os outros chegariam para se banhar e o pegariam ainda ali embaixo. Ademais, ainda teria que fazer uma média na tosca festa de comemoração dos amigos.

Terminou de enxaguar a espuma do corpo e se enxugou ali mesmo. Suspirou, lembrando-se do que teria que enfrentar. A noite seria um inferno. E seria apenas a primeira.